segunda-feira, 28 de junho de 2010

Precaução - origem do termo

No Magazine Littéraire de junho de 2010 número 498, pág, 106 na seção tradicional da revista sobre as origens das palavras na lingua francesa, discute-se a origem de "precaução" (principio). Ela vem do latin da inscrição "cave canem". "Cautio" vem é o substantivo originário do verbo "cavere". Tenha temor pelos caês. Assim, a marca da precaução é o medo, é o temor ao futuro. O século XVIII fala-se "tomar precauções" - torna-se então um ato sábio. O autor do estudo sobre "precaução" alerta que hoje deveriamos falar mais de "postcaution" que retrataria o quadro do século XXI - os responsáveis não pagam pelos erros e sim as vitimas.

Equador e a questão do petroleo

Folha de São Paulo de 28 de junho de 2010

Governo Correa fecha cerco a petroleiras
Presidente propõe lei que garante ao Equador 25% da renda bruta de campos explorados por empresas estrangeiras

Petrobras, que extrai 32 mil barris por dia no país andino, estaria entre as companhias afetadas por mudança

Dolores Ochoa - 25.jun.10/Associated Press

O presidente do Equador, Rafael Correa, entre os colegas Evo Morales (à esq.) e Hugo Chávez durante cúpula da Alba

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

O presidente do Equador, Rafael Correa, enviou ao Legislativo, para tramitação urgente, projeto de reforma da lei de hidrocarbonetos para regular os contratos com 34 petroleiras privadas no país -entre elas a Petrobras.
O projeto, enviado na sexta-feira, terá força de lei se não for votado em até um mês e é mais uma tentativa do governo esquerdista para pressionar as companhias a migrarem do atual contrato, no qual têm participação no negócio, para regime no qual serão prestadoras de serviço, com maior margem de arrecadação para o Estado.
A novela da renegociação se arrasta desde 2007, e Correa tem dito que as empresas que não se ajustarem ao novo marco legal receberão pelo que investiram e serão convidadas a deixar o país.
Em outubro de 2008, a Petrobras foi a primeira petroleira estrangeira a anunciar que aceitava negociar com o governo um novo regime tributário. À época, foi fixado prazo de um ano para as discussões, mas o processo se alonga até agora.
Os negócios da petroleira estatal no Equador incluem o bloco 18, que produz em média 32 mil barris de petróleo por dia, e o campo unificado de Palo Azul.

NOVO REGIME
A partir da sanção da nova legislação, as companhias com maior volume de negócios no país terão 120 dias para assinar o novo contrato.
Além da Petrobras, fazem parte da categoria a hispano-argentina Repsol-YPF, o consórcio chinês Andes Petroleum e a italiana Eni.
O prazo-limite responde a reiteradas declarações de Correa sobre o "fim da paciência" com as petroleiras e acusações de que, com a postergação, elas ganhavam dinheiro por conta da recuperação dos preços do petróleo no mercado mundial.
Em maio, o ministro de Recursos Não Renováveis do Equador, Wilson Pastor, incluiu a Petrobras entre as empresas nas quais via disposição para negociar. Na última semana, afirmou, em entrevista ao jornal "El Comercio" que as empresas terão rentabilidade "razoável" sob o novo regime, ainda que ele não seja atrativo para todas.
"Empresas como a Repsol vão ficar, as empresas chinesas vão ampliar sua atividade de exploração, mas grandes companhias como a [americana] Exxon não estariam interessadas em vir porque os campos do Equador já são maduros [já há algum tempo em exploração]."
Pela lei, o Estado equatoriano cria a "margem de soberania" pelo qual o governo deve ficar com ao menos 25% da renda bruta dos campos. Segundo o "El Comercio", essa fatia poderá ser paga pelas petroleiras em dinheiro ou em barril de petróleo.
O projeto prevê ainda um imposto fixo único a ser cobrado por barril de petróleo extraído, que considerará riscos do campo e investimentos feitos pelas empresas. A fórmula de ressarcimento pelos investimentos é um dos pontos-chave da negociação, já que o governo também cobra frequentemente as petroleiras pelo tema.
Segundo Pastor, as principais petroleiras privadas oferecem investir no país US$ 1,8 bilhão nos próximos cinco anos, quantia que o governo considera insuficiente.
O governo Correa pressiona para aumentar arrecadação do Estado no setor -que financia 25% do Orçamento equatoriano- no momento em que o país enfrenta queda na produção. De janeiro a maio, as empresas privadas reportaram redução de 10% na extração.
O Equador é o menor produtor em volume de petróleo a integrar a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O país produz 470 mil barris por dia -quase a metade é extraída por companhias privadas.

domingo, 27 de junho de 2010

Democracia e militarismo

Folha de São Paulo 27 de junho de 2010

ANÁLISE GUERRA DO AFEGANISTÃO

Militarismo e democracia não combinam
Historicamente temerosos de um golpe militar, EUA protegem população civil para combater insurgentes


--------------------------------------------------------------------------------
PRESIDENTES PODEM CONSULTAR OS MILITARES EM QUESTÕES TÉCNICAS, MAS TOMAM DECISÕES POLÍTICAS
--------------------------------------------------------------------------------


RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Uma foto que esta Folha publicou na quinta-feira passada é uma perfeita e concisa aula de republicanismo e de relações entre civis e militares em uma democracia.
Citando a legenda: "Obama chega para pronunciamento seguido do general David Petraeus, o secretário da Defesa, Robert Gates, o vice-presidente, Joe Biden, e o almirante Michael Mullen".
O presidente americano, civil -poderia até ter sido um militar de carreira, mas é um civil como presidente, como foi o general Dwight Eisenhower- e presidente de uma das mais antigas repúblicas e democracias do planeta, é seguido, e não liderado, pelos seus chefes militares e pelo chefe, civil, do ministério que cuida das Forças Armadas.
A foto foi causada pelo episódio da remoção do general Stanley McChrystal do comando das forças no Afeganistão por ter criticado o presidente e tem o significado extra de lembrar os dilemas da maior potência militar nas suas duas grandes guerras, no Iraque e no Afeganistão.
Para o brasileiro, poderia parecer "briga na casa do lado". Mas os dois temas -relação poder civil e poder militar e guerra de contrainsurgência- também afetam o país. Por exemplo, na Amazônia, no Haiti e nos morros e favelas do Rio e de São Paulo.
Democracia e militarismo não combinam, como atesta a história das Américas.
Os Estados Unidos da América se tornaram independentes após dura guerra de libertação. Mas seus "pais da pátria" morriam de medo dos líderes militares estarem interessados em tomar o poder. Tiveram sorte com George Washington, que ganhou a guerra e era um general e político eficiente sem sonhos de virar um Napoleão.
Os países ao Sul, ao contrário, tiveram longas e desgastantes intervenções militares na sua governança.
Outro período difícil nos EUA foi a Guerra Civil. Mais uma vez surge o risco do militarismo. O presidente Abraham Lincoln driblou problemas políticos, mas tinha dificuldade de achar bons generais. Achou alguns poucos bons, um dos quais -Ulysses Grant- terminou também virando presidente depois.
O medo americano do militarismo fica claro ao se ver o tamanho do Exército comparado ao da Marinha. Na guerras mundiais, a Marinha era uma das maiores do planeta; o Exército estava longe disso.
O mesmo acontecia na "pátria-mãe": o Reino Unido tinha então a maior Marinha do planeta e um Exército de parada. Bonito de ver, por sinal, pois, se havia uma Marinha Real, não havia "Exército Real"; reais eram os regimentos, e cada um usava o uniforme de que gostava...
Na Guerra da Coreia, o presidente americano Harry Truman teve de tirar do cargo um general de proporções míticas, Douglas MacArthur, também por insubordinação.
Mas como um presidente "comandante em chefe", em geral ignorante de assuntos militares, pode comandar as Forças Armadas? Para isso ele depende do conselho dos militares; mas a decisão política é sua. Voltando às guerras deste século: a maioria não é "convencional", é "assimétrica". Ou seja, mais política que militar.

TÁTICA
O general David Petraeus, um dos mais brilhantes da geração, percebeu o óbvio: você não ganha de insurgentes com poder de fogo, e sim protegendo a população.
Foi ele quem reescreveu o manual do Exército de anti-insurgência, algo em que não se mexia desde a clássica derrota no gênero, no Vietnã.
Resumindo: o fundamental é proteger a população e livrá-la do contato com "bandidos", seja numa favela em Bagdá ou no Rio ou no Haiti, ou na zona rural do Afeganistão. O Brasil tem bom currículo, como já havia demonstrado a eficiente derrota dos guerrilheiros no Araguaia.
Vai dar certo no Afeganistão? Difícil dizer.
Os britânicos venceram na Irlanda do Norte com paciência (uns 30 anos!), sem força excessiva, tentando respeitar a lei. Os sírios também venceram com estratégia oposta na cidade de Hama, em 1982: bombardeando e matando.
Claro, essa não é uma opção para uma democracia.

II Forum de grupos de pesquisa em Direito do Estado do Rio de Janeiro

http://pesquisaconstitucional.wordpress.com/
Participe e inscreva-se

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sobre José Saramago

Defensor de várias causas, Saramago era uma espécie de 'Dom Quixote moderno'

Notícia do site Yahoo e da agência EFE.

Bogotá, 18 jun (EFE).- Como um 'Dom Quixote moderno', o escritor português José Saramago saía em defesa de todas as causas que considerava justas, fossem elas os indígenas de Chiapas, os palestinos de Gaza ou os desaparecidos na ditadura argentina.

O escritor, que morreu hoje aos 87 anos em sua casa na ilha de Lanzarote (Espanha), deixa uma importante obra literária, mas também uma incontável quantidade de comentários, abaixo-assinados e cartas abertas pelos mais diversos motivos.

Tratando da violência machista até a pedofilia, passando pelo genocídio na África, o armamentismo e o desmatamento.

Muitas dessas ações extra-literárias e solidárias tiveram a ver com a América Latina, onde ele dizia que estava acontecendo uma "mudança histórica".

Entre os milhares de documentos em que o autor colocou sua assinatura estão "Mirando al Sur" (2009), no qual junto a outras personalidades expressou sua "solidariedade com os povos e Governos progressistas da América Latina", e especialmente com a Bolívia de Evo Morales, um "exemplo de dignidade e emancipação".

No entanto Saramago, que se declarava comunista e pensava que Marx "nunca tinha tido tanta razão" como agora, não duvidou em denunciar os falsos revolucionários e os autoritários.

"As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não são um movimento revolucionário", disse em 2008 ao criticar o recurso do sequestro e do narcotráfico usado pela guerrilha.

Mais de um ano depois, ele enviou uma mensagem aos reféns das Farc para "que sintam que não estão sós", ao mesmo tempo em que pediu o diálogo na Colômbia para acabar com o sangrento conflito interno.

Em 2008 acusou ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, de ser "indigno de seu próprio passado" e de trair "a partir de dentro" a revolução sandinista depois que o Governo do país condenou o poeta Ernesto Cardeal por injúria, por ter denunciou ser vítima de "assédio".

Apesar de se mostrar esperançoso e feliz com a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, o autor não demorou a criticá-lo, entre outras coisas, por manter o bloqueio econômico a Cuba, um país pelo qual reivindicou ajuda após a passagem de dois furacões em 2009.

"Independente das sombras e desvios, das opiniões desencontradas, das divergências de fundo e de forma, devemos muito a Cuba. Vamos pagar essa dívida agora", dizia o comunicado assinado, entre outros, por Saramago, que em 2003 tinha criticado abertamente as penas contra os 75 dissidentes e a execução de três seqüestradores na ilha.

"Cheguei até aqui. De agora em diante Cuba seguirá seu caminho, eu fico", escreveu então Saramago.

Em 2007 o autor também defendeu o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, das acusações de populista e autoritário. "Não se pode dizer que ele chegou ao poder por um golpe porque a maioria o escolheu e o colocou onde está, e o confirmaram no lugar que ocupa", ressaltou.

O escritor português foi também um grande defensor dos indígenas da América Latina, que considerava vítimas de "cinco séculos de humilhação" e de "um crime histórico".

Nesse sentido, via no Movimento Zapatista do estado mexicano de Chiapas "uma esperança não só para o México, mas para a América".

Ele foi um detrator dos Tratados de Livre-Comércio que, segundo dizia, prejudicam a soberania dos povos, além de ser um partidário ferrenho da investigação dos crimes cometidos durante as ditaduras do anos 1980 e 1990.

"Se começa com o esquecimento e se termina na indiferença", argumentou o escritor, que fez uma inflamada defesa do juiz espanhol Baltasar Garzón quando ele foi suspenso esse ano devido a sua vontade de investigar os crimes do franquismo.

Em seus últimos meses de vida, Saramago se preocupou com a sorte dos palestinos de Gaza, com as mulheres maltratadas por seus companheiros e também com a independência do Saara.

Em janeiro cedeu integralmente os lucros de uma edição especial de seu livro "A Jangada de Pedra" para os desabrigados pelo devastador terremoto no Haiti.

"Entrarei no nada e me dissolverei nele", disse em 2005 ao explicar que não se preocupava em morrer. EFE

A questão da polarização no debate americano - obra com acesso eletrônico

http://site.ebrary.com/lib/ebraryanddbd/Doc?id=10160987

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O Estatuto da Igualdade racial

Política Valor Econômico do dia 17 de junho de 2010
Congresso: Relator retirou incentivos fiscais para contratação de negrosSem cotas, Senado aprova Estatuto da Igualdade Racial


Depois de sete anos de tramitação no Congresso, o Senado aprovou ontem o Estatuto da Igualdade Racial, sem criar cotas para negros na educação, nos partidos políticos nem no serviço público. No texto aprovado também foi retirada a concessão de incentivos fiscais a empresas como forma de estimular a contratação de negros tanto no setor público quanto no privado.

A retirada desses pontos foi proposta pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO), relator do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e foi aceita pelos parlamentares como parte de um acordo para viabilizar a votação. O senador suprimiu o artigo que estabelecia políticas de saúde específicas para os negros e proposta que dispensava a exigência de representação do ofendido para processamento de crimes contra a honra (injúria, calúnia ou difamação) praticados contra funcionário público.

O projeto de lei (PLS 213/03), de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), passou por diversas modificações no Senado e na Câmara. O texto foi aprovado ontem na CCJ e foi votado simbolicamente pelo plenário. O estatuto vai a sanção do presidente da República.

Autor do texto, Paim considera como pontos positivos do estatuto o reconhecimento ao livre exercício de cultos religiosos e o direito dos remanescentes de quilombos às suas terras.

O Estatuto da Igualdade Racial prevê garantias e o estabelecimento de políticas públicas de valorização aos negros brasileiros. Na área educacional, o texto determina a obrigatoriedade, nas escolas de ensino fundamental e médio, do estudo de história geral da África e da população negra no Brasil. Neste último caso, os conteúdos serão ministrados como parte do currículo escolar com o objetivo de resgatar a contribuição negra para o "desenvolvimento social, econômico, político e cultural do país".

Muitas das emendas apresentadas pelo relator Demóstenes retiraram do texto do substitutivo as expressões "raça", "racial" e "étnico-raciais". O relator justificou que "geneticamente, raças não existem". Ele suprimiu expressões como "derivadas da escravidão" e "fortalecer a identidade negra". No primeiro caso, observou que, "sem esquecer os erros cometidos, devemos voltar nosso esforço para o futuro e buscar a justiça social para todos os injustiçados, sem qualquer forma de limitação". No segundo, considerou não existir no Brasil uma "identidade negra" paralela a uma "identidade branca".

Durante a discussão do estatuto no Senado, declarações de Demóstenes geraram polêmica. Ao tentar demonstrar a corresponsabilidade de negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro séculos, o senador disse, em audiência pública, que os escravos eram o "principal item de exportação da economia africana" até o início do século 20 e afirmou que a miscigenação não se deu por estupro, mas sim de "forma muito mais consensual" do que gostaria o movimento negro. (Com agências noticiosas)

domingo, 6 de junho de 2010

Debate na Globonews de 4de junho de 2010 sobre a questão de Gaza

http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1597367-17665,00-ATAQUE+A+FLOTILHA+HUMANITARIA+REACENDE+CONFLITO+NO+ORIENTE+MEDIO.html

Tese sobre a Lei da Anistia

Sobre a Lei de Anistia: recomendo a Tese de Heloisa Amelia Greco, UFMG:
DIMENSÕES FUNDACIONAIS DA LUTA PELA ANISTIA, disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/VGRO-5SKS2D/1/tese.pdf

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A atual ordem internacional

Valor Economico 4 de junho de 2010

Ação de atores médios, como Brasil e Turquia, em temas estratégicos, entre eles o acordo com o Irã, desperta cada vez mais a atenção internacional.Os riscos da governança global

Por Assis Moreira, de Paris

Lula ao lado de Ahmadinejad (Irã) e Tayyip Erdogan (Turquia): o acordo com Teerã foi recebido na Europa, pelo menos, como o primeiro ensaio da nova época que será este século
Há dois anos, o National Intelligence Council (NIC) dos EUA publicou o relatório "Tendências Globais 2025", incluindo cenário no qual o Brasil atua como mediador em situações de crise no Oriente Médio e na Ásia para "ajudar a reconstituir o tecido internacional", num desempenho diplomático "que os EUA não podiam igualar naquelas circunstâncias". A realidade chegou antes do que imaginava o centro de estudos dos serviços de inteligência americano. O Brasil e a Turquia, ao negociarem no Irã acordo sobre a questão nuclear, irromperam no clube dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, espécie de diretório político do planeta, e escancararam as insuficiências da velha governança mundial, nascida após a Segunda Guerra.

O Brasil é um ator incontornável nas negociações comerciais e de combate à mudança climática, por exemplo. O país não é suficiente para fechar um acordo, mas sem ele tampouco há decisão. Na parte política, sua influência é mais limitada. É o único dos Bric que não tem poder nuclear, por exemplo, e é obrigado a jogar com o "soft power", o poder que nasce do exemplo, da liderança moral e cultural.

O acordo com Teerã despertou a atenção internacional por ser a primeira vez que atores médios têm ação em tema estratégico, de proliferação nuclear. Não produziu todo o efeito, como ficou claro na reação dos EUA. Mas foi recebido na Europa, pelo menos, como o primeiro ensaio da nova época que será este século, na avaliação de Thierry de Montbrial, diretor do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri). Ou como a "prefiguração do fim do monopólio político das grandes potências", conforme outro analista, Bernard Guetta.

Reuters

"A crise econômica foi um divisor de águas da história e vemos com clareza que o mundo está se configurando de maneira diferente", observa Felipe González, ex-presidente espanhol
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma visibilidade maior à política externa por seu carisma e sua história pessoal. A descoberta do pré-sal aumentou a importância econômica e estratégica do país, assim como a aceleração do crescimento econômico, o impacto limitado da crise financeira, a redução da pobreza e da desigualdade. O Brasil é um dos celeiros alimentares do mundo, tem uma das últimas fronteiras agrícolas inexploradas e boa parte das reservas de água doce do planeta.

Apoiado em tudo isso, Lula recusa que novos atores na cena global sejam considerados "intrusos" pelo "clube" baseado na geopolítica de 1945, quando Roosevelt, Stalin e Churchill decidiam o destino do mundo em torno de "uma garrafa de uísque".

"Brasil, China, Índia vão ter um papel diplomático mais e mais importante e se envolver em questões extremamente sensíveis nas quais as grandes potências fracassaram, e as consequências disso serão consideráveis em 10 ou 15 anos", diz Montbrial.

Rogério Palatta/Valor

"O longo período de dominação ocidental, encorajada e acelerada pelos próprios erros e comportamento irresponsável, está acabando", diz Dominique Moisi, de Harvard
Ele vê o risco de antigas fraturas Leste-Oeste e Norte-Sul serem substituídas progressivamente por uma nova fratura, apenas perceptível, entre um Oeste mais e mais defensivo e países emergentes como o Brasil e a China reivindicando seu espaço na governança global. "Estamos engajados numa corrida contra o relógio", afirma. "Na falta de uma governança adequada, a mundialização irá diretamente contra o muro."

A governança global emergiu progressivamente a partir dos entendimentos restritos no Congresso de Viena (em 1815, que redesenhou o mapa político da Europa depois da derrota da França napoleônica); em Paris (em 1856, com os princípios do direito marítimo); Berlim (em 1884, com a partilha imperial da África e outras disposições colonialistas); Versalhes (em 1919, imposição de reparações à Alemanha e criação de novos Estados na Europa); e a conferência de San Francisco (em 1945, que criou a ONU).

Bloomberg

A "boa notícia", afirma Lamy, diretor-geral da OMC, é que a pior crise econômica e financeira dos últimos tempos acelera a nova arquitetura da governança global
Como diz o diplomata e sociólogo Paulo Roberto de Almeida, o conceito de governança (e não governo) global tem a ver com a gestão partilhada de problemas comuns, como segurança e estabilidade (o controle de Estados belicosos e de movimentos terroristas), com o crescimento sustentado de países pobres (Estados falidos podem exportar a sua miséria) e com a preservação ambiental (desequilíbrios provocados pelo homem têm impacto profundo no futuro das sociedades). As crises resultantes da má gestão financeira também podem ter efeitos globais desastrosos, como a iniciada nos EUA em 2008, que afetou o mundo todo.

Na prática, porém, as autoridades nacionais cuidam dos próprios problemas e adotam políticas que empurram as crises para os demais. "É o que ocorre com práticas como o protecionismo dos ricos, a recusa de ceder espaço a novos competidores, a incapacidade ou a falta de vontade de empreender ações corretivas nos planos ambiental, criminal (tráfico de drogas ou de pessoas, por exemplo) e em outras áreas com possível impacto extrafronteiras", diz Almeida.

Analistas concordam que grandes reformas da governança mundial só ocorrem mesmo como resultado de guerras globais ou outras grandes turbulências culturais ou desastres humanos. A agenda internacional está pesada, pelos fracassos da negociação comercial conhecida como Rodada Doha, pelo impasse no acordo do clima, pela ausência de progressos práticos no G-20 financeiro. Tudo isso reflete a mediocridade das lideranças políticas com intensos lobbies internos que impedem reformas. E não apenas na Europa. Quanto ao Brasil, dizem que seus problemas não têm a ver essencialmente com o sistema internacional, todos são "made in Brazil".

A "boa notícia", afirma Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), é que a pior crise econômica e financeira dos últimos tempos acelera a nova arquitetura da governança global, na qual ele vê um "triângulo de coerência". De um lado, o G-20, grupo das 20 maiores nações representando mais de 80% da produção mundial, dá a liderança política. De outro, as organizações internacionais fornecem a especialização, negociam as regras, políticas ou programas. E o terceiro lado do triângulo é a ONU, como foro para "accountability" - prestar contas pelo que cada um faz.

No longo prazo, tanto o G-20, que se torna uma espécie de diretório econômico do planeta, como as agências internacionais, vão reportar-se ao "parlamento" das Nações Unidas. Já a reforma do Conselho de Segurança da ONU continua no impasse. A França, sem peso decisivo, acena com nova proposta, prevendo a criação de um status intermediário entre membros permanentes e não permanentes, com os novos membros sendo designados por dez anos sem direito de veto.

"A crise econômica foi um divisor de águas da história e vemos com clareza que o mundo está se configurando de maneira diferente", observa Felipe González, ex-presidente espanhol. Dominique Moisi, professor visitante da Universidade de Harvard, completa: "O longo período de dominação ocidental, encorajada e acelerada pelos próprios erros e comportamento irresponsável, está acabando".

Para Alfredo Valladão, professor do Instituto de Ciência Política de Paris, a força dos emergentes vem da globalização, da fragmentação das cadeias produtivas, de um sistema financeiro que deu crédito barato e abundante para investir em todo lugar. Nota que os EUA e a União Europeia (UE) representam dois terços do consumo final mundial e sem esse consumo e sem crédito "não tem desenvolvimento na China nem em lugar nenhum".

O Deutsche Bank estima que as economias emergentes poderão ter um crescimento acumulado de 30% até 2012, comparado a apenas 5% nos países desenvolvidos - o que vai se refletir na relação de forças.

Na média, as economias emergentes poderão crescer 4% a mais por ano do que as economias industrializadas nos próximos três a cinco anos, conforme o estudo intitulado "O Novo Mundo", assinado pela economista Maria Laura Lanzeni.

Os emergentes representarão 40% da produção mundial dentro de três anos, num salto enorme em comparação aos 25% de 2005. Segundo o Fórum Mundial de Economia, a desintegração da União Soviética, o despertar da China como usina do mundo e financiadora dos déficits americanos e as reformas econômicas na Índia representaram a inclusão de 1 bilhão de pessoas na força global de trabalho. O comércio mundial triplicou e cresce duas vezes mais que a produção, com os países em desenvolvimento representando 38% em comparação aos 23% de há 20 anos.

Como resultado do rápido crescimento e integração, as economias emergentes incluíram 400 milhões de consumidores de classe média na economia mundial. O aumento é de 70 milhões por ano, dos quais 20 milhões fora da China e Índia.

O mercado de capitais se globalizou. A média diária de transações cambiais supera US$ 4 trilhões por dia. As sociedades estão mais interconectadas pelo avanço tecnológico. O custo de três minutos de ligação telefônica dos EUA para a França caiu de US$ 4,14 em 1988 para US$ 0,06. A internet é utilizada por um quarto da populacao mundial de 6,7 bilhões de pessoas. Brasil, Rússia, Índia e China sozinhos têm mais de 1,3 bilhão de utilizadores de telefones celulares.

Para Valladão, Brasil, China e Índia querem ter o status de potência, mas sem aceitam a responsabilidade. "Como dependem da globalização, têm que defender a globalização. A maioria acha que está ótimo. Quem está com medo da globalização são os europeus. Mas têm que assumir responsabilidade para continuar. É aí que ficam com medo, porque se assumem responsabilidade perdem soberania."

"É fundamental fazer a diferença sobre o que era potência emergente no fim do século XIX e XX, quando na Alemanha e nos próprios EUA o poder econômico era nacional e controlado pelos governos nacionais", afirma. "Os países emergiam contra os outros ou paralelamente aos outros. Hoje, os que estão emergindo estão dentro de um sistema globalizado, dependem dos outros, não vão contra os outros. Podem até pensar que querem ir. Como estão emergindo agora, querem ser vistos como multipolares. Só que, para ser considerados assim, têm que defender esse sistema."

Já os EUA, que fazem metade das despesas militares do mundo, querem continuar a ser "o sistema". Mas seu papel de estabilizador final é posto em dúvida: o xerife é relutante e o mundo tem suspeitas. Barack Obama procura exercer nova liderança, mas quem decide mesmo é o Congresso. E este reflete o grande temor americano com perda de competitividade, queda de produtividade, transformação de economia industrial em economia de servicos. O lento declínio é doloroso. As figuras centristas do Congresso estão desaparecendo, dando lugar a parlamentares radicais e histriônicos que defendem posições particulares e ignoram soluções globais.

Ou seja, quando mais se precisa da potência para posições globais, os EUA estão cada vez mais locais. Os EUA e a UE sabem que têm que deixar espaço para os emergentes. Mas isso é menos doloroso para os europeus, que, a cada vez que se reúnem, têm de buscar compromissos. Já a administração Obama fala em multilateralismo, mas "desde que Washington convoque, distribua os papéis, decida", como nota o embaixador Rubens Ricupero. "Quando chega o momento em que o Brasil acha que pode evoluir nesse processo, os EUA não aceitam. Mas eles [EUA] estão num beco sem saída."

A China já tem comportamento de potência, considerando os grupos e foros internacionais apenas instrumento. Quer se aproveitar de uma soberania substancial. A Índia está mais focada no regional, com seu status nuclear consolidado pelo pacto com os EUA.

Para outros analistas, Brasil, China e Índia se movem pelos mesmos critérios que se moviam os EUA e a UE, e não se pode esperar que sejam mais generosos do que foram as potências. Negociadores europeus dizem que, no G-20 financeiro, o Brasil sempre busca um maneira de encontrar solução. O país também assumiu responsabilidades no Haiti, comandando as operações de paz da ONU. E, quando assume responsabilidade, assume riscos. O que não pode é achar que não vai ser cobrado e dar trombadas, diz um experiente diplomata. Referindo-se à fricção com os EUA sobre o Irã, alerta que, quando se dá uma trombada, é preciso preparar-se para receber outra de volta no jogo duro das relações internacionais.

Além disso, nota Valladão, quando se sai pelo mundo, "é ingenuidade" achar que só vale a realpolitik e os valores não devem entrar nas relações internacionais. Ou seja, valores são também influentes em definir os interesses políticos. Estes não são definidos no vazio, estejamos ou não cientes disso.

Outro ponto é consolidar sua potência regional. Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil do King's College, da Universidade de Londres, fez uma palestra no Instituto Real de Defesa, da Inglaterra, em meio a certo ceticismo sobre sobre o acordo do Brasil e Irã e indagações sobre a falta de mediaçao brasileira em algumas tensões sul-americanas, como entre Venezuela e Colômbia ou Argentina e Uruguai. O incontestável, em todo caso, é que na conjuntura atual o Brasil só tem a avançar seu papel na cena internacional "com as cobranças para assumir mais responsabilidades".

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Crise econômica e gastos militares

Folha de São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2010


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crise econômica não detém gasto militar no mundo
Aumento foi de 5,9% em 2009; em crescimento absoluto, Brasil lidera na América do Sul; Venezuela reduz despesas em gastos militares

Apesar de a economia mundial ter encolhido 0,6% no ano passado, os gastos militares cresceram 5,9% no período, afirma o relatório anual do Sipri (Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo).
Desde 2000, a verba para defesa em todo o mundo aumentou 49%, chegando a US$ 1,531 trilhão, equivalente ao PIB do Brasil.
Os EUA mantêm a liderança dos gastos, com 43% do total global e aumento de 75,8% nos últimos dez anos.
O Sipri não vê tendência de redução: "O objetivo de garantir a dominância dos EUA em todo o espectro das capacidades militares, para guerras convencionais e assimétricas, não mudou".
Na América do Sul, o Brasil teve o maior aumento absoluto de gasto militar, no valor de US$ 3,8 bilhões, chegando a US$ 26,1 bilhões (16% sobre 2008).
Como para a maioria dos 171 países analisados no relatório, a soma brasileira inclui o pagamento do pessoal da ativa e dos pensionistas das Forças Armadas.
O Sipri não fala em "corrida armamentista" no subcontinente, mas nota que Uruguai (24%), Equador (18%) e Colômbia (11%) também aumentaram despesas.
Depois de incrementar seus gastos até 2008, com a compra de armas russas, a Venezuela fez o maior corte das Américas: 25%.
Em termos relativos, a Colômbia lidera na América do Sul, seguida do Chile, com orçamentos militares superiores a 3% do PIB. No Brasil, o percentual é de 1,7%.
Mas o Sipri enquadra o Brasil na mesma categoria de países como Índia e China, que não passaram por recessão e aumentaram seu gasto bélico em 13% e 15%, respectivamente.
"O aumento tanto para os EUA (...) quanto para outras potências grandes e intermediárias, como Brasil, China, Rússia e Índia, parece representar uma escolha estratégica na busca de longo prazo por influência global e regional", diz o relatório. (CLAUDIA ANTUNES)