Esta matéria publicada na Folha de hoje é importante para o constitucionalismo latino americano
O discreto charme do populismo Folha de São Paulo 15 de dezembro de 2013
Teórico argentino destrincha as razões desse fenômeno político
ELEONORA DE LUCENA
RESUMO Livro de Ernesto Laclau publicado agora no Brasil revê o populismo em chave bem diversa do menosprezo e desdém em geral atribuído a ele. Para o pesquisador, a prática política representa uma articulação profunda por mudanças institucionais e teve papel preponderante na consolidação da democracia na América Latina.
O populismo foi essencial na construção de governos nacionais e populares na América Latina e "teve um papel enormemente positivo para a democracia no continente". A visão é do sociólogo e historiador argentino Ernesto Laclau, 78, um especialista no tema que divide o debate político e horroriza setores conservadores.
Parafraseando o célebre "Manifesto Comunista", de Karl Marx, ele afirma: "Há um fantasma que assombra a América Latina e esse fantasma é o populismo".
Professor emérito de teoria política da Universidade de Essex (Grã-Bretanha), Laclau mergulha no fenômeno em "A Razão Populista" [trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Três Estrelas, R$ 69,90, 384 págs.].
Para ele, a ascensão de movimentos de massas no continente provoca mudanças em governos, que assumem características nacional-populares. Há batalhas por alterações institucionais e inevitáveis choques com elites. Institucionalismo versus populismo --aí está o embate.
"A participação democrática das massas, com seus ideais comunitários, não se ajusta a Estados liberais tradicionais", afirma ele, em entrevista à Folha.
Afinal, as instituições nunca são neutras. "Elas são a cristalização de uma relação de forças entre grupos sociais. Quando mudam essas relações, as instituições --e até as constituições-- precisam ser modificadas. Estamos num processo de mudança no qual as novas forças sociais estão fazendo novas demandas e, naturalmente, vão se chocar com vários aspectos constitucionais estabelecidos anteriormente, em sociedades que eram muito diferentes", analisa.
É para bloquear essa ascensão das massas que o poder conservador trata de se agarrar a essas antigas formas institucionais e faz uma cruzada antipopulista, avalia Laclau. "Não que as instituições tenham que ser abolidas, mas precisam ser reformadas", pondera. "As instituições da República Velha do Brasil não funcionariam na sociedade contemporânea", exemplifica o professor.
Laclau se refere especialmente às mudanças institucionais ocorridas na Bolívia, no Equador e na Venezuela.
Nesse último país, diz que houve uma mudança radical, que deixou para trás uma sociedade desestruturada e com pouca participação de massas. Destaca o papel das "misiones" (os programas sociais chavistas), que formam grupos autônomos em distintos níveis da comunidade. "Essa sociedade necessita instituições novas, e os conservadores querem manter as instituições mais tradicionais."
Também no Equador o debate foi para mudar leis dos anos 1990, que refletiam o apogeu do neoliberalismo e das ideias do Consenso de Washington implantadas no país. Situações semelhantes ocorrem na Bolívia, com participação indígena, e na Argentina.
Pergunto sobre o alegado viés autoritário que, segundo alguns, está embutido em mudanças nesses países. Laclau diz que a acusação é absurda. Cita as eleições periódicas que ocorrem hoje no continente. E lembra as ditaduras que proliferaram por aqui no século 20, especialmente do Chile de Augusto Pinochet.
"Se houve um ataque autoritário às instituições, esse ataque não veio do populismo, veio do neoliberalismo", declara.
RETÓRICA O populismo é alvo de achincalhe, menosprezo, desdém. Muitas vezes, é apontado como simples retórica. É o que Laclau descreve, com exemplos históricos, em todo um capítulo. "O populismo não só tem sido degradado mas também denegrido. Seu rechaço tem sido parte da construção discursiva de certa normalidade, de um universo político ascético do qual sua lógica perigosa teria que ser excluída", diz.
É dessa concepção de um mundo sem ação das massas que surgem as conhecidas ideias de que governos devem ser exercidos por técnicos e gestores teoricamente competentes? "Trocar a política pela administração tem sido sempre a ideologia conservadora das elites econômicas da América Latina", responde Laclau.
E observa que não é à toa que na bandeira brasileira consta o lema positivista "ordem e progresso".
E o que é, então, o populismo? Para Laclau, é "uma forma de construir o político, não é uma ideologia". Supõe uma divisão da sociedade em dois campos e ocorre quando os "de baixo" interpelam o poder. Surge quando as instituições já não são capazes de absorver as reivindicações dos "de baixo". "Tais demandas tendem a se aglutinar fora do sistema, num ponto de ruptura com o sistema. É o corte populista", define.
É na construção desse conceito que se desenrola o livro "A Razão Populista", publicado originalmente na Grã-Bretanha em 2005. Na apresentação da edição brasileira, os professores Alice Casimiro Lopes e Daniel de Mendonça frisam que o populismo "não é uma anomalia ou mesmo um subdesenvolvimento irracional da democracia representativa".
Eles ressaltam que o populismo, na concepção de Laclau, não pode ser resumido apenas à relação entre liderança política e população, ao seu carisma. Mas representa uma articulação política muito mais profunda, uma "construção do povo contra o seu inimigo" --pobres versus ricos, nacionais versus estrangeiros. O povo não é uma categoria estática, mas sempre uma construção discursiva, com as mais diversas experiências e tendências ideológicas.
Licenciado em história pela Universidade de Buenos Aires, Laclau foi para a Inglaterra nos anos 1970. Dirigiu o Centro de Estudos Teóricos em Humanidades e Ciências Sociais em Essex. Escreveu "Política e Ideologia na Teoria Marxista" (Paz e Terra, 1978) e "Emancipação e Diferença" (Eduerj, 2011).
Por telefone, desde Londres, o historiador afirma que na República Velha brasileira os canais para as demandas ocorriam por meio do coronelismo e outras formas de poder. "Em certo momento, as demandas das massas começaram a ser mais amplas do que os canais institucionais tradicionais podiam absorver. Então começam a ser produzidos momentos de ruptura: a Coluna Prestes, a Revolução de 1930, o Estado Novo. É um processo de rompimento com os canais tradicionais de absorção das demandas e de formulação das demandas."
Como comparar Getúlio Vargas com Juan Domingo Perón?
"Perón encarnava um populismo mais radical", avalia Laclau. A Argentina naquela época tinha núcleos industriais bem definidos (Buenos Aires, Rosario, Córdoba) e uma sociedade mais homogênea. "Vargas encontrou uma base social muito mais heterogênea. O Brasil é mais regionalizado do que a Argentina. Getúlio foi um líder populista impuro, mas um articulador de interesses muito visíveis."
Laclau lembra que o processo de construção da democracia na América Latina tem características específicas. Na Europa, o Legislativo assumiu um papel de protagonista, ao levar as reivindicações populares ao poder monárquico centralizador. Aqui, aconteceu o contrário.
"O poder parlamentar era o poder das oligarquias locais, de proprietários de terras, de interesses agrários que se organizavam em torno do Estado. Na América Latina, o Poder Executivo tem sido mais democrático que o Legislativo e segue sendo central na democracia de hoje", analisa.
ORIENTAÇÃO Segundo Laclau, o populismo pode ser de direita ou de esquerda --é indeterminado do ponto de vista de sua orientação ideológica. "O fascismo italiano e o maoísmo na China foram populismos", defende. Se atualmente, na América Latina, "o populismo está ligado à ascensão de regimes de esquerda e se fundamenta na construção de uma ordem nacional e popular que rompa com os ditames do Consenso de Washington", na Europa é diferente.
Lá, aponta o sociólogo, "temos um populismo étnico em países do Leste, após a desintegração do sistema soviético; um populismo também de direita na Europa Ocidental, baseado na xenofobia e no repúdio aos imigrantes". São casos de um populismo "conservador e reacionário, que não é progressivo em nenhum aspecto". Ao contrário do que ocorre na América Latina, aí o populismo é negativo na classificação de Laclau.
Na história brasileira, ele inclui Adhemar de Barros entre os populistas, comparando-o com Mao Tse-tung. São dois exemplos extremos. Na Grande Marcha chinesa, há a tentativa de constituir "o povo' como ator histórico a partir de uma pluralidade de situações antagônicas". O contexto é de guerra civil, invasão japonesa. Existe a intenção de romper com a ordem institucional e construir outra.
Já em Adhemar, do lema "rouba, mas faz", Laclau enxerga um clientelismo e um sistema de corrupção que, à primeira vista, pouco têm a ver com o projeto emancipatório de Mao. Mas ele define os dois como populistas. "O elemento comum é fornecido pela presença de uma dimensão anti-institucional, de certo desafio a uma normalização política, à ordem habitual das coisas'. Em ambos os casos ocorre um chamado aos despossuídos", argumenta.
Há a atração popular pelo criminoso de alto coturno, por alguém que está fora do sistema legal e o desafia, diz Laclau, acrescentando que "o clientelismo não é necessariamente populista".
O que acha o sociólogo sobre o "lulismo"? "É um fenômeno altamente positivo na sociedade brasileira", responde, especialmente porque elabora um equilíbrio entre uma nova participação de massas e a transformação do Estado.
E Lula é um populista? Parcialmente, diz. "Lula foi um construtor de uma sociedade civil nova", declara. Para ele, o ex-presidente foi muito importante para "valorizar a integração latino-americana", estruturando o Mercosul e rechaçando a implantação da Alca, almejada pelos EUA.
Apesar das muitas nuances e diferenças, Laclau avalia que, "no essencial, o Brasil acompanhou o processo de afirmação nacional e popular no continente". Os protestos recentes mostram que não há ligação direta entre a melhoria das condições econômicas e as manifestações por mudança.
Pelo mundo, ele identifica um elo entre as várias revoltas que eclodiram a partir da crise de 2008: a menor capacidade das instituições tradicionais de absorver as demandas das massas. "As pessoas não se reconhecem no sistema político e começam a se mobilizar fora dele", advoga.
Na visão de Laclau, "uma das coisas boas dos regimes populares da América Latina é que conseguiram combinar bastante bem as mobilizações dos de baixo' com uma tentativa de mudar a estrutura do Estado. Isso funcionou na região muito melhor do que na Europa, que é mais impermeável a modificações. Lá as pessoas percebem que há poucas possibilidades de mudanças dentro do sistema".
Esse fato, segundo ele, ajuda a explicar os problemas que a esquerda enfrenta no velho continente. De um lado, há burocratização de regimes distanciados das massas; de outro, massas que protestam sem almejar o Estado e sem maior organização.
"Não creio no discurso que diz não se importar com o poder estatal. A mobilização das massas, se não é acompanhada de um projeto de transformação política, tende à dispersão", alerta. Para ele, os movimentos precisam buscar autonomia e "transformar o Estado".
LEADERSHIPJUNE 2013
Do Presidents Really Steer Foreign Policy The Altantic Policy?
They can—but mainly by doing things other than what we want and expect from them.
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Lincoln Agnew
Americans seemed to like this situation. In the 2012 presidential campaign, both major-party candidates insisted that American power was not in decline, and vowed that they would maintain American primacy. But how much are such promises within the ability of presidents to keep? Was presidential leadership ever essential to the establishment of American primacy, or was that primacy an accident of history that would have occurred regardless of who occupied the Oval Office?
Leadership experts and the public alike extol the virtues of transformational leaders—those who set out bold objectives and take risks to change the world. We tend to downplay “transactional” leaders, whose goals are more modest, as mere managers. But in looking closely at the leaders who presided over key periods of expanding American primacy in the past century, I found that while transformational presidents such as Woodrow Wilson and Ronald Reagan changed how Americans viewed their nation’s role in the world, some transactional presidents, such as Dwight D. Eisenhower and George H. W. Bush, were more effective in executing their policies.
Transformation involves large gambles, the outcomes of which are not always immediately evident. One of history’s great strategists, Otto von Bismarck, successfully bet in 1870 that a manufactured war with France would lead to Prussian unification of Germany. But he also bet that he could annex Alsace-Lorraine, a move with enormous costs that became clear only in 1914.
Franklin D. Roosevelt and Harry Truman made transformational bets on, respectively, the nation’s entry into World War II and the subsequent containment of the Soviet Union, but each did so only after cautious initial approaches (and in Roosevelt’s case, only after the Japanese bombed Pearl Harbor). John F. Kennedy and Lyndon Johnson mistakenly bet that Vietnam would prove to be a game of dominoes, whereas Eisenhower—who, ironically, had coined the domino metaphor—wisely avoided combat intervention. And Richard Nixon, who successfully bet on an opening to China in 1971, lost a nearly simultaneous bet in severing the dollar’s tie to gold, thus contributing to rampant inflation over the subsequent decade.
George W. Bush most resembled not Ronald Reagan or Harry Truman, but Woodrow Wilson.
Compare Woodrow Wilson, a failed transformational president, with the first George Bush, a successful transactional one. Wilson made a costly and mistaken bet on the Treaty of Versailles at the conclusion of the First World War. His noble vision of an American-led League of Nations was partially vindicated in the long term. But he lacked the leadership skills to implement this vision in his own time, and this shortcoming contributed to America’s retreat into isolationism in the 1930s. In the case of Bush 41, the president’s lack of what he called “the vision thing” limited his ability to sway Americans’ perceptions of the nation and its role in the world. But his execution and management of policy was first-rate.Consider, too, the contrast between the elder Bush’s presidency and that of his son, George W. Bush, who has been described as having been obsessed with being a transformational president. Members of the younger Bush’s administration often compared him to Ronald Reagan or Harry Truman, but the 20th-century president he most resembled was Wilson. Both were highly religious and moralistic men who initially focused on domestic issues without an eye toward foreign policy. Both projected self-confidence, and both responded to a crisis boldly and resolutely. As Secretary of State Robert Lansing described Wilson’s mind-set in 1917: “Even established facts were ignored if they did not fit in with his intuitive sense, this semi-divine power to select the right.” Similarly, Tony Blair observed in 2010 that Bush “had great intuition. But his intuition was less … about politics and more about what he thought was right and wrong.” Like Wilson, Bush placed a large, transformative bet on foreign policy—the invasion of Iraq—and, like Wilson, he lacked the skill to implement his plan successfully.
This is not an argument against transformational leaders in general. In turbulent situations, leaders such as Gandhi, Mandela, and King can play crucial roles in redefining a people’s identity and aspirations. Nor is it an argument against transformational leaders in American foreign policy in particular. FDR and Truman made indelible contributions to the creation of the American era; others, such as Nixon, with his opening to China, or Carter, with his emphasis on human rights and nuclear nonproliferation, reoriented important aspects of foreign policy. But in judging leaders, we need to pay attention both to acts of commission and to acts of omission—dogs that barked and those that did not. For example, Ike refused to follow numerous recommendations by the military to use nuclear weapons during the Korean, Dien Bien Phu, and Quemoy-Matsu crises, at one point telling an adviser, “You boys must be crazy. We can’t use those awful things against Asians for the second time in less than 10 years.” In 1954, he explained his broader thinking to the Joint Chiefs of Staff. Suppose it would be possible to destroy Russia, he said. “Here would be a great area from the Elbe to Vladivostok … torn up and destroyed, without government, without its communications, just an area of starvation and disaster. I ask you, what would the civilized world do about it?” George H. W. Bush likewise largely eschewed transformational objectives, with one important exception: the reunification of Germany. But even here, he acted with caution. When the Berlin Wall was opened in November 1989, partly because of a mistake by East Germany, Bush was criticized for his low-key response. But his deliberate choice not to gloat or to humiliate the Soviets helped set the stage for the successful Malta summit with Mikhail Gorbachev a month later.
Transformational leaders are important because they make choices that most other leaders would not. But a key question is how much risk a democratic public wants its leaders to take in foreign policy. The answer very much depends on the context, and that context is enormously complex, involving not only potential international effects, but the intricacies of domestic politics in multiple societies. This complexity gives special relevance to the Aristotelian virtue of prudence. We live in a world of diverse cultures, and we know very little about social engineering and how to “build nations.” And when we cannot be sure how to improve the world, hubristic visions pose a grave danger. For these reasons, the virtues of transactional leaders with good contextual intelligence are also very important. Good leadership in this century may or may not be transformational, but it will almost certainly require a careful understanding of the context of change.
Decline, for example, is a misleading description of the current state of American power—one that President Obama has thankfully rejected. American influence is not in absolute decline, and in relative terms, there is a reasonable probability that the country will remain more powerful than any other single state in the coming decades. We do not live in a “post-American world,” but neither do we live any longer in the American era of the late 20th century. No one has a crystal ball, but the National Intelligence Council may be correct in its 2012 projection that although the unipolar moment is over, the U.S. most likely will remainprimus inter pares at least until 2030 because of the multifaceted nature of its power and the legacies of its leadership.
The U.S. will certainly face a rise in the power of many others—both states and nonstate actors. Presidents will increasingly need to exert power with others as much as over others; our leaders’ capacity to maintain alliances and create networks will be an important dimension of our hard and soft power. The problem of America’s role in the 21st century is not the country’s supposed decline, but its need to develop the contextual intelligence to understand that even the most powerful nation cannot achieve the outcomes it wants without the help of others. Educating the public to both understand the global information age and operate successfully in it will be the real task for presidential leadership.
All of which suggests that President Obama and his successors should beware of thinking that transformational proclamations are the key to successful adaptation amid these rapidly changing times. American power and leadership will remain crucial to stability and prosperity at home and abroad. But presidents will be better served by remembering their transactional predecessors’ observance of the credo “Above all, do no harm” than by issuing stirring calls for transformational change.
Joseph S. Nye Jr. is a University Distinguished Service Professor at Harvard. This article and the accompanying sidebar are adapted from his upcoming book, Presidential Leadership and the Creation of the American Era.