quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Os velhos tempos voltaram

Leiam a matéria abaixo que o Globo também reporta na sua edição de hoje. Em 2010 estaremos passando por vinte cinco anos da redemocratização pós 1985, é importante notar que não temos um estado constitucional respeitado Vale sublinhar que o Ministro da Defesa é um ex-Presidente do STF deveria ser mais interlocutor da prevalência da Constituiçaõ e dos processos de legitimidade.

Folha de São Paulo de 30 de dezembro de 2009

Contra "Comissão da Verdade", comandantes ameaçam sair
Exército e Aeronáutica dizem que plano para apurar tortura na ditadura é revanchista

Secretário de Direitos Humanos também diz que se demite se houver recuo; Lula deve deixar decisão de impasse para volta de férias



Os comandantes do Exército, general Enzo Martins Peri, e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ameaçaram pedir demissão caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não revogue alguns trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que cria a "Comissão da Verdade" para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985).
Em reunião com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, no dia 23, às vésperas do Natal, os dois classificaram o documento como "excessivamente insultuoso, agressivo e revanchista" às Forças Armadas e disseram que os seus comandados se sentiram diretamente ofendidos. O comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, não estava em Brasília.
Jobim disse que não tinha sido consultado sobre os termos do plano, que não concordava com tentativas de revanchismo e que iria falar com Lula a respeito. Com isso, acabou colocando o presidente entre dois polos de pressão: os militares, de um lado, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, do outro.
Lula embarca hoje para a folga de fim de ano na Bahia procurando uma solução de contemporização. Os militares se contentariam com mudanças no texto, mas Vannuchi está irredutível e também ameaça sair do governo caso haja recuo.
Até ontem, a opção de Lula para minimizar a crise era uma saída de meio termo: não mexer no texto, mas orientar as comissões técnicas encarregadas de executá-lo a ignorar na prática os pontos mais críticos.
À Folha, um alto funcionário civil disse que a "tensão está fortíssima". Esse clima ficou evidente na cerimônia que Lula presidiu anteontem, no CCBB, para sancionar a nova lei de cargos e salários dos taifeiros da Aeronáutica, na presença de Saito, que conversou à parte com o presidente.
Convidado por Lula, Jobim disse que não poderia comparecer à cerimônia porque estaria fora de Brasília. Quem acabou aparecendo, para um evento da Funai, foi Tarso Genro. Também conversou reservadamente com o presidente.
Vannuchi está no olho do furacão: ele tinha despacho com o presidente às 18h do mesmo dia, mas o encontro foi adiado de última hora para ontem e, no final, acabou não acontecendo, o que aumentou a suspeita de que ele também tenha colocado o cargo à disposição.
Lula conversou com Vannuchi por telefone e lhe falou sobre a "fórmula de conciliação", mas o desfecho ficará para a volta de Lula, em 11 de janeiro.
O foco da crise é o sexto capítulo do Plano de Direitos Humanos, anunciado por Lula no dia 21 e publicado no "Diário Oficial" da União, no dia seguinte, com 180 páginas.
O capítulo se chama "Eixo Orientador 6: Direito à Memória e à Verdade". Duas propostas deixaram a área militar particularmente irritada: identificar e tornar públicas as "estruturas" utilizadas para violações de direitos humanos durante a ditadura e criar uma legislação nacional proibindo que ruas, praças, monumentos e estádios tenham nomes de pessoas que praticaram crimes na ditadura.
Na leitura dos militares, isso significa que o governo do PT, formado por muitos personagens que atuaram "do outro lado" no regime militar, está querendo jogar a opinião pública contra as Forças Armadas.
Imaginam que o resultado dessas propostas seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos de tortura e não admitem o constrangimento da retirada de nomes de altos oficiais de avenidas pelo país afora.
Em Brasília, por exemplo, há a ponte Costa e Silva e o Ginásio Presidente Médici -ambos presidentes no regime militar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O mundo bipolar

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Folha de São Paulo de 28 de dezembro de 2009

ENTREVISTA DA 2ª

YAN XUETONG

Ordem mundial do futuro é bipolar
Para intelectual chinês, a ordem multipolar hoje em vigor já está sendo substituída por uma "situação G2", em que China e EUA serão superpotências



Em 15 anos, o mundo terá uma "situação G2", com duas superpotências, EUA e China, liderando as discussões globais, de acordo com um dos mais influentes intelectuais chineses.
Yan Xuetong, 57, é diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, a segunda maior do país, onde o presidente Hu Jintao e boa parte da liderança comunista estudaram.

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Para Yan, o mundo multipolar que começa a se desenhar hoje será substituído pelo G2. Ele acha que a China nunca será "aceita no clube dos países desenvolvidos ocidentais" e que deveria reforçar suas alianças com o mundo em desenvolvimento.
Diz que o país precisa investir mais em sua força militar e que a relação bilateral da China com Coreia do Norte, Mianmar ou Sudão "não vai mudar".
Yan é considerado o líder da "nova direita chinesa", o grupo de reformistas que advoga por mais abertura econômica e menos interferência do Estado. O cientista político recebeu a Folha em seu escritório na Tsinghua.

G2 É FATO
Há um mal-estar sobre o G2 como se fosse uma política dos dois países, mas não é. É um fato. Hoje é cedo para falar de G2, mas em 15 anos ou no máximo 20 teremos uma "situação G2", quando a China terá efetivamente diminuído a distância que tem entre si e os EUA em termos de poder abrangente.
Há duas possibilidades no presente, a multipolarização e a bipolarização. É muito provável que a primeira seja substituída pela segunda.
Mas, por enquanto, economicamente, militarmente e em "soft power", a China não pode competir com os EUA. Só que a crise financeira global do ano passado diminuiu essa diferença e aumentou dramaticamente o status da China.

BARRADA NO CLUBE
Será muito difícil que a China seja aceita como membro do clube dos países desenvolvidos porque seu sistema político não é aceito pelo clube do Ocidente. Se a Rússia fracassou em ser aceita, duvido que a China consiga. Então a China poderia estabelecer uma parceria mais positiva com países em desenvolvimento, como Índia, Brasil, Rússia, África do Sul.
Ao contrário do clube das potências ocidentais, os emergentes não ligam tanto para a diferença nos sistemas políticos. O que os une é o estágio econômico. Os europeus achavam que estavam no centro do mundo e que deveriam servir de modelo para os outros, dividindo entre civilizados ou não. É um complexo de superioridade baseado não só em coisas materiais.

SUBSTITUIR O DÓLAR
A China acerta ao fazer a cúpula com os países africanos e deveria criar cúpulas regionais, China - América Latina e China - Oriente Médio. A China também deveria estimular o uso do yuan como moeda para o comércio bilateral. Acho incrível que ainda usemos o dólar até com a Europa. A China tem dólar demais, não de menos, esse é o problema do excesso de nossas reservas internacionais. Temos de tentar diminuir esse excesso. Também deveríamos oferecer programas de treinamento militar para países em desenvolvimento.

VANTAGENS DA CHINA
A crise financeira teve um grande impacto na nossa política externa. A crise levantou o status da China na arena internacional, nos deixou mais confiantes e fez com que o mundo veja que nosso modelo tem vantagens. É da natureza humana achar que todo sucesso é baseado em algum modelo correto. Agora, muitos se perguntam o que vale aprender sobre a China.
A China vai colocar mais e mais fé no dinheiro, achando que o resto do mundo mudará suas atitudes em relação ao país por conta do dinheiro. Não há sociedade ou juventude que adore mais o dinheiro que os chineses.

MAIS ABERTURA
Muito se fala se a China está se reestatizando ou não. Sei que há defensores, mas eu defendo que a economia chinesa seja mais e mais baseada e estimulada no setor privado do que nas estatais. É impossível que haja um retrocesso porque a adoração por dinheiro é a única ideologia na sociedade chinesa atual, e duvido que o governo consiga reverter isso.
O marxismo é uma teoria científica que pode explicar vários fenômenos sociais. Mas diz que a economia é a base da superestrutura da sociedade, do que discordo. Na China dos últimos 60 anos, cada grande mudança econômica aconteceu por mudança na política.

OBAMA NA CHINA
A mídia americana retratou a visita de Obama como fracasso, mas eu acho que ele atingiu seus dois objetivos principais: engajar a China na estratégia global americana e melhorar a imagem do país no mundo. Foi mais bem sucedido que [Bill] Clinton ou [George W.] Bush. Os EUA começaram com essa política de engajamento em 1996, mas ninguém chegou tão longe em um acordo.
No combate à proliferação nuclear, em meio ambiente, em economia, estamos mais unidos agora. Mas ele não conquistou coisas esperadas pela mídia americana, como fazer alguma declaração bombástica sobre direitos humanos.
Não acho que a visita de Obama tenha resultados imediatos em relação à política chinesa quanto ao Irã, nem quanto às relações bilaterais da China com Mianmar, Coreia do Norte ou Sudão.

CONTENÇÃO
Tanto o presidente Hu [Jintao] como o premiê Wen [Jiabao] usaram em 2003 o termo "ascensão pacífica" em discursos para se referir à China. Em 2004, o termo foi aposentado e passou-se a usar "desenvolvimento pacífico".
Acho que a razão fundamental para a mudança do termo é que a China não quer desafiar a posição dominante dos EUA. Os críticos no final dos anos 90 diziam que se a China se chamasse de poder ascendente, os EUA veriam a China como inimigo e passariam a adotar uma política de contenção.
É estúpido substituir uma palavra porque provocou suspeitas em outros. A estratégia só faz a teoria de que a China é uma ameaça mais popular e convincente.

SOFT POWER
Acho que há menos ataques e críticas à China após a crise financeira, o que é um indicador do crescimento do "soft power" da China. A China deveria dar mais ideias ao resto do mundo, em vez de ficar reforçando as ideias que já circulam por aí.
Precisamos convidar mais autoridades, acadêmicos, empresários e artistas de todo o mundo para cá, organizar conferências internacionais para ver o que acontece neste país com seus olhos.

AFEGANISTÃO
Sou contrário à ideia da China enviar tropas ao Afeganistão. Já que a Otan não conseguiu vencer essa guerra em oito anos, eles têm uma chance muito remota de vencê-la no prazo anunciado pelo governo Obama. Se a Otan está condenada a fracassar lá, seria irracional para a China se unir a um time que está perdendo.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Nova reserva indigena

Folha de São Paulo, terça-feira, 22 de dezembro de 2009


Decreto de Lula cria área indígena com 50 mil km2
Novas reservas abrigam 7 mil índios e equivalem a 34 vezes o tamanho da cidade de SP

Medida tem o objetivo de conter o desmatamento e pode ajudar país a atingir a meta de corte das emissões de gases de efeito estufa


Uma área de mais de 50 mil quilômetros quadrados -equivalente a 34 vezes o tamanho da cidade de São Paulo- foi confirmada como território indígena. O decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que aumenta o volume de floresta protegida no país será publicado na edição de hoje do "Diário Oficial" da União.
A maior das nove terras indígenas homologadas ontem é a Trombetas Mapuera, no Estado do Amazonas. Mede quase 40 mil quilômetros quadrados, mais do que o dobro da área da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, objeto de disputa no STF (Supremo Tribunal Federal) neste ano.
A segunda menor terra indígena homologada ontem é provavelmente a que mais renderá polêmica. Arroio-Korá fica em Mato Grosso do Sul, em terras disputadas por fazendeiros.
"A questão indígena em Mato Grosso do Sul é complexa e corre o risco de ser transformada em um novo grande conflito, repetindo a crise que envolveu a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol", registra documento da CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
O presidente da Funai, Márcio Meira, não acredita em reação semelhante à dos arrozeiros de Roraima. "Quando o presidente homologa essa área gigantesca de terras indígenas, está dando um sinal de que o Brasil vai cumprir as metas de corte das emissões de gases de efeito estufa, além de reconhecer o direito dos índios", disse.
A maior parcela da meta de corte das emissões depende da queda do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Terras indígenas são áreas ambientalmente protegidas, assim como as unidades de conservação.
As nove terras indígenas homologadas ontem têm culturas muito diferentes. Elas abrigam aproximadamente 7.000 indígenas de 29 etnias diferentes. Há povos com quase cinco séculos de contato, como os guarani kaiowá, de Mato Grosso do Sul, assim como grupos isolados identificados na terra Trombetas Mapuera, no Amazonas, ou os zo'és, no Pará.
Os zo'és ocupam a segunda maior terra indígena homologada ontem, no município paraense de Óbidos, com 6,2 mil quilômetros quadrados, ou quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
A população estimada nessa área (178 índios) é menor do que na terra indígena Balaio, que abriga 350 índios de dez etnias diferentes: tukáno, yepamashã, desána, kobéwa, pirá-tapúya, tuyúka, baníwa, baré, kuripáko, tariáno. A Balaio é a terceira maior terra indígena do pacote de ontem.
O Brasil detém hoje mais de um milhão de quilômetros quadrados de terras indígenas em diferentes fases de reconhecimento. Isso equivale a 12,5% do território nacional. A homologação por decreto do presidente da República é a penúltima etapa do processo de reconhecimento de um território indígena. Depois da homologação, ocorre o registro em cartório.
Segundo levantamento da Funai, ainda existem cerca de 28 mil quilômetros quadrados de terras indígenas pendentes de homologação, além de mais de cem áreas ainda não demarcadas, em estudo ou com restrição de acesso a não índios.


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Índice

Integra do PNDH 3

http://www.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf

domingo, 20 de dezembro de 2009

De "Hopenhagen" para "Nopenhagen".

Reportagem publicada na rede de notícias "Al Jazeera", que faz um balanço do que aconteceu na COP15. O texto destaca a tranformação da geopolítica mundial, sobretudo com a vinda de questões globais sobre o clima e a natureza (a sociedade de risco), em que o peso que antes tinham os países centrais se iguala à importância da opinião dos países à margem daqueles. Como pode se observar numa passagem da reportagem : " Climate change has become part of global politics (...). There was a very high expectation from the West that a deal would be pushed trough. But what's happened is a real wake-up call to how geopolitics has changed". O texo destaca também outra caracteística do que se passa na atual sociedade internacional, com o problema do risco, quando diz: " People think these are just problems for the developing world, but they're not. It's going to affect everyone".


Copenhagen: a lesson in geopolitics
By Joanna Kakissis

After two weeks of international deadlock and an all-night marathon negotiating session that produced a thin and toothless accord, the biggest climate talks in history devolved from "Hopenhagen" to "Nopenhagen".

The Copenhagen Accord - brokered at the last minute by Barack Obama, the US president, with China, India, Brazil and South Africa - did not receive universal support from the 193 countries participating in the climate summit.

The accord, which gutted a comprehensive agreement to pay poor countries to protect their forests, since the mass cutting of trees accounts for 20 per cent of global emissions, is not binding and does not have a set date for capping carbon emissions.

It provoked reactions from fury to despair.

Lumumba Stanislaus Dia-ping, Sudan's chief negotiator, compared it to the Holocaust, while Hugo Chavez, the Venezuelan president, referenced the sulfur of hell and suggested that Obama was Satan.

Ian Fry of Tuvalu, the drowning island-nation that has become the poster country for the perils of rising sea levels, likened the accord to "being offered 30 pieces of silver to betray our people and our future".

Global climate politics

But longtime observers of climate negotiations never expected a sweeping deal in Copenhagen, especially considering today's polarised and charged geopolitics. The rift between rich and poor countries remains wide, and the chasm paralysed the negotiations.

China and India, the developing world's rising economic powerhouses and sometimes adversaries, together opposed key elements such as the external monitoring of greenhouse gas emissions.

Wen Jiabao, the premier of China - the world's biggest emitter of CO2 gases - also snubbed 11th-hour meetings with Obama and other leaders, sending low-level aides instead.

Cleo Paskal, a fellow in the Energy, Environment and Development Programme at the British think tank Chatham House, says the world's changing political landscape is partly why even Obama's last-minute brokering did not produce something powerful.

"Climate change has become part of global politics," Paskal says. "There was a very high expectation from the West that a deal would be pushed through. But what's happened is a real wake-up call to how geopolitics has changed."

Environmental groups, developing nations such Venezuela and Cuba, and much of the European media criticised Obama for the deal.

"He formed a league of super-polluters, and would-be super-polluters," environmentalist and author Bill McKibben wrote in the American magazine Grist. "It is a coalition of foxes who will together govern the henhouse."

'Historic, if incomplete'

But, not everyone was critical of the deal.

An exhausted Ban Ki-moon, the UN secretary-general, told a press conference that he welcomed it as "an important beginning", while Carl Pope, the executive director of the US-based environmental organisation Sierra Club, released a statement calling it "a historic, if incomplete, agreement".

Meanwhile, Sheikh Hasina, the prime minister of the environmentally beleaguered Bangladesh, said in a speech that the accord was "a reasonable conclusion", and Jose Manuel Barroso, the president of the European Commission, acknowledged that producing nothing at all would have been disastrous.

"This accord is better than no accord, but clearly below our ambition," Barroso said at a 2am press conference on Saturday morning.

"Every leader who was there staked political capitol on being able to win," Paskal says.

"Now they're going to have to go back to their capitals and think long and hard on how future international negotiations will go."

'Climate reparations'

The Copenhagen Accord did have victories, including the first significant climate fund for poor nations. The accord promises to deliver $30bn of aid over the next three years and to raise $100mn in yearly climate financing for poor countries by 2020.

There is also a deal to help developing economies convert to green energy and low-emission fuels.

ut the climate fund did not win the trust of all developing countries, some of whom say the money is not nearly enough.

Evo Morales, Bolivia's president, declared that rich countries owe poor countries billions of dollars in "climate reparations" and demanded the creation of a "climate change tribunal" for countries who do not stop polluting.

"That framing is never going to fly, at least in the US congress," says Geoff Dabelko, the director of the Environmental Change and Security Program at the Woodrow Wilson International Center for Scholars in Washington D.C.

"The question is whether these initial financial commitments are seen by developing countries as an incremental step that moves towards figures they see as sufficient."

The next opportunity for a treaty will be the 2010 UN climate conference in Mexico City. That may be an opportunity to solidify what did not happen in Copenhagen, though many of the same challenges will face leaders there.

In the US, for instance, the climate bill that would set targets for lower US emissions is stalled in the senate and may not make it out this year, since many American legislators are already weary from a vicious political fight to reform healthcare.

Regional focus

If there continues to be an international stalemate on a binding climate accord, countries may try to find regional ways to deal with carbon emissions as well as more immediate environmental issues, such as polluted water supplies, says Paskal of Chatham House.

She also says countries should consider sharing information and ideas on how to adapt to global warming-induced changes such as rising sea levels and more severe storms.

Poor countries like Bangladesh have innovated to handle the chronic floods and storms there but "if you have a flood on the US coast you get Katrina," Paskal says, referencing the 2005 hurricane that killed at least 1,836 people and displaced thousands, mainly in greater New Orleans.

"The developed world is going to suffer way more severe impacts than is being acknowledged," she says.

"For example, if Miami is hit by a category five hurricane, which is not unlikely, the implications will be staggering both economically and socially, and yet there are very few plans in place to deal with it.

"People think these are just problems for the developing world, but they're not. It's going to affect everyone."


Fonte: Al Jazeera - http://english.aljazeera.net/focus/climatesos/2009/12/2009122064859919604.html

Brasil e Tortura

El Pais 20 de dezembro de 2009
El Brasil de las 20.000 torturas verá la luz
Lula ordena investigar los crímenes perpetrados por los militares entre 1964 y 1985
FRANCHO BARÓN - Río de Janeiro - 20/12/2009



Brasil, siguiendo tardíamente la estela de Argentina, Chile y Uruguay, ha decidido enfrentarse a los fantasmas de su pasado y asumir abiertamente los crímenes (y sus consecuencias) cometidos por los militares durante la dictadura que atenazó al país entre 1964 y 1985.


Marcados por el Ejército

Brasil
A FONDO
Capital: Brasilia. Gobierno: República Federal. Población: 191,908,598 (2008)

La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
Una Comisión de la Verdad reconstruirá los hechos de la dictadura (1964-85)

El Supremo estudia si se debe mantener la inmunidad de los mandos del Ejército

24.000 personas trabajaron en el aparato represivo y 334 en las torturas

El ministro de Defensa cree que lo mejor es el borrón y cuenta nueva
El presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciará mañana el inicio de los trabajos para la creación de una Comisión de la Verdad que reconstruya con niveles mínimos de credibilidad la memoria de los muertos, desaparecidos, presos, torturados y exiliados durante los sucesivos regímenes militares.

Sin embargo, es bastante improbable que el Gobierno y la justicia brasileña den por el momento un paso que las víctimas y sus familiares consideran crucial para que la herida pueda cicatrizar algún día: la apertura de causas penales contra los criminales de la represión militar. La dictadura brasileña, que duró más de 20 años, no fue la más letal de Suramérica, pero en términos relativos fue una de las que más torturó, a unas 20.000 personas, según datos oficiales.

El decreto ley que Lula firmará mañana y que da luz verde a este proceso, a cuyo contenido ha accedido EL PAÍS, representa un gesto inequívoco del Gobierno de Brasilia para revertir una política del silencio denunciada desde la llegada de la democracia por los grupos defensores de los derechos humanos y los familiares de las víctimas de la dictadura.

El origen de tanto encubrimiento de información está en la denominada Ley de Amnistía, diseñada por los propios militares en 1979 bajo el Gobierno de João Baptista Figueredo, el último general de una larga saga de dictadores. La Ley de Amnistía permitió el regreso a Brasil de políticos, artistas y demás brasileños exiliados y condenados por crímenes políticos, aunque esto sólo fue el barniz externo de una medida aparentemente aperturista.

La misma ley también abrió la puerta a la absolución de todos los responsables de las torturas, asesinatos y desapariciones durante los años de plomo. En la práctica, fue una ley de tabla rasa, de borrón y cuenta nueva. "Esta ley aseguró que durante la transición se produjese una reconciliación amnésica y que sólo incumbía a las élites del momento. Además, no permitió que el primer Gobierno de la democracia avanzara sustancialmente en el tratamiento de las violaciones de los derechos humanos en términos de verdad, justicia y memoria", explica el politólogo argentino y especialista en violaciones de derechos humanos durante las dictaduras suramericanas, José María Gómez.

Lula anunciará mañana la constitución de un grupo de trabajo formado por representantes de varios ministerios que deberá presentar el próximo mes de abril ante el Congreso brasileño un proyecto de ley para la creación de una Comisión de la Verdad "compuesta de forma plural y suprapartidaria, con mandato y plazos definidos, para examinar las violaciones de los derechos humanos practicadas en el contexto de la represión política".

Según el documento redactado por la Secretaría de Estado de Derechos Humanos, esta comisión se encargará, entre otras funciones, de promover la reconstrucción de las violaciones de derechos humanos, así como de localizar e identificar los restos de cientos de desaparecidos, como los miembros de la guerrilla Araguaia.

En una de las más largas y sangrientas campañas contra la disidencia armada, el Ejército brasileño hizo desaparecer a 70 integrantes del grupo guerrillero Araguaia. Sus familias aún desconocen dónde están los restos mortales.

La Comisión también aportará recomendaciones para procurar que nunca más se produzcan violaciones masivas de derechos humanos en Brasil. Este último punto concentra la quintaesencia de lo que opina el ministro brasileño de Derechos Humanos y férreo defensor de la Comisión de la Verdad, Paulo Vannuchi: Brasil no tendrá autoridad moral para afrontar las violaciones de derechos humanos perpetradas hoy por sus fuerzas policiales hasta que no juzgue a aquellos que torturaron, mataron y borraron el rastro de decenas de miles de personas durante los años de la dictadura. La reflexión viene al caso después de que la organización Human Rights Watch (HRW) denunciara hace algunos días una práctica habitual de las policías de Río de Janeiro y São Paulo, consistente en ejecutar extrajudicialmente a los delincuentes y después eliminar todo tipo de pruebas que puedan esclarecer las circunstancias de los homicidios.

"En Brasil existe una cultura de la impunidad, y la impunidad siempre realimenta la repetición del crimen", comenta a este periódico el ministro de Derechos Humanos. "Y no me refiero sólo a la impunidad del régimen militar. Tenemos una larga historia de esclavitud, y en nuestras escuelas nunca se ha discutido qué pasó durante esos periodos. Este pasado es el responsable de los sentimientos racistas que aun siguen socialmente arraigados. Lo mismo ha sucedido con el genocidio indígena, que entre 1500 y 1988 redujo la población indígena de cinco millones a 250.000 personas. Existe una conexión clara entre la falta de discusión sobre esta violencia del pasado y los problemas que tenemos en el Brasil de hoy", explica Vannuchi.

El propio Gobierno brasileño reconoce que "las violaciones sistemáticas de los derechos humanos por el Estado durante el régimen dictatorial son desconocidas por la mayoría de la población, en especial por los jóvenes". Según la Secretaría de Derechos Humanos, unas 50.000 personas fueron detenidas durante los primeros meses de la dictadura, unas 20.000 fueron torturadas, y cerca de 400 brasileños murieron o desaparecieron sin dejar rastro. Sin contar con las miles de detenciones no registradas y la cifra "incalculable" de exiliados y refugiados políticos.

Durante los últimos años, Brasil ha dado tímidos pasos hacia el rescate de la verdad sobre estos años de infamia. En el Tribunal Supremo se discute actualmente si la polémica Ley de Amnistía debe mantener la inmunidad de los mandos militares que diseñaron la máquina trituradora de derechos humanos.

El pasado mayo Lula anunció la apertura en Internet de unos exiguos archivos de la dictadura. Pero las tentativas del Gobierno brasileño para arrojar luz han tropezado con el hecho de que en las Fuerzas Armadas aseguran haber destruido los documentos clasificados en su poder, extremo que los grupos de derechos humanos niegan tajantemente.

Los más ponderados en el Gobierno, entre los que se encuentra el ministro Vannuchi, abogan porque se condene a los responsables de la barbarie por crímenes de lesa humanidad. "La Comisión de la Verdad culminará con unos informes que serán de dominio público. Después, la Fiscalía decidirá si procede dar a los delitos un tratamiento penal. Mi opinión es que el delito de tortura no prescribe y que debe ser juzgado. Ahora... mi posición no es la posición del Gobierno en su conjunto", explica Vannuchi, confirmando las diferencias que separan al Ministerio de Justicia del Ministerio de Defensa, este último partidario del borrón y cuenta nueva.

Según una de las investigaciones más fiables de la dictadura brasileña elaborada por la Archidiócesis de São Paulo, 24.000 personas trabajaron en el aparato represivo y 334 en las sesiones de tortura. Pocas tienen hoy nombre y apellido.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Mudanças no Dip e o Estatuto de Roma

http://www.senado.gov.br/conleg/textos_discussao/texto68-Tarcisoi.pdf

O caso Araguiai e a OEA

Folha de São Paulo, sexta-feira, 18 de dezembro de 2009


*DIREITOS HUMANOS *

*Brasil pede arquivamento de ação sobre Araguaia na OEA*



O governo do Brasil pediu o arquivamento de ação sobre a Guerrilha do
Araguaia na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos
Estados Americanos). O processo foi aberto em abril.
Apesar do pedido de arquivamento, o governo já pagou indenizações de cerca
de R$ 100 mil a quase todas as famílias de mortos no Araguaia, o que implica
o reconhecimento de responsabilidade do Estado.
A ação foi movida pelo Cejil (Centro pela Justiça e pelo Direito
Internacional), o Grupo Tortura Nunca Mais-RJ e a Comissão de Familiares de
Mortos e Desaparecidos de São Paulo. As entidades pedem a condenação do
Brasil por crime de lesa-humanidade.
O movimento armado foi organizado pelo PC do B contra a ditadura militar
(1964-1985), na região do Bico do Papagaio (entre TO, PA e MA), e extinto
pelas Forças Armadas em 1974.
Para a diretora do Cejil no Brasil, Beatriz Affonso, é contraditório e causa
"surpresa e decepção que o Estado não tenha feito o reconhecimento
internacional do caso, apesar de ter feito o reconhecimento internamente".
Ela se refere também ao fato de o presidente Lula ter reconhecido a
responsabilidade do Estado sobre os mortos e desaparecidos.
De acordo com a ação, o Exército violou direitos da comunidade, torturou
moradores da região e executou guerrilheiros sob custódia, sem direito a
defesa.
Na opinião do Tortura Nunca Mais-RJ, a criação de uma Comissão de Verdade, a
ser anunciada segunda-feira pelo governo brasileiro, é uma reação à pressão
criada pelo processo na OEA.
A Advocacia-Geral da União disse ter recorrido alegando "perda de objeto".
Segundo a AGU, há outra ação semelhante na Justiça Federal já julgada
procedente.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Incidente de deslocamento de competência

Folha de São Paulo 14 de dezembro de 2009


Federalização, combate à impunidade e justiça
PAULO VANNUCHI e FLÁVIA PIOVESAN


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A afirmação do Estado de Direito requer respostas eficazes a romper a contínua e destemida ação dos grupos de extermínio
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VÍTIMA DA atuação articulada de grupos de extermínio, o advogado pernambucano Manoel de Mattos foi executado em janeiro, na Paraíba. No próximo dia 21, em Brasília, o Prêmio Direitos Humanos 2009, na categoria Dorothy Stang (que premia defensores de direitos humanos), será concedido a ele, "in memoriam", e recebido por sua mãe, Nair de Mattos.
Marcado para morrer, o defensor era ameaçado por denunciar dezenas de execuções sumárias na região. Seu caso, em 2002, recebeu especial atenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, com a concessão de medidas cautelares para que sua vida fosse resguardada, e as ameaças, devidamente investigadas.
Esse caso revela de forma emblemática o padrão de violência que acomete toda uma região na divisa entre a Paraíba e Pernambuco, onde estão as cidades Pedras de Fogo e Itambé, marcada pela atuação de grupos de extermínio compostos por particulares e agentes estatais (policiais civis e militares e agentes penitenciários) e acobertados pela certeza da impunidade. Segundo o relatório da CPI sobre grupos de extermínio na região Nordeste, em dez anos, mais de 200 execuções sumárias ocorreram na divisa entre aqueles Estados.
Em 22/6, o procurador-geral da República solicitou ao Superior Tribunal de Justiça que fosse transferida a investigação, o processamento e o julgamento do caso Manoel Mattos para as instâncias federais.
O incidente de deslocamento de competência (IDC) fundamenta-se em três argumentos: a existência de grave violação a direitos humanos; o risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e a incapacidade das instâncias locais de oferecer respostas efetivas. Na sessão de 13/8 do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, foi aprovada por unanimidade moção de apoio ao IDC, com destaque à importância da federalização para o combate à impunidade. Também se constituiu comissão especial que esteve na região e cujo trabalho sinaliza que o crime não restará impune.
Por meio da federalização, cria-se um sistema de salutar cooperação institucional para o combate à impunidade. De um lado, encoraja-se a firme atuação do Estado, sob o risco do deslocamento de competências. Por outro, aumenta-se a responsabilidade das instâncias federais para o efetivo combate à impunidade das graves violações aos direitos humanos. O impacto há de ser o fortalecimento das instituições locais e federais.
Permite ainda a federalização ampliar a responsabilidade da União em matéria de direitos humanos no âmbito interno, em consonância com sua crescente responsabilidade internacional. Atualmente, há 98 casos pendentes de apreciação na mencionada comissão interamericana contra o Brasil. Desse universo, apenas dois apontam a responsabilidade direta da União pela violação de direitos humanos. Nos demais casos -98% deles-, a responsabilidade é das unidades da Federação.
Com a federalização, restará aperfeiçoada a sistemática de responsabilidade nacional e internacional diante das graves violações dos direitos humanos, o que aprimorará o grau de respostas institucionais nas diversas instâncias federativas.
Para os Estados cujas instituições responderem de forma eficaz às violações, a federalização não terá nenhuma incidência maior. Para aqueles cujas instituições mostrarem-se falhas, ineficazes ou omissas, estará configurada a hipótese de deslocamento de competência para a esfera federal.
A afirmação do Estado de Direito requer respostas eficazes a romper a contínua e destemida ação dos grupos de extermínio, pautada na promíscua aliança de agentes públicos e privados, que institucionaliza a barbárie, alimentando um círculo vicioso de insegurança, desrespeito e impunidade.
Nesse contexto, cabe ao Superior Tribunal de Justiça o desafio de honrar a federalização como efetivo instrumento para o combate à impunidade e para garantir justiça nas graves violações de direitos humanos.

sábado, 12 de dezembro de 2009

CTNBio recua

Valor Econômico de 11 de dezembro de 2009
Biossegurança: Proposta do órgão era acabar com avaliação de eventuais riscos à saúde de humanos e animaisCTNBio recua no fim do monitoramento


Sem apoio da maioria dos membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o presidente do colegiado, Walter Colli, decidiu ontem recuar parcialmente em sua proposta de acabar com a exigência de monitoramento de organismos geneticamente modificados (OGMs) no país.

Sob o apelo de vários cientistas, até dos mais favoráveis à liberação comercial dos transgênicos, Colli capitulou. "Se monitorar for apenas para alertar o sistema de saúde, e desde que não se exija responsabilidade de terceiros, ficamos com a RN 5 [resolução normativa] como está", afirmou o presidente da CTNBio.

Médico bioquímico e professor da USP, Colli insistiu na necessidade de refazer o texto da resolução que prevê o monitoramento pós-liberação comercial dos transgênicos por cinco anos. "Temos que separar monitoramento ambiental do humano e animal. Minha proposta era um 'bode na sala'. Mas o novo texto tem que prever monitoramento como observação, e não transferir obrigação para empresas", disse. E emendou: "Não vai acabar a análise de risco, mas o monitoramento de seres humanos e animais".

Na longa reunião de ontem, Colli voltou a apontar prejuízos às indústrias de alimentos com a atual norma. "Não cabe legislar a ponto de pedir coisas impossíveis. É moralmente errado", afirmou. Em seguida, negou favorecimento à indústria. "Não estou propondo alterações por interesses comerciais ou porque um país reclamou", afirmou, em referência à cobrança do governo do Canadá pela alteração na regra. "Estamos supralegislando, com um ânimo legiferante".

O novo modelo de monitoramento imaginado por Colli, que deixará o comando da CTNBio no início de fevereiro de 2010, retiraria da comissão boa parte da responsabilidade por acompanhar o cumprimento dos planos das empresas. O relato sobre eventuais efeitos adversos dos transgênicos sobre a saúde humana e os animais ficaria sob controle da fiscalização de outros órgãos do Estado.

Os médicos reportariam problemas de saúde humana ao Ministério da Saúde e os veterinários fariam alertas sobre animais ao Ministério da Agricultura. "Não podemos dar mais serviço e não podemos criar na população um trauma", afirmou Colli. No caso do acompanhamento de problemas ambientais, a CTNBio permanece como referência para receber os relatórios das empresas de biotecnologia. "A regra está mal escrita e leva a interpretações dos mais radicais de querer exigir coisas impossíveis. Seremos mais precisos na nova RN".

Para aumentar a pressão sobre Colli, um grupo de 50 ONGs ambientalistas e de direito de defesa do consumidor repudiou a iniciativa. E o representante do Ministério do Meio Ambiente, o geneticista Paulo Kageyama, leu um longo parecer da consultoria jurídica da pasta contra o "liberou geral" proposto pelo presidente da CTNBio. "É preciso, ao contrário, aumentar o rigor no monitoramento porque temos relatos de contaminação de lavouras convencionais de milho por transgênicos no Paraná", disse Kageyama.

Antes de embargar a voz durante despedida dos colegas da CTNBio, na última reunião do ano, Walter Colli reafirmou que a análise de risco feita pelos especialistas da comissão são suficientes para garantir a biossegurança dos produtos transgênicos sobre a saúde humana e animal. "Quando fazemos a análise, sabemos que é minimíssima a chance de haver problemas. Tenho certeza disso", garantiu. E afirmou estar em busca de zerar sua gestão de pendências. "Não queria deixar lixo para trás".

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Transgênico e o risco

Valor Econômico 9 de dezembro de 2009

Avaliação de riscos dos transgênicos deve acabar

Mauro Zanatta, de Brasília
08/12/2009

Mudança desobrigará as empresas de biotecnologia de realizar estudos científicos de avaliação de riscos

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) votará na quinta-feira o fim do monitoramento dos efeitos adversos de organismos geneticamente modificados sobre a saúde humana e animal, o ambiente e os vegetais. A mudança desobrigará as empresas de biotecnologia de realizar estudos científicos de avaliação de riscos e de apresentar planos de monitoramento pós-liberação comercial de transgênicos no país.

A nova regra deve "anistiar" os 25 produtos transgênicos (plantas, vacinas e enzimas) que já obtiveram aprovação para comercialização e beneficiará 11 pedidos que estão sob análise do colegiado, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A alteração na Resolução Normativa nº 5, em vigor desde março de 2008, dependerá do voto de 14 dos 27 membros titulares da CTNBio. O grupo favorável à mudança somaria 16 votos.

A medida também beneficiará diretamente a indústria alimentícia brasileira. Dirigentes da associação do setor (Abia) escreveram ao ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, para reivindicar o fim do monitoramento e ameaçaram derrubar a exigência na Justiça.

O presidente da CTNBio, o médico bioquímico Walter Colli, confirma a proposta de alteração na regra. "Essas coisas não fazem mal. E, se fizerem, ninguém vai saber porque não tem como monitorar todo mundo. O argumento jurídico que se coloca é que monitorar só se justificaria se houvesse dúvida na análise de risco. Se o produto é idêntico ao convencional, não há razão para monitorar", explica.

Colli, que está em seu segundo mandato à frente da comissão, diz que o fim do monitoramento não causará problemas à população. "O monitoramento humano e animal foi uma esparrela, uma bobagem que fizemos. Cedemos pelo cansaço. Agora, a indústria alimentícia está sujeita a uma ação jurídica do Ministério Público por uma regra inepta da CTNBio. Cometemos um erro e quero corrigir isso", afirma.

Direitos Humanos no Chile

São Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 2009


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Chile ordena prisões por morte de presidente
A seis dias da eleição presidencial, Justiça manda deter acusados de envolvimento no suposto homicídio de Eduardo Frei Montalva

Ordem sai no momento em que chapa governista, que é encabeçada pelo filho do político, enfatiza direitos humanos na campanha

THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL

A seis dias da eleição presidencial no Chile, a Justiça mandou prender ontem seis acusados de envolvimento na morte do presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970), pai de Eduardo Frei, atual candidato governista e também ex-presidente (1994-1999).
Morto por infecção generalizada em 1982 após uma cirurgia de rotina, Montalva era à época um dos principais críticos da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Embora na ocasião a morte tenha sido classificada como natural, Frei sempre sustentou a hipótese de crime político.
A decisão judicial ocorre no momento em que o governo Michelle Bachelet e a candidatura de Frei enfatizam o tema de direitos humanos na campanha, em tentativa de barrar o avanço do opositor de centro-direita Sebastián Piñera, primeiro colocado nas pesquisas, e de assegurar o voto da esquerda, dividida em três candidatos.
No último sábado, dia do funeral simbólico do cantor Víctor Jara, morto pela repressão de Pinochet, Frei anunciou 17 propostas para a área de direitos humanos. Entre elas, a revogação da Lei de Anistia de 1978 -iniciativa quase simbólica, pois crimes da ditadura já são julgados no país com base em tratados internacionais.
Ontem, o candidato do governo se disse emocionado pela decisão. Afirmou se tratar do primeiro caso de homicídio de um ex-presidente no país, que marca "um antes e um depois" na história. Pelo lado da Aliança pelo Chile, a coalizão direitista de Piñera, sempre houve críticas a Frei de uso político da morte do pai.
O cientista político Carlos Huneeus disse à Folha não ver motivação eleitoral na ordem do juiz Alejandro Madrid. "A Justiça tem seu ritmo. E o caso já estava sob investigação."

Antecedentes
A investigação sobre a morte de Montalva foi reaberta há cerca de dez anos, por suspeitas da família após o desaparecimento, no Uruguai, do químico da ditadura Pinochet Eugenio Berríos, cujos restos foram localizados em 1995. A apuração indicou que substâncias tóxicas como gás mostarda provocaram a morte do presidente.
Na decisão de ontem, a Justiça determinou a prisão de quatro médicos -dois da equipe que operou Montalva por refluxo gástrico e dois que fizeram a primeira autópsia- e de dois homens acusados de espionar o presidente, entre eles um ex-motorista da família Frei.
"Demonstra que no Chile a Justiça tarda mas chega. O ex-presidente denunciou violações aos direitos humanos, e isso provavelmente lhe custou a vida", disse Bachelet ontem.
Dona da maior aprovação popular (78%) a um presidente desde a volta da democracia, Bachelet vive o dilema de não conseguir impulsionar a candidatura da Concertação, a exitosa coalizão de centro-esquerda que governa o Chile há 20 anos. O mandato presidencial no país é de quatro anos, sem reeleição.
O desgaste pelos anos no poder e falta de renovação de seus quadros -expressa na candidatura de um ex-presidente- são apontados como fatores do recuo da esquerda no país, que foi dividida para o pleito, com as candidaturas de dois ex-membros da Concertação.
Uma delas, a do deputado Marco Enríquez-Ominami, 36, ameaça inclusive a presença de Frei no segundo turno contra Piñera -pela última pesquisa do Centro de Estudos Públicos, o direitista tem 36% das intenções de voto, contra 26% de Frei e 19% de Ominami.
Embora a aprovação a Bachelet tenha crescido graças a medidas de combate à crise econômica global, o retrocesso da Concertação se desenha, como ilustra a derrota para a direita nas eleições municipais do ano passado.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Constituição Boliviana

Folha de São Paulo, segunda-feira, 07 de dezembro de 2009


Nova Constituição politizará Justiça, diz analista
DA ENVIADA A LA PAZ

Para George Gray Molina, ex-diretor do programa de desenvolvimento da ONU (Pnud) na Bolívia, o desenho do Judiciário na nova Carta boliviana é frágil e demasiadamente politizado, mas acerta ao incluir a justiça comunitária indígena.
Pelo texto, os juízes dos tribunais superiores serão eleitos pelo voto direto.
Leia a seguir trechos da entrevista de Gray Molina, que é pesquisador associado da Escola Woodrow Wilson de Assuntos Públicos e Internacionais em Princeton (EUA).



FOLHA - O sr. estudou a percepção dos bolivianos sobre si mesmos. O que mudou com Morales?
GEORGE GRAY MOLINA - Houve uma sobreposição entre mudanças de longo prazo (que vêm de 20 ou 30 anos de migração rural-urbana, mestiçagem e geração de novas elites populares) e mudanças de curto prazo (ascensão de Morales, polarização política). A opinião pública está dividida pelo impacto desses dois horizontes. Identificamos o surgimento de um "senso comum" que apoia a mudança social, a democracia como resolução de conflitos, a emergência de novas elites políticas e sociais e as mudanças nas políticas de recursos naturais. Entre 70% e 80% da população o compartilha. Ao mesmo tempo, continua a polarização em torno de Morales.
De toda forma, ele é o depositário do "imaginário" de mudança. Muitos dos questionamentos da oposição sobre política econômica não afetam sua imagem. A oposição não persuade, simula conversa "entre convertidos" -que não capta novos votos nem provoca um imaginário alternativo de esperança social e política.

FOLHA - Muitos acusam Morales de incentivar a polarização racial. Outros dizem que esse argumento é das elites. O que o sr. acha?
GRAY MOLINA - A polarização política na Bolívia é real, mas tem pouco a ver com o indigenismo. Tem a ver com as receitas dos recursos naturais e os projetos políticos que ganham ou perdem com a sua administração. Muito da polarização gira em torno de questões que afetam o equilíbrio de poder entre os projetos centralizados (MAS) ou descentralizados (autonomia) entre as novas elites (de extração popular) e as velhas (comitês cívicos, os partidos tradicionais).

FOLHA - Como vê a nova Carta?
GRAY MOLINA - Vista de maneira literal, tem muitas fraquezas e contradições.Vista de maneira política, oferece uma ordem jurídica híbrida, que incorpora direitos liberais e comunitários, individuais e coletivos, estatais e de mercado. Essa busca de um híbrido é o apropriado para uma sociedade num processo de transição política e social acelerado.
O que preocupa é o enfraquecimento do Poder Judiciário e a dificuldade de estabelecer árbitros imparciais para maiorias e minorias democráticas. A busca de um híbrido liberal e multicultural não é o o verdadeiro problema -é parte da solução. O problema central é a falta de moderação na construção da ordem judicial. O Judiciário não pode ser o braço legal de uma facção política. Há um falso debate sobre a fraqueza do componente indígena. O problema não está lá.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Constitucionalismo latino-americano

ELPAIS
La hora de la Bolivia indígena
Morales promete a sus pares más derechos, una educación propia y preservar sus costumbres - Una docena de comunidades decide hoy su autonomía
FERNANDO GUALDONI (ENVIADO ESPECIAL) - La Paz - 06/12/2009


Cada jueves y domingo, una multitud de familias indígenas se adueña de la Avenida 16 de Julio de la ciudad de El Alto, cerca de La Paz, para poner en marcha uno de los mayores mercados populares de ropa usada de Suramérica. Se calcula que casi un cuarto de millón de personas se emplea en este negocio hormiga donde el límite entre lo legal, lo robado y el contrabando es difícil de precisar. Paradójicamente, la urbe boliviana que apoya sin fisuras al presidente Evo Morales y que albergó el pasado jueves el cierre de la campaña del Movimiento al Socialismo (MAS) para las elecciones de hoy, es también un bastión del capitalismo más salvaje. Aquí trabajan todos, el padre, la madre, los niños, parientes... Y a todas horas. No hay derechos laborales ni ningún otro amparo.


Evo y Barack no tienen química
Morales: "Las elecciones marcarán el desarrollo de democracia o el retorno del neoliberalismo a Bolivia"

Evo Morales Ayma

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Nacimiento: 26-10-1959 Lugar: Orinoca
Bolivia
A FONDO
Capital: Sucre. Gobierno: República. Población: 9,247,816 (est. 2008)

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"Podrán elegir sus autoridades y aplicar sus leyes", explica un diputado
"Con Evo salimos de pobre, che camba [blanco]", gritan dos hombres que manipulan un fardo de ropa. Dicen apellidarse Colque y Amaru, que para un indígena urbano es como llamarse Pérez o Fernández. La ropa usada viene de Estados Unidos y entra por el puerto chileno de Arica hacia Bolivia. Miles de toneladas de un comercio semiesclavo e informal que el Gobierno no ha podido frenar y que ha barrido con la industria textil local. Doscientos años después de la independencia, indígenas como los de El Alto prácticamente no han pasado de la economía de subsistencia a la moderna de acumulación.

Morales ha prometido a sus pares indígenas -el 62% de los 10 millones de bolivianos- más derechos, subsidios, una educación propia, territorios con gestión autónoma y la preservación de sus costumbres. La Constitución del Estado Plurinacional, en vigor desde febrero, respalda los ancestrales modelos de gobierno, la justicia comunitaria y los tratamientos curativos propios. El Gobierno también se propone que los empleados públicos hablen obligatoriamente al menos una de las 36 lenguas reconocidas, además del español y un "idioma extranjero". En la realidad, las lenguas mayoritarias son tres (aymara, quechua y guaraní) y sólo nueve de las 36 perviven sin dificultad. Algunas, como el pacahuara, sólo la hablan los últimos 11 habitantes de esa tribu que ahora tiene rango constitucional de nación.

La revolución indígena que propone Morales se asienta básicamente en la autonomía territorial y la educación. Hoy mismo, al menos una docena de las 327 comunidades existentes celebra referéndum para decidir si se convierte en una autonomía indígena. Aunque se aprueben, la puesta en marcha de estos proyectos depende de una ley que aún no existe y para la cual Morales necesita tener el control de la Asamblea Plurinacional. "La nueva ley va a delimitar las competencias de esas autonomías para que no haya problemas", explica el diputado del MAS Gustavo Torrico.

"En esos territorios los indígenas podrán elegir sus autoridades, aplicar sus leyes, aunque no la penal, y gestionar sus recursos. No entrarán en conflicto con los municipios tradicionales porque éstos seguirán teniendo sus competencias actuales. En cuanto a la financiación del Gobierno central, el Ayuntamiento tendrá su parte y la autonomía originaria, la suya", añade.

A pesar de que muchas comunidades indígenas ya han ocupado por la fuerza campos y minas y zonas de reservas petroleras que consideran ancestralmente suyos, Torrico asegura que las expropiaciones sólo son competencia del Gobierno nacional. La mayoría del territorio boliviano no tiene demarcaciones fijas y los críticos de Morales esperan serios enfrentamientos entre comunidades una vez aprobadas las autonomías, aún entre los propios indígenas. Aparte de esto, nadie sabe con certeza cuánto costará al Estado esta reordenación territorial. Ya ha habido roces entre el Gobierno e indígenas del norte de La Paz por una concesión petrolera que la comunidad se negaba a conceder, pero que el Gobierno finalmente otorgó.

"El interés de un núcleo de dirigentes indígenas no está ni estará por encima del de todos los bolivianos", dijo tajante el vicepresidente Álvaro García Linera en una entrevista al diario La Razón. Y es que pese al encendido discurso indigenista, el Gobierno de Morales parece estar actuando con cautela en lo referente a las autonomías. Torrico tiene claro que sería muy difícil, por ejemplo, que los guaraníes, que hoy se reparten en tres provincias ricas en gas y petróleo, puedan formar un nuevo y único territorio con todos esos recursos naturales dentro.

La otra pata clave del "cambio" que propone Morales es la enseñanza. "La educación es la política pública reaccionaria del MAS", afirma el historiador Guillermo Mariaca, de la reconocida Universidad Mayor de San Andrés. "La nueva Constitución ha corporativizado la educación y la ha puesto en manos de un sindicato. Los maestros sólo se forman en un tipo de escuela oficial donde ellos mismos deciden qué aprender, no pueden ser expulsados y no son evaluados. Los maestros son el nexo entre el campo y la ciudad y son fundamentales para preservar la lealtad del mundo indígena al MAS", explica.

Durante la campaña, Morales prometió un ordenador portátil para cada uno de los 135.000 docentes y un aumento de los sueldos. La enseñanza es, junto a la policía y el ejército, una de las tres profesiones asalariadas más valoradas en la Bolivia rural.

Los indígenas tuvieron acceso a la educación a partir de la revolución de 1952. Hasta entonces prácticamente sólo las elites originarias eran educadas en los colegios criollos como parte de un pacto colonial por el que esas elites hacían de puente entre el mundo camba (blanco) y el colla (indio).

El ideal de educación para todos cuajó para el indio urbano pero fracasó en el ámbito rural, pero no fue hasta 1994 cuando se hizo otra reforma para corregir este fallo. Fue entonces cuando nacieron los Consejos Educativos de los Pueblos Originarios (Cepos) que diseñan los programas de enseñanza de sus pueblos y la formación política. Hoy, todos sus responsables responden a Morales y son los encargados de mantener vivo el discurso de liberación y de mitificación del caudillo.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Os Estados Unidos e o Regime de 1964

Folha de São Paulo, sábado, 05 de dezembro de 2009



EUA solaparam ditadura, diz brasilianista
O historiador James Green, da Universidade Brown, afirma que cidadãos americanos ajudaram a desmontar o Golpe de 1964

Historiador sustenta que Jimmy Carter reformulou a política externa dos Estados Unidos por causa de uma pressão de baixo para cima



Durante dez anos, o brasilianista James Green, 58 anos, reconstruiu a ação independente de cidadãos americanos quase anônimos que, apesar do apoio de seu país ao golpe militar no Brasil, se envolveram ativamente na luta contra a ditadura. O resultado é "Apesar de Vocês", livro recém-lançado que fala da luta, nos EUA, contra a ditadura e pela redemocratização do Brasil. "Seria injusto ver os EUA apenas como um país que ajudou a montar o golpe.
Ele também ajudou a desmontar esse mesmo golpe", diz Green, que ocupa a prestigiosa cadeira de história do Brasil da Universidade Brown, que já foi de Thomas Skidmore.





FOLHA - Quais suas principais descobertas?
JAMES GREEN - É inédito ver que houve muita atividade nos EUA contra a ditadura brasileira. No Brasil, pessoas pensam que [os americanos] não fizeram nada, mas a verdade é que fizeram muito. Uma coisa importante do livro é desmontar uma imagem do povo americano indiferente, colaborador.

FOLHA - É uma tentativa de limpar a barra dos americanos?
GREEN - O povo americano não é o governo americano. O povo americano podia ter sido indiferente ou contra a ditadura ao mesmo tempo em que seu governo a apoiava. Nunca se vai limpar a barra de um governo que apoiou os militares brasileiros. Porém, é importante recontar que existiam pessoas contra [a ditadura]. Seria injusto ver os EUA apenas como um país que ajudou a montar o golpe. Ele também ajudou a desmontar esse mesmo golpe.

FOLHA - Quem eram as pessoas?
GREEN - Clérigos, acadêmicos, ativistas. Poucas pessoas que lograram fazer muito. Você pode contar nos dedos as pessoas, mas eram determinadas.

FOLHA - A ditadura mudou a forma como os americanos viam o Brasil?
GREEN - Ao longo dos 21 anos, substituiu-se a bossa nova, a garota de Ipanema, pelo pau-de-arara e pela tortura. São imagens que vão sendo recriadas para fazer uma campanha eficaz [nos EUA] contra as medidas brutais que os militares estavam tomando no Brasil. Foram ativistas que trataram de influenciar esse imaginário sobre o Brasil no exterior.

FOLHA - Tiveram sucesso em mudar políticas dos EUA?
GREEN - Em um primeiro momento, o movimento da sociedade não logrou mudar a política da Casa Branca. Como eles viram que tinham um inimigo lá, procuraram outros caminhos, como o Congresso, denúncias públicas, a imprensa. [Richard] Nixon (1969-1974) e depois [Gerald] Ford (1974-1977) veem que precisam mudar o discurso, pelo menos formalmente. Jimmy Carter (1977-1981) vence as eleições com o discurso dos direitos humanos e muda a política exterior por causa de uma pressão de baixo para cima.

FOLHA - Quando se inicia a mudança?
GREEN - A partir de 1969, com as denúncias de tortura, os congressistas vão perceber que estão sendo manipulados pelo Departamento de Estado e começam a se opor ao governo Costa e Silva por causa do AI-5. Os brasileiros também conseguem divulgar denúncias de tortura. Os congressistas vão se perguntar "por que estamos apoiando um governo que está torturando? Nossos valores não são contra?". Cria-se espaço para mudar a legislação, de forma a cortar a ajuda [oficial].

FOLHA - O Brasil influenciou a reação da sociedade ao golpe no Chile?
GREEN - Tudo o que foi feito [em relação ao] Chile após o golpe de 1973 é baseado nas campanhas feitas na Europa e nos EUA sobre o Brasil. Um exemplo concreto: logo depois do golpe do Chile, americanos queriam ajudar a cortar a ajuda [do governo americano] a Pinochet e ajudar os exilados a saírem do país. Eles trouxeram ao Congresso chilenos, mas eles tinham dificuldade em explicar a situação. Um pastor americano, Fred Morris, que tinha sido torturado em Recife em 1973, consegue falar sobre a situação no Brasil e sua experiência como torturado. Os congressistas viram um paralelo entre Brasil e Chile, perceberam que não era exagero do movimento comunista internacional, que se torturava mesmo. Quando ocorre o golpe no Chile, as pessoas estão preparadas para acreditar nas denúncias.

FOLHA - Qual a participação dos EUA no golpe de 1964?
GREEN - Há um envolvimento direto. Em 1962, Kennedy resolve derrubar o governo João Goulart (1961-1964). [Os EUA] Dizem "vamos apoiar qualquer medida militar que derrube o governo". Nas campanhas de 1962, financiam com US$ 5 milhões campanhas da oposição. Quando perceberam que precisavam fazer alguma coisa mais drástica, mandam uma pessoa para fazer a articulação com os militares. A mensagem é: se vocês derrubarem o governo João Goulart, apoiaremos 100%. Imediatamente após o golpe, os americanos dão milhões de dólares de empréstimo ao governo brasileiro. O capital americano cria as bases do milagre econômico entre 69 e 73.

FOLHA - Como foi o apoio americano a Lula nos anos 70?
GREEN - É o momento em que sindicatos americanos estão rompendo com a ideologia da Guerra Fria, há uma nova geração de líderes [sindicais] e quadros médios que não são mais anticomunistas e veem no Brasil possibilidade de solidariedade internacional. Quando Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, mandaram cartas de pressão, indicaram que o mundo estava olhando para o Brasil e não deixariam Lula ficar preso. Foi uma solidariedade moral, de efeito muito grande.

FOLHA - O que acha de a candidata do presidente para concorrer à sucessão ter sido militante de esquerda, torturada e presa pela ditadura?
GREEN - É muito irônico, uma reviravolta da história maravilhosa. Quem poderia imaginar? Eu ensino história do Brasil. Na primeira aula, digo aos alunos que eles vão amar a história brasileira porque não se pode prever o que vai acontecer. Tem presidente que se suicida, tem aquele que renuncia depois de poucos meses, outro morre no hospital antes da posse, um operário presidente... Nesse sentido, o Brasil é um mistério para mim.

domingo, 29 de novembro de 2009

Bhopal

ELPAIS.com 25 AÑOS DE UNA CATÁSTROFE
Bhopal sigue muriendo
El jueves se cumplen 25 años del terrible escape tóxico en la ciudad india. Tras decenas de miles de muertes, el veneno liberado aún sigue matando y destrozando vidas
ANA GABRIELA ROJAS 29/11/2009


Panna Lal Yadav se despertó aquella media noche por los gritos aterradores y el ruido de un tumulto de gente corriendo. Sintió que el aire "se convertía en fuego" y le quemaba ojos y pulmones. No podía ver claramente, pero oía que sus hijos no dejaban de toser. Desesperado, le gritó a su esposa que, al igual que sus vecinos, debían huir. "En las calles vimos cómo la gente caía fulminada como moscas tras ser rociada por los gases. Teníamos que correr entre cadáveres", recuerda todavía turbado.


India
A FONDO
Capital: Nueva Delhi. Gobierno: República. Población: 1,147,995,898 (est. 2008)

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"Tal vez hubiera sido mejor morir el día del desastre. Llevamos 25 años sufriendo", dice una víctima
Panna y su familia vivieron la madrugada del 3 de diciembre de 1984 uno de los desastres más graves de la historia. En su ciudad, Bhopal, en el centro de la India, y muy cerca de su casa, 42 toneladas de uno de los químicos más tóxicos, el isocianato de metilo (MIC), escaparon en forma de gas de Union Carbide, una fábrica de pesticidas estadounidense.

Esa noche murieron casi 3.000 personas y en los días siguientes hasta 15.000, según las conservadoras cifras oficiales. Según diversas ONG y otros activistas, podrían ser hasta 25.000 muertos y unas 100.000 las personas con secuelas permanentes: cáncer, males de estomago, de hígado, de riñón, de pulmones, trastornos hormonales y mentales... Transcurridos 25 años, Bhopal sigue sufriendo.

La situación todavía es desastrosa. Los directivos de Union Carbide, encabezados por su presidente, Warren Anderson, escaparon de India y han eludido la causa criminal abierta en su contra. La fábrica quedó abandonada y sin limpiar. En lo que ahora es el centro de la ciudad permanecen más de 300 toneladas de químicos peligrosos -entre ellos DDT- en contenedores que estuvieron desprotegidos hasta hace sólo cuatro años.

Otras 10.000 toneladas de desechos tóxicos siguen enterradas cerca de la fábrica, según las ONG. Union Carbide mantenía unos tanques de evaporación por los que pasaban sus desechos químicos tóxicos y ahí están todavía con toneladas de sedimentos peligrosos. Y encima de ellos mucha gente va a hacer sus necesidades cada mañana, pues pocas de las chabolas cercanas tienen baños.

"Aunque no se hubiera producido una fuga de gas, el desastre era inminente. Y con el paso de los años y las lluvias, estos tóxicos se han filtrado al subsuelo y han llegado al agua que beben unas 30.000 personas", asegura Rachna Dhingra, que está al frente de la Campaña Internacional de Justicia en Bhopal, que agrupa a las asociaciones de víctimas.

El agua disponible en algunos sectores contiene altos niveles de productos químicos dañinos, incluidos cloroformo y tetracloruro de carbono, conocido cancerígeno, de acuerdo con las comprobaciones de varios estudios. Y cerca de la fábrica se encontraron asimismo metales pesados nocivos, según denunció Greenpeace. El proceso judicial es largo y el año pasado se reabrió el caso con el requerimiento de que la empresa limpie la zona y compense económicamente a las miles de personas que bebieron agua contaminada.

El Gobierno del Estado del que Bhopal es capital, Madhya Pradesh, ha establecido un sistema de tuberías de agua potable, que todavía es insuficiente. En el barrio de Sunder Nagar, los vecinos hacen cola para conseguir agua limpia. Raju Raikwar, vendedor de pescado, dice que a veces el agua escasea durante una semana. "Pero al menos ya no tenemos que beber a diario la contaminada. Tenía un sabor amargo y enfermábamos del estómago. Nos dolían los pulmones y la garganta", se queja.

Según la asociación de víctimas, todavía es minoría la gente que recibe agua potable permanentemente. Muchos toman aún el líquido contaminado. "Sabemos que bebemos veneno y se lo damos en la boca a nuestros hijos. Pero, ¿qué podemos hacer?", lamenta una afectada, Kalpana Rajarat, maestra de escuela.

La familia de Panna Lal Yadav resume amargamente las consecuencias de la catástrofe de Bhopal. Días después del desastre murió su hija menor, con apenas un año de edad. "Se le empezó a caer la piel a trozos", cuenta un padre, ahora sexagenario, que fue obrero en la fábrica de Union Carbide. Enseña los papeles que demuestran que aún le adeudan algunos pagos. Su vida ha sido siempre dura: cansancio crónico, y falta de apetito y de aliento. Ahora lo único que puede hacer es vender cacahuetes, lo que le reporta muy pocos ingresos.

También sus hijos se sienten débiles, padecen psoriasis y les duele el pecho. Hasta hace poco bebían el agua contaminada. Uno de los hijos de Panna Lal Yadavha ha engendrado dos niños con parálisis cerebral: Vikas y Aman, de 10 y 8 años, tienen ojos brillantes y curiosos y una sonrisa encantadora, pero sus cuerpos no les responden. No pueden alimentarse por sí mismos, ni andar, ni ducharse, ni ir solos al baño. Su madre teme que nunca llegarán a ser autónomos.

Vikas y Aman pertenecen a la segunda generación de víctimas de Bhopal, llamada así por la elevada incidencia de niños con taras de nacimiento: hasta diez veces más que en las comunidades con agua potable, según un estudio de la clínica Sambhavna, que atiende gratuitamente a 30.000 pacientes, gracias a donaciones privadas.

Los padres de Vikas y Aman eran niños cuando ocurrió el desastre y han bebido veneno casi toda su vida. "Mis niños están siempre sonriendo, pero no se enteran de nada, incluso cuando yo estoy llorando por ellos. Es muy triste. No sé que va a pasar cuando no haya quién los cuide". La abuela de los pequeños, Umvati Yadav, se lamenta: "Lo que más rabia me da es que ni la empresa ni el Gobierno asuman ninguna responsabilidad".

Niños ciegos, sordos, con retraso mental o cuerpos de extremidades rígidas, grotescamente entrelazadas, reciben rehabilitación en Chingari Trust. Esta ONG tiene a 320 menores a su cargo. "Son muchos más los niños enfermos en Bhopal a causa del escape de Union Carbide, pero sólo llevamos la cuenta de los que podemos ayudar y estamos seguros de que sus padres fueron víctimas de la fuga de gas", asegura el administrador, Tarun Thomas.

Muchos niños varones son mucho más bajos que sus coetáneos. Suraj, a sus 12 años, mide como su vecino de seis. Un estudio del Journal of American Medical Association reveló en 2003 que los chicos con padres expuestos al gas pesan menos. El crecimiento sufre retrasos y la parte superior del cuerpo es desproporcionadamente más pequeña que la inferior.

Los niños que ahora nacen enfermos no son reconocidos como víctimas por el Gobierno y, por tanto, no reciben ningún tipo de ayuda oficial. "No hay víctimas de segunda generación. Niños con defectos de nacimiento los hay en todas partes. ¿No los hay en tu país?", pregunta a la periodista, en su fastuoso bungaló, el ministro para la rehabilitación y el alivio de la tragedia del gas, Babulal Gaur. El político octogenario, que fue gobernador del Estado, asegura que no ha recibido ninguna queja de las víctimas. "Fue una gran tragedia, pero las víctimas ya están muertas. Los afectados ya fueron indemnizados y ahora la rehabilitación está funcionando bien. Ya no hay contaminantes en la fábrica porque las lluvias de 25 años ya lo han lavado todo", comenta. ¿Y entonces para qué su ministerio? "Porque le prometimos a la gente que siempre íbamos a estar ahí para cuidar de ellos", asegura.

Pero esta opinión es exactamente la opuesta a la que expresan las víctimas y los activistas. "A un cuarto de siglo de la tragedia la gente de Bhopal no ha recibido justicia y no ha logrado vivir en dignidad. Union Carbide se ha negado a hacerse cargo de sus responsabilidades y los Gobiernos, tanto nacional, como estatal, han fallado; han sido corrompidos por la empresa. Tenemos pruebas incontables de sobornos de miles de dólares a políticos". La acusación es realizada por la representante de las víctimas, Rachna Dhingra, quien habla de un intenso tráfico de influencias. Entre otras perversiones, resulta que el abogado defensor de la compañía en los tribunales es el portavoz del gobernante Partido del Congreso, Abhishek Manu Singhvi.

La reclamación de responsabilidades de los bhopalíes se hizo más difícil en 2001, cuando Union Carbide fue comprada por Dow Chemicals, también estadounidense, que se niega en rotundo a asumir ninguna responsabilidad. Dow Chemicals nunca fue propietario ni operó la planta y la compró más de 16 años después de la tragedia. La empresa tiene intereses en el subcontinente, donde produce y vende su insecticida Dursban, que por su toxicidad está prohibido para uso comercial en Estados Unidos.

La compensación a las víctimas de Bhopal se limita, por el momento, al acuerdo que Union Carbide alcanzó con el Gobierno indio en 1989: 470 millones de dólares de indemnización, una pequeña parte de los 3.000 millones de dólares originalmente exigidos. Cada una de las víctimas recibió, en teoría, varios pagos por un total de 50.000 rupias (unos 720 euros de ahora), pero muchos denuncian que ni si quiera recibieron esa cantidad.

La familia de Panna Lal sí la recibió para cada uno de los miembros enfermos. Pudieron así construir la modestísima casa de ladrillo donde viven. No les alcanzó para nada más. "El tratamiento de los niños es muy caro y además requieren mucha atención", dice la abuela. La familia no acude a los hospitales establecidos por el Gobierno porque el servicio es pésimo.

No sólo las víctimas se quejan de estos hospitales: un informe presentado este año ante la Corte Suprema por un comité de investigación independiente encontró que la plantilla de médicos es escasa, las medicinas de poca calidad, la información de los pacientes precaria y la higiene brilla por su ausencia.

Y como otras muchas historias en India, la pobreza lo agrava todo. Tras la catástrofe, el terreno alrededor de la fábrica de pesticidas se abarató y fue tomado por el chabolismo: casuchas de plásticos, maderas y láminas. Y además, la contaminación. Y tal vez a raíz de ello, un estudio de un hospital público sitúa en la zona de la tragedia unos altos índices de mortalidad. "Y no podemos echarles de ahí, de sus chabolas. Éste es un país democrático y la gente puede vivir donde quiera", dice el ministro Gaur.

Con el crecimiento de la ciudad, el lugar ha quedado en el centro de esta capital que en 2011 tendrá 2.1 millones de habitantes, según las estimaciones oficiales.

En teoría nadie puede pasar a la fábrica sin un permiso, pero aunque uno de los laterales está cercado y, vigilado por guardias, en los otros basta con saltar una pequeña tapia de menos de un metro para entrar. Los niños van habitualmente allí a jugar al críquet, y las familias entran a cortar hierbas secas para alimentar el fuego.

En el centro del solar, la antigua planta de pesticidas impone. Semeja el escenario de una película de ciencia ficción abandonado tras un ataque biológico. Poco a poco, los gigantes de hierro abandonados han sido cubiertos por el óxido y la vegetación.

El Gobierno del Estado pretendió abrir la fábrica al público al cumplirse el 25º aniversario de la catástrofe. "Se trataba de que la gente viera que no es peligroso", aseguraba el ministro. Pero las manifestaciones de las víctimas detuvieron el intento. "El Gobierno quiere pregonar que está limpio, que no hay problema, para quitarse de encima la descontaminación del lugar y, por otra parte, absolver así a la empresa de sus responsabilidades", dice la portavoz de las víctimas.

Mientras tanto, en Bhopal y en algunas otras ciudades de India y del resto del mundo han comenzado una serie de campañas recordando el desastre y exigiendo justicia. Amnistía Internacional sostiene en su campaña que "Bhopal es una burla para los derechos humanos. El legado de Bhopal pervive porque sus habitantes nunca han podido reivindicar sus derechos. Es más, los efectos negativos del escape afectan a las nuevas generaciones".

Pero a pesar de todo este movimiento internacional, las víctimas tienen poca fe. Un cuarto de siglo de espera les ha arrebatado la esperanza. Panna Lal, afectado y abuelo de los niños Vikas y Aman, es tajante: "Tal vez hubiera sido mejor morir el día del desastre. Al menos los que murieron ya no están aquí. Nosotros llevamos 25 años sufriendo".

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A morte no Brasil - violência social

Folha de São Paulo, quarta-feira, 25 de novembro de 2009


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Criança convivendo com a morte é tradição, diz historiadora


A historiadora Mary del Priore afirma que a convivência das crianças com a morte está longe de ser uma novidade no país. "É uma tradição, principalmente entre os mais pobres", diz a autora do livro "A História das Crianças no Brasil".
O que choca é justamente a permanência de uma violência arcaica num país que aspira à civilidade, diz ela. (MCC)



FOLHA - Em "A História das Crianças...", você narra a violência que as crianças sofriam a partir do século 16. Ver o corpo de um cadáver hoje é uma violência para o jovem?
MARY DEL PRIORE - Eu não diria que houve uma ruptura histórica. Esse convívio com a morte é uma permanência, algo que está enraizado na nossa cultura. Numa sociedade patriarcal e escravista, onde o mais forte sempre violenta o mais fraco de alguma maneira, a morte só foi higienizada muito recentemente. Esse convívio com a morte, longe de ser uma novidade, é uma tradição, principalmente entre os mais pobres. São mortes que têm a ver com violência ou saúde.

FOLHA - Qual fator pesa mais: a violência ou a saúde?
DEL PRIORE - Não dá para separar as duas. Às vezes é o doente que mata, se você pensar em alcoolismo, em dependência de drogas. Essas coisas são muito interligadas, porque aquele que comete a violência é muitas vezes um doente. Dos anos 60 e 70 para cá, com o crescimento das grandes cidades, você teve a consolidação do que os historiadores chamam de "a morte burguesa", que exige o cemitério, uma cidade dos mortos separada da cidade dos vivos. Foi essa morte burguesa que evitou que se vissem os corpos.

FOLHA - Essa tentativa de isolamento é um fenômeno recente...
DEL PRIORE - E muito ligado a um tipo de vida burguês que só se consolida no Brasil nas primeiras décadas do século 20, com o bota-abaixo das grandes capitais, como Rio, Salvador e Recife. São essas transformações urbanas que vão criar uma mentalidade nova em relação à morte, de afastamento, de invisibilidade. Acabou aquela intimidade que se tinha com o corpo do morto, que se vê no interior do Brasil até hoje. O morto fica estendido na mesa da sala, que é a única da casa, e as crianças brincam em volta. Essa intimidade com a morte não saiu da nossa cultura, sobretudo nas camadas subalternas.

FOLHA - Você não acha que a situação atual é diferente, já que a urbanização criou a expectativa de uma cidade sem cadáveres nas ruas?
DEL PRIORE - O que nos choca é que hoje essa morte se dá mais por morte matada do que por morte morrida. O que causa o choque é a violência, essa inflação fenomenal de favelização em todo o Brasil. É o fato de que as cidades favelizadas são palco do domínio de gangues, de traficantes, onde a lei do revólver e do inimigo continua vigindo como vigia no século 19 nos grandes potentatos do Vale do Paraíba e no interior do Nordeste, que matavam seus desafetos. É como se essa lei da eliminação do outro continuasse.
Só que isso não combina mais com o processo civilizatório em que embarcamos. É como se essa civilidade fosse incompatível com essa violência, que é uma violência arcaica, que tem mais de 500 anos.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Curso de Justiça Transicional

Prezados,

Como muitas pessoas solicitaram as lâminas com as aulas do curso de Justiça Transicional oferecido pelo ICTJ junto com a Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça realizado
mês passado (outubro de 2009), o Dr. Paulo Abrão, presidente da citada comissão) solicitou que postássemos todas na parte do site da
Comissão que contém nossas publicações, onde igualmente é possível encontrar, entre
outros materiais, alguns artigos, os dois relatórios anuais e a Revista (são três
páginas de links).

Segue o endereço para acessar:

http://www.mj.gov.br/main.asp?Team=%7B2AD759EF%2DDCFB%2D46EB%2DA16C%2D73502B9C09EF%7D

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Estados Unidos, repressão e Direitos Humanos

FSP 23 de novembro de 2009

Escola que formou golpistas é alvo de protestos
DE WASHINGTON

Centenas de pessoas protestaram no sábado em frente ao Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica (Whinsec, na sigla em inglês), entidade de formação de militares latino-americanos subordinada ao Pentágono e baseada em Fort Benning, no Estado americano da Geórgia. A manifestação foi organizada pela SOA Watch e reuniu estudantes e sobreviventes de torturas de regimes militares da região.
A ocasião foram os 20 anos do massacre de seis padres jesuítas espanhóis por militares em El Salvador. No mesmo dia, foi divulgada a indicação da ONG e de seu fundador, padre Roy Bourgeois, para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz de 2010 -dezenas de personalidades e instituições são indicadas todos os anos por um grupo de pessoas escolhidas pelo Parlamento norueguês; o premiado de 2009 é Barack Obama.
A SOA Watch tira seu nome das iniciais da School of Americas, a Escola das Américas, que funcionou entre 1946 e 2001, antecessora do Whinsec que formou mais de 60 mil militares latino-americanos. Segundo a ONG, ali estudaram membros de pelo menos 11 regimes militares na América Latina, Brasil incluído.
Dois deles participaram do golpe que derrubou o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 28 de junho último. São o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Romeo Vásquez, aluno em 1976 e em 1984, segundo a SOA, e o general Luis Prince Suazo, comandante da Força Aérea, que estudou lá em 1996.
Zelaya destituiu Vásquez do cargo dias antes de ser derrubado, porque o militar se recusou a cumprir ordem executiva para organização de enquete junto à população sobre mudança na Constituição hondurenha. O levantamento, segundo opositores de Zelaya, abriria caminho para sua reeleição, o que é proibido pela atual Carta do país. O militar foi restituído pelo Congresso após o golpe.
Bourgeois visitou Honduras recentemente e fez denúncias de casos de desrespeito a direitos humanos. (SÉRGIO DÁVILA)

domingo, 22 de novembro de 2009

Democracia e Republica na América Latina

TRIBUNA: RAFAEL ROJAS El Pais
El bicentenario y la tradición republicana
Si hace 200 años los fundadores de Hispanoamérica imaginaron repúblicas sin democracia, hoy, en América Latina, la democracia se ve amenazada por la crisis de los valores que decidieron la independencia
RAFAEL ROJAS 22/11/2009


América Latina llega a dos siglos de su independencia cuando se cumplen 20 años de la caída del Muro de Berlín y del reacomodo de la región a los patrones geopolíticos de la postguerra fría. El bicentenario coincide, además, con el agotamiento de las políticas económicas y sociales, asociadas a la ortodoxia "neoliberal" de los 90, y con el afianzamiento de procesos democráticos que han permitido el acceso al gobierno de importantes partidos, líderes y movimientos de una izquierda postcomunista. Para completar el nuevo escenario, en Estados Unidos se inicia una presidencia decidida a abandonar los últimos vestigios macarthystas de su diplomacia regional.

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Para los fundadores hispanoamericanos el gran dilema era construir ciudadanías

Atribuir a Bolívar una "concepción democrática revolucionaria" es una burla
Es inevitable pensar el bicentenario desde el presente latinoamericano, pero también puede ser engañoso subordinar nuestra percepción de la independencia a la coyuntura actual. Mientras más respetemos la especificidad de aquel proceso político de hace 200 años mayores enseñanzas derivaremos del mismo y mayores similitudes le encontraremos con la América Latina del naciente siglo XXI. Hay más de una semejanza entre una región donde no existían naciones ni Estados, liberalismos ni conservadurismos, nacionalismos ni socialismos, y una región que parece de vuelta de las ideologías predominantes de los dos últimos siglos.

Para los fundadores de las primeras repúblicas hispanoamericanas el gran dilema era construir ciudadanías -que, a partir de la dotación de los mismos derechos civiles y políticos, ellos imaginaron homogéneas- en comunidades caracterizadas por una profunda diferenciación económica, jurídica, étnica, religiosa, lingüística, regional, cultural y política. La mayoría de los letrados y caudillos que intervinieron en el diseño constitucional de los nuevos Estados -Simón Bolívar, Andrés Bello, Fray Servando Teresa de Mier, Lucas Alamán, Lorenzo de Zavala, Vicente Rocafuerte, Manuel Lorenzo de Vidaurre, Félix Varela...- veía como un obstáculo la heterogeneidad social de sus respectivos países.

Sin embargo, por actuar en décadas (1810-1840) en las que la polarización entre liberalismo y conservadurismo aún no se manifestaba plenamente, para aquellos primeros republicanos no era importante atacar o defender las propiedades comunales o eclesiásticas, eliminar o preservar el fuero militar, ampliar o limitar el rol de la Iglesia en la educación y en el derecho. Aunque la mayoría de ellos compartía la plataforma doctrinaria del liberalismo gaditano, la ausencia de una querella liberal-conservadora los volvía, acaso indeliberadamente, más flexibles desde un punto de vista comunitario, acercándolos a quienes vivimos en las sociedades multiculturales de hoy.

Las disputas entre centralismo y federalismo no tenían, para aquellos republicanos, las connotaciones que luego tendrán para liberales y conservadores. Los federalistas mexicanos, por ejemplo, no veían en ese régimen la amenaza de una pérdida de soberanía, en los Estados del Norte, ante la expansión territorial de Estados Unidos. Entonces Washington era visto como un aliado, no como un enemigo -connotación que se afianzaría a partir de la guerra con México, entre 1847 y 1848, y la difusión de la doctrina del "destino manifiesto". De ahí que algunos federalistas como Zavala y Rocafuerte pensaran que la autonomía regional, en vez de debilitar, fortalecería la integración territorial de los nuevos Estados.

Los primeros republicanos de Hispanoamérica no eran nacionalistas, pero tampoco eran demócratas: algunos estaban a favor de la tolerancia religiosa, otros no. Cuando Mier o Rocafuerte, Zavala o Vidaurre hablan de democracia lo hacen en un sentido muy parecido al de Tocqueville y otros liberales de la primera mitad del siglo XIX: democracia es, para ellos, sinónimo de igualdad, y, por tanto, de amenaza al equilibrio social. Bolívar, como es sabido, compartía aquellos escrúpulos e ideó fórmulas constitucionales como el "senado hereditario" o la "cámara de censores" para, en sus palabras, "atemperar la democracia con instituciones aristocráticas".

Atribuir a Bolívar una "concepción democrática revolucionaria", "antiburguesa" o "anticapitalista", como hizo el presidente Hugo Chávez en su discurso de toma de posesión, el 10 de enero de 2007, es, cuando menos, una burla a dos siglos de estudios bolivarianos en Iberoamérica. Ese Bolívar protomarxista no sólo es cuestionable desde las conocidas ideas de Marx sobre Bolívar, sino desde los propios textos políticos y constitucionales del Libertador. Con el Bolívar de Chávez sucede como con el Martí de Fidel Castro: dos estadistas republicanos del siglo XIX que terminan siendo desconectados de su propia tradición e incrustados en las izquierdas marxistas del siglo XX.

Muchas de las fórmulas autoritarias que ideó Bolívar, incluida la "presidencia vitalicia", que tomó de la Constitución haitiana, estaban inspiradas en la certeza de que sociedades como las hispanoamericanas, moldeadas por tres siglos de régimen colonial, corporativo, esclavista y estamental, no podían constituir, de la noche a la mañana, ciudadanías modernas. Pero Bolívar otorgó a ese diagnóstico, típicamente ilustrado, un acento republicano que tenía como finalidad la creación de comunidades virtuosas por medio de la educación cívica y de una gradual igualación de derechos y deberes.

El propio Bolívar no ignoraba que instituciones como la "presidencia vitalicia" minaban las bases de una república. En su Discurso de Angostura (1819), dijo que "la continuación de un mismo individuo frecuentemente ha sido el término de los gobiernos democráticos... Un justo celo es la garantía de la libertad republicana y nuestros ciudadanos deben temer con sobrada justicia que el mismo magistrado que los ha mandado mucho tiempo los mande perpetuamente". Cuando, siete años después, Bolívar diseña la Constitución de Bolivia como modelo hispanoamericano, la mayoría de los letrados bolivarianos (Mier y Rocafuerte, Vidaurre y Zavala, Bello y Heredia) se le oponen.

Para aquellos fundadores de la Hispanoamérica moderna el arquetipo del estadista republicano era George Washington, quien en 1796, a punto de cumplir su segundo mandato presidencial, declinó postularse a una segunda reelección y se retiró a la vida privada en Mount Vernon. Desde 1808 esos pensadores comenzaron a contraponer la figura de Washington a la de Napoleón, a quien vieron como una encarnación moderna del cesarismo que había malogrado la república romana. A partir de 1826, Bolívar comenzó a ser visto, también, como un nuevo César. Benjamin Constant resumiría ese desencanto hacia la figura del Libertador en un discurso ante el Parlamento francés: "No, la dictadura nunca es un bien; la dictadura nunca es lícita. Nadie está lo suficientemente por encima de su país y de su tiempo para tener derecho a desheredar a sus ciudadanos".

Si hace 200 años, los fundadores de Hispanoamérica imaginaron repúblicas sin democracia, hoy, en América Latina, parecen construirse democracias sin república. Las reformas de los 90 redujeron los Estados al mínimo y limitaron la capacidad de constituir ciudadanías plurales, participativas e incluyentes por medio de la educación, el laicismo y la cultura. El ascenso del autoritarismo de izquierda en la última década, desplazó el péndulo al otro extremo: reelección indefinida, control de la sociedad civil y los medios de comunicación, capitalismo de Estado, caudillismo. A 20 años de la caída del muro de Berlín, todos los países latinoamericanos, menos Cuba, son democráticos, pero la democracia vive amenazada por la crisis de los valores republicanos que decidieron la ruptura con la monarquía absoluta.

Garzón e Chile

Garzón reactiva el caso por el asesinato de Soria e imputa a dos ex ministros chilenos
JOSÉ YOLDI - Madrid - 22/11/2009 El Pais


El juez Baltasar Garzón ha reactivado el caso por el asesinato del diplomático español Carmelo Soria, perpetrado en julio de 1976 por agentes de la policía secreta chilena, la tristemente célebre DINA, y ha imputado a 13 militares y políticos chilenos, entre ellos los ex ministros de Defensa e Interior, Herman Brady Roche y César Raúl Benavides. El caso se inició en 1998, a instancias del letrado Joan Garcés, en el marco del proceso por genocidio, terrorismo y torturas dirigido contra el dictador Augusto Pinochet, fallecido en diciembre de 2006.


Soria, que era diplomático de las Naciones Unidas y nieto del arquitecto y urbanista Arturo Soria, fue secuestrado por agentes de la Brigada Mulchén de la DINA cuando regresaba en coche a su domicilio, por orden del comandante Raúl Eduardo Iturriaga. Fue brutalmente torturado durante horas y finalmente fue colocado en unas escaleras donde le aplastaron el pecho hasta lograr una doble fractura de la columna vertebral que le causó la muerte. Luego, simularon un accidente al despeñar su coche, con su cadáver en el interior.

Garzón considera que los hechos podrían constituir delitos de torturas y asesinato en el contexto de crímenes contra la humanidad dentro de un plan sistemático de atentar contra la vida, la libertad y seguridad de las personas, concebido por Pinochet y los responsables del golpe militar del 11 de septiembre de 1973.

Si los jefes y agentes de la DINA fueron los autores materiales, Brady, Benavides y el subsecretario de Interior, Enrique Montero Marx fueron los autores intelectuales al facilitar los medios y dar cobertura a las torturas y asesinato de Soria.

Garzón ha decidido no dirigir el proceso penal contra Mónica Madariaga y Sergio Fernández, que eran ministros de Justicia y de Interior, respectivamente, en 1978, cuando firmaron el Decreto de Amnistía que sirvió para conferir la impunidad a los autores, cómplices y encubridores del crimen. La Comisión Interamericana de Derechos Humanos declaró nulo el citado decreto, pero el juez considera que el hecho de que los dos ministros firmaran el decreto no es suficiente para proceder contra ellos, pues de admitir esa razón habría que proceder también contra todos los demás miembros del Gobierno que avalaron el decreto y los que aplicaron la norma posteriormente.

El juez ha cursado una comisión rogatoria para poder interrogar a los imputados en Chile. Se trata de los miembros de la DINA Manuel Contreras, Raúl Eduardo Iturriaga, Jaime Enrique Lepe, Jorge Remigio Ríos, Guillermo Salinas, Pablo Belmar, René Patricio Quiloht, Rolf Wenderoth y Ricardo Lawrence Mires; Herman Brady, ex ministro de Defensa; César Raúl Benavides, ex ministro de Interior y los altos cargos de ese departamento Enrique Montero y Pedro Espinoza.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Entrevista do vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera


"Precisamos de uma Internacional de Movimentos Sociais"

Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, cobra mais iniciativa dos movimentos sociais latino-americanos, pede visão “continentalizada” da esquerda no continente. "Antes, a esquerda tinha um olhar sobre o continente em termos da conspiração revolucionária. Nunca em termos de economia, de comércio, de criar um mercado comum, uma defesa comum. É uma série de desafios sobre os quais ela nunca tinha refletido, que tem a ver com o exercício de governo, com sua maturidade de reflexão", diz Linera.

ÁLVARO GARCÍA LINERA não é um vice qualquer. Além de acumular o posto de presidente do Congresso boliviano, ele é um dos principais responsáveis pelas articulações políticas do governo de Evo Morales e talvez o mais destacado teórico do processo pelo qual passa a Bolívia atualmente. Sua larga bagagem política e intelectual, além de o credenciar a receber títulos como o “vice-presidente mais atuante do continente” ou o “intelectual mais importante da América Latina na atualidade”, também o capacita para dar largas e aprofundadas respostas, fazendo com que nossa entrevista não chegasse nem à metade das perguntas preparadas.

Em meio à atribulada agenda de um vice-presidente e candidato à reeleição em campanha, Álvaro García concedeu ao Brasil de Fato duas rápidas horas de uma conversa pouco factual e mais analítica sobre o processo político que vive a América Latina, em geral, e a Bolívia, em particular.

Brasil de Fato – Um olhar sobre a história política latinoamericana indica que, de certa forma, ela se move por ondas. O senhor acha que essa ascensão recente de governos oriundos de organizações com trajetórias de esquerda configura uma nova onda?

Álvaro García Linera – Creio que este é um ciclo muito novo e inovador sem comparação nos últimos 100 anos da história política latino-americana. A única coisa comum no século 20 foram as ditaduras militares. Fora disso, a esquerda teve presença descompassada na região. Processo parecido foi a onda de luta armada, mas não era presença vitoriosa de esquerda; era combativa, resistente, por parte da ala mais radicalizada. A vitória em Cuba trouxe uma leva guerrilheira, que nos anos de 1960 estava em todo o continente. Quando a esquerda armada triunfa na Nicarágua, o continente já tinha outros ritmos, outras rotas. Então, pela primeira vez em 100 anos há uma sintonia territorial da esquerda, com governos progressistas e revolucionários. A direita já tinha essa habilidade de “continentalizar” suas ações.

Quais elementos dão unidade a essa sintonia?

O que permitiu a leva de governos progressistas foi o ciclo neoliberal. Ciclo que, mais ou menos, golpeou todos os países de maneira quase simultânea em seus efeitos e defeitos. O atual processo é muito inovador
por seu caráter “continentalizado” de esquerda, pela busca de políticas pós-neoliberais – umas mais radicais, outras menos –, por ser um ascenso da esquerda através da via democrática-eleitoral, por ser a primeira vez que ela projeta estratégias de caráter estrutural coordenadas em nível continental. Antes, a esquerda tinha um olhar sobre o continente em termos da conspiração revolucionária. Nunca em termos de economia, de comércio, de criar um mercado comum, uma defesa comum. É uma série de desafios sobre os quais ela nunca tinha refletido, que tem a ver com o exercício de governo, com sua maturidade de reflexão.

E também é inovador porque isso se faz sem um pensamento único de esquerda. Não há um referente comum como a URSS, por sorte; não está a China, melhor ainda. O processo de esquerda são muitas coisas agora. Pode ser marxista ultrarradical, pode ser socialista, pode ser vinculado ao pós-modernismo intelectual, pode ser mais nacionalista... e todos são esquerda. Isso é muito rico, permite uma pluralidade de reflexões, de discursos, de ideias. Não há o modelo a imitar ou uma “igreja” que dita o bom comportamento, como ditava antes. É um momento de reconstrução plural do pensamento de esquerda, ainda primitivo. Mas temos que ver a história em processos que podem durar 50, 80 anos. Não nos desesperemos por não ter as coisas consolidadas agora, por não termos com claridade um grande programa de esquerda continental e mundial. Isso vai demorar 20 anos pelo menos, depois de várias derrotas, de várias vitórias e outras derrotas.

Este é um momento germinal e ainda há pedaços do continente que estão em outro rumo. Isso é normal, inclusive, é possível prever a curto prazo uma volta parcial do pensamento e dos governos de direita em alguns países no continente e não vamos nos assustar. Lutemos contra isso, mas este é um processo longo e lento, vai requerer ainda várias levas de ascenso social e popular que permitam despertar toda a potência desse momento histórico, que ainda não se fez visibilizar totalmente. Ainda faltam novas ondas. Não esqueça que Marx usava o conceito de revolução por ondas. Elas vão e voltam, logo vêm de novo e regressam um pouco. A onda atual é das primeiras, logo haverá um pequeno refluxo à espera de uma nova onda que permitirá, a depender dos homens e mulheres de carne e osso, expandi-la a outros territórios e aprofundar as mudanças que até agora são superficiais, parcialmente estruturais.

Esse processo coloca a superação do capitalismo em jogo?

Marx dizia que o comunismo é o movimento real, que se desenvolve diante de nossos olhos e que supera a ordem existente. Não é uma questão de teoria, de discurso, é questão de realidade. E está claro que a primeira meta pautada pelas forças populares diversas do continente foi, em primeiro lugar, frear o esvaziamento social, democrático e material que caracterizou o processo neoliberal. Esvaziamento material a partir da exteriorização dos excedentes, esvaziamento social com a retirada dos direitos conquistados nos últimos 100 anos e esvaziamento democrático mediante a aterrizagem da doutrina única, liberal e individualista.

O segundo momento é de reconstituir e ampliar direitos da sociedade, assumir controles do excedente econômico, expandir a geração da riqueza com sua distribuição. Essas demandas sociais surgem a partir de 1995 e são de caráter democrático-social, no sentido marxista do termo. Ainda não foram atendidas plenamente, como no tema da terra; entretanto, elas já abriram espaço para demandas mais radicais, mais comunistas, que ainda são incipientes, parciais e fragmentadas. Veja a experiência argentina com a tomada de fábricas, as experiências no Brasil, na Venezuela, as empresas sociais na Bolívia, criadas no nosso governo,
reivindicadas pelo povo, ou a potencialização dada às estruturas comunitárias, para buscar um desenvolvimento diferente à economia de escala, com tecnologias alternativas, articulações de produção. Todas elas avançam, têm a experiência de gestão e regridem. Aqui na Bolívia, com a questão da água: existia uma experiência falida [privatização da água em Cochabamba], defende-se a socialização do controle da água, implanta-se outra gestão e, em seguida, ela retrocede.

Ou seja, essas potencialidades comunistas da sociedade – porque não há comunismo que não venha da sociedade, não há comunismo de decreto, não há socialismo de Estado, isso é sem sentido – têm ainda uma força muito dispersa, uma presença embrionária, não conseguem coagular, mas estão latentes. Seguindo essa leitura, hoje, em 2009, não estamos diante de uma perspectiva de superação do capitalismo. Dizer outra coisa seria nos enganarmos. Mas emergiram ações da sociedade que apontam para o socialismo, construído pelas próprias classes trabalhadoras. Existem sinais, sementes, aflorações, mas ainda não constituem a razão dominante da sociedade.

E quanto isso amadurecerá?

Em dez, 20 anos? Não se pode definir. O que pode fazer o revolucionário é, a cada sinal de socialismo – como a reapropriação, por parte dos produtores, de sua própria produção com democratização e socialização da tomada de decisões –, reforçá-lo para que se expanda. O dever do comunista é meter-se de cabeça a cada abertura, não inventar o comunismo. O comunismo é a capacidade real do povo de produzir e se associar. Eu tenho a leitura de Marx, ao avaliar a Segunda Revolução Industrial, em 1850, que dizia que serão necessárias dezenas, milhares de lutas, de fracassos, de pequenas vitórias, depois novamente fracassos, para que, da própria experiência da classe trabalhadora, surja a necessidade de associar-se para tomar o controle da produção. E isso é uma visão muito, mas muito otimista do ciclo que está emergindo.

Que importância tem a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e a Unasul (União das Nações Sulamericanas) neste cenário latino-americano, e como o senhor vê os movimentos sociais nesse processo de integração?
A Unasul é um projeto continental, fruto da surpreendente simultaneidade de governos progressistas em boa parte do continente. Além da luta, estamos discutindo em termos de estrutura, de matéria, de economia, de sociedade, de cultura, de legislação... um grande salto. A esquerda não refletia sobre isso antes e isso é mudar nosso “chip”. Ainda não se escreveu sobre esse tema que, inevitavelmente, tem que entrar no discurso de esquerda. Ele segue sendo assunto dos funcionários das chancelarias tradicionais, mas não é uma construção desses dinossauros. É uma construção de governantes progressistas que não tem o acompanhamento do intelecto social progressista, que está aí atônito, vendo, pasmo, esse novo ciclo.

Tal projeto de integração tem que tomar em conta a unanimidade dos critérios de cada país, sendo um processo lento, estrutural. A perspectiva é boa, mas a velocidade é lenta, como tem que ser um bom processo
de integração, não há que se desesperar. A União Europeia está aí há pelo menos 30 anos e ainda está se construindo. Construir Estados-continente é complexíssimo, mas este é o rumo do mundo no século 21, isso é o que vai contar no movimento de tomada de decisões econômicas.

E a Alba?

É diferente, porque é uma iniciativa de governos progressistas muito mais afins, o que permite maior velocidade em relação à Unasul. Tanto Mercosul como Alba deveriam dissolver-se no interior da Unasul, mas isso vai demorar décadas. Alba e Mercosul são estruturas de ação imediata. Vão assumir um conjunto de tarefas mais rapidamente e mais efetivamente. A Alba está articulando várias coisas ligadas à economia, usando regras que, pela afinidade política, não podem ser tomadas em outro cenário, levando adiante articulações e arranjos econômicos não baseados historicamente em relações de mercado. Ainda muito incipiente, mas, no caso de Bolívia e Venezuela, há um conjunto de atividades econômicas que já não
estão necessariamente reguladas pelo mercado. Têm como parâmetro máximo o mercado, mas tentam construir intercâmbios comerciais a partir de outros critérios. São esforços audazes de complementaridade,
como acontecem com os setores têxteis, do petróleo e da soja. A Venezuela tem relações parecidas com Cuba e Nicarágua.

Não é retórica falar de processos crescentes de busca de outros mecanismos de integração não baseados em regulações de mercado. O recente passo do Sucre [sistema monetário comum da Alba], como um mecanismo de pagamentos entre os países, pode ser um novo piso nessa construção de algo muito novo, que não há em nenhuma outra parte do mundo. Outro passo são as empresas gran-nacionais, pertencentes aos estados, que darão um olhar de gestão da economia de maneira regionalizada e unicamente organizada entre os países. Creio que a Bolívia vai dar esse primeiro passo da empresa gran-nacional com a Venezuela em um prazo muito curto. As condições materiais estão dadas.

E qual papel jogam os movimentos sociais nesse processo de integração?

Creio que a articulação deles em nível continental e sua participação nesses processos de integração é ainda muito incipiente. O neoliberalismo fragmentou tudo e reduziu as articulações a uma união via ONGs. Não era uma articulação autônoma. Hoje começa haver um encontro cara-acara de companheiros que se convidam, mas ainda avançaram pouco. Temos que ir além dos fóruns, que foram importantes nos anos de 1990 para
juntar 1990, rompendo as suscetibilidades de direções e de hegemonias, mas muito débeis, frouxos em seus discursos. A tomada de ações vinculantes não foi feita por nenhum dos fóruns. As pessoas retornavam para suas casas para arrumar seus papéis e convocar outro fórum. Necessitamos de uma estrutura bolchevique, que o MST tem, do movimento social. Isso tem que vir deles, não dos governos. Ainda não se criou uma plataforma continental dos movimentos sociais. Sei que isso é complexíssimo. Digamos que nem no nível de países isso se dá, porque acontece em momentos espetaculares. A pauta de nacionalizações, por exemplo, dá lugar a revoluções. Mas precisamos desse esforço de nos olharmos como continente, não somente acompanharmos as ações dos presidentes. Quando há reunião da Alba, os movimentos sociais se reúnem e debatem temas complementares aos dos presidentes, melhor ainda quando os temas debatidos entre presidentes foram previamente discutidos com lideranças. Mas é necessário ir além.

É dificílimo, mas talvez seja hora de projetar uma Internacional continental de movimentos sociais, uma estrutura como uma Internacional comunista, mas de movimentos sociais, continental, e depois pensar em ir para o mundo. Diante da possibilidade de que em algum país de nosso continente a direita retome o governo, como eles não vão pautar uma mobilização? Ao fim e ao cabo, se essa leva progressista for para trás, quem mais sofrerá serão os movimentos. Eles estão obrigados a pensar continentalmente e devem defender e empurrar mais para lá esses processos. O século 21 exige novos compromissos, maiores ações, e a melhor experiência a ser resgatada está nas reflexões de Marx sobre a Primeira Internacional, na qual se juntaram partidos, sindicatos, agremiações, marxistas, anarquistas, socialistas... articulavam-se continentalmente com debilidade, mas com firmeza e vinculação de suas decisões. É melhor do que a Internacional leninista, e talvez a melhor referência para uma Internacional hoje não seja bolchevique, mas a comunista de Marx em seu debate fascinante com Bakunin [Mikhail Bakunin, um dos intelectuais fundadores do anarquismo]. Como se tomam as decisões? É pela autoridade moral das organizações, dizia. Não se obriga a ninguém, mas todos estão comprometidos a cumprir o que decidiram. Precisamos de um novo passo já nesta década: uma internacional de movimentos sociais com maior capacidade de vinculação em suas decisões, de mobilização desde os países e com uma agenda comum debatida continentalmente por eles para defender esse processo,
para controlá-lo e radicalizá-lo.

Seria necessário um ponta de lança para isso?

Modéstia à parte, creio que a Bolívia é a experiência mais avançada de movimentos sociais.

Mais do que o Brasil?

Sim. É um país menor, evidentemente, com menos gente. Mas a eficácia político-estatal do movimento é a mais radical no continente.

Esta é a originalidade do processo boliviano?

Acho que sim. Tudo isso aqui é movimento social.

No Estado?

No Estado, por fora do Estado, por baixo do Estado, por cima do Estado. Esta é uma grande discussão, temos que fazê-la. Nos causou muito dano o debate de John Holloway [do livro Mudar o mundo sem tomar o poder] e Marcos del Rojo, não? Respeito os companheiros, mas tenho profundas discordâncias. Tem que haver uma aliança de movimentos sociais continentais fortes, que sejam os articuladores. Tem que haver uns quatro, cinco ou seis que se lancem, de maneira muito respeitosa, com democracia de base, e que articulem o debate com os demais, mas alguém tem que dar o primeiro passo, e logo.

Este seria o sujeito revolucionário na América Latina?

O sujeito revolucionário é o que faz a revolução. Não há uma predestinação para definir quem será, este foi o grande erro do debate ocioso da esquerda, desde antes dos anos de 1950. Diziam “este é o que vai fazer a revolução” e seguiam esperando que o sujeito se movesse, mas ele estava em outra. Paranoico, não? O que está claro é que o sujeito revolucionário vem do mundo do trabalho sob a forma de camponês, de comunário, de indígena, de operário, de jovem, de intelectual, de integrante de associações de bairros. Isso não contradiz as reflexões de Marx, segue sendo o mundo do trabalho, que se complexificou infinitamente frente ao que ele conheceu.

Dependendo de qual desses espaços do mundo do trabalho assume maior protagonismo, o processo tenderá a visualizar um aspecto em detrimento de outros. Se é o mundo indígena e camponês, se visibilizará o tema da terra, da biodiversidade, e não o salarial. Em seu momento voltará a emergir o mundo do trabalho sob sua forma salarial, daqui a alguns anos, porque estamos em um processo de reconstrução do mundo salarial no continente e sua formação e estabilização vai requerer décadas. Ou se é mais do tipo de bairro, se visualizará o tema de necessidades básicas... mas são trabalhadores; como aconteceu em Cochabamba: quem fez a Guerra da Água eram trabalhadores, mas não se moviam como sindicato de trabalhadores, se moviam como moradores. Mover-se como trabalhador implicava ser demitido da fábrica. Canalizaram sua expectativa
de outra forma.

Não há que esperar que o operário da fábrica se una em sindicato para falar do protagonismo do mundo laboral. Ele se move de múltiplas formas, veja os sem-terra. No caso do Brasil, está claro que, na medida em que há uma recomposição da produção – o Brasil, agora, como México, Filipinas, Coreia e outros seis ou sete lugares, é a oficina de produção do mundo –, não haverá eficácia político-estatal do movimento social sem protagonismo forte desse mundo assalariado. Existe o Movimento Sem Terra, com linhas revolucionárias muito fortes – o que é excelente –, que assume a aposta de manter a presença da sociedade na construção de alternativas. Mas pensar um projeto de radicalização aí é também pensar em seu mundo trabalhador. Se o movimento operário não acompanhar o MST, daqui a uma década o que ele vai poder fazer, frente à necessidade que requer semelhante potência mundial, será pouco.

E no caso da Bolívia?

Aqui, esse mundo do trabalho tem como liderança o movimento camponês-indígena, ainda que o país tenha tido alguns processos de assalariamento muito interessantes. São trabalhadores, criadores de riquezas, que têm estruturas locais associativas, formas de gestão comum da terra, trabalho individualizado, vínculos parciais com o mercado, vínculos não de mercado; e têm o protagonismo. Mas, aí no meio, estão também outros mundos laborais, assalariados, não-assalariados, que se mobilizam, mas com menor intensidade e maior dificuldade. Porém, se não conseguir avançar mais, será porque o movimento operário ainda não conseguiu mobilizar-se. Se esse mar de operários, daqui a cinco, dez ou 20 anos, não conseguir se unificar com identidade e ação coletiva, o movimento atual encontrará um limite. A chave serão esses dois braços, até que se reorganize o movimento da classe trabalhadora, que se rearticule diante da recomposição territorial da força de trabalho planetária.

Porém, muito se fala sobre não ser possível entender o processo boliviano com um olhar tradicional de esquerda, com uma formação ocidental. Quais seriam essas limitações?

Não devem se meter com assessores ou algumas ONGs que os assessoram, aí está esse tipo de discurso que tem a ver com uma espécie de moda. Na central de trabalhadores camponeses, nas comunidades ou no movimento indígena em seus níveis intermediários e de base, não há esse debate falso. Muitos dos que seguem essa linha ajudam muito com seu trabalho, mas são parte de uma espécie de ressaca. Antes estavam envolvidos com uma esquerda tradicional e aderiram recentemente ao mundo indígena, o que os levou a radicalizar seus pontos de vista ostentosamente.

Entende-se esse tipo de reação na medida em que, durante muito tempo, a esquerda tradicional aqui desdenhou o movimento indígena, os acusou de querer voltar a tempos arcaicos ou chamou-os de pequenos
burgueses, resposta clássica dessa esquerda. Então, uma inteligência indígena se formou nos anos de 1970, 1980 e 1990, como a figura de Fausto Reinaga, em rechaço a essa leitura bem primitiva. Essa inteligência se formou em batalhas contra a direita e também contra a esquerda, que repetia processos de discriminação, que dizia que a revolução era dos operários. Os camponeses eram a massa de apoio que levaria os operários nos ombros. Em cima deles, iriam os intelectuais, não era assim? Então, parte de uns convertidos recentes segue pensando nisso.

Agora, no governo, nos debates da federação de camponeses ou na dos cocaleiros, há um processo rico dessa vertente camponesa-agrária-indígena com um novo marxismo. Nós lutamos por isso por mais de 20 anos. Eu briguei com todos os esquerdistas. Os primeiros textos que escrevi há 30 anos foram para brigar com trotskistas, stalinistas, maoístas, e todos me qualificaram de revisionista, de ignorante. Buscávamos um encontro entre marxismo e indianismo e acho que foi frutífero. Reivindico minha vertente marxista, às vezes me reivindico indianista, ainda que não seja indígena, e daí?

Como se encontraram essas vertentes?

O indianismo teve a grande virtude de denunciar a colonialidade do Estado – e não poderia vir de outros que não eles –, mas era impotente na questão do poder. Diziam “todos eram índios” e temos “que indianizar o Estado”. Muito bem, e como se faria isso? O seu discurso era denunciativo, mobilizador, mas somente isso. A vertente marxista pautava o tema do poder, mas com suas incompreensões o fazia à margem do movimento indígena, portanto, era um tema de elites. Assim, era impossível definir uma estratégia discursiva e de alianças que permitisse o acesso ao poder. Mas, no fim do século 20, indianismo e marxismo se fundem.

Essa é a originalidade do processo boliviano?

Em termos de discurso e de criação teórica-intelectual, sim. Isso permitiu criar um cenário de estratégia. Em termos de ação política, é a grande mobilização de massas: sublevações, bloqueios, marchas, levantamentos, insurreições.

E esse discurso é muito distante do discurso que há hoje?

Não, de jeito nenhum. Vou contar o que aconteceu com o Evo quando iniciamos o programa Juancito Pinto [que dá bolsa aos estudantes do ensino fundamental], em 2006. Fomos entregá-lo no norte de Potosí [departamento no oeste boliviano]. Um jovem do campo se aproximou e perguntamos: “Como está? Em que série está?”. “Estou no terceiro básico, tenho oito anos”, disse. “E o que você fez com o seu bônus?”, perguntamos. “Estou guardando para me preparar para ser presidente como você”. Ah, por favor... É a melhor resposta que poderia dar. Quando um indígena coloca como possibilidade de vida ser governante, o tema do poder se converte em um feito próprio, porque era uma questão de submissão! O poder era de poucos brancos e formados, e agora um camponês do norte de Potosí, a zona mais pobre do país, dizia “eu também posso ser presidente”. Temos aí uma revolução cultural.

Há um simbolismo forte aí, mas até que ponto as bases realmente estão discutindo as transformações políticas? Qual é a proximidade das bases e da intelectualidade?

São espaços diferentes. Há o mundo da academia, que recebe para pensar 24 horas, e o mundo da vida laboral, associativa, sindical, do movimento camponês. Espaços diferentes que possuem canais de comunicação e distintas linguagens. No tema das alianças: a academia pode falar de bloco de poder, pode usar Gramsci, enquanto do outro lado a discussão é apoiar ou não os moradores desse bairro, se apoiamos ou não alguma candidatura. É o mesmo tema verbalizado de distintas maneiras. As mesmas preocupações da base são levadas para a academia e, na academia, de tudo que se reflete, poucas coisas são debate nas bases.

Mas existem momentos em que eles se aproximam mais, criando um espaço de intervenção maior; e aí são os grandes ascensos. Quando a reflexão dessa intelectualidade progressista é o debate das assembleias. Quando o que surge em um jornal, em algum panfleto, em algum discurso rapidamente é retomado pelos níveis dirigentes e levado à base. Esta é a dinâmica. É impossível isso ser permanente, porque são espaços diferentes no tempo e na forma de vida. Creio que em nenhuma parte isso se deu. A imagem que temos dos sovietes e do Partido Bolchevique está um pouco idealizada. O fato de que nas fábricas os operários liam Lênin não é verdade.

Pensar essa fusão do espaço intelectual com o movimento social é impossível. Existem aí vasos comunicantes fluidos que levaram, inclusive, o âmbito intelectual a mudar em dez anos. O que debatiam os intelectuais antes? Governabilidade e coisas assim. Hoje debatem na universidade pública, e até nas privadas, a nova Constituição. Mesmo os setores conservadores têm que refletir sobre os fatos, têm que saber como o Direito Penal vai estar vinculado com a Nova Constituição. Hoje existem vasos comunicantes. Em certos momentos são rios comunicantes, ou fusões parciais, e logo separações, como em qualquer processo de transformação; outra vez por ondas. Nada é definitivo, perpétuo ou já dado. A ideia de revolução permanente não é tão certa. Estes oito anos intensos na Bolívia demonstram essa dinâmica de ondas que falava Marx, mais do que o linear que nos dizia Trotski.

Quem é

Nascido em Cochabamba, em 1962, Álvaro García Linera é formado em Matemática na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e sociólogo autodidata. Ao regressar de seus estudos, começa sua militância na Bolívia, vinculado às Células Mineiras de Base, grupo que se funde aos Ayllus Rojos nas atividades de propaganda e organização de comunidades do altiplano. Posteriormente, ingressa no Exército Guerrilheiro Túpac Katari (EGTK) – uma das poucas forças guerrilheiras propriamente indígenas da América Latina –, onde é destacado para atuar com formação política e pesquisa de comunidades indígenas. Em 1992, é preso, acusado de sublevação e levantamento armado, ficando encarcerado por cinco anos, tempo em que escreve uma de suas principais obras, o livro Forma valor e forma comunidade. Ao ser libertado, é convidado para ser professor do curso de Sociologia da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), a universidade pública de La Paz. Em 2006, assume a vice-presidência, ao lado do presidente Evo Morales, pelo Movimento ao Socialismo (MAS)