domingo, 30 de maio de 2010

A visão da ciência

Folha de São Paulo, domingo, 30 de maio de 2010



Cientista ataca Big Bang e visão "estreita" dos físicos
Para Mário Novello, muitos viraram apenas "técnicos muito competentes'

Pesquisador critica a preocupação excessiva com carreira e prêmios; para ele, dados poderão provar Universo eterno

DE SÃO PAULO

Para Mário Novello, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, a cosmologia virou, com frequência, "uma coisa trivial, simplesmente saber qual porcentagem de matéria dessa categoria ou daquela tem no Universo".
Tão preocupante quanto isso, diz, é o esnobismo dos cientistas com a filosofia e a metafísica, que os impede de refletir sobre o que fazem. São apenas "técnicos extremamente competentes".
Novello está lançando o livro "Do Big Bang ao Universo Eterno" (Zahar), que resume sua defesa da ideia de que o Big Bang não foi o começo de tudo. Segundo ele, essa interpretação está conquistando cada vez mais físicos. Confira a entrevista abaixo.
(RICARDO MIOTO)




Folha - A ideia de um universo eterno está conquistando os físicos?
Mário Novello - Ninguém tem dúvidas de que o Universo esteve muito condensado no passado. O problema foi a identificação daquele momento, em que começa a expansão, como o começo de tudo. Sou contra definir o Big Bang como o marco zero. Isso é contra a atitude científica. Mas o cenário está mudando. Entre os cientistas há uma tendência a aceitar que chegou o momento de ir além do Big Bang como o começo.

Mas, quando jovem, o sr. não era partidário do Big Bang como o começo de tudo?
Eu não era. Era uma questão de princípio. A ciência é a tentativa de explicar racionalmente tudo que existe. Eu sabia muito bem que a ideia de singularidade [a concentração de toda a massa do Universo em um único ponto que teria dado origem a tudo que se conhece] significava abdicar de fazer ciência ao longo de toda a história do Universo, significava dizer que a ciência tinha limite. Eu não podia aceitar isso.
Na minha época, havia uma visão global do que era atividade humana. Havia cadeira de filosofia, de sociologia, tínhamos contato com o mundo. Existe uma falta de fundamentos, hoje, do que é fazer ciência. Você pode ser um técnico extremamente competente, mas fora da área técnica pode ser um ignorante completo, sem saber o que está por trás do que você está fazendo na sua área.

Mas aparentemente a maioria dos físicos ainda discorda do sr. sobre o Big Bang...
Se você entrevista cem físicos, 98 dizem que o Big Bang é verdade e dois malucos dizem que não. É razoável que a mídia fique em dúvida. Primeiro você precisa ver quem são essas pessoas. Eu criei a cosmologia no Brasil, tive mais de 50 alunos de doutorado, você precisa ver que não sou um bobo. Mudanças são lentas. E você sabe que os cientistas são extremamente reacionários.

Ser minoria não incomoda?
Quando você faz ciência, você precisa dialogar com a natureza, e não com os seus colegas. Se o seu objetivo é ganhar uma bolsa, ganhar fama, ganhar prêmio, isso não é ciência. Pode ser no mundo em que a gente vive. Estou pouco me importando com a opinião dos outros. Mas isso não significa isolacionismo, porque publico em revistas científicas.

Mas o senhor já tem uma carreira estabelecida. Um doutorando não deveria se preocupar com os pares?
Não deveria. Se ele começa a se preocupar lá, vai se preocupar a vida toda. Hoje em dia a cosmologia virou uma coisa trivial, ridícula, simplesmente saber qual porcentagem de matéria dessa categoria ou daquela tem no Universo. Isso não tem interesse nenhum. Quando começa a entrar nesse estágio, é o momento de mudar.

É possível fazer com que os cientistas se preocupem menos com os pares?
Ainda não conseguimos controlar a vaidade. É um sistema todo de premiação, bolsa disso, prêmio Nobel, tudo valoriza o indivíduo. E dá impressão de que, se você não valoriza o indivíduo, ele não vai fazer nada. E o prazer em fazer as coisas? O Garrincha dava de dez a zero em qualquer um desses caras aí de hoje em dia. E morreu com dez mil réis no bolso.
Você vai dizer que o exemplo que eu estou dando é de um maluco, uma pessoa totalmente pirada, uma mentalidade que nunca saiu dos 12 anos de idade. Tudo bem, é um exemplo extremo. Mas mostra que algo se perdeu.


Mas a vaidade sempre existiu, não?
Sim, claro, sempre existiu. Nem estou dizendo que o sistema, antigamente, era diferente. O que estou querendo dizer é que a razão pela qual Newton fazia aquilo não tinha nada ver com a razão pela qual um bolsista faz as coisas hoje em dia.


No caso do Big Bang, há expectativa de que alguma observação possa dar mais respostas sobre a sua legitimidade como marco zero?
Sim. Já foi lançado o satélite Planck. Ele, nos próximos anos, poderá ajudar a dizer, observacionalmente, se houve uma fase anterior ao colapso. Existe uma possibilidade de que o Universo esteja se acelerando. Ela surgiu de uns dez anos para cá. Isso não bate com as previsões do Big Bang como singularidade, como começo de tudo. Se o Universo estiver se acelerando, então aquilo que sustentou durante mais de 25 ou 30 anos o Big Bang acabou.

sábado, 29 de maio de 2010

TPI e o Sudão

Conjur 29 de maio de 2010

Sudão vira as costas para o Direito Internacional
A situação do Sudão frente à comunidade internacional só piora e desafia o Direito
globalizado. Esta semana, o Tribunal Penal Internacional (TPI), que fica em Haia, na
Holanda, reclamou do Estado africano para o Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU). Enquanto isso, o presidente sudanês, Omar Hassan Al Bashir, que
deveria estar preso por ordem do TPI, comemora a sua vitória eleitoral e assume um
novo mandato para governar o país — dessa vez, apoiado por eleições populares cuja
credibilidade é altamente questionada.
O comunicado do TPI para o conselho da ONU foi enviado na terça-feira (25/5) como
desdobramento de um dos três casos sobre o Sudão em tramitação na corte
internacional. O TPI acusa o país de se negar a cooperar com a corte na investigação
de Ahmad Harun, ministro de Estado, e Ali Kushayb, apontado como líder do grupo
armado Militia Janjaweed. Os dois têm ordem de prisão expedida pelo tribunal
internacional em abril de 2007, mas até hoje não cumprida pelo país.
De acordo com a ordem expedida pelo TPI (clique aqui e aqui para ler em inglês), a
prisão dos dois é necessária porque não há garantias de que eles vão cumprir
intimação e se apresentar ao tribunal. Além disso, o encarceramento é importante
para impedir que eles prejudiquem as investigações. Os dois são acusados de comandar
por pelo menos dois anos ataques aos rebeldes do sul do país, que buscam a separação
da região, que é rica em petróleo. Nesses ataques, teriam comandado massacres,
estupros, torturas e outros crimes considerados crimes de guerra e contra a
humanidade.
No comunicado enviado ao Conselho de Segurança da ONU (clique aqui para ler em
inglês), que trabalha em estreita cooperação com o TPI, a corte criminal aponta o
descumprimento da ordem de prisão dos dois acusados. Desde abril de 2007, quando
foram expedidos os mandados, a corte tenta, em vão, fazer o governo do Sudão receber
e cumprir o que determinado pela corte. Depois de inúmeras tentativas fracassadas, o
tribunal resolveu levar o caso para que o Conselho de Segurança da ONU decida o que
fazer.
O presidente do Sudão, Omar Bashir, também tem contra si um mandado de prisão
expedido em março do ano passado e ainda não cumprido (clique aqui para ler em
inglês). Desde que foi criado, em 2002, esta é a primeira — e única, até agora — vez
que o Tribunal Penal Internacional mandou prender um presidente de Estado. Bashir é
acusado de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. Ele governa o país há
duas décadas, quando chegou ao poder com um golpe de Estado. Nessa quinta, ao
assumir de novo o mandato, mas já se sentindo legitimado pela vontade do povo,
prometeu organizar um plebiscito para saber se o sul do país deve ganhar
independência ou não.

Independente dependente
A situação do TPI frente ao conflito no Sudão é complicada. O país africano não é
signatário do Tratado de Roma (clique aqui para ler), de julho de 1998, quando foi
instituído o tribunal, responsável por julgar criminalmente indivíduos por crimes
contra a humanidade e crimes de guerra. Entre os países que preferiram não dar seu
aval à criação da corte estão os Estados Unidos. Para a nação norteamericana, o
tribunal não poderia ser independente da ONU, embora independência não seja total.
Hoje, há três procedimentos contra quatro cidadãos sudaneses. Para três deles, foi
expedido mandado de prisão, não cumpridos. O terceiro procedimento é contra Bahar
Idriss Abu Garda, apontado como um dos líderes dos grupos rebeldes no país. Garda
foi intimado, se apresentou ao TPI e a corte acabou rejeitando as acusações contra
ele.
O fato de o Sudão não ter assinado o Tratado de Roma deixa o TPI de mãos amarradas.
O procedimento contra os membros do governo sudanês foram abertos a pedido do
Conselho de Segurança da ONU. O que garante que o TPI julgue cidadãos sudaneses,
mesmo sem o país ter assinado o tratado, é um pacto entre o tribunal e a ONU, o
chamado Negotiated Relationship Agreement between the International Criminal Court
and the United Nation (clique aqui para ler em inglês). O pacto prevê, entre outras
coisas, a cooperação e troca de informações entre ONU e TPI.
Além disso, todos os membros da ONU devem aceitar e sustentar as decisões do
Conselho de Segurança da organização. O Sudão é membro da ONU desde 1956. Quando o
país não signatário do Tratado de Roma decide não cooperar com o TPI, cabe a este
apenas levar o caso para que o conselho da ONU decida o que fazer. Só a Organização
das Nações Unidas pode tomar as medidas necessárias para garantir o trabalho do
tribunal.

Bashir no Brasil

Em julho de 2009, o Supremo Tribunal Federal começou a analisar a possibilidade de
prisão de um chefe de Estado estrangeiro em território brasileiro, justamente com o
caso de Omar Al Bashir. O Tribunal Penal Internacional pediu a sua prisão caso venha
ao Brasil. O Itamaraty e o Ministério da Justiça encaminharam o pedido ao STF para
deliberação. O ministro Celso de Mello, em despacho durante o exercício da
presidência da corte, lançou luzes sobre aspectos ainda não considerados sobre a
incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro dos termos do Estatuto que criou o
TPI.
Será a oportunidade para que o tribunal defina os termos da constitucionalização do
Estatuto de Roma no Brasil. Esta foi a primeira vez que o Tribunal Penal
Internacional dirigiu-se ao governo brasileiro e será também a primeira vez que o
Judiciário irá se posicionar a respeito. A largada é o exame preliminar, mas
bastante avançado, feito por Celso de Mello. No despacho, o ministro pediu
manifestação da Procuradoria-Geral da República.
O processo foi remetido ao Brasil em caráter supostamente sigiloso. O ministro Celso
desqualificou o sigilo, uma vez que o mandado de prisão expedido contra o sudanês
encontra-se no site do próprio TPI e todos os fatos em torno dele já se tornaram
públicos. O governo sulafricano, por exemplo, ao convidar Al Bashir para a posse do
novo presidente do país, advertiu-o que, caso ele atendesse o convite, seria preso
ao pisar em território sul-africano. Uganda, onde haveria reunião de presidentes
africanos, adotou a mesma postura. Já a União Africana que representa os presidentes
do continente repudiou, por maioria, a atitude do TPI.
Com a Emenda Constitucional 45, no entendimento de muitos estudiosos, o Brasil
submeteu-se à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. A EC 45 diz que o país se
submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional e não “do”, mas há
controvérsias. Celso de Mello não se posiciona, mas elenca questões delicadas ou
ambíguas que pedem reflexão. O ministro destaca os pontos que têm pertinência, como
no caso de o perseguido ser brasileiro nato — o que ele não examina, apenas cita
para mostrar a complexidade da matéria. O artigo 27 do Estatuto de Roma, por
exemplo, estabelece que perante o TPI é irrelevante se a pessoa em julgamento é
chefe de estado — enquanto a tradição brasileira reconhece a imunidade diplomática
do dirigente.
A França, por exemplo, subscreveu o Estatuto de Roma. Mas, ao ratificar, o
presidente da França o submeteu ao conselho constitucional porque, de acordo com a
Constituição francesa, o presidente só pode ser preso por alta traição. Os franceses
decidiram fazer uma emenda à Constituição para adaptar-se ao Estatuto.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Nova estratégia militar americana

Nova estratégia de segurança dos EUA une poder militar e econômicoCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA de São Paulo de 28 de maio de 2010

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Os EUA apresentam nesta quinta-feira (27) a sua nova estratégia de segurança nacional, a primeira sob o mandato de Barack Obama. As novas diretrizes incluem abandonar a referência à "guerra contra o terrorismo", mas apontam a Al Qaeda como principal inimiga americana, e também unem o envolvimento diplomático e a disciplina econômica ao poderio militar, como forma de ampliar a presença dos EUA no mundo.

O presidente já havia antecipado as linhas principais da ação no sábado (22), na graduação dos cadetes da Academia Militar de West Point, e agências de notícias internacionais revelaram hoje partes do documento de 52 páginas.

"Tentaremos deslegitimar o uso do terrorismo e isolar aqueles que o praticam", afirmam os EUA em trechos do documento. "Não é uma guerra mundial contra uma tática, o terrorismo, ou uma religião, o islã", completa o texto.

"Nós estamos em guerra com uma rede específica, Al Qaeda, e os terroristas que a apoiam em seus esforços para atacar os Estados Unidos e nossos aliados", diz a nota.

Outro ponto será ao combate a extremistas que vivem no próprio país. "Vimos um número cada vez maior de indivíduos aqui nos EUA que se interessam e se aproximam das causas e das atividades extremistas", já havia assinalado John Brennan, principal assessor na luta contra o terrorismo de Obama.

O assessor se refere a incidentes como a tentativa de fazer explodir um carro-bomba em pleno centro de Nova York no início do mês, em atentado fracassado sob suposta responsabilidade do paquistanês naturalizado americano Faisal Shahzad.

"Esta é a primeira estratégia de segurança nacional de qualquer presidente que integra a segurança interna como parte da estratégia de segurança global", acrescentou o funcionário.

Brennan também prometeu que os EUA "levará o combate" aos locais onde os extremistas "tramam seus planos e se treinam, no Afeganistão, Paquistão, Iêmen, Somália e além". No entanto ele garantiu que usarão a força "de maneira prudente".

Parcerias

Rompendo formalmente com o unilateralismo da era Bush, a estratégia do presidente Barack Obama prevê a expansão de parcerias para além dos aliados tradicionais dos EUA, de modo a abrangerem também potências emergentes, como China e Índia, para compartilharem o ônus dos problemas internacionais, segundo trechos do documento.

O governo também admite que reforçar o crescimento econômico e pôr em ordem as contas públicas dos EUA são itens que fazem parte das prioridades de segurança nacional. "No centro dos nossos esforços está um compromisso de renovar nossa economia, que serve como fonte do poderio norte-americano".

"Devemos renovar a fundação da força da América", diz o documento, declarando que o crescimento sustentável da economia depende de colocar o país numa "trilha fiscalmente responsável" e de reduzir a dependência do país em relação ao petróleo importado.

No entanto, o texto não faz menção a um crescente consenso entre especialistas de que o profundo endividamento dos EUA junto a países como a China constitui um problema de segurança nacional.

Revisão

Os presidentes americanos revisam periodicamente suas estratégias de segurança, nas quais enumeram suas principais prioridades em matéria de defesa.

A primeira declaração oficial de Obama sobre os objetivos da segurança nacional, a ser divulgada na íntegra ainda nesta quinta-feira, omite acintosamente a política de "guerra preventiva" que foi adotada em 2002 por seu antecessor, George W. Bush, e que incomodou muitos aliados dos EUA.

Num momento de reordenação da ordem mundial, e no qual os EUA estão envolvidos em duas guerras, no Iraque e no Afeganistão, a nova doutrina formaliza a intenção de Obama de enfatizar a diplomacia multilateral em detrimento da força militar.

O governo tem, por um lado, reiterado a orientação de Obama de negociar com "nações hostis", uma referencia velada a Irã e Coreia do Norte, mas também ameaça isolar esses regimes se eles insistirem em desafiar as normas internacionais.

A estratégia de segurança nacional, uma obrigação legal de cada presidente, costuma ser uma reafirmação das políticas em vigor, mas é um documento importante porque pode influenciar orçamentos e leis, além de ser observado de perto no exterior.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Quilombolas e Raposa Serra do Sol

A matéria abaixo sobre a questão dos quilombolas é bastante importante. Reforça a nossa conclusão no texto do Observatório da Justiça Brasileira/Ufrj/Direito no caso da Raposa Serra do Sol. Isto é no caso citado o STF adotou como critério de decisão a categoria clássica da posse no momento da promulgação. Esse texto será apresentado na reunião próxima do Conpedi em Fortaleza e será, futuramente, publicado pela Revista Forense. No mencionado grupo de pesquisa do OJB concluiu-se, também, que, em questão política, o STF não convoca a audiência pública. O tema do amicus curiae e audiência pública está sendo estudado também pelo grupo do Diálogo Institucional (responsável pela publicação Dialógos Institucionais e Ativismo, Editora Juruá 2010). Além de se tratar de uma questão política, qual foi o fundamento do relator Min. Cesar Peluso de negar o pedido de audiência pública. No caso Raposa Serra do Sol, conforme os estudos do OJB/Ufrj/Direito a questão da audiência pública foi contornado pela discussão da intervenção de terceiros para incluir "outras vozes" como o Estado de Roraima, Funai e os proprietários. Por último, a noticia sobre o caso dos quilombolas remete que reflitamos sobre a teoria do reconhecimento (A. Honneth e N. Fraser).

Folha deSão Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010



STF vota em junho ação sobre quilombos
Para antropólogos, decisão pode colocar em risco títulos de posse de terra emitidos para mais de 11 mil famílias

Ação do DEM rejeita critério para identificar os remanescentes de quilombolas, hoje feita por autodeclaração

MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO

O assunto explosivo da demarcação de remanescentes de quilombos entrará na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal na primeira quinzena de junho.
A decisão pode pôr em risco até os 106 títulos já emitidos para 11.070 famílias com base na Constituição de 1988, temem antropólogos envolvidos no debate.
Essas famílias quilombolas obtiveram o reconhecimento da posse coletiva de uma área de 9.553 km2 desde 1995, parte dela após desapropriação de terras particulares. A área equivale a um Distrito Federal e meio, ou menos de 1 km2 por família.
Apesar de envolver áreas individuais muito menores que os 17 mil km2 da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol, espera-se uma polêmica similar à de dezembro de 2008, quando o STF manteve a demarcação contínua daquela área indígena.
O debate ficará restrito ao STF, porque não está prevista audiência pública, como nos casos de Raposa/Serra do Sol e das cotas raciais. O relator e atual presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, decidiu não convocá-la.
Quilombos reconhecidos recebem títulos de posse coletiva emitidos para a comunidade e não podem ser desmembrados nem vendidos. A posse coletiva também vale para terras indígenas homologadas, que integram o patrimônio da União.
Há cerca de mil outros processos sobre quilombos no Incra. Uma centena já avançou para as fases de identificação, delimitação, reconhecimento e desapropriação (no caso de terras privadas).
Os processos em andamento totalizam 21.244 famílias, que viriam a ser beneficiadas com 19.541 km2 de terra -quase um Sergipe. O quinhão de 0,9 km2 por unidade familiar se mantém.
O decreto que regulamenta o processo de demarcação de quilombos (n.º 4.887, de 2003) foi posto em questão em 2004 por ação direta de inconstitucionalidade do PFL (hoje DEM), que também luta contra as cotas raciais.
O partido alega que a desapropriação, por criar despesa, teria de ser regulamentada por lei, não decreto. O DEM rejeita, ainda, o critério da autodeclaração para identificar remanescentes.
Sua interpretação da Constituição condiciona o reconhecimento à posse efetiva do território em 1988, época da promulgação da Carta.
A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendem o decreto e a autodeclaração. Afirmam que não é o único critério para reconhecer um quilombo.
A decisão final cabe ao poder público, apoiado em laudos antropológicos que atestem o vínculo com o território e sua necessidade para garantir a reprodução física e cultural do remanescente.
Para AGU e PGR, o decreto questionado dá consequência à intenção dos constituintes e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, que tem o Brasil como signatário. Não teria cabimento a distinção entre "remanescente" e "descendente" de quilombolas proposta pela ação do DEM.

NOVOS QUILOMBOS
A questão tem relação direta com a dos "direitos originais" dos índios às terras tradicionalmente ocupadas e "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições", como prescreve o artigo 231 da Constituição.
Em ambos os casos a posse da terra teria a finalidade de garantir a sobrevivência da comunidade e sua cultura.
Nos dois campos, ganharam destaque recente supostos casos de fraudes, o que, aliado à iminência do julgamento, colocou antropólogos em pé de guerra.
"Um voto contrário [ao decreto] anulará, ou pode anular, todas as demarcações de quilombos até agora", afirma Carlos Caroso, presidente da ABA (Associação Brasileira de Antropologia).

O último livro de Bauman - resenha

Valor Econômico de 26 de maio de 2010

Também há uma crise existencial a ser enfrentada

Olga de Mello, para o Valor, do Rio
25/05/2010

"Capitalismo Parasitário"

Zygmunt Bauman. Trad. de Eliana Aguiar. Zahar. 96 págs., R$ 19,00

"Diante da Crise"

Luc Ferry. Tradução de Karina Jannini. Difel. 128 págs., R$ 28,00

A reação a uma crise econômica se faz através da reconstrução de um sistema que já provou ser instável ou deve levar a reflexões sobre novas maneiras de produção e de reestruturação social, passando pelo trabalho e pela educação? Buscar novos rumos para a economia europeia - e para sua cultura - através da análise dos problemas mundiais desencadeados a partir do segundo semestre de 2008 é o que propõem em seus livros o filósofo francês Luc Ferry e o sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

AP

Ferry sugere um movimento educativo, que valorize a vida menos materialista

Críticos ferrenhos da cultura do consumo compulsivo, que em muito explica o desastre financeiro americano e, por consequência, a crise global, Ferry e Bauman estão mais preocupados com o vazio existencial das novas gerações do que com a imediata recuperação da economia. A base desse vazio, que privilegiou o consumidor em detrimento do cidadão, é a mesma que permitiu a reinvenção dos piores aspectos do capitalismo, substituindo a exploração dos trabalhadores pelo endividamento dos consumidores. No entanto, se Bauman e Ferry compartilham a virulência no ataque às estratégias das entidades bancárias - aliadas a veículos de comunicação que disseminam a cultura da satisfação imediata pela aquisição de bens que se mostram obsoletos antes de serem plenamente usufruídos -, cada um mantém uma visão particular sobre como enfrentar uma crise que não está circunscrita a aspectos econômicos.

Aos 84 anos, professor emérito das universidades de Leeds e de Varsóvia, Bauman acredita que o capitalismo encontrará novas formas de sobrevivência, alimentando-se, como um parasita, de quem o hospeda ou sustenta. A atual contração do crédito, afirma, "fruto do sucesso extraordinário dos bancos em transformar os correntistas em uma raça de devedores eternos", não significa o fim do sistema, mas "a exaustão de mais um pasto". A saída do sistema está na máquina estatal, com a utilização de recursos públicos, "já que o poder de sedução do mercado está momentaneamente abalado".

A indignação de Bauman é direcionada também aos esforços dos agentes financeiros em convencer jovens a contrair empréstimos antes mesmo de iniciarem suas carreiras profissionais. Ao disseminar a noção de que o consumo é o meio para alcançar a felicidade, o sistema bancário internacional garante que as dívidas se eternizem em amortizações infindáveis.

"Ainda não começamos a pensar seriamente na sustentabilidade dessa sociedade alimentada pelo consumo e pelo crédito. (...) As fontes de lucro do capitalismo se deslocaram da exploração da mão de obra operária para a exploração dos consumidores", alerta Bauman em "Capitalismo Parasitário", no qual aponta a volúpia dos serviços de marketing em conquistar os poupadores que rejeitam o parcelamento de suas compras. Para assegurar a fidelidade dos devedores ao consumo compulsivo existe o crédito, que pode criar dependência maior do que drogas tranquilizantes, afirma o sociólogo.

Mais comedido em seus exemplos, embora também contundente na objeção à cultura do endividamento, Ferry preocupa-se em identificar a crise como econômica, gerada no enfraquecimento das classes médias - uma decorrência da globalização. Um momento-chave para o crescimento do capitalismo passar a depender do endividamento "das famílias mais numerosas e menos ricas". Ex-ministro da Educação da França entre 2002 e 2004, Ferry, de 59 anos, hoje preside o Conselho de Análise da Sociedade, órgão governamental para o qual, no ano passado, ele escreveu o relatório "Diante da Crise - Materiais para uma Política de Civilização". O documento não se limita a discutir as causas do colapso financeiro mundial, mas pretende aproveitar a crise como "uma oportunidade para abrir os olhos", pois, segundo Ferry, "é intrinsecamente insatisfatória uma sociedade que parece atribuir à vida humana, como único horizonte de sentido, o 'cada vez mais' .(...) Cria frustrações irremediáveis".

Otimista, Ferry acredita que a compulsão consumista possa ser abafada com o fortalecimento de valores humanitários. Isso, porque, se não existe mais mobilização em torno da defesa de religiões, nações ou políticas/revoluções, dentro de um contexto europeu, os filhos ou até "pessoas próximas, família ou amigos" ainda são motivo suficiente para levar alguém a correr riscos, a entrar em batalhas. Depois das mudanças céleres experimentadas a partir do século XX, chegamos a uma época de solidariedade afetiva, a era de um novo humanismo, afirma Ferry.

Publicados antes da recente crise da Grécia, os dois livros trazem a advertência dos autores sobre a probabilidade de problemas econômicos estarem à espreita dos jovens que não se prepararam para substituir os atuais adultos. O desinteresse desses jovens em receber tal treinamento viria da superficialidade de um mundo em que sobram informações, mas a formação é escassa. "A arte de viver num mundo hipersaturado de informações ainda não foi compreendida", observa Bauman.

O estranhamento das gerações, para Ferry, pode e precisa ser combatido. Desse afastamento teria surgido a erosão das tradições, "calamitosa em alguns níveis, sobretudo na escola", que é traduzida pelo "aumento da incivilidade". Sem perder o entusiasmo, Ferry aposta em um amplo programa educacional, que divulgue obras filosóficas, literárias e cinematográficas e, assim, desperte a atenção dos estudantes para a ética de uma vida menos materialista.

terça-feira, 25 de maio de 2010

200 anos do Estado argentino

Folha de Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2010




Divisões no país remontam à ditadura, diz analista
DE BUENOS AIRES

A dificuldade de lograr consensos no campo político e um clima de embate permanente entre a população são heranças do último regime militar (1976-1983) instalado na Argentina, que de forma violenta transformou a identidade nacional e fez o país regredir.
É o que defende o sociólogo da UBA (Universidade de Buenos Aires) Luis Fanlo, que estuda a "argentinidade". Segundo ele, o período inscreveu no corpo do argentino um perfil de confronto e que permite pouca autocrítica.
"As diferenças são vistas como obstáculos que devem ser arrancados. É como se fosse preciso aniquilar aquele que pensa diferente. Cito como exemplo o jargão "hay que matarlos a todos". Parece sair da boca para fora, mas representa uma carga forte de violência."
Segundo Fanlo, a subjetividade dos argentinos foi reconfigurada em uma profundidade ainda impossível de precisar, mas essa mudança pode ser percebida tanto no Congresso Nacional como em conversas de esquina.
"Há um rechaço em ouvir o outro, uma dificuldade de entender uma posição contrária, seja na política, seja no futebol", afirma.

VIOLÊNCIA
As entidades de direitos humanos estimam que aproximadamente 30 mil pessoas tenham sido assassinadas pelo aparato repressor do Estado durante o regime militar, o que faz da última ditadura argentina uma das mais sangrentas da história do continente.
Enquanto o Brasil aposta na anistia e no esquecimento como melhores opções para lidar com o passado, na Argentina estão em curso centenas de processos contra membros do regime militar.
A reabertura das causas na Justiça foi possibilitada pela revogação das leis de anistia no governo Néstor Kirchner (2003-2007).

domingo, 23 de maio de 2010

Habermas e a União Européia

TRIBUNA: JÜRGEN HABERMAS
En el euro se decide el destino de la UE
JÜRGEN HABERMAS 23/05/2010

El filósofo alemán Jürgen Habermas exige a los Estados una mayor implicación política para defender a la UE de los ataques financieros y muestra que la Alemania actual no está en el mejor momento para asumir el liderazgo

Días decisivos: Occidente celebra el 8 de mayo y Rusia el 9 de mayo la victoria sobre la Alemania nacionalsocialista; también aquí, en Alemania, se habla de día de la liberación. Este año, las fuerzas de la alianza que lucharon contra Alemania (con la participación de una unidad polaca) celebraron conjuntamente un desfile de la victoria. En la Plaza Roja de Moscú Angela Merkel estaba justo al lado de Vladímir Putin. Su presencia confirmaba el espíritu de aquella nueva Alemania surgida en la posguerra, cuyas distintas generaciones no han olvidado que también fueron liberadas, a costa de los mayores sacrificios, por el Ejército rus
Hoy ya nadie puede rechazar la exigencia del FMI de un "gobierno económico europeo

En Alemania gobierna una generación que solo se enfrenta a los problemas del día a día
La canciller llegó desde Bruselas, donde había tratado de una derrota de un tipo completamente distinto. La imagen de la conferencia de prensa en la que se anunció la decisión de los jefes de Gobierno de la UE sobre el fondo de rescate común para contrarrestar los ataques al euro traicionaba la convulsa mentalidad no de aquella nueva Alemania, sino de la Alemania de hoy. La chirriante foto muestra las caras petrificadas de Merkel y Nicolas Sarkozy: unos jefes de Gobierno exhaustos que ya no tienen nada que decirse. ¿Acabará siendo esa foto el referente iconográfico del fracaso de una manera de ver Europa que ha marcado su historia durante más de medio siglo?

Mientras que en Moscú Merkel estaba a la sombra de la tradición de la antigua República Federal, este 8 de mayo pasado, en Bruselas, la canciller dejaba tras sí algo distinto: la lucha de semanas de una empedernida defensora de los intereses nacionales del Estado económicamente más poderoso de la UE. Apelando al ejemplo de la disciplina presupuestaria alemana, había bloqueado una acción conjunta de la Unión que habría respaldado a tiempo la credibilidad de Grecia frente a una especulación que buscaba la quiebra del Estado. Una serie de declaraciones de intenciones ineficaces había impedido una acción preventiva conjunta. Grecia como un caso aislado.

Hasta que no se ha producido la última conmoción bursátil, la canciller no ha cedido, ablandada por el masaje anímico colectivo del presidente de Estados Unidos, del Fondo Monetario Internacional y del Banco Central Europeo. Por temor a las armas de destrucción masiva de la prensa amarillista parecía haber perdido de vista la potencia de las armas de destrucción masiva de los mercados financieros. No quería de ninguna manera una eurozona sobre la que el presidente de la Comisión Europea, José Manuel Barroso, pudiera decir al día siguiente: quien no quiera la unificación de las políticas económicas, debe olvidarse también de la Unión Monetaria.

La cesura. Desde entonces, todos los afectados empiezan a vislumbrar el alcance de la decisión que se tomó el 8 de mayo de 2010 en Bruselas. Las medidas de emergencia sobre el euro adoptadas de la noche a la mañana han tenido consecuencias distintas de las de todos los bail outs habidos hasta la fecha. Como ahora es la Comisión quien suscribe los créditos en los mercados representando a la Unión Europea en su conjunto, este mecanismo de crisis se ha convertido en un instrumento de comunidad que transforma las bases económicas de la Unión Europea.

El hecho de que a partir de ahora los contribuyentes de la zona euro avalen solidariamente los riesgos presupuestarios del resto de los Estados miembros supone un cambio de paradigma. Se ha tomado conciencia así de un problema reprimido desde hacía mucho tiempo. La crisis financiera, amplificada a crisis de Estado, nos trae el recuerdo de los errores originales de una Unión Política incompleta que se ha quedado a mitad de camino. En un espacio económico de dimensiones continentales, sumamente poblado, surgió un Mercado Común con una moneda parcialmente común, sin que al mismo tiempo se introdujeran competencias que sirvieran para coordinar eficazmente las políticas económicas de los Estados miembros.

Hoy ya nadie puede rechazar de plano, calificándola de irrazonable, la exigencia formulada por el presidente del Fondo Monetario Internacional de un "gobierno económico europeo". Los modelos de una política económica "conforme a las reglas" y de un presupuesto "disciplinado", según lo establecido en el Pacto de Estabilidad, no están a la altura de los desafíos de una adaptación flexible a constelaciones políticas en rápida transformación. Claro que hay que sanear los presupuestos nacionales. Pero no se trata únicamente de las trapacerías griegas o de las ilusiones de bienestar españolas, sino de una equiparación político-económica de los niveles de desarrollo dentro de un espacio monetario con economías nacionales heterogéneas. El pacto de Estabilidad, que precisamente Francia y Alemania tuvieron que dejar en suspenso en 2005, se ha convertido en un fetiche. No bastará con endurecer las sanciones para equilibrar las consecuencias no deseadas de la deseada asimetría entre la completa unificación económica de Europa y su incompleta unificación política.

Incluso la sección de Economía del Frankfurter Allgemeine Zeitung considera que "la unión monetaria está en la encrucijada". El periódico atiza con un escenario de horror la nostalgia por el marco alemán en contra de los "países con monedas débiles", mientras que una amoldable canciller habla repentinamente de que los europeos deben buscar "una mayor integración económica y financiera". Pero no hay, a lo ancho y a lo largo, huella alguna de la conciencia de una profunda cesura. Unos confunden la conexión causal entre la crisis del euro y la crisis bancaria y apuntan exclusivamente el desastre a la falta de disciplina presupuestaria. Otros se afanan denodadamente en reducir el problema de la falta de coordinación entre las políticas económicas nacionales a una mera cuestión de mejora de la gestión.

La Comisión Europea quiere que el fondo de rescate, de duración limitada, se mantenga a largo plazo, además de inspeccionar los planes presupuestarios nacionales, incluso antes de que estos se hayan sometido a los parlamentos nacionales. No es que estas propuestas sean descabelladas. Pero es una falta de vergüenza sugerir que semejante intervención de la Comisión en el derecho presupuestario de los parlamentos no tocaría los tratados y no aumentaría de forma inaudita el déficit democrático que se arrastra desde hace tanto tiempo. Una coordinación eficaz de las políticas económicas debe conllevar un reforzamiento de las competencias del Parlamento de Estrasburgo; también planteará, en otros ámbitos políticos, la necesidad de una mejor coordinación.

Los países de la zona euro se enfrentan a la alternativa entre una profundización de la cooperación europea y la renuncia al euro. No se trata de la "vigilancia recíproca de las políticas económicas" (Trichet), sino de una actuación común. Y la política alemana está mal preparada para esto.

Cambio generacional y nueva indiferencia. Tras el Holocausto, hicieron falta esfuerzos de décadas -desde Adenauer y Heinemann, pasando por Brandt y Helmut Schmidt, hasta Weizsäcker y Kohl- para el retorno de la República Federal al círculo de las naciones civilizadas. No bastaba con la astuta táctica marcada por el ministro de Exteriores, Hans Dietrich Genscher, de orientarse a Occidente por razones de oportunidad. Era precisa una transformación, infinitamente trabajosa, de la mentalidad de toda la población. Lo que acabó por propiciar un talante conciliador en nuestros vecinos europeos fueron, en primer término, la transformación de las convicciones normativas y el cosmopolitismo de las generaciones más jóvenes, crecidas en la República Federal. Y, naturalmente, en la actividad diplomática marcaron la pauta las convicciones creíbles de los políticos en activo durante aquella época.

El manifiesto interés de los alemanes por una unificación europea pacífica no era suficiente para desactivar la desconfianza hacia ellos, históricamente fundamentada. Los alemanes occidentales parecían conformarse con la división nacional. A ellos, con el recuerdo de sus excesos nacionalistas, no habría de resultarles difícil renunciar a la reivindicación de sus derechos de soberanía, asumir en Europa el papel del principal contribuyente neto y, si hacía falta, adelantar créditos que, en cualquier caso, redundaban en beneficio de la República Federal. El compromiso alemán, para ser convincente, tenía que tener un arraigo normativo. Jean-Claude Juncker ha descrito bien esa prueba de esfuerzo cuando, en alusión al frío cálculo de intereses de Angela Merkel, echaba en falta la disposición a "aceptar riesgos en la política interna en pro de Europa".

La nueva intransigencia alemana tiene raíces profundas. Ya con la reunificación se transformó la perspectiva de una Alemania que había crecido y se ocupaba de sus propios problemas. Más importante fue la quiebra de las mentalidades que se produjo tras la marcha de Helmut Kohl. Con la excepción de un Joschka Fischer prematuramente agotado, desde la toma de posesión de Gerhard Schröder gobierna una generación normativamente desarmada que permite que una sociedad cada vez más compleja le imponga un trato cortoplacista con los problemas del día a día. Consciente de la reducción de los márgenes de juego político, renuncia a fines y a intenciones de transformación política, por no hablar de un proyecto como la unificación de Europa.

Hoy las élites alemanas disfrutan de una recuperada normalidad nacional estatal. Al final de un largo camino hacia Occidente han adquirido su certificado de madurez democrática y pueden volver a ser como los demás. Ha desaparecido aquella nerviosa disposición a acomodarse con mayor prontitud a la constelación posnacional de un pueblo vencido también moralmente y obligado a la autocrítica. En un mundo globalizado todos deben aprender a incorporar a la propia perspectiva la de los otros, en vez de retraerse a la mezcla egocéntrica de esteticismo y optimización del beneficio. Un síntoma político del retroceso de la disposición a aprender son las sentencias sobre los tratados de Maastricht y Lisboa del Tribunal Constitucional alemán, que se aferran a superados dogmatismos jurídicos relativos a la soberanía. La mentalidad del ensimismado coloso centroeuropeo, que gira en torno a sí misma y que carece de ambición normativa, ya no es ni siquiera garantía de que la Unión Europea se mantendrá en su tambaleante status quo.

La adormecida conciencia de crisis. Cambiar de mentalidad no es razón alguna para hacer reproches; pero la nueva indiferencia tiene consecuencias para la percepción política del desafío actual. ¿Quién está realmente dispuesto a sacar de la crisis bancaria aquellas conclusiones que la cumbre del G-20 de Londres plasmó en bellas declaraciones de intenciones... y a luchar por ellas?

Por lo que respecta a la doma del asilvestrado capitalismo financiero, nadie puede engañarse sobre la voluntad mayoritaria de las poblaciones. Por primera vez en la historia del capitalismo, en el otoño de 2008 sólo pudo salvarse la columna vertebral del sistema económico mundial, impulsado por los mercados financieros, gracias a las garantías de los contribuyentes. Y este hecho -que el capitalismo no pueda ya reproducirse por sus solas fuerzas- se ha fijado desde entonces en las conciencias de los ciudadanos que, como ciudadanos-contribuyentes, tuvieron que salir fiadores del fracaso del sistema.

Las exigencias de los expertos están sobre la mesa. Se está hablando sobre el aumento de los fondos propios de los bancos, una mayor transparencia para las actuaciones de los fondos especulativos de inversión, la mejora de los controles de las bolsas y las agencias de calificación de riesgos financieros, la prohibición de instrumentos especulativos llenos de imaginación pero dañinos para las economías nacionales, la imposición de una tasa a las transacciones financieras, el reforzamiento de las provisiones bancarias, la separación de la banca de inversión y comercial o la disgregación preventiva de los complejos bancarios demasiados grandes para caer. En la cara de Josef Ackermann, presidente del Deutsche Bank y astuto lobbista mayor de la banca alemana, se reflejaba un cierto nerviosismo cuando la periodista televisiva Maybrit Illner le daba a elegir entre algunos de estos "instrumentos de tortura" de los legisladores.

No es que la regulación de los mercados financieros sea tarea sencilla. Para llevarla a cabo también se requiere, sin duda, el conocimiento especializado de los banqueros más taimados. Pero las buenas intenciones fracasan no tanto por la complejidad de los mercados como por la pusilanimidad y falta de independencia de los Gobiernos nacionales. Fracasan por una apresurada renuncia a una cooperación internacional que se ponga como fin el desarrollo de las capacidades de actuación políticas de las que se carece... y ello en todo el mundo, en la Unión Europea y en primerísimo lugar dentro de la zona euro. En el asunto de la ayuda a Grecia, los negociantes y especuladores en divisas creyeron antes el hábil derrotismo empresarial de Ackermann que la tibia aprobación de Merkel al fondo de rescate del euro; realmente, no tienen confianza alguna en la decidida disposición a cooperar de los países de la zona euro. ¿Cómo podrían ser de otra manera las cosas en una Unión que derrocha sus energías en peleas de gallos para llevar a las figuras más grises a los cargos más influyentes?

En épocas de crisis, incluso los individuos pueden hacer historia. Nuestra enervada élite política, que prefiere seguir los titulares del Bildzeitung, no puede convencerse a sí misma de que son las poblaciones quienes impiden una unificación europea más profunda. Saben perfectamente que el retrato demoscópico de la opinión de la gente no es lo mismo que el resultado de la formación de una voluntad democrática deliberativamente constituida de los ciudadanos. Hasta hora, no ha habido en país alguno una sola elección europea o un solo referéndum en el que se haya decidido sobre algo que no sean temas y listas electorales nacionales. Sin mencionar siquiera la miopía nacional-estatal de la izquierda (y aquí no hablo sólo del partido alemán La Izquierda), hasta este momento todos los partidos políticos nos deben el intento de conformar políticamente la opinión pública mediante una Ilustración a la ofensiva.

Con un poco de nervio político, la crisis de la moneda común puede acabar produciendo aquello que algunos esperaron en tiempos de la política exterior común europea: la conciencia, por encima de las fronteras nacionales, de compartir un destino europeo común.


Jürgen Habermas es filósofo alemán, ganador del Premio Príncipe de Asturias de Ciencias Sociales 2003. © 2010, Jürgen Habermas, Die Zeit. Traducción de Jesús Alborés Rey.

Boaventura de Sousa Santos: amicus curiae, audiência pública e quilombolas

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4633
Vejam nesta matéria da revista Carta Maior com texto de Boaventura de Sousa Santos enviado pelo pesquisador Humberto Laport do OJB/UFRJ sobre o gargalo institucional do amicus curiae e audiência pública no Brasil especialmente no caso dos quilombolas no STF

sábado, 22 de maio de 2010

Constitucionalismo Latino-americano e participação

ELPAIS.
Populismo, participación, democracia
Ante la baja popularidad de los partidos en muchas democracias europeas, algunos políticos proponen una intervención directa de los ciudadanos en la toma de decisiones. Pero hay que separar el trigo de la paja
PAUL GINSBORG 22/05/2010


Últimamente, la palabra "participación" se repite a menudo en los corrillos de las élites políticas de toda Europa. Ante los bajísimos niveles de popularidad que padecen los partidos en la mayoría de las democracias europeas, los políticos prometen en todas partes más participación, mayor intervención directa de los ciudadanos en la toma de decisiones. Al mismo tiempo, se ofrece la idea de "subsidiariedad" a nivel europeo como panacea para la permanente falta de democracia que caracteriza a la propia Unión Europea.

La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
En Italia el populista que critica a los partidos y habla de mayor libertad es también el plutócrata

Porto Alegre, en cambio, es un ejemplo positivo de real participación directa de los vecinos
Sin embargo, deberíamos mirar con extremo cuidado, e incluso con escepticismo, esta sobreabundancia de retórica de la participación, tan notable en la Unión como en los Estados miembros. Por debajo de la superficie bonachona y burbujeante de esta tendencia pululan ideas y proyectos muy diversos. Algunos suponen graves amenazas contra la democracia representativa; otros apenas son esfuerzos de autoconservación (de los propios políticos, claro), y finalmente algunos tratan seriamente de contribuir a la consolidación de la democracia participativa mediante la resurrección de la democracia parlamentaria, su antigua prima hermana. Vale la pena inspirar a fondo, despejar nuestras mentes con un buen espresso, y tratar de distinguir entre estas tres diferentes tendencias, cada una de las cuales tiene consecuencias muy diversas para el futuro de la democracia.

Sin grave riesgo de equivocarnos, podemos calificar a la primera opción de populista. Ante las fragilidades de la democracia actual, ante sus complejidades e intricados equilibrios de poder, el populista habla a las masas, a las que promete cortar el nudo gordiano de la democracia. El gobierno en manos de una sola figura carismática y dinámica, un "hombre del pueblo", sustituirá los serpenteos erráticos de la democracia, la única forma política que combina los movimientos del cangrejo con los del caracol. Al mismo tiempo sin embargo (y aquí es donde vuelve a superficie el tema que nos ocupa) el líder populista promete más participación "directa". El pueblo decidirá, por medio de referendos y mecanismos similares.

Se trata de un modelo muy conocido y que posee una larga tradición, sobre todo en América Latina. Existe una versión actual y sorprendente de este sistema en Europa, en la cual el líder populista es propietario de la mayoría de las cadenas comerciales de televisión y del principal grupo editor de un país, además de ser su ciudadano más rico. La vieja idea anglosajona de la competencia democrática como algo que debe jugarse en un campo que sea igual para todos los participantes, se ve reemplazada por un desequilibrio enorme entre el líder populista y sus competidores. El populismo se suma a la plutocracia, y los resultados son devastadores. La Unión Europea observa boquiabierta la situación, sin dejar de parlotear acerca de la "subsidiariedad", mientras en Italia su veterana democracia (esa palabra tan mediterránea) se va hundiendo lentamente en su templado mar.

Esta es la primera tendencia, que dista mucho de ser tranquilizadora. La segunda, que pretende conservar la democracia representativa en su insatisfactoria forma actual, como un viejo tomate seco, es fácil de explicar. Los políticos, cuyo mundo es solo el de los políticos, y a los que la política les interesa sobre todo como profesión, ponen cara de circunstancias, sonríen, y hablan de "consultar" al pueblo. "El nuestro es el partido que escucha a la gente" es uno de los eslóganes más comunes en toda Europa cuando se aproximan las elecciones. Su significado es prácticamente nulo, porque esos políticos, tras escuchar (más bien menos que más), siguen su camino de siempre. Las consecuencias de esta falsa "participación" son también devastadoras. Un informe independiente acerca del estado de la democracia británica, Power to the People, publicado en marzo de 2006, era bien explícito al referirse a este asunto: "Las pruebas obtenidas (...) confirman que el escepticismo con el que la gente mira las consultas públicas es muy notable. Los ciudadanos consideran que estos procesos carecen de todo sentido en la medida en que no queda nada claro de qué modo las consultas podrían llegar a influir en las decisiones adoptadas finalmente por los funcionarios o diputados".

Una tercera y última tendencia, con diferencia la más interesante y esperanzadora, trata más bien de sumar las democracias participativa y representativa. Una combinación de fuerzas que aún no ha sido teorizada ni, sobre todo, aceptada por una clase política recalcitrante. Hay, sin embargo, novedosos experimentos democráticos en los que deberíamos concentrar nuestra atención y nuestras esperanzas. Examinaré solo un par de ejemplos. El primero tiene origen norteamericano y el segundo es brasileño. El primero tiene que ver con la forma; el segundo, con el poder.

Los Consejos Municipales Electrónicos (Electronic Town Meetings), como se ha dado en llamarlos, organizan la discusión y deliberación ciudadanos. El más conocido fue el que celebró en Nueva York en julio de 2002. Su objetivo era discutir en torno a qué había que hacer con la Zona Cero, el lugar anteriormente ocupado por el World Trade Center, después del 11 de septiembre. Las reuniones, en las que participaron 5.000 ciudadanos de Nueva York, acapararon la atención de más de 200 periodistas. La fórmula habitual es que los participantes, que pueden ser varios centenares, se sienten en torno a mesas formando grupos de 10 personas, y con la ayuda de un coordinador discutan y decidan sobre los asuntos específicos que se tratan en el Consejo Municipal del día. Tras largas discusiones, cada mesa vota electrónicamente y los organizadores del Consejo redactan una síntesis final. La experiencia resulta tonificante e instructiva en varios sentidos: los ciudadanos discuten directamente con personas desconocidas, y que proceden de sectores sociales a menudo distintos del suyo. Se produce una notable conciencia de toma colectiva de decisiones. Y a menudo los participantes manifiestan al salir: "Así tendría que ser la política".

Por sí solo, sin embargo, el llamado Consejo Municipal Electrónico tiene una utilidad limitada. Carece de mecanismos estructurales que garanticen que sus deliberaciones serán tenidas en cuenta cuando los grupos más reducidos de políticos tomen las decisiones. Podrían estimarlas o desestimarlas. Además, falta la continuidad. Los ciudadanos participan sobre la base de un sistema aleatorio costoso y que no se repite. Y queda sin responder la principal pregunta: ¿quién decide?

Es aquí donde nos proporciona una gran ayuda el ejemplo de Porto Alegre en Brasil. El Presupuesto Participativo (Orçamento Participativo) es un proceso anual y recurrente que implica la participación en diferentes niveles por parte de miles de ciudadanos que eligen a sus propios delegados para el Consejo del Presupuesto Participativo. Ayudados por expertos, establecen las prioridades que se presentarán al municipio. Este amplísimo proceso de debate (que incluye no solo la discusión sino también la elección de delegados) sí ejerce una influencia real sobre los políticos. Aunque el proceso participativo no ha sido dotado de poderes formales, jamás hasta la fecha el municipio se ha atrevido a rechazar las prioridades establecidas por ese proceso participativo.

Pese a que ha comenzado ya su decadencia, el experimento de Porto Alegre ha sido un ejemplo que han seguido otras 170 ciudades brasileñas. La combinación de la forma de los Consejos Municipales con la sustancia y el peso real del proceso de los Presupuestos Participativos, constituye una buena base sobre la que construir una democracia que sea capaz de combinar ambos aspectos.

Este procedimiento ni niega ni reduce el poder ni la responsabilidad de los representantes políticos. Poder y responsabilidad quedan, más bien, modificados, enriquecidos e institucionalmente constreñidos por las actividades deliberativas y participativas que los circundan. Y la cuestión teórica crucial relativa a la relación entre la democracia representativa y la participativa se resuelve del siguiente modo: la actividad de la segunda garantiza la calidad de la primera.


Paul Ginsborg es catedrático de Historia Europea en la Universidad de Florencia. Acaba de publicar en España Así no podemos seguir.

Constitucionalismo latino-americano e participação

ELPAIS.
Populismo, participación, democracia
Ante la baja popularidad de los partidos en muchas democracias europeas, algunos políticos proponen una intervención directa de los ciudadanos en la toma de decisiones. Pero hay que separar el trigo de la paja
PAUL GINSBORG 22/05/2010


Últimamente, la palabra "participación" se repite a menudo en los corrillos de las élites políticas de toda Europa. Ante los bajísimos niveles de popularidad que padecen los partidos en la mayoría de las democracias europeas, los políticos prometen en todas partes más participación, mayor intervención directa de los ciudadanos en la toma de decisiones. Al mismo tiempo, se ofrece la idea de "subsidiariedad" a nivel europeo como panacea para la permanente falta de democracia que caracteriza a la propia Unión Europea.

La noticia en otros webs
webs en español
en otros idiomas
En Italia el populista que critica a los partidos y habla de mayor libertad es también el plutócrata

Porto Alegre, en cambio, es un ejemplo positivo de real participación directa de los vecinos
Sin embargo, deberíamos mirar con extremo cuidado, e incluso con escepticismo, esta sobreabundancia de retórica de la participación, tan notable en la Unión como en los Estados miembros. Por debajo de la superficie bonachona y burbujeante de esta tendencia pululan ideas y proyectos muy diversos. Algunos suponen graves amenazas contra la democracia representativa; otros apenas son esfuerzos de autoconservación (de los propios políticos, claro), y finalmente algunos tratan seriamente de contribuir a la consolidación de la democracia participativa mediante la resurrección de la democracia parlamentaria, su antigua prima hermana. Vale la pena inspirar a fondo, despejar nuestras mentes con un buen espresso, y tratar de distinguir entre estas tres diferentes tendencias, cada una de las cuales tiene consecuencias muy diversas para el futuro de la democracia.

Sin grave riesgo de equivocarnos, podemos calificar a la primera opción de populista. Ante las fragilidades de la democracia actual, ante sus complejidades e intricados equilibrios de poder, el populista habla a las masas, a las que promete cortar el nudo gordiano de la democracia. El gobierno en manos de una sola figura carismática y dinámica, un "hombre del pueblo", sustituirá los serpenteos erráticos de la democracia, la única forma política que combina los movimientos del cangrejo con los del caracol. Al mismo tiempo sin embargo (y aquí es donde vuelve a superficie el tema que nos ocupa) el líder populista promete más participación "directa". El pueblo decidirá, por medio de referendos y mecanismos similares.

Se trata de un modelo muy conocido y que posee una larga tradición, sobre todo en América Latina. Existe una versión actual y sorprendente de este sistema en Europa, en la cual el líder populista es propietario de la mayoría de las cadenas comerciales de televisión y del principal grupo editor de un país, además de ser su ciudadano más rico. La vieja idea anglosajona de la competencia democrática como algo que debe jugarse en un campo que sea igual para todos los participantes, se ve reemplazada por un desequilibrio enorme entre el líder populista y sus competidores. El populismo se suma a la plutocracia, y los resultados son devastadores. La Unión Europea observa boquiabierta la situación, sin dejar de parlotear acerca de la "subsidiariedad", mientras en Italia su veterana democracia (esa palabra tan mediterránea) se va hundiendo lentamente en su templado mar.

Esta es la primera tendencia, que dista mucho de ser tranquilizadora. La segunda, que pretende conservar la democracia representativa en su insatisfactoria forma actual, como un viejo tomate seco, es fácil de explicar. Los políticos, cuyo mundo es solo el de los políticos, y a los que la política les interesa sobre todo como profesión, ponen cara de circunstancias, sonríen, y hablan de "consultar" al pueblo. "El nuestro es el partido que escucha a la gente" es uno de los eslóganes más comunes en toda Europa cuando se aproximan las elecciones. Su significado es prácticamente nulo, porque esos políticos, tras escuchar (más bien menos que más), siguen su camino de siempre. Las consecuencias de esta falsa "participación" son también devastadoras. Un informe independiente acerca del estado de la democracia británica, Power to the People, publicado en marzo de 2006, era bien explícito al referirse a este asunto: "Las pruebas obtenidas (...) confirman que el escepticismo con el que la gente mira las consultas públicas es muy notable. Los ciudadanos consideran que estos procesos carecen de todo sentido en la medida en que no queda nada claro de qué modo las consultas podrían llegar a influir en las decisiones adoptadas finalmente por los funcionarios o diputados".

Una tercera y última tendencia, con diferencia la más interesante y esperanzadora, trata más bien de sumar las democracias participativa y representativa. Una combinación de fuerzas que aún no ha sido teorizada ni, sobre todo, aceptada por una clase política recalcitrante. Hay, sin embargo, novedosos experimentos democráticos en los que deberíamos concentrar nuestra atención y nuestras esperanzas. Examinaré solo un par de ejemplos. El primero tiene origen norteamericano y el segundo es brasileño. El primero tiene que ver con la forma; el segundo, con el poder.

Los Consejos Municipales Electrónicos (Electronic Town Meetings), como se ha dado en llamarlos, organizan la discusión y deliberación ciudadanos. El más conocido fue el que celebró en Nueva York en julio de 2002. Su objetivo era discutir en torno a qué había que hacer con la Zona Cero, el lugar anteriormente ocupado por el World Trade Center, después del 11 de septiembre. Las reuniones, en las que participaron 5.000 ciudadanos de Nueva York, acapararon la atención de más de 200 periodistas. La fórmula habitual es que los participantes, que pueden ser varios centenares, se sienten en torno a mesas formando grupos de 10 personas, y con la ayuda de un coordinador discutan y decidan sobre los asuntos específicos que se tratan en el Consejo Municipal del día. Tras largas discusiones, cada mesa vota electrónicamente y los organizadores del Consejo redactan una síntesis final. La experiencia resulta tonificante e instructiva en varios sentidos: los ciudadanos discuten directamente con personas desconocidas, y que proceden de sectores sociales a menudo distintos del suyo. Se produce una notable conciencia de toma colectiva de decisiones. Y a menudo los participantes manifiestan al salir: "Así tendría que ser la política".

Por sí solo, sin embargo, el llamado Consejo Municipal Electrónico tiene una utilidad limitada. Carece de mecanismos estructurales que garanticen que sus deliberaciones serán tenidas en cuenta cuando los grupos más reducidos de políticos tomen las decisiones. Podrían estimarlas o desestimarlas. Además, falta la continuidad. Los ciudadanos participan sobre la base de un sistema aleatorio costoso y que no se repite. Y queda sin responder la principal pregunta: ¿quién decide?

Es aquí donde nos proporciona una gran ayuda el ejemplo de Porto Alegre en Brasil. El Presupuesto Participativo (Orçamento Participativo) es un proceso anual y recurrente que implica la participación en diferentes niveles por parte de miles de ciudadanos que eligen a sus propios delegados para el Consejo del Presupuesto Participativo. Ayudados por expertos, establecen las prioridades que se presentarán al municipio. Este amplísimo proceso de debate (que incluye no solo la discusión sino también la elección de delegados) sí ejerce una influencia real sobre los políticos. Aunque el proceso participativo no ha sido dotado de poderes formales, jamás hasta la fecha el municipio se ha atrevido a rechazar las prioridades establecidas por ese proceso participativo.

Pese a que ha comenzado ya su decadencia, el experimento de Porto Alegre ha sido un ejemplo que han seguido otras 170 ciudades brasileñas. La combinación de la forma de los Consejos Municipales con la sustancia y el peso real del proceso de los Presupuestos Participativos, constituye una buena base sobre la que construir una democracia que sea capaz de combinar ambos aspectos.

Este procedimiento ni niega ni reduce el poder ni la responsabilidad de los representantes políticos. Poder y responsabilidad quedan, más bien, modificados, enriquecidos e institucionalmente constreñidos por las actividades deliberativas y participativas que los circundan. Y la cuestión teórica crucial relativa a la relación entre la democracia representativa y la participativa se resuelve del siguiente modo: la actividad de la segunda garantiza la calidad de la primera.


Paul Ginsborg es catedrático de Historia Europea en la Universidad de Florencia. Acaba de publicar en España Así no podemos seguir.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

Araguaia

Brasil vai enfrentar Corte Interamericana de Direitos Humanos por crimes da
ditadura



SAN JOSÉ, Costa Rica — O Brasil se sentará nos próximos dias 20 e 21 de maio
no banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José,
para responder por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985),
informou a Corte.

Em uma audiência pública ante representantes das vítimas e autoridades
brasileiras, a Corte julgará o caso Gomes Lund, mais conhecido como
"Guerrilha do Araguaia", sobre detenção arbitrária, tortura, assassinato e
desaparecimento de pelo menos 70 pessoas durante operações das Forças
Armadas entre 1972 e 1975 com o objetivo de destruir um movimento armado de
resistência à ditadura.

O Estado brasileiro negou-se por mais de 30 anos a iniciar uma investigação
criminal para esclarecer os fatos e determinar responsabilidades,
amparando-se na Lei da Anistia, promulgada em 1979 pelo governo militar,
segundo organizações defensoras dos direitos humanos.

Os funcionários estatais envolvidos nesses crimes contra os Direitos Humanos
beneficiaram-se da Lei da Anistia, "mediante uma interpretação política que
foi dada a esse texto", denunciou o Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL), uma organização defensora dos Direitos Humanos e
representante das vítimas.

A Corte Interamericana analisará a Lei de Anistia, considerada pelas vítimas
o principal obstáculo para a investigação, e realizará o esclarecimento dos
fatos e o julgamento das violações dos Direitos Humanos e crimes contra a
Humanidade cometidos durante o regime militar brasileiro, informa esta
organização.

As partes têm até o dia 21 de junho para apresentar suas alegações por
escrito e posteriormente a Corte deliberará a sentença, processo que
normalmente leva vários meses.

domingo, 16 de maio de 2010

A natureza das leis

Folha de São Paulo 16 de maio de 2010

+Marcelo Gleiser

A natureza das leis

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As leis da natureza foram inventadas pelo homem ou forçadas pelo mundo ao redor?
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O que nós, cientistas, estamos querendo dizer quando falamos em "leis da natureza"? A questão é bem mais complicada do que parece ser. Não será no curto espaço desta coluna que farei jus à ela, mas temos que começar de algum lugar. Aí vai.
Autoridades tanto na ciência quanto na filosofia têm posições antagônicas com relação à natureza das leis da natureza. Antes de apresentar minhas opiniões, eis algumas outras.
Max Planck, grande físico alemão que inventou o conceito do quantum em 1900 e ganhou o prêmio Nobel da Física em 1918, escreveu que "existe um mundo real, e ele é independente dos nossos sentidos".
Para ele, "as leis da natureza não foram inventadas pelo homem, mas sim forçadas sobre ele pelo próprio mundo natural. São a expressão de uma ordem racional do mundo".
Planck acreditava que não inventamos essas leis, mas que as descobrimos. Se seres extraterrestres existissem, portanto, descobririam as mesmas leis. Poderiam representá-las de forma diferente, mas sua essência seria idêntica.
Essa postura supõe a existência de um saber universal: existe um único corpo de conhecimento que, dado tempo suficiente, vai ficando cada vez mais claro.
A posição de Planck ressoa com a dos que acreditam que Deus criou o mundo e suas leis. De fato, a primeira menção das leis da natureza aparece num texto de Descartes, em que ele afirma que as leis da natureza são uma criação divina.
A maioria dos pensadores, entretanto, discorda da visão de Planck. O próprio Albert Einstein dizia que nossas teorias são "ficções", no sentido de que podem existir duas ou mais explicações equivalentes sobre o mesmo fenômeno. "O caráter fictício das [teorias científicas] fica óbvio quando vemos que duas diferentes, cada qual com as suas consequências, concordam em grande parte com a experiência", disse.
O físico americano Richard Feynman escreveu que "como nada pode ser expresso precisamente, toda lei científica, todo princípio cientifico, toda asserção sobre os resultados de uma observação é uma espécie de sumário que deixa de lado os detalhes". Ou seja, nossas teorias são apenas aproximações da realidade.
Os filósofos Karl Popper e Thomas Kuhn vão ainda mais longe (Kuhn talvez um pouco longe demais). Popper escreveu que teorias científicas "não são um resumo de observações mas invenções-conjecturas propostas para serem julgadas e, se discordarem das observações, eliminadas".
Entrando no debate, o que podemos dizer sobre as leis da natureza?
Não há dúvida de que observamos padrões regulares na natureza, do micro ao macro. Alguns desses padrões podem ser expressos matematicamente. Porém, quando físicos afirmam, por exemplo, que "a energia é conservada", sabem que essa lei só é estritamente válida dentro da precisão de suas medidas.
E mesmo que a precisão de nossos instrumentos e medidas melhore com o passar do tempo, sempre haverá um limite. Consequentemente, jamais podemos afirmar que a "energia é conservada" em termos absolutos.
De fato, na prática não existem asserções de caráter absoluto, nem mesmo no contexto das ciências físicas. Construímos modelos que descrevem a realidade que medimos da melhor maneira possível.
Como humanos, vemos o mundo sempre fora de foco. Os óculos que inventamos melhoram a qualidade da imagem, mas sempre existirão detalhes que escaparão ao nosso olhar. O mundo é o que vemos dele.



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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "Criação Imperfeita"

A visão econômica do pai do consenso de Washington

Folha de São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010




EUA não sentirão crise, diz pai do Consenso de Washington
Para John Williamson, país é "refúgio" na turbulência e dólar manterá força

Para economista que listou receituário de livre mercado, Brasil não corre grandes riscos, mas deve reduzir gastos públicos

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Temores crescem, ações caem, mas o economista John Williamson, conhecido como "pai" do Consenso de Washington (receituário de livre mercado), não prevê grandes abalos nos EUA causados pela crise na zona do euro.
"Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar um refúgio em outro", disse Williamson em entrevista à Folha, na qual manifestou ter confiança na continuidade da recuperação do país.




FOLHA - Quais os impactos nos EUA da crise na zona do euro?
JOHN WILLIAMSON - No momento, o efeito para os EUA vem da diminuição da demanda na Europa, que vai prejudicar as exportações americanas.
Um outro ponto é que a capacidade do dólar de servir como principal moeda de reserva internacional não está sob muita pressão. Provavelmente permaneceremos com o sistema baseado no dólar a longo prazo.
É difícil ver os EUA sofrendo grande falta de confiança gerada por essa situação. Quando é preciso fugir de um lado, há que encontrar refúgio em outro.
Na realidade, o maior risco que os EUA enfrentam é o de se tornarem excessivamente endividados, o que é provável que aconteça a longo prazo se as políticas não forem alteradas. Mas ainda se pode mudá-las.

FOLHA - Em que cenário da economia dos EUA chegam esses efeitos?
WILLIAMSON - A economia dos EUA parece se recuperar bem, apesar de não ser uma recuperação fortíssima. Não acho que será abalada. Talvez na criação de empregos, mas não vejo uma mudança na tendência.

FOLHA - Que medidas adicionais os EUA têm de adotar para manter a recuperação estável diante da crise?
WILLIAMSON - A maior necessidade é uma estratégia fiscal crível de médio prazo, que terá de envolver elevação de impostos. No caso dos EUA, isso é bem claro. Mais cedo ou mais tarde os políticos terão de enfrentar esse fato. Acredito que isso acontecerá já no próximo outono [primavera no Brasil].
No caso do Brasil, a necessidade é de cortar gastos públicos. Não se poderá fugir disso. Mas, assim como nos EUA, não vejo um risco tão grande para o Brasil no momento.

FOLHA - O ministro Guido Mantega sugeriu que, para reequilibrar o sistema internacional, os EUA deviam subir os juros. O sr. discorda?
WILLIAMSON - Sim. O mais importante é ter crescimento real. Esperamos que a situação atual sirva como alerta antecipado para a necessidade de reformar a política fiscal. Isso serve também para o Brasil.

FOLHA - Alguns analistas temem que a fuga de investidores de títulos públicos poderia levar mesmo os EUA a elevarem os juros...
WILLIAMSON - No curto prazo, não creio que isso acontecerá nos EUA. O Fed manterá a política de juros baixos.

FOLHA - O pacote de resgate da zona do euro será suficiente para estancar o sangramento?
WILLIAMSON - Acho que o pacote poderá fazer uma contenção, mas é importante seguir adiante com corte de gastos públicos e elevação de impostos. O resgate é uma solução de curto prazo.
No caso da Grécia, em algum ponto o país terá mesmo de reestruturar a dívida. É difícil ver como isso poderia ser evitado, especialmente quando não podem desvalorizar a moeda. Só cortar gastos não terá efeito suficiente.
Mas acho que não vão abandonar o euro, o que traria problemas muito maiores. Devem reestruturar a dívida -não há nada que os impeça-, mas permanecendo na zona do euro.

sábado, 15 de maio de 2010

O caso Baltahzar Garzón

Garzón, suspendido y en el banquillo
Es sorprendente que el juez que quiso esclarecer los crímenes del franquismo haya sido apartado de la carrera y vaya a ser juzgado. En el peor de los casos, se debería haber aceptado su petición de traslado a La Haya


Finalmente se ha producido la suspensión del magistrado Baltasar Garzón por decisión del Consejo General del Poder Judicial y a consecuencia del procedimiento penal abierto en su contra por el Tribunal Supremo por el intento de investigación de los crímenes del franquismo.




Se criminaliza una doctrina compartida por Garzón y muchos jueces y juristas en España y en el mundo

Se ha ignorado que el Ministerio Fiscal no vea materia alguna para actuar contra Garzón
La imagen del juez abandonando la Audiencia Nacional es sorprendente y, sin duda, ha conmocionado a una buena parte de la ciudadanía española e internacional.

Se cesa a un juez que ha servido al Estado de derecho durante casi 30 años, 20 de ellos en la Audiencia Nacional. Un juez que se ha ganado el prestigio gracias a su labor en la persecución de los crímenes internacionales, de terrorismo y relativos a la corrupción pública.

De su trabajo en estos años resulta especialmente relevante su decisiva contribución en el caso Pinochet a favor de la concepción de la Justicia Universal. Desde las sentencias del Tribunal de Nuremberg, en defensa de los valores universales asociados a la dignidad de las personas y al derecho a la vida, ninguna resolución judicial ha tenido más repercusión en la consolidación de los principios de imprescriptibilidad y jurisdicción universal para la persecución de los delitos de genocidio y contra la humanidad que la orden de detención internacional del juez Garzón al general Augusto Pinochet, en el año 1999.

Estos principios obligan a todos los Estados a perseguir los graves crímenes contra los derechos humanos, en cualquier lugar y en cualquier momento que se hubieran producido, precisamente porque no sólo afectan de forma directa a las víctimas, sino que agreden al conjunto de la humanidad por su carácter sistemático y masivo.

Pues bien, estos mismos principios son los que intentó aplicar el juez Garzón en la causa por los crímenes de la cruenta dictadura franquista. Y, paradojas de la vida, la actuación que hace 11 años fue objeto de reconocimiento, ahora le lleva al banquillo de los acusados, a raíz de la iniciativa de un autodenominado sindicato Manos Limpias, cuyo máximo dirigente aparece históricamente vinculado a la ultraderecha, y en virtud de una querella de Falange Española y de las JONS, por el momento apartada del proceso por razones formales.

Y ello, a pesar de la razonada oposición del Ministerio Fiscal y de la inexistencia de perjudicados por sus resoluciones calificadas de prevaricadoras. Ni un solo ciudadano ha comparecido ante el Tribunal Supremo sintiéndose víctima de las decisiones del juez Garzón. Contrariamente a ello las víctimas del franquismo constataron que se abría una vía de esperanza a sus legítimas demandas de justicia y reparación y tutela judicial efectiva.

El peor delito que puede imputarse a un juez es el de prevaricación: dictar a sabiendas una resolución injusta. Sólo aquellas decisiones judiciales que no tengan cabida en la ley, y que comporten un retorcimiento tal del ordenamiento jurídico de forma que resulten indefendibles, pueden ser tildadas de prevaricadoras.

El procedimiento penal abierto por el juez Garzón lo fue a raíz de las denuncias presentadas por familiares de las víctimas del franquismo, cuya legítima pretensión era saber la verdad, recuperar los restos de sus familiares ejecutados, conocer la suerte de los desaparecidos y conseguir que se hiciera justicia. Sus decisiones jurisdiccionales se han basado en la consideración de que las desapariciones forzadas, el secuestro organizado de niños y los asesinatos masivos son crímenes de lesa humanidad que no están prescritos ni amparados por la Ley de Amnistía de 1977, en aplicación de los Tratados Internacionales ratificados por España y del derecho internacional de los derechos humanos, cuyas normas forman parte de nuestro ordenamiento y nos obligan.

Pueden ser decisiones discutibles pero responden a una doctrina que es compartida por jueces españoles y de otros países, además de por un sector significativo de los juristas expertos en derecho internacional.

Estamos ante un debate jurídico serio y complejo, y por muy discutible que sea, y justo por eso, no puede ser objeto de criminalización. Una controversia que, en el fondo, lo es también sobre la independencia judicial, al alcanzar de lleno lo que constituye el ámbito propio de la tarea judicial: la interpretación de las leyes a la luz de la Constitución y de las normas internacionales.

En la declaración "a favor de la libertad de interpretación judicial" suscrita por el Secretariado de Jueces para la Democracia y firmada por más de 50 jueces el pasado 12 de febrero, se afirmaba que la tarea judicial es hoy un espacio de creación, no porque lo quiera el juez, sino porque lo impone la realidad de la propia ley. Por ello cercenar el debate jurídico resulta altamente preocupante para la independencia judicial porque desincentiva la imaginación jurídica, moldea jueces conformistas y sumisos al poder y a la jerarquía y se erige en un obstáculo insalvable para la imprescindible evolución de la jurisprudencia.

Y, así las cosas, ¿podía el Consejo General del Poder Judicial haber decidido no suspender cautelarmente al juez Garzón?

En nuestra opinión sí. Es cierto que la Ley Orgánica del Poder Judicial determina que la suspensión de los jueces y magistrados tendrá lugar "cuando se hubiera declarado haber lugar a proceder contra ellos por delitos cometidos en el ejercicio de sus funciones". Sin embargo, su aplicación no puede entenderse de forma automática.

Cabría distinguir entre aquellos procedimientos penales en los que la querella ha sido interpuesta por el Ministerio Fiscal de aquellos otros en los que el querellante es una acusación popular. La diferenciación no es gratuita: el fiscal constitucionalmente defiende el principio de legalidad, lo que no ocurre con la acción popular, que defiende intereses difusos, y en ocasiones contrarios al interés general. Una acusación del fiscal comporta una mayor solidez de que en el futuro pueda prosperar una condena contra un juez. Sin embargo, una petición de absolución por el Ministerio Fiscal, representante de la legalidad, hace más plausible una sentencia absolutoria, pese al ejercicio de la acción popular por acusaciones claramente posicionadas a favor del franquismo y en contra de la recuperación de la memoria de las víctimas.

En cualquier caso, cabía otra solución, la de haber aceptado previamente su petición de traslado a la Corte Penal Internacional, informada favorablemente por todas las instituciones públicas implicadas, y haber esperado al resultado del juicio y de la sentencia, antes de proceder a la suspensión.

El juicio que va a iniciarse ante el Tribunal Supremo será recordado como el proceso contra el juez que quiso esclarecer los crímenes del franquismo. El Tribunal Supremo deberá resolver si la inaplicación de la Ley de Amnistía entra en el terreno de lo discutible y deberá pronunciarse sobre si el juez Garzón actúo en el ámbito de su independencia judicial; también si se ha respetado su derecho a un proceso justo.

En su caso, el Tribunal Constitucional y, en última instancia, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos deberán pronunciarse sobre idénticas cuestiones.

Aunque no compartamos muchas de las decisiones adoptadas contra el juez Garzón, vivimos en un Estado de derecho y confiamos en nuestro sistema judicial. Esperamos, por ello, que Baltasar Garzón pueda algún día volver a ejercer como juez. Creemos que con ello aumentará la credibilidad en nuestra justicia y la confianza de los ciudadanos en nuestras instituciones.


Montserrat Comas d'Argemir, Ramón Sáez Valcárcel, Manuela Carmena y Javier Martínez Lázaro son magistrados. Félix Pantoja García es fiscal. Y todos son ex vocales del Consejo General del Poder Judicial.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Conselho de Estado francês rejeita a burka

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http://www.elpais.com/articulo/sociedad/Consejo/Estado/vuelve/rechazar/ley/anti-burka/Sarkozy/elpepusoc/20100514elpepusoc_2/Tes

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Os limites da Antropologia

Folha de São Paulo de 12 de maio de 2010

"A ciência não é um deus que sabe tudo", diz líder ianomâmi
Davi Kopenawa diz estar contente com notícia de que sangue de seu povo será devolvido pelos EUA


O líder ianomâmi Davi Kopenawa disse estar "muito contente" com a notícia de que as mais de 2.000 amostras de sangue de seu povo, que desde 1967 repousam em centros de pesquisa dos Estados Unidos, serão devolvidas à tribo. Conforme a Folha adiantou no último domingo, há um acordo sendo finalizado entre cinco universidades e o governo brasileiro para a devolução, que ainda não tem data.
Da Alemanha, onde está para assistir a uma ópera que tem seu povo como protagonista, o líder indígena respondeu por e-mail, por intermédio do antropólogo Bruce Albert, a perguntas feitas pela reportagem. (CA)




FOLHA - Como o sr. recebeu a notícia de que as universidades aceitaram devolver o sangue?
DAVI KOPENAWA YANOMAMI - Foi uma luta de dez anos. Agora, fiquei muito contente que os brancos acabaram entendendo a importância desse retorno.

FOLHA - O sangue foi coletado nos anos 1960, mas só nesta última década os ianomâmis começaram a se esforçar para tê-lo de volta. Por quê?
KOPENAWA - O sangue foi tirado do nosso povo quando eu era menino. Os cientistas não explicaram nada direito. Só deram presentes, panelas, facas, anzóis e falaram que era para coisa de saúde. Depois todo mundo esqueceu. Ninguém pensou que o sangue seria guardado nas geladeiras deles, como se fosse comida! Só em 2000 que eu soube que esse sangue estava ainda guardado e sendo usado para pesquisa. Aí me lembrei da minha infância, e os velhos também se lembraram de que nosso sangue foi tirado. Todo mundo ficou muito triste de saber que esse sangue nosso e de nossos parentes mortos ainda estava guardado.

FOLHA - Napoleon Chagnon e James Neel agiram errado com vocês?
KOPENAWA - Eu acho que estavam muito errados, porque eles pensaram que os ianomâmis podem ser tratados como crianças e não têm pensamento próprio. Não dá para fazer pesquisa com povos indígenas sem explicação. Pesquisa que interessa à gente é para melhorar nossa saúde. Não dá para pesquisar e deixar a gente depois morrer de doenças. Um tempo depois que esses cientistas foram embora, em 1967, morreu quase todo o meu povo do Toototobi de sarampo.

FOLHA - Por que o sangue será jogado no rio quando ele voltar?
KOPENAWA - Vamos entregar esse sangue do povo ianomâmi ao rio porque o nosso criador, Omama, pescou sua mulher, nossa mãe, no rio no primeiro tempo. Mas não gosto da palavra "jogar", não vamos jogar o sangue dos nossos antigos; vamos devolver para as águas.

FOLHA - Os cientistas dizem que, sem poderem estudar o sangue e o DNA de vocês, informações que podem ser preciosas para toda a humanidade se perderão para sempre. Como o sr. reage a essa crítica?
KOPENAWA - A ciência não é um deus que sabe tudo para todos os povos. Se querem pesquisar o sangue do povo deles, eles podem. Quem decide se pesquisas são boas para nosso povo somos nós, ianomâmis.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Modelo de Estado

Folha de São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010




Modelo dá ao Estado mais liberdade para gerir
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), visto como uma joia da ciência brasileira, é uma Organização Social desde 2001. São 42 pesquisadores com o objetivo da "difusão do conhecimento matemático e sua integração com outras áreas da ciência".
O instituto organiza um dos eventos mais importantes da educação no país: a Olimpíada de Matemática, que reúne 20 milhões de alunos de todos os Estados. O sucesso é atribuído ao novo modelo de gestão.
"Com a burocracia do setor público para liberar dinheiro, a Olimpíada de Matemática pararia no primeiro milhão de alunos", afirma Cesar Camacho, diretor-geral do órgão.
As OSs são criticadas pelo Ministério Público porque seriam pouco fiscalizadas. Mas, segundo o IMPA, os gastos passam por quatro varreduras: conselho administrativo, auditores independentes, Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União. "Se o Ministério Público afirma ser pouco, basta o governo fiscalizar melhor", diz Camacho.
Criada pelo ex-ministro da Administração Federal e Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser-Pereira, a ideia das OSs era modernizar um Estado obsoleto, lento, preso a legislações da época do Estado Novo e da ditadura militar. Mesmo sem licitação, as OSs foram celebradas quando surgiram como algo que traria muitos ganhos à administração pública.
O cientista político da Universidade de Brasília Antônio Flavio Testa acredita que elas foram um avanço. "Era uma forma de atender às deficiências do Estado. Mas se transformou na cobiça de setores partidários para o aparelhamento. O PT, que assina a Adin, é o que mais aparelhou", diz.
Ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, Marcos Moraes tentou por dois anos transformar sua gestão numa OS, mas não conseguiu. "É uma forma mais flexibilizada de gestão. Dizer que uma licitação resolverá o problema não é verdade. Casos de direcionamento em licitação existem em toda forma de concorrência". (ML)

domingo, 9 de maio de 2010

A profanação como crítica da ideologia

Segue texto de Vladimir Safatle publicado à época do lançamento da obra de Agamben, Profanações.

A profanação como crítica da ideologia
Por Vladimir Safatle

Novo livro de Giorgio Agamben procura ser um tratado teológico-político às avessas

Há tempos, Giorgio Agamben vem construindo uma obra extensa que visa dar conta, entre outras coisas, da configuração contemporânea dos desafios próprios à ação política. Responsável pela edição italiana das obras completas de Walter Benjamin, ex-aluno de Heidegger, autor, juntamente com Deleuze, de trabalhos sobre teoria literária e filosofia, este professor da Universidade de Verona, nascido em 1942, é atualmente um dos filósofos mais relevantes de sua geração.

Uma das razões para tanto é exatamente sua capacidade em fornecer um quadro de análises para a situação sociojurídica que marca a política contemporânea. No entanto, esse quadro de análises foi acrescido de um pequeno livro responsável pelo esboço do que poderíamos chamar de “estratégias de crítica” que visariam desativar os dispositivos de poder na contemporaneidade.

Trata-se de “Profanações”, uma pequena coletânea de ensaios aparentemente díspares sobre temas “menores” como: a paródia, a pornografia, a etimologia da palavra latina genius, entre outros. A minoridade de seus temas é, entretanto, apenas aparente; ela é uma nuvem de fumaça que se dissipa quando inserimos “Profanações” em um espaço mais amplo composto pelas obras imediatamente anteriores de Agamben.


Biopoder e exceção

Durante muito tempo, Agamben foi visto, principalmente, como um filósofo capaz de articular reflexão estética, pesquisa historiográfica e um certo heideggero-hegelianismo a fim de dar conta de problemas maiores vinculados à linguagem em sua relação com a subjetividade. Mas, a partir dos anos 90, o filósofo italiano começa um longo movimento de desenvolvimento de outro campo de pesquisas. Partindo das vias abertas por Michel Foucault por meio das análises dos mecanismos de normatização da vida na sociedade contemporânea, Agamben colocou diante de si a tarefa de articular um amplo estudo sobre os desdobramentos dos dispositivos do poder.

Este é o objeto da série “Homo Sacer”. Dois livros desta série já estão disponíveis ao leitor brasileiro: “Homo sacer – O Poder Soberano e a Vida Nua” e “Estado de Exceção”. Há ainda um terceiro, “O Que Resta de Auschwitz”, que espera tradução. No cerne de tal projeto está a compreensão de que a política contemporânea é, necessariamente, uma biopolítica.

De fato, Foucault cunhara tal termo a fim de dar conta da centralidade, na consolidação do poder na modernidade, daquilo que o filósofo chama de “administração dos corpos” e de “gestão calculista da vida”. Uma perspectiva de análise do poder que encontrava raízes nas pesquisas foucaultianas a respeito do saber médico e dos dispositivos clínicos enquanto espaço privilegiado de operação de uma racionalização da vida que se invertia em dispositivo de dominação.

Mas, aos poucos, Foucault irá ampliar suas considerações. Tratava-se de sair do regime de economia restrita própria à reflexão sobre o saber clínico, isto a fim de alcançar a generalização de uma verdadeira genealogia do poder capaz expor a lógica de inversão da razão em dominação nas várias esferas de valores da modernidade. Isto foi feito, principalmente, a partir dos anos 70.

Seguindo os passos de Foucault, Agamben insistirá no fato de que tal transformação da vida humana em objeto do poder soberano implicou em sua redução à condição de pura vida biológica, vida pronta para ser administrada pelos dispositivos ordenadores do poder ou, ainda, “vida nua”.

Neste sentido, a contribuição mais importante de Agamben no interior do debate sobre as estruturas do biopoder consiste em mostrar como a vida nua vai progressivamente coincidindo com a integralidade do espaço político, no sentido de ela ser posta como a figura hegemônica da vida que pode aparecer no interior do espaço político. Agamben pensa, entre outras coisas, nas políticas de vitimização (baseadas na dissociação entre os direitos do homem e os direitos do cidadão) e em situações contemporâneas nas quais sujeitos são, cada vez mais, jogados em zonas de anomia.

No entanto, tal análise estaria incompleta se ela não se transformasse em uma reflexão sobre a configuração contemporânea do campo do jurídico. Pois um dos problemas que fica consiste em compreender qual a estrutura jurídica capaz de legitimar um poder que reduz a vida à condição de mera vida biológica. É neste ponto que se articulam os livros “Homo Sacer” e “Estado de Exceção”.

“Estado de Exceção” é um livro ousado sob vários aspectos. Um deles está na defesa da centralidade do estado de exceção enquanto paradigma de funcionamento das estruturas jurídicas que procuram normatizar o campo da política e da ação social.

Criada, em 1791, pela tradição democrático-revolucionária da Assembléia Constituinte francesa sob o nome de “estado de sítio”, a figura de um quadro legal para a suspensão da ordem jurídica em “casos extremos” aplicava-se inicialmente apenas às praças-fortes e portos militares. Em 1811, com Napoleão, o estado de sítio podia ser declarado pelo imperador a despeito da situação efetiva de uma cidade estar sitiada ou ameaçada militarmente.

A partir de então, vemos um progressivo desenvolvimento de dispositivos jurídicos semelhantes na Alemanha, Suíça, Itália, Reino Unido e EUA, que serão aplicados, durante os séculos 19 e 20, em situações variadas de emergência política ou econômica. O caso mais recente desta lógica de generalização do estado de exceção foi obra do governo francês que, no ano passado, como resposta às manifestações de descontentamento social nas periferias das grandes cidades, colocou o país sob situação de emergência.

Giorgio Agamben compreende tal desenvolvimento como a manifestação de um processo de generalização dos dispositivos governamentais de exceção. Processo este que teria sido o motor invisível das democracias ocidentais (o que Agamben tenta salientar ao aproximar a lógica da exceção e o problema do lugar do soberano nas teorias clássicas da filosofia política). Que o espectro da “suspensão legal” da lei, que este reconhecimento da lei que pode conviver com sua própria suspensão seja o “motor invisível” das democracias contemporâneas: eis algo que Benjamin indicara, mas que Agamben soube explorar como ninguém antes dele. Pois o esforço de Agamben consistiu em mostrar como o espectro da suspensão legal da lei é a contrapartida jurídica da transformação da política em uma zona de anomia no interior da qual os sujeitos não aparecem mais como sujeitos políticos, agentes de ações políticas de transformação.


A paródia como crítica da razão biopolítica?

Dessa forma, todo o esforço de Agamben consiste em mostrar como a centralidade da “suspensão legal da lei” na compreensão da estrutura jurídico-política da modernidade não é apenas um fenômeno localizado. O que ele tem em mente é, na verdade, a crítica a uma tendência hegemônica na modernidade em vincular razão e norma, racionalidade e normatização da vida. Ou seja, trata-se fundamentalmente de criticar uma noção de razão vinculada à crença de que racionalizar é assegurar a vida por meio da posição de critérios normativos de justificação intersubjetivamente partilhados.

Neste ponto, o trabalho de Agamben aparece como um desdobramento das reflexões de Michel Foucault sobre os modos de coincidência entre a norma racional e o seu outro. Com isto, abre-se um amplo quadro de questões vinculadas à reorientação das expectativas da razão moderna e de seus modos de racionalização da vida.

Que o verdadeiro alvo de Agamben seja a crítica a tendência moderna em vincular razão e norma, isto ficou claro à ocasião de uma entrevista à “Folha de S. Paulo”, no ano passado. “O que está realmente em questão”, disse Agamben, “é, na verdade, a possibilidade de uma ação humana que se situe fora de toda relação com o direito, ação que não ponha, que não execute ou que não transgrida simplesmente o direito. Trata-se do que os franciscanos tinham em mente quando, em sua luta contra a hierarquia eclesiástica, reivindicavam a possibilidade de um uso de coisas que nunca advém direito, que nunca advém propriedade. E talvez ‘política’ seja o nome desta dimensão que se abre a partir de tal perspectiva, o nome de livre uso do mundo. Mas tal uso não é algo como uma condição natural originária que se trata de restaurar. Ela está mais perto de algo de novo, algo que é resultado de um corpo-a-corpo com os dispositivos do poder que procuram subjetivar, no direito, as ações humanas. Por isto, tenho trabalhado recentemente sobre o conceito de ‘profanação’, que, no direito romano, indicava o ato por meio do qual o que havia sido separado na esfera da religião e do sagrado voltava a ser restituído ao livre uso do homem”1.

Assim, fica claro que “Profanações” é um livro sobre ação política. Talvez ele seja o livro possível para a ação política em uma época em que a crítica se depara com um poder que não procura mais esconder seu núcleo de irracionalidade, mas que apresenta o irracional (“a suspensão da norma”) como momento mesmo da estrutura normativa “racional”. Poder que, como dizia Peter Sloterdjik, age de maneira cínica por legitimar aquilo que suspende sua própria legalidade. Poder que, por isso, não esconde nada e aparece como imune a qualquer procedimento de desvelamento de suas “reais intenções”.

Com “Profanações”, Agamben coloca em circulação uma estratégia peculiar que consiste em recorrer a esquemas fornecidos pela tradição da ação religiosa a fim de pensar novas categorias para o político. Novas categorias não mais dependentes, por exemplo, da noção de transgressão da norma ou de posição de novas normas, mas simplesmente da anulação do potencial normativo da norma. Um ato de anulação que Agamben chama de: desativar a norma.

Não deixa de ser interessante como Agamben parece trazer, para o campo do político, um dispositivo de crítica em operação, de maneira cada vez mais hegemônica, na estética contemporânea. Ele consiste em não tentar mais transgredir ou fornecer novas normas, mas em simplesmente mimetizar a norma de maneira tal, agir “normalmente” de forma tal que ela perca sua capacidade organizadora. Neste sentido, o ensaio de nosso livro intitulado “Paródia” é extremamente significativo.

Agamben lembra que há dois traços canônicos na paródia: a dependência em relação a um modelo existente e a conservação de elementos formais de tal modelo em meio a conteúdos ou contextos incongruentes. Ou seja, trata-se de uma maneira de seguir um modelo, assumir uma norma, mas de forma tal que a força ordenadora do modelo e da norma são “desativados” devido ao fato deles serem repetidos de maneira irônica. Agamben lembra como o termo paródia era usado inicialmente para designar uma separação entre canto e palavra, entre melos e logos, que produzia situações nas quais se cantava para ten oden, a contra-canto ou fora do canto. Maneira de desativar o logos devido à inadequação do melos que o acompanhava.

Este esquema da paródia é o que Agamben procura implementar através da sua noção de profanação. Através da paródia, o filósofo procura construir um conceito de profanação capaz de nos colocar diante de uma ação que não executa ou transgride a norma, mas que a desativa. Usando a idéia de que profanar é restituir as coisas (outrora separadas na dimensão do sagrado) ao livre uso dos homens, trata-se de pensar uma ação que instaure esse livre uso através da paródia ou da ironização do que antes estava separado e sacralizado.

Um uso irônico que, ao mimetizar o sacralizado, anula o vínculo seguro entre coisas, regras e sentido que toda noção de sagrado visa garantir. Como dirá Agamben: “O comportamento assim liberado reproduz e mimetiza as formas da atividade da qual ele se emancipou mas, ao esvaziar seu sentido e sua relação necessária a um fim, ele permite que elas se disponham a um novo uso”. No fundo, com este conceito de profanação, Agamben não parece muito distante de Deleuze com sua noção de humor enquanto o que impede a indexação segura entre norma e caso, como o que inverte o uso da norma ao fazê-la adequar-se a casos nos quais ela, normalmente, não poderia ser aplicada2.