segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Memórias Reveladas: lançada campanha para a doação de documentos do regime militar

Em tempos de golpe em Honduras, o assunto talvez ganhe ainda mais relevância, dada a sua importância no processo de consolidação da democracia brasileira.


O governo federal começou a veicular, a partir deste último domingo, 27, uma campanha nacional para mobilizar a sociedade a reconstruir a história do País durante o período de 1964 a 1985. A campanha buscará sensibilizar pessoas e organizações a doarem documentos referentes ao regime militar ao Arquivo Nacional e aos parceiros, em todos os estados, do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) – Memórias Reveladas.

Dessa forma, será possível resgatar informações sobre um período tão marcante de nossa História e, também, contribuir para a localização de corpos de mais de 140 desaparecidos políticos.
A mobilização é direcionada a toda a sociedade, mas com segmentação para o público jovem e formador de opinião. Os comercias de rádio, anúncios de revista e jornal, peças de Internet e cartazes servirão de apoio à mobilização.

Os filmes contêm depoimentos de familiares dos desaparecidos políticos Rubens Paiva, Fernando Santa Cruz, Dinaelza Santana Coqueiro e Vandick Reidner Pereira Coqueiro. Nos próximos dois meses eles serão veiculados em TV aberta, no formato de 30 segundos, e TV por assinatura, de 60 segundos.

Os interessados em colaborar ou se informar sobre o tema poderão acessar o Portal Memórias Reveladas (www.memoriasreveladas.gov.br), onde está disponível o novo hotsite de divulgação do Memórias Reveladas. O sítio traz, ainda, informações sobre o período de 1964 a 1985, como a censura aos meios de comunicação e manifestações artísticas, a repressão ao movimento estudantil e operário. Além disso, estão abertas ao público informações sobre os documentos já catalogados pelo Arquivo Nacional .



O Arquivo Nacional e os parceiros do Memórias Reveladas garantem o anonimato de quem preferir não se identificar, nos termos do Edital de Chamamento de Acervos 001/2009, também disponível no Portal Memórias Reveladas.

O projeto de resgate histórico é coordenado pelo Arquivo Nacional, da Casa Civil da Presidência da República, por meio do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) – Memórias Reveladas, e conta com mais de quarenta instituições e entidades parceiras em todo o País. O Centro foi criado em 13 de maio deste ano, como pólo catalisador de informações dos acervos documentais de instituições públicas e privadas, tendo por objetivo tornar-se um espaço de convergência, difusão de documentos e produção de estudos e pesquisas a respeito do regime política que vigorou entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985.


Informações adicionais:
E-mail: memoriasreveladas@arquivonacional.gov.br
Tel: 0800-7012441

www.memoriasreveladas.gov.br

Honduras enterra esforço por diálogo, dá ultimato ao Brasil e suspende liberdades

Da Folha de São Paulo de hoje que noticia que o golpe da direita hondurenha toma formas cada vez mais claras.


Honduras enterra esforço por diálogo, dá ultimato ao Brasil e suspende liberdades


da Folha Online

O governo interino de Honduras, liderado por Roberto Micheletti, resiste à pressão internacional renovada pela volta do presidente deposto Manuel Zelaya há uma semana e endureceu o tom ao dar um ultimato ao Brasil, impedir a missão de mediação de chanceleres da OEA (Organização dos Estados Americanos) e editar um decreto que permite ao governo proibir protestos públicos e suspender liberdade de expressão e de imprensa.


As medidas tendem a aumentar o isolamento internacional de Honduras e liquidam com as chances de um diálogo entre Zelaya e Micheletti depois de exatos três meses da crise instaurada pelo golpe de 28 de junho.

Zelaya foi deposto em golpe de Estado orquestrado pelo Congresso, Suprema Corte e Exército e retornou ao país, em segredo, no último dia 21. Desde então, ele está refugiado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, sob forte cerco policial e pedidos reiterados para que se entregue à Justiça hondurenha para enfrentar acusações de violação à Constituição.


No fim da noite deste domingo (27), o governo divulgou um decreto que prevê o fechamento de meios de comunicação, a dissolução de reuniões públicas não autorizadas e a prisão de indivíduos que incitem à insurreição.

Em cadeia nacional de TV, o governo interino informou que decidiu "interditar qualquer reunião pública não autorizada e impedir a transmissão, por qualquer veículo, de programas que ameacem a paz".

O ministro do Interior do país, Oscar Matute, disse que os veículos de imprensa que incitarem a violência devem ser regulados pelo novo decreto. "Há um grupo de veículos que, em vez de focarem na paz e harmonia, querem espalhar discórdia. Muitos deles confundiram o que a liberdade de expressão deveria ser", declarou.

O decreto autoriza a polícia e as forças armadas a fecharem quaisquer estações de rádio ou televisão "que não ajustarem sua programação às disposições atuais". O decreto suspende por 45 dias a liberdade de expressão, associação e trânsito, e veda reuniões públicas não autorizadas pela polícia ou pelo Exército local. Também autoriza a prisão sem mandados.

Ultimato

Na noite deste domingo (27), o atual governo hondurenho pediu ao Brasil que a embaixada brasileira não seja utilizada para estimular uma insurreição e deu um prazo para a definição da condição de Zelaya.


"Nós exigimos que o governo brasileiro defina a condição do senhor Zelaya em menos de dez dias", disse o governo interino em comunicado. "Senão, seremos obrigados a tomar medidas adicionais". O comunicado não deu detalhes sobre quais seriam essas medidas.

O ultimato pedia que o Brasil decidisse se daria asilo político ao líder deposto, o que abriria caminho para que ele deixasse o país, ou se o tiraria da embaixada para ser detido pelas autoridades hondurenhas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse neste domingo que não cumprirá o ultimato e reiterou que as leis internacionais protegem a embaixada brasileira. Ele exigiu ainda desculpas de Micheletti. "O Brasil não irá tolerar um ultimato de um governo golpista", disse Lula a jornalistas depois de participar da reunião de cúpula América do Sul-África na ilha turística de Margarita, região caribenha da Venezuela.

Lula, que havia afirmado anteriormente que o presidente deposto poderia ficar na embaixada pelo tempo que quisesse, alertou novamente contra uma eventual invasão do local por tropas hondurenhas. "Se entrarem pela força, estarão cometendo um ato que rompe com as normas internacionais", acrescentou o presidente brasileiro.

O Brasil pediu ante o Conselho de Segurança das Nações Unidas o respeito à sua missão diplomática, bem como suas dependências em Tegucigalpa. O Conselho condenou o assédio à embaixada brasileira. A chancelaria hondurenha informou, ainda, que não permitirá o retorno dos embaixadores da Argentina, Espanha, México e Venezuela, retirados logo após o golpe, a menos que esses países reconheçam o governo interino.

OEA

Mais cedo, o governo interino barrou a entrada no país de uma delegação da OEA, aumentando o isolamento do país em meio à elevação da tensão com o Brasil. O grupo de representantes da OEA tinha a expectativa de tentar costurar uma saída para a crise política no país após o golpe de Estado que derrubou Zelaya, mas foi barrado no aeroporto da capital, Tegucigalpa.

Micheletti já havia adiado, em agosto, uma visita de ministros da organização com o argumento de que seu secretário-geral, José Insulza, é parcial na questão ao defender Zelaya.

Protestos

Enquanto isso, as ruas de Tegucigalpa continuam conflagradas entre contrários e apoiadores do presidente deposto. A medida tende a aumentar o isolamento internacional de Honduras e liquida as ilusões de um diálogo entre Zelaya e Micheletti. Enquanto isso, as ruas de Tegucigalpa continuam conflagradas entre contrários e apoiadores de Manuel Zelaya.

Cerca de dois mil partidários do presidente deposto marcharam no sábado (26) pelas ruas da capital.

Ao passar pela embaixada dos Estados Unidos, jogaram seus sapatos ao ar para exigir uma maior pressão do governo Barack Obama sobre o governo interino. O ato faz referência ao episódio em que um jornalista iraquiano arremessou sapatos em George W. Bush em uma coletiva de imprensa.

A visão americana de Zelaya

Folha de São Paulo, segunda-feira, 28 de setembro de 2009



ENTREVISTA

JULIA SWEIG

Honduras expõe tensão recente entre governos de Brasil e EUA
Para especialista, diplomacia brasileira pode ter "atenção mais positiva" da Casa Branca com tom mais firme sobre o Irã

O "SURPREENDENTE" protagonismo que o Brasil adquiriu na crise em Honduras, em contraste com a posição vacilante dos EUA, expõe a tensão recente entre os dois países, depois de um início que parecia promissor após a posse de Barack Obama, em janeiro. O Brasil vê sua expectativa de ser a ponte para uma relação renovada entre a Casa Branca e a região frustrada pelo novo governo, "incrivelmente vulnerável" à oposição conservadora no Congresso e até agora sem porta-voz para a política hemisférica. Mas é possível que os EUA esperem posição mais firme do Brasil numa questão que consideram vital, o programa nuclear do Irã.

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Este é, em resumo, o diagnóstico feito por Julia Sweig, diretora para a América Latina do Council on Foreign Relations, que reúne parte da elite dos estudiosos da política externa americana. Sweig conversou com a Folha por telefone e e-mail no fim de semana. Abaixo, trechos da entrevista.




FOLHA - A Casa Branca parecia satisfeita com a situação que havia antes da volta do presidente deposto Manual Zelaya a Honduras, de esperar para ver o que fazer depois das eleições lá. Qual a sua opinião?
SWEIG - Não sei. Se você pensar que a estratégia do Departamento de Estado e da Casa Branca sempre foi se mover vagarosamente, até que houvesse eleições que eles pudessem descrever como legítimas, pode-se dizer que estavam satisfeitos. Mas na semana retrasada veio o anúncio de que eles [do governo americano] finalmente imporiam sanções adicionais [ao governo golpista]. Portanto, ainda havia dúvidas sobre se as eleições poderiam ser reconhecidas. E agora a ONU anunciou que vai retirar sua assistência eleitoral. Acho, francamente, que ninguém sabe o que fazer.

FOLHA - Por que os EUA se moveram tão devagar?
SWEIG - O fator importante é que este governo, pelo menos no que diz respeito à América Latina, tem tentado excessivamente acomodar a oposição no Congresso, fantasmas da Guerra Fria que saíram do armário com esse evento [o golpe hondurenho]. Depois que Obama e [a secretária de Estado] Hillary Clinton disseram as coisas certas sobre restaurar o governo legítimo, foram alvo de uma chuva de críticas por supostamente facilitar a aliança chavista na região. E se mostraram incrivelmente vulneráveis. Claro que o oposto é verdadeiro. Ao se moverem com mais força para restaurar Zelaya, eles teriam esvaziado a retórica de [o presidente da Venezuela, Hugo] Chávez. Essas forças no Congresso ainda seguram a confirmação do novo secretário de Estado assistente para a região [Arturo Valenzuela] e do novo embaixador no Brasil [Thomas Shannon, ex-responsável pelo hemisfério no Departamento de Estado].

FOLHA - Qual o impacto regional de o Brasil ter recebido Zelaya na embaixada?
SWEIG - É cedo para dizer. Mas acho que isso surpreendeu, porque o Brasil não tem tradicionalmente esse ativismo em sua política externa. É muito ativo nos bastidores, na resolução de conflitos na América do Sul etc. Mas Honduras é o último lugar na América Latina onde você esperaria que o Brasil assumisse um papel ativo. Acho que a frustração foi crescendo, o compromisso verbal dos EUA com a democracia não foi apoiado por fatos. E isso, claro, dá ao Brasil uma oportunidade para elevar sua posição na região.

FOLHA - Mas o governo brasileiro também é acusado de intromissão nos assuntos internos hondurenhos. Qual o limite entre intervenção indevida e a defesa da democracia?
SWEIG - Esse é um longo debate. A Carta Democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos) não é um documento intervencionista. Há uma grande diferença entre tomar medidas para corrigir violações de princípios articulados na Carta e intervir em assuntos internos de outro Estado. Mas o risco de ser uma potência nesta região ou globalmente é que você fica vulnerável à acusação de intervenção, seja por ação ou seja por omissão. Do meu ponto de vista, a disposição do Brasil em enfatizar a legitimidade do pleito de Zelaya pela volta à Presidência não deve ser confundida com intervenção no sentido clássico. Dito isso, pode ser que ir da retórica à prática, permitindo que Zelaya se estabeleça na embaixada, seja um passo ambicioso demais mesmo para o compromisso do governo Lula em restaurar a ordem democrática.

FOLHA - E o que isso significa na relação do Brasil com os EUA?
SWEIG - Não vi os EUA dizerem nada publicamente sobre a decisão do Brasil de permitir a entrada de Zelaya na embaixada. Você viu?

FOLHA - O chanceler Celso Amorim e a embaixadora americana na ONU tiveram uma discussão [na sexta-feira]. A embaixadora disse que o Brasil recorrera ao fórum errado para tratar de Honduras.
SWEIG - Lembre-se de que hoje não há nenhuma liderança respondendo pela América Latina no governo americano. Temos o Afeganistão, a questão nuclear no Irã. O último lugar em que este governo quer pôr sua energia é na região. O que eu diria é que há tensões entre EUA e Brasil, como essa conversa sobre Honduras sugere. Mas isso pode forçar uma atenção [ao Brasil] em nível superior, porque os dois governos, seja no G20, no tema da mudança climática, em Cuba, precisam um do outro. Ambos têm a ganhar com relações mais fortes e menos polarizadas.

FOLHA - O acordo para o uso pelos EUA de bases na Colômbia contribuiu para essa tensão?
SWEIG - Nos primeiros nove meses deste ano, o Brasil queria ser visto como a potência na América do Sul que poderia ajudar Washington a recuperar sua posição na região. Mas ocorreu que, primeiro, do ponto de vista brasileiro os EUA não se moveram com a rapidez esperada na questão de Cuba [o governo brasileiro tem insistido no fim do embargo]. Depois, vieram as bases. Acho que falhas da diplomacia americana levaram a uma batalha desnecessária. Se a consulta à região tivesse sido mais séria, a tensão poderia ter sido evitada.

FOLHA - Quem está no comando da diplomacia para a região nos EUA?
SWEIG - Ninguém sabe. Thomas Shannon submergiu, porque não quer pôr em risco sua confirmação para a embaixada em Brasília. Não acho que isso [a disputa sobre as bases] teria acontecido se ele e Valenzuela não tivessem sido tão enfraquecidos pelo caso de Honduras. E aí é que tudo se junta.

FOLHA - Há preocupação nos EUA com o acordo militar entre Brasil e França?
SWEIG - Diria que há alguma preocupação, não porque seja a França, que é aliada dos EUA, mas porque reflete a redução da influência dos EUA na região. Mas há algo importante sobre o Irã.

FOLHA - O que é?
SWEIG - Com o aumento do foco sobre o Irã, haverá uma expectativa em Washington de que uma potência como o Brasil deve se juntar a França, Reino Unido, EUA, Alemanha, China e Rússia [o grupo que iniciará negociações com Teerã na próxima quinta-feira] na advertência ao Irã de que haverá um preço a pagar por não cumprir as regras da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) ou enganá-la.
A percepção de que o presidente Lula se preocupa pouco com as pretensões nucleares do Irã ou com a anormalidade extrema das últimas eleições [iranianas] pode alimentar a sensação em Washington de que o problema brasileiro em Honduras poderia ter uma atenção mais positiva dos EUA se o Brasil expressasse posição mais dura sobre o Irã.
Proliferação nuclear e Irã são questões vitais para os EUA, e a impressão de que Lula tenta ficar acima disso pode diminuir a posição brasileira em temas mais perto de casa. O Brasil pode condenar as instalações secretas iranianas [denunciadas por EUA, França e Reino Unido na semana passada] sem sacrificar suas prioridades nas relações Sul-Sul.

domingo, 27 de setembro de 2009

A dimensão moral

Folha de São Paulo 27 de setembro de 2009

A dimensão moral
Axel Honneth, herdeiro da Escola de Frankfurt, defende a existência de uma "luta por reconhecimento" dos sujeitos e grupos em toda dinâmica social, mesmo nos conflitos que parecem ser puramente "materiais'


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Os conflitos por redistribuição representam formas implícitas de luta por reconhecimento
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Para o filósofo alemão Axel Honneth, um dos problemas para a superação da crise socioeconômica na Europa é a ausência de ideias novas na política: "Todos os caminhos parecem estar de algum modo obstruídos".
Diretor do Instituto de Pesquisa Social, onde se desenvolveu a chamada Escola de Frankfurt, ele se refere à ineficiência econômica da social-democracia e à resistência dos liberais em limitar o mercado.
Honneth, que faz palestra sobre o pensamento alemão contemporâneo amanhã (às 19h, no Instituto Goethe, em São Paulo, com entrada franca), ressalta que os intelectuais também precisam renovar o repertório.
O pensador, representante da teoria crítica e ex-assistente de Jürgen Habermas, afirma à Folha que a fundamentação herdada dos frankfurtianos -"fusão" de Hegel (1770-1831), Marx (1818-83) e Freud (1856-1939)- envelheceu.
O autor de "Luta por Reconhecimento" (ed. 34) defende, no entanto, que uma teoria crítica renovada deve ter um papel importante em repensar o capitalismo visando à emancipação dos indivíduos. Na entrevista abaixo, ele também comenta sua expectativa em relação ao presidente dos EUA, Barack Obama, e defende seu conceito de "reconhecimento" como fundamental para a compreensão dos conflitos sociais no mundo atual.




FOLHA - O sr. chega ao Brasil no momento em que acontecem eleições gerais na Alemanha. Apesar da profunda crise econômica, a atual primeira-ministra, Angela Merkel, é a favorita e os debates eleitorais estão em baixa temperatura. Como entender isso? Estaria ligado a um processo mais geral de perda de vitalidade das democracias?
AXEL HONNETH - Vocês têm razão quando afirmam que, apesar dos crescentes problemas sociais, o interesse público nas próximas eleições continua muito pequeno, mesmo com toda a tentativa de se chamar a atenção com a encenação midiática.
Uma explicação que me parece apenas superficial dessa atitude diz respeito à "grande coalizão", nesse período de governo que está chegando ao fim, entre democratas cristãos e social-democratas, a qual dificultava entrever alternativas programáticas entre ambos os partidos. Parece-me mais decisivo, no entanto, o fato de, em amplos círculos da esfera pública política, imperar uma certa perplexidade sobre os instrumentos apropriados para a superação da crise social.
Todos os caminhos parecem estar de algum modo obstruídos. O recurso às velhas receitas de sucesso da social-democracia se tornou impossível, pois o aumento dos programas sociais tem por consequência o crescimento do desemprego.
Desconfia-se das promessas dos partidos da "esquerda" porque pretendem realizar a justiça social desconsiderando o processo de unificação europeu. Em suma, não temos mais um conhecimento imediato do problema e concordamos apenas que temos de impor fortes limites ao mercado capitalista. Porém, com exceção dos liberais, todos os partidos concordam em relação a isso, a despeito das poucas polarizações e da falta de interesse.

FOLHA - Em tempos recentes, o termo "reconhecimento" adquiriu um papel importante na esfera pública e na vida cotidiana. Mas muitas vezes é empregado em sentidos bem pouco críticos, como quando pessoas se dizem reconhecidas simplesmente por terem mais dinheiro, mais poder ou mais prestígio do que outras. Como a ideia crítica de reconhecimento que o sr. propõe se distingue desse tipo de situação? Há casos de "falso" reconhecimento?
HONNETH - É claro que existem essas formas de "falso" reconhecimento. E elas inclusive aumentam nas sociedades capitalistas liberais do Ocidente porque seguem o programa neoliberal, que, ao apelar positivamente para sua flexibilidade e mobilidade, leva as pessoas a aceitarem relações desregulamentadas de trabalho.
Também a história nos mostrou casos de uso "ideológico" da retórica do reconhecimento. Pensem nas imagens culturalmente difundidas da "boa dona de casa" ou do "bravo guerreiro", todas gestos públicos de reconhecimento que preenchem essencialmente a função de motivar as pessoas a consentir com posições de subordinação.
Contudo, é difícil determinar o limite exato entre formas "falsas" ou "corretas" de reconhecimento. Eu diria resumidamente que todas as formas de reconhecimento que são adequadas e promovem a emancipação são aquelas que, com base em princípios já aceitos de reconhecimento, possibilitam ampliar social e substancialmente sua aplicação.
Para falar mais concretamente: lá onde até então as qualidades desrespeitadas de uma pessoa ou grupo depararam socialmente pela primeira vez com reações afirmativas, lá onde grupos até agora excluídos foram providos de direitos que uma maioria já dispunha, em todos esses casos se trata de uma expansão de relações de reconhecimento que promovem a emancipação.

FOLHA - O sr. sempre formulou sua teoria do reconhecimento tendo como referência a teoria crítica, de nomes como Horkheimer, Adorno, Marcuse e Habermas. Em um texto de 1982, o sr. escreveu: "Embora frequentemente declarada morta, a teoria crítica demonstra uma espantosa capacidade de sobrevivência". Em 2007, o sr. inicia seu inventário da teoria crítica com palavras que parecem ir na direção contrária: "Na mudança para o novo século, a teoria crítica parece ter se tornado uma figura de pensamento do passado". O que aconteceu nos últimos 25 anos para que sua avaliação tenha mudado tão drasticamente?
HONNETH - Tenho a impressão de que não existe em absoluto uma oposição entre essas duas passagens citadas por vocês. Na última citação eu pretendi mostrar, sobretudo, que as figuras de pensamento da primeira geração da teoria crítica, com a fusão de Hegel, Marx e Freud, hoje certamente envelheceram do ponto de vista teórico. Não podemos agir como se esse instrumental conceitual ainda pudesse ser utilizado atualmente sem qualquer modificação.
Por outro lado, porém, procurei mostrar na primeira citação que o interesse pela teoria crítica nunca foi abandonado, pois com tal postura crítica ainda vinculamos a esperança de uma análise dos males sociais a uma perspectiva emancipatória. Considerando juntamente as duas citações, podemos chegar à ideia de manter as fortes pretensões da velha teoria com meios teóricos modificados.

FOLHA - Recentemente, o sr. criticou a escassez de investigações críticas em torno de "um conceito emancipatório, humano de trabalho". E enfatizou que "uma parte crescente da população luta tão somente para ter acesso a alguma chance de uma ocupação capaz de assegurar a subsistência; outra parte executa atividades em condições precariamente protegidas e altamente desregulamentadas; uma terceira parte, por fim, experimenta no momento a rápida desprofissionalização e a terceirização de seus postos de trabalho, que anteriormente ainda tinham um status assegurado". O sr. vê contratendências a esses movimentos destrutivos? Ou um "trabalho dotado qualitativamente de sentido", como o sr. defende, é hoje apenas um ideal?
HONNETH - Essa é uma pergunta muito complexa, que pode ser respondida empiricamente ou a partir de uma teoria social. Se nos detemos nas investigações empíricas, então se nota que o desejo de uma melhora nas condições de trabalho nunca foi abandonado pelos próprios empregados. Esse interesse, embora seja negativamente perceptível na forma de recusas de trabalho e de manifestações de insatisfação, estende-se não apenas à garantia de um salário capaz de assegurar a subsistência, mas a uma melhora qualitativa da situação de trabalho, ou seja, à criação de atividades suficientemente complexas e que não causam danos psíquicos ou físicos.
Sob o ponto de vista da teoria social, creio poder mostrar que a aprovação de tais formas de trabalho "dotadas de sentido" está estruturada nos próprios princípios normativos do mercado capitalista: este promete aos empregados desde o início não apenas um salário adequado à manutenção da própria vida, mas também uma participação na reprodução social que seja abrangente e condizente com a divisão do trabalho.

FOLHA - A queda do muro de Berlim significou há 20 anos a bancarrota do socialismo de Estado. A atual crise econômica parece marcar o fim do neoliberalismo. Que balanço o sr. tiraria desse período? Na sua opinião, o presidente norte-americano Barack Obama representa o símbolo de um novo período?
HONNETH - Sim, eu estou otimista o suficiente para ver de fato em Obama algo como a forma histórica do impulso político por mudança -não apenas no que diz respeito à relação malograda e infeliz com o mundo islâmico, mas também com referência à necessidade de uma correção política da economia neoliberal.

FOLHA - Desde a publicação no Brasil de seu livro "Luta por Reconhecimento", em 2003, a recepção de seu trabalho tem passado em grande medida pela polêmica que o sr. travou com a teórica crítica norte-americana Nancy Fraser, que criticou sua posição dizendo que uma centralidade do conceito de reconhecimento acabaria por relegar a segundo plano as lutas por redistribuições materiais da riqueza. Que balanço o sr. faz dessa polêmica hoje?
HONNETH - Eu receio que as objeções de Nancy Fraser nunca modificaram realmente o meu modo de pensar. Além disso, estou convencido de que os conflitos por redistribuição representem formas implícitas de luta por reconhecimento porque, na demanda por uma maior participação no total da riqueza social, visam ao reconhecimento de um benefício que até então não foi adequadamente honrado nem tornado digno -quem insiste em aprofundar o vão entre os dois tipos de conflito social perde de vista a dimensão moral de todas as lutas por distribuição.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Jornal Venezuelano prega magnicídio!

Pra entender melhor a mídia venezuelana e latino-americana! Vejam a que ponto chegamos... Essa foi uma matéria recente em um importante jornal, O "Tal Cal".


Magnicidios
El poder es una enfermedad, es una nube pasajera. Cría cuervos y te sacarán los ojos, es un dicho antiguo.Nadie escapa a esta posibilidad, incluso un presidente, a pesar de sus cinturones de seguridad
Por: Juan Herrera Heras

Según el diccionario enciclopédico Larousse la palabra magnicidio significa: asesinato de un jefe de Estado o de una persona relevante del gobierno. Es decir, para que ocurra un magnicidio basta que exista un jefe de Estado o un personaje importante del gobierno. El gobierno pareciera que quiere monopolizar el uso de esta palabra, criminalizando a cualquier otra persona que la use.


En 1900, al inicio de un nuevo siglo, es asesinado Humberto I de Saboya, rey de Italia. Con este magnicidio se inicia un siglo violento. Los asesinatos de Gandhi en 1948 y de Martin Luther King en 1968, más el atentado sufrido por el Papa Juan Pablo II en mayo de 1981, enseñan que, incluso, predicando la Paz no se está a salvo de la violencia. Existen los que llaman “enemigos gratuitos”. Y sobre todo, las personas que destacan son las más propensas a ganarse este tipo de enemigo.

Si un líder predicando el amor corre el riesgo de ser atacado por un fanático, como sobran los ejemplos en la historia, mayor es el riesgo si el líder se dedica a promocionar la violencia. Por esto, es recomendable que un líder maneje y predique, siempre, el lenguaje de la Paz, Amor, Respeto, etc. Son millones de personas que están pendientes de las palabras que expresa un líder. Las palabras y acciones de un líder pueden provocar múltiples reacciones en la gente. Estas reacciones van desde el amor hasta el odio, ambos mezclados con fanatismo.

César (101-44 a.C.), dictador romano, fue objeto de una conspiración en la que tomó parte Bruto, su protegido. Sucesos como este indican que un presidente nunca está bien protegido, el puñal puede venir de la mano que te abraza. Bruto era hijastro de César, y querido como un hijo.

El poder es una enfermedad, es una nube pasajera. Cría cuervos y te sacarán los ojos, es un dicho antiguo. Nadie escapa a esta posibilidad, incluso un presidente, a pesar de sus cinturones de seguridad. En el caso nuestro, vivimos en un país donde por los resultados de los partes de guerra de los fines de semana, la probabilidad de morir asesinado es alta para cualquier ciudadano.

Nadie está a buen resguardo. En Venezuela se ha invadido tierras para arruinarlas, se ha tomado empresas para quebrarlas, se ha criminalizado a gente inocente y no se enjuicia a violentos. Es decir, se promociona la violencia.

Con este panorama, si usted hace una encuesta sobre magnicidio, todo el mundo le va a responder que es un absurdo. Pero, si logra penetrar el cerebro de las personas, puede obtener sorpresas. La violencia genera violencia.

El que a hierro mata, si no le llega la muerte natural, no puede morir a sombrerazos. Resulta pavoso estar hablando de la muerte de los demás. Sin embargo, en un país donde hay tanta violencia, sumada a tanta impunidad, la probabilidad de conseguir una muerte prematura es alta, para cualquier ciudadano.

Fonte: http://www.talcualdigital.com/Avances/Viewer.aspx?id=26050&secid=44

Os anos 2000 e os golpes na América Latina: semelhanças e diferenças

Breve resumo para discussão.


Venezuela (2002) – Hugo Chávez, presidente eleito em 1998, é deposto por um golpe militar em abril de 2002, após conflitos entre manifestantes a favor e contra o governo. O golpe dura menos de 48 horas e Chávez volta ao poder. Segundo ele, um avião com matrícula norte-americana estava preparado para levá-lo da Venezuela contra a sua vontade.


Haiti (2004) – O presidente Jean-Bertrand Aristide, eleito em segundo mandato não consecutivo em 2001, foi derrubado por um golpe militar em fevereiro de 2004. O presidente foi seqüestrado no meio da noite e enviado contra a vontade para República Centro-Africana. Aristide afirma que mariners norte-americanos estiveram envolvidos em sua captura e exílio.

Honduras (2009) – Manuel Zelaya é sequestrado por militares, e enviado de avião para a Costa Rica. O presidente pretendia convocar uma assembléia nacional constituinte, sinalizando para a adoção do chamado Novo Constitucionalismo Latino-Americano, que busca uma maior participação popular direta nos debates e formulações constitucionais. A Argentina, o Brasil, os Estados Unidos e a Venezuela não reconhecem o novo governo golpista.

"Uma Assembleia Constituinte não se permite em um país democrático"

Entrevista com o presidente golpista de Honduras, Roberto Micheletti, na qual ele declara que assembléias nacionais constituintes não podem ser permitidas em um país democrático.

Cabe lembrar que a realização das referidas assembléias são condição "sine qua non" para o Novo Constitucionalismo Latino-Americano, tal como praticado na Venezuela, Bolívia e Equador.



Micheletti descarta encontro com Zelaya para diálogo sobre crise

da BBC Brasil


O presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, descartou a possibilidade de se encontrar com o líder deposto, Manuel Zelaya, que está abrigado na embaixada do Brasil em Tegucigalpa.

Em uma entrevista à BBC Mundo, Micheletti disse que os dois líderes possuem representantes que podem iniciar o diálogo numa tentativa de encerrar de forma pacífica a crise política no país.


Confira trechos da entrevista.


BBC - Como foi que Manuel Zelaya entrou em Honduras sem o conhecimento do governo? O senhor tinha ideia de que ele tentaria entrar?

Micheletti - Não. Sabíamos, suspeitávamos de que os movimentos de muitos políticos aqui de Honduras até a Nicarágua, onde estava Zelaya, poderiam provocar uma tentativa de regresso por parte dele. Mas oficialmente não sabemos nem sequer por onde ele entrou.

Neste país há tantas fronteiras que não temos a capacidade para administrá-las. Não sabemos se ele chegou por helicóptero ou por terra. Há ma forte indicação que ele entrou em um veículo político conhecido do país, mas não temos nenhuma confirmação oficial.


BBC - O senhor acredita que, de certa forma, os serviços de inteligência do país falharam?

Micheletti- Eu creio que sim. Não precisamente isso porque estamos dedicados a muitos trabalhos internos sobre o que está passando e o que pode ocorrer e de repente por isso não dedicamos tanta atenção ao regresso de Zelaya.

E também há uma contribuição de outros setores que afirmavam que ele não voltaria porque estariam tentando fechar o acordo de San José e isso e aquilo, e isso nos deu um pouco de confiança e aconteceu o que acabou acontecendo.


BBC - Agora que Zelaya está em Honduras, que saída o senhor vê para essa situação? O senhor está disposto a conversar com ele diretamente?

Micheletti- Não. Acredito que nós temos comissões responsáveis para realizar o diálogo. Não há nenhum problema, os acordos podem ser assinados posteriormente.

Mas primeiro quero escutar da parte dele que ele aceita as eleições, que vamos às urnas. E que ele aceita a paz e a tranquilidade. Que ele pode fazer um chamado aos seus apoiadores para que não saiam às ruas. Infelizmente, acredito que ele mesmo já perdeu o controle das pessoas da esquerda que estão envolvidas nesse movimento no país.

Mas primeiro vamos ver as ações. Nós já estamos acostumados, já conhecemos perfeitamente as atitudes do senhor Zelaya. Ele tem sido um homem que não cumpre nenhuma promessa que faz. Ele prometeu mil coisas e não as fez. Por exemplo, ele prometeu que não faria uma Assembleia Constituinte e tentou fazer uma.


BBC - Então, pelo que o senhor me disse, o senhor está disposto a conversar com Zelaya para que ele diga exatamente quais são suas intenções?

Micheletti- Não, ele já as declarou publicamente. As intenções dele são vir novamente para cá montar uma Assembleia Constituinte, acabar com o Supremo Tribunal de Justiça, acabar com o Congresso Nacional e estabelecer uma ditadura no país. Ele já falou isso publicamente.


BBC - O senhor então está disposto a receber, por exemplo, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou algum outro presidente latino-americano para que se inicie uma negociação com Zelaya?

Micheletti- Não consigo imaginar o que negociaríamos. A negociação que temos em Honduras é realizar as eleições em 29 de novembro, escolher um novo presidente e a partir daí entregar a ele o poder em 27 de janeiro como manda a Constituição e a lei eleitoral.

Esse é o nosso plano, nosso trabalho e temos caminhado sobre esse tema. São eles que colocam obstáculos e vem se dedicando a romper toda a propaganda política dos diferente candidatos de diversos países. Eles estão tratando de intimidar a população para que não vá às eleições. Sem dúvida, o povo está decidido que vai às urnas em 29 de novembro.


BBC - Mas se através de um mediador, Zelaya diga que sigam as eleições, mas que ele tem condições e o seu governo tem as suas. O senhor acredita que se pode iniciar um diálogo e resolver essa crise neste momento?

Micheletti- Eu acredito que sim, nós não temos nenhuma objeção em escutar. Definitivamente não temos objeção em escutar as propostas que possam ser feitas.


BBC - Através de um mediador ou seria diretamente com Zelaya?

Micheletti- Eu acredito que já se iniciaram, já parece que ele nomeou alguns representantes aqui para que possam dialogar com outros grupos.

Mas realmente a população está muito temerosa, a população tem muito medo das atitudes deste senhor. E logicamente, não tanto ele, mas o apoio que tem de Hugo Chávez, que trouxe conseqüências funestas a este país. Ele veio, se deu ao luxo de convidá-lo, trazê-lo aqui. E em uma praça pública ele insultou a todos os hondurenhos.

Depois ele trouxe aqui o presidente do Equador, Rafael Correa, para fazer o mesmo e insistir que nós, hondurenhos, devíamos fazer um referendo que foi praticamente o mesmo feito pelos equatorianos para que possam permanecer em suas posições políticas eternamente.


BBC - O que acontece com as reclamações do Brasil? Eles dizem que a embaixada está sitiada, que cortaram serviços de água e outras facilidades. É correto?

Micheletti- Não. A luz foi cortada pelo vandalismo que os apoiadores dele (de Zelaya) causaram. Muitos deles estavam bêbados, dispararam tiros para o alto - isso entre às 9h da noite e às 3h da manhã. Falando, fazendo festa. Depois eles desconectaram a luz, não sei por que ou como, mas desconectaram a luz da casa da embaixada e todo o bairro ficou sem energia elétrica.

Mas isso já foi praticamente restabelecido. Hoje, às 5h da manhã, expulsaram essa gente de lá porque os vizinhos da comunidade da região onde está a embaixada registraram queixas de que havia vandalismo e de que houve tentativa de roubo, então a polícia interveio para dispersar, manter a ordem, e garantir os bens e as pessoas na embaixada do Brasil.

Atuamos com a maior responsabilidade. Quisera os funcionários tenham uma oportunidade de expressar se houve um policial que tentou cruzar o muro ou as portas da embaixada. Não houve nada disso.

Ao contrário, hoje recebi uma informação às 8h da manhã de que o ministro da Segurança estava pedindo permissão porque o embaixador dos Estados Unidos havia dito que algumas pessoas que estão dentro da embaixada do Brasil, que são empregados da embaixada, hondurenhos e brasileiros queriam de lá sair porque estavam inconformados com o que estava acontecendo. Então eu disse ao ministro: "dê a autorização para que essas pessoas possam sair e ir para suas casas".

Isso indica que há abertura de nossa parte, que não temos rivalidade com nenhum país e que os funcionários e as pessoas que estavam dentro da embaixada digam se alguém do governo tentou causar danos.


Sem dúvida temos vizinhos ali na região que estão confessando que há gente tentando entrar nas propriedades sem sequer pedir permissão e que cometeram delitos e abusos contra moradores da região.


BBC - Há relatos na imprensa de que há feridos, que possivelmente uma pessoa teria morrido como consequencia das manifestações em frente à embaixada e que estariam levando os detidos a um campo de futebol. Essas declarações estão corretas?

Micheletti- Quero garantir a você que não há mortos. Você não acredita que se alguém tivesse sido morto, estas pessoas já não teriam feito um escândalo.

O Zelaya está mentindo, segue mentindo. Não é certo. Há feridos no confronto entre policiais e apoiadores dele. Lembre-se e volto a repetir que muitos deles estavam bêbados, fizeram uma festa durante a noite toda e então veio a reação da polícia e imagino que alguns deles reagiram contra as ações policiais. Mas não é correto dizer que há mortos.

Eu gostaria que quando esse tipo de notícia aparecer, mandem alguém para verificar se realmente aconteceu algum fato dessa natureza.


BBC - A propósito, temos vários jornalistas que querem entrar em Honduras, mas não podem porque os aeroportos foram fechados. Gostaria de perguntar se o senhor pensa em manter o toque de recolher e quando pensa em abrir o acesso aos aeroportos para que pessoas de fora possam entrar no país?

Micheletti- Há pouco estava reunido com o pessoal da Aeronáutica e fazendo planos, vendo a possibilidade de que possam entrar e falar com todos os setores e falar com os vizinhos da embaixada do Brasil e ver o que aconteceu durante a noite que essa gente se reuniu ali.


BBC - O senhor está disposto a utilizar a força para resolver essa situação?

Micheletti- Nós nunca utilizamos a força. Eu tenho 29 anos como deputado e congressista nesse país e tenho tentado lutar pela manutenção da democracia. Em 1980 voltamos à ordem constitucional através de uma Assembleia Constituinte. Eu fui um dos membros dessa Assembleia. Eu sei o que é lutar pela democracia e não acredito em utilizar a força por nenhuma justificativa. O Exército tem suas instruções, a polícia tem as instruções de cumprir com a ordem constitucional.


BBC - Por último, o senhor tem alguma mensagem para a comunidade internacional?

Micheletti- Eu quero dizer a todos os países que façam uma reflexão, que acusaram esse país sem antes conhecer a Constituição da República e as leis. Nos acusaram de forma injusta e o que fizemos foi defender nossa Constituição de quem tentou romper a ordem constitucional através de pesquisas para fazer uma Assembleia Constituinte. E esse senhor continua a dizer isso publicamente, que vai fazer uma Assembleia Constituinte e isso não se permite em um país democrático como esse.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

MP, Judiciário e governo gaúcho: empenho pelo fim do MST

O assassinato do sem terra Elton Brum da Silva foi o ápice do processo de criminalização dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul, um dos mais graves do país. As ações repressivas levadas a cabo pelo governo Yeda Crusius (PSDB) não são um fato isolado, mas fazem parte de uma escalada repressiva com conexões no Ministério Público do RS e no Judiciário. Em outubro de 2008, Conselho Superior do MP decidiu "dissolver" o MST, classificando o movimento como uma "organização criminosa". O artigo é de Renato Godoy de Toledo, do Brasil de Fato.

As ações repressivas do governo gaúcho contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fazem parte de uma escalada repressiva em que setores do aparelho estatal conjugam-se em torno de um objetivo comum: acabar com o movimento política e, até, fisicamente.

Essa afirmação pode ser comprovada ao analisar o comportamento do judiciário gaúcho e do Ministério Público (MP). Este orgão, em termos nacionais, é conhecido por uma postura independente e zelosa pelos direitos humanos. No entanto, a atuação da seção gaúcha do MP tem manchado a imagem desta instituição.

Em outubro do ano passado, os nove componentes do Conselho Superior do MP, instância máxima da instituição, votaram por unanimidade pela dissolução do movimento, por ter comprovado que este era uma “organização criminosa” com viés socialista. Entre as “provas” reunidas, estavam livros encontrados em assentamentos, como os de Florestan Fernandes e Paulo Freire, usados nas escolas dos acampamentos.

O parecer do MP pediu ao governo que proibisse as marchas do MST e que retirasse sem-terras de áreas cedidas para fins de reforma agrária. A medida, à época, foi criticada por juristas e promotores, por ferir dois artigos da Constituição. No artigo 5 da Carta Magna, há dois incisos violados pela decisão: o 16, que assegura o direito de reuniões, sem armas, em locais abertos ao público e o 18, que rechaça a interferência estatal em associações e cooperativas.

Contra a lei, se preciso
Parte das motivações do MP contra o MST estaria ligada à própria origem dos promotores, segundo Frei Sérgio Görgen, ex-deputado estadual (PT-RS) e membro do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA). “A justiça aqui do Rio Grande do Sul tem uma composição igual à brasileira. Cerca de 70% têm um comportamento conservador. E, se for preciso, julgam contra a própria lei para defender o interesse dos poderosos. Boa parte deles tem origem no latifúndio, e faz uma defesa dele. Isso se reflete no preconceito contra pobre e sem-terra”, analisa.

Para Frei Sérgio, um exemplo de como a Justiça julga contra a lei é o fato de o MP ter pedido a saída de sem-terra de áreas cedidas. “Foram contra o seu próprio direito sagrado, o da propriedade privada”, explica.

Há, no entanto, um setor com uma visão mais democrática no MP e na Justiça em geral, salienta Frei Sérgio. O próprio Ministério Público Federal já demonstrou discordância em relação às ações tomadas no Rio Grande do Sul.

“Tem um setor do judiciário muito importante que é o Movimento Juízes pela Democracia, que desempenham um excelente papel, mas eles são minoria. Mas há esse outro setor muito beligerante em favor do latifúndio, que age em conjunto com a polícia e diz que as ações são profissionais, quando está comprovada que [o sem-terra Elton Brum] foi assassinado pelas costas. O MP tinha fama de democrático, mas deixou de ter essa imagem ao pedir a extinção do movimento”, pontua.

Inquérito secreto
As recentes ações do governo gaúcho contra o MST são resultado de um processo desencadeado em abril de 2007, que, por fim, deu origem ao parecer do MP gaúcho pela extinção do MST. O advogado do MST-RS e ex-procurador da justiça estadual, Jacques Távora Alfonsin, afirma que um inquérito secreto do MP em parceria com a Brigada Militar deu início à intenção de acabar com o movimento. “Esse inquérito secreto, que é um dispositivo da época da ditadura, redundou em diversas ações em várias comarcas do estado, todas com acolhimento muito rápido da Justiça. Desde então, liquidaram quatro acampamentos do MST, destruindo escolas e farmácias. Tanto que a Anistia Internacional já denunciou a situação do Rio Grande do Sul”, revela Alfonsin.

Criticados por especialistas, os promotores gaúchos negam que defendam o inconstitucional fim do MST, apesar de na prática e no parecer do Conselho Superior do MP-RS terem demonstrado essa intenção. “Eles querem extinguir o movimento. Eles notaram a besteira que fizeram [ao dar um parecer pela extinção do MST] e tentam dourar a pílula, dizendo que não pediram o fim do MST. Mas está lá, não tem como negar. O que eles não conseguiram realizar no atacado [o fim do MST], eles tentam concretizar no varejo, matando sem-terras, como fizeram agora no caso do Elton”, explica. Para Jacques Távora Alfonsin, há indícios de promiscuidade entre latifundiários, governo, MP e judiciário.

Providências
Nesse contexto, é no mínimo estranho que as torturas e mortes de membros do MST sejam investigados por instâncias estaduais, já que estas têm posicionamento claro contra a existência do movimento.

Nesse sentido, o Comitê Estadual Contra a Tortura do Estado de São Paulo solicitou que sejam tomadas providências junto à Procuradoria Geral da República para que o inquérito civil que investiga a tortura de trabalhadores sem-terra em Coqueiro do Sul seja transferido para o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul. (Colaborou Eduardo Sales de Lima)

Fonte: Agência Carta Maior

Honduras ordena fechamento de aeroportos e amplia toque de recolher

Notícia do site de notícias MSN e da BBC Brasil.

Honduras ordena fechamento de aeroportos e amplia toque de recolher

O governo interino de Honduras, liderado por Roberto Micheletti, ordenou o fechamento de todos os aeroportos do país e ampliou o toque de recolher até às 18 hrs desta terça-feira (1h horário de Brasília).

As medidas foram tomadas após o retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya, ao país, quase três meses após sua deposição, em 28 de junho. Zelaya se refugiou na embaixada do Brasil na capital hondurenha, Tegucigalpa.

O toque de recolher havia sido ordenado a partir das 16 hrs (horário local) até as 7 horas da terça-feira. Logo depois, ainda na noite da segunda-feira, com um chamado em cadeia nacional, o governo ampliou a duração do toque para quase toda esta terça-feira. Na madrugada desta terça-feira, entretanto, milhares de pessoas desafiaram o toque de recolher para manifestar apoio a Zelaya em frente à embaixada brasileira.

O governo interino também ordenou o fechamento dos aeroportos de todo o país "até segunda ordem", informou a Aviação Civil hondurenha.

Organizações de direitos humanos consideram a medida como uma tentativa de coibir a manifestação pró-Zelaya convocada para esta terça-feira, com a adesão de professores e funcionários públicos que convocaram uma paralisação.

'Restituição ou morte'

Da Embaixada brasileira em Tegucigalpa, Zelaya disse que ninguém voltará a expulsá-lo de seu país e que seu lema a partir de agora será "pátria, restituição ou morte".

"A partir de agora, ninguém voltará a nos tirar daqui. Por isso, nossa posição é pátria, restituição ou morte", afirmou Zelaya diante dos milhares de simpatizantes que cercaram a embaixada brasileira para comemorar a volta do presidente.

Zelaya disse ainda estar disposto a estabelecer um diálogo com todos os setores do país com o fim de solucionar a crise política instaurada em 28 de junho, quando o líder foi preso, ainda em pijamas, por um grupo de militares e levado ao exílio na Costa Rica.

Em entrevista à BBC Mundo, Zelaya disse que estaria disposto a encontrar Micheleti, se isso ajudasse a pôr fim à crise.

Na segunda-feira, Micheleti exigiu que o governo brasileiro entregue Zelaya às autoridades judiciais hondurenhas.

"Faço um chamado ao governo do Brasil para que respeite a ordem judicial ditada contra Manuel Zelaya entregando-o às autoridades competentes de Honduras", disse Micheletti em discurso transmitido em cadeia nacional de televisão.

Micheletti disse que o Estado hondurenho "está comprometido" a respeitar o direito ao devido processo legal a Manuel Zelaya. Ele advertiu o Brasil sobre sua participação na crise.

"Os olhos do mundo estão colocados sobre o Brasil e também sobre Honduras", acrescentou.

Por meio de uma nota, a chancelaria interina disse que responsabilizará o Brasil por possíveis atos de violência gerados em decorrência do refúgio dado ao presidente deposto.

"A tolerância e a provocação que se realiza desde o local dessa representação do Brasil são contrárias às normas do direito diplomático e transformam a mesma e seu governo nos responsáveis diretos dos atos violentos que possam suscitar dentro e fora dela (embaixada)", disse a chancelaria do governo interino.

'Massacre'

Em um comunicado emitido na segunda-feira, o Conselho Permanente da OEA exigiu que o governo interino de Honduras ofereça "plenas garantias para assegurar a vida e a integridade física" do líder deposto Manuel Zelaya.

A entidade exigiu ainda a adoção imediata dos termos do Acordo de San José, proposto pelo presidente da Costa Rica, Oscar Árias, que determina o retorno de Zelaya ao poder, a fim de que ele exerça o cargo até o fim de seu mandato, previsto para janeiro de 2010.

Segundo Zelaya, o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, chegará a Honduras nesta terça-feira para ajudar a solucionar a crise.

Quase ao mesmo tempo, em Caracas, o presidente venezuelano Hugo Chávez afirmou que a presença da comunidade internacional em Honduras é importante "para evitar um massacre" no país.

"Temos que apoiar a presença de organismos internacionais para evitar um massacre e para que se garanta de maneira pacífica seu retorno (de Zelaya) ao poder", disse Chávez em transmissão ao vivo pela televisão estatal.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Acordo climático de Copenhague

Folha de São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009




ENTREVISTA DA 2ª - DAVID VICTOR

Acordo de Copenhague não fará diferença em emissão
Para professor da Universidade da Califórnia em San Diego, próximo tratado do clima corre o risco de cometer os mesmos erros do Protocolo de Kyoto

NUM MOMENTO em que o mundo pede pressa na negociação de um novo acordo do clima, a posição do cientista político americano David Victor parece bizarra: ele quer que os governos parem um pouco para conversar. Uns dois anos. Não é que Victor seja contra um acordo forte contra os gases-estufa. Ao contrário: o que ele quer, diz, é evitar que os diplomatas reunidos em Copenhague em dezembro produzam um acordo cheio de promessas impossíveis de cumprir.

DA REDAÇÃO

Victor diz temer um tratado que, no final das contas, não leve a uma redução significativa de emissões e ainda provoque desistências de alguns países no caminho. Um acordo assim já existe: o Protocolo de Kyoto, que tem metas pífias de redução para países desenvolvidos e que foi abandonado pelo maior poluidor do planeta, os EUA. "Estamos cometendo quase os mesmos erros que cometemos com Kyoto", afirma Victor, professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos mais célebres críticos do acordo no mundo acadêmico. Segundo o pesquisador, autor do livro "The Collapse of the Kyoto Protocol" ("O Colapso do Protocolo de Kyoto"), de 2001, a falta de negociações sérias no ano passado, a extrema complexidade do tema e o número alto de países na mesa (190) têm tudo para produzir em Copenhague um repeteco de Kyoto. "Não há chance nenhuma de que Copenhague sozinha vá produzir um acordo que fará diferença nas emissões", afirmou. "É inevitável que o mundo terá um aquecimento muito grande, mesmo que os governos resolvam levar o problema a sério." Na semana passada, em artigo na revista científica "Nature", Victor propôs que Copenhague produza um acordo provisório e que os principais países poluidores, entre os quais o Brasil, comecem a sério a discutir políticas de redução. Em entrevista à Folha, ele explica sua ideia. (CLAUDIO ANGELO)






FOLHA - Há um grau de interesse público enorme na conferência de Copenhague. Por quê?
DAVID G. VICTOR - Eu acho que virou um grande assunto porque é o próximo grande marco na discussão de clima. O último grande marco foi Kyoto, e Copenhague é a extensão lógica de Kyoto, porque é a data-limite para o tratado substituto. Então é por isso que muitas pessoas começaram a acompanhar o assunto. E muitas empresas também, porque isto se tornou uma grande questão para a maneira como elas operam.

FOLHA - Será que, por causa desse interesse das empresas, o combate à mudança climática não aconteceria mesmo sem um acordo?
VICTOR - O que acontece agora é que o que a maioria dos países está fazendo é o que eles fariam mesmo na ausência de um tratado. Os europeus estão muito preocupados com a mudança climática e estão correndo para fazer o que têm feito, os EUA estão fazendo um um pouquinho, o Brasil está um pouco envolvido. O desafio para os diplomatas é produzir um acordo que faça os países fazerem mais do que fariam sozinhos.

FOLHA - Quais são as chances de que Copenhague vá produzir um acordo significativo para o clima?
VICTOR - Não há chance nenhuma de que Copenhague sozinha vá produzir um acordo que fará diferença nas emissões, porque os processos industriais e de agricultura que causam emissões mudam muito lentamente. O máximo que podemos esperar de Copenhague é mais um passo num longo processo de botar pressão nas atividades que causam emissões.

FOLHA - O sr. publicou em 2001 um livro chamado "O Colapso do Protocolo de Kyoto", no qual explicava por que o acordo havia falhado. Nesta semana, escreveu um artigo para a revista "Nature" dizendo que o acordo de Copenhague também ruma para o fracasso. Quais são os problemas de um e de outro?
VICTOR - O principal é que as pessoas não tratam esse assunto como o problema econômico sério que ele é. Elas ainda o tratam como um problema ambiental. Quando você pensa isso como um problema ambiental, você tem um conjunto de ferramentas no kit dos diplomatas: você fixa metas progressivas, dá só um par de anos para a negociação, as pessoas que negociam são ministros de Ambiente. Essas ferramentas funcionam muito bem para problemas ambientais, mas o aquecimento global é um tipo de problema totalmente diferente. Estamos hoje, em pleno processo rumo a Copenhague, cometendo quase os mesmos erros que fizemos com Kyoto.

FOLHA - Que foram...
VICTOR - Que foram: quase nenhuma negociação séria sobre compromissos aconteceu no ano que antecedeu a assinatura de Kyoto. O mesmo está acontecendo agora. O número de assuntos na mesa é imenso. O número de países é maciço. Parece que não aprendemos nada com a experiência de Kyoto, porque estamos repetindo-a. É por isso que eu fui tão pessimista no artigo da "Nature". Parte disso é porque o problema da mudança climática é muito, muito difícil de resolver. Parte disso é porque os instrumentos desenhados -os tratados, as organizações- não estão à altura da tarefa. E o que me preocupa é que nós vamos perder mais dez anos patinando, fingindo que estamos atacando o problema com organizações que não têm capacidade para isso. E o que eu acho que isso significa é que é inevitável que o mundo terá um aquecimento muito grande, mesmo que os governos resolvam levar o problema a sério. Eu não falo muito disso no artigo da "Nature", mas a consequência disso é que os governos terão de gastar muito mais tempo pensando em adaptação, em geoengenharia e em coisas que são preocupações quando você vê um futuro que terá um bocado de aquecimento global.

FOLHA - O Banco Mundial soltou um relatório nesta semana reconhecendo que será quase impossível não ultrapassarmos as 450 partes por milhão de CO2 na atmosfera, o nível considerado seguro. Qual o sr. acha que será a concentração final antes de estabilizarmos o clima?
VICTOR - A meta de 450 partes por milhão só existe enquanto ninguém realmente tentar cumpri-la. Quando tentarem, verão que vamos passar longe dela. A meta de 2C que a União Europeia pôs na sua lei e que o G8 pôs no seu comunicado vai ser estourada.

FOLHA - O acordo não está certo e os instrumentos não estão à altura da tarefa, na sua opinião. Qual seriam o acordo certo e os instrumentos certos então?
VICTOR - O que eu acho que precisa ser feito é separar as questões sobre as quais os governos já concordam com as questões sobre as quais é impossível haver acordo nos próximos dois anos. Na primeira categoria, o que você faz é um acordo provisório, que garanta os compromissos que os governos já se dispuseram a adotar. E aqui houve um enorme progresso: o Japão fez uma promessa neste ano, a União Europeia fez no ano passado, neste semestre, espero, os EUA farão uma promessa, a Índia e a China estão se preparando. Algo que possa cimentar essas propostas, para que os governos não fiquem chateados com a falta de progresso. A segunda coisa que você precisa fazer é iniciar um processo pelo qual os compromissos que os governos adotam um em relação ao outro possam ser mais orientados pelas coisas que eles podem de fato cumprir. Um dos problemas de Kyoto é que as pessoas chegaram lá fazendo promessas de corte de emissões que não podiam honrar. Precisamos de um processo que se concentre num punhado de governos: Brasil, Indonésia, EUA, UE, Japão, China. Esses governos podem se juntar e fazer promessas uns aos outros, e essas promessas não seriam só o que eles podem fazer já, mas também o que eles se dispõem a fazer caso outros governos façam mais.

FOLHA - Mas como esses compromissos condicionados seriam diferentes de metas voluntárias que não resolvem o problema?
VICTOR - O melhor exemplo é o que a UE está fazendo agora. Eles têm uma meta, que é voluntária, e dizem: se vocês, nos outros países, fizerem coisas parecidas, nós aumentaremos para tanto. E não é esse o diálogo que estamos tendo. O único estilo de negociações que temos no momento é todo mundo falando o que vai fazer voluntariamente, e outros estão até mesmo dizendo que, se os outros não fizerem, eles não vão fazer nada.

FOLHA - O sr. também critica a pressa nas negociações. Mas nós não temos muito tempo, certo? Não podemos gastar mais dois anos falando sobre o assunto.
VICTOR - Eu acho que esta é a realidade (risos). Temos dois caminhos a seguir: um, estamos numa crise e precisamos andar mais rápido e ter tudo finalizado em Copenhague. E o resultado desse caminho será outro Kyoto, onde os grandes países aderem ao acordo e outros não, onde as metas são aguadas e as pessoas ficam pensando que se fez algo a respeito, quando na verdade não há nenhuma estratégia séria. O segundo caminho, o que eu defendo, é que você precisa de mais tempo para que a negociação possa refletir o que os governos podem de fato fazer. E isso, infelizmente, é um processo lento. De uma maneira ou de outra, estaremos comprometidos com uma quantidade grande de aquecimento global.

FOLHA - Muita gente acha que o custo da mitigação vai se tornar proibitivo se demorarmos mais para fazer a emissões começarem a declinar. Além disso, há o temor de um colapso no mercado de carbono, que ficaria sem regra nenhuma depois de 2012, quando Kyoto expira.
VICTOR - A questão mais importante agora é a dos mercados de carbono. Ele precisa de um sinal muito claro de Copenhague de que os governos não vão deixar essas regulações desaparecerem. É por isso que você precisa de um acordo provisório.

FOLHA - Que elementos deveriam constar desse acordo "redux" de Copenhague que o sr. propõe?
VICTOR - Os tópicos centrais são metas e prazos que todos poderão adotar e extensão do MDL [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo de Kyoto, que prevê venda de créditos de países pobres para países ricos]. Um problema central é que há um grande número de créditos que não são créditos.

FOLHA - Ele não teve eficácia nenhuma, é isso?
VICTOR - Eu não diria que não teve eficácia nenhuma, porque, se você procurar bem, vai encontrar um bom projeto. Mas, no geral, o MDL tem sido um desastre. Você olha para as curvas de emissões e para os projetos individuais, as pessoas estão recebendo investimentos novos para coisas que seriam feitas de qualquer maneira.

FOLHA - Os países em desenvolvimento devem adotar metas obrigatórias como as de Kyoto?
VICTOR - Eu sempre fui cético quanto a metas tipo Kyoto, porque os governos não controlam emissões: os governos controlam a política e a economia, e é a economia que produz emissões. Nos países em desenvolvimento, em especial, há uma relação muito fraca entre a política dos governos e as metas de emissão que eles podem adotar. Eles não sabem qual será seu nível de emissão no futuro. Então eles fariam como a Rússia, que é oferecer metas de redução muito mais altas que suas emissões. E nós não queremos que isso aconteça.

FOLHA - O sr. está para ser pai pela primeira vez. Como é ter um filho quando o sr. acredita que o cenário para o futuro dele será tão turvo?
VICTOR - Toda geração tem algum problema que a deixa muito deprimida. A última geração teve as armas nucleares. A anterior teve a depressão econômica, a outra teve a guerra na Europa. Eu acho que, no longo prazo, nós vamos resolver o aquecimento global, com tecnologias radicalmente novas. Mas vai levar muito tempo. Daqui até lá, teremos algum aquecimento aqui, e parte dessas mudanças climáticas pode ser muito catastrófica.

domingo, 20 de setembro de 2009

O centenário de nascimento de Bobbio

Prof Farlei Martins Ucam e doutorando de direito da Puc-rio nos envia a seguinte matéria




O Estado de S. Paulo, 20/09/2009
Celebrando Bobbio no seu centenário

Celso Lafer



O próximo mês de outubro assinala o centenário de nascimento de Norberto
Bobbio, o grande pensador italiano falecido em 2004, cuja obra há muito
tempo vem sendo discutida e apreciada em seu país e em tantos quadrantes
culturais do mundo. No Brasil, que visitou em 1983 e onde deu conferências e
participou de debates na Universidade de Brasília e na Faculdade de Direito
da USP, ele se tornou uma referência, não só para um diversificado espectro
do campo político brasileiro que vai da esquerda ao centro liberal, como
também para os estudiosos das áreas do conhecimento a que se dedicou ao
longo de uma vida voltada para o ensino e a pesquisa.

O rigor e a profundidade dos conhecimentos, o espírito público, a inteireza
do caráter, a altiva independência, o empenho no diálogo, o combate ao
arbítrio e aos fanatismos, a dedicação à preservação da liberdade e a
permanente preocupação com a igualdade são características do percurso de
Norberto Bobbio e do seu "socialismo liberal". Foram, no correr da sua vida,
explicitadas e articuladas como professor e intelectual que militou no
espaço público da palavra e da ação e são componentes substantivos do seu
magistério.

O que singulariza o magistério de Bobbio é a clareza. San Tiago Dantas
observou que "a tarefa da inteligência humana é tirar o valor das coisas da
obscuridade para a luz". A essa tarefa da inteligência humana Bobbio se
dedicou com resultados exemplares. Por isso, foi considerado o grande
clarificador dos problemas e desafios da teoria jurídica e da teoria
política, da paz e da guerra, da tutela dos direitos humanos, da relação
entre os intelectuais e o poder, das especificidades da cultura italiana e
europeia e de seus autores clássicos, para mencionar grandes e
significativos blocos da sua notável obra - da qual grande parte dos títulos
mais conhecidos está disponível em edições brasileiras. Bobbio esclarece os
seus leitores graças às virtudes do seu estilo de pensamento - e estilo,
como a cor para o pintor, é uma qualidade da visão, como dizia Proust.

O estilo de Bobbio é de índole analítica. Analisar significa dividir,
distinguir, decompor, que é o que ele faz no trato dos conceitos. Nas suas
análises opera com uma multiplicidade de dicotomias voltadas para apontar
diferenças e semelhanças e, dessa maneira, lidar com uma realidade complexa
e desordenada. Levando em conta a "lição dos clássicos" e os seus temas
recorrentes, reaglutina os conceitos, numa arte combinatória de grande
originalidade, na qual a linguagem ilumina o entendimento dos contextos e
das situações. É isso que faz dele um raro caso de pensador analítico com
agudo senso da História. Daí a qualidade e pertinência dos seus juízos.

O ponto de partida de Bobbio, como diz em Política e Cultura, é o da
"inquietação da pesquisa, o aguilhão da dúvida, a vontade do diálogo, o
espírito crítico, a medida no julgar, o escrúpulo filológico, o senso de
complexidade das coisas". O pano de fundo da sua obra, como a de Isaiah
Berlin, Raymond Aron, Hannah Arendt - o centenário destes também celebrei
nesta página -, é uma resposta às rupturas e descontinuidades do século 20,
cujas vicissitudes enfrentaram com a sensibilidade comum que,
independentemente das posições, caracteriza uma geração, como salienta
Ortega y Gasset.

Bobbio viveu os seus anos de formação no período fascista, regime político
que é parte integrante da dinâmica da "era dos extremos", que historicamente
moldou o século 20. O fascismo, como ele observou, "trazia a violência no
corpo. A violência era a sua ideologia". Caracterizou-se pela exaltação da
guerra e a estatolatria e o seu ímpeto motivador foi o combate à democracia.

A obra de Bobbio, em função da sua vivência e da sua oposição ao fascismo, a
isso se contrapôs. Por isso, como observa Pier Paolo Portinaro, tem como um
dos seus elementos constitutivos a contestação à fúria dos extremos, voltada
para a destruição da razão, que caracterizou o contexto político italiano e
europeu, com irradiação mundial antes, mas também depois da 2ª Guerra
Mundial. É, assim, um percurso intelectual muito voltado para a pesquisa e a
análise de alternativas medularmente distintas daquelas que o fascismo, como
regime de vocação totalitária, emblematizou, em especial a destruição da
democracia e a glorificação do belicismo e do papel salvador do "Duce".

É nessa moldura que se configuraram temas recorrentes e interligados da
reflexão de Bobbio. Entre eles, o da domesticação do poder pelo Estado de
Direito, a defesa da perspectiva dos governados pela abrangente tutela das
várias gerações de direitos humanos, a razão de ser da democracia e das suas
regras, que "conta cabeças e não corta cabeças". É nesse contexto, voltado
para eliminar ou limitar, da melhor maneira possível, a violência como meio
para resolver conflitos, que se insere a sua análise das relações
internacionais e o seu empenho em prol da paz, direcionado para conter o
caso mais clamoroso da violência coletiva, que é a guerra entre os Estados
que, na era nuclear, tem o potencial de destruição da própria humanidade.

A violência, que se caracteriza pela desproporção entre meios e objetivos e
pela falta de medida, destrói, exaure e não cria. Permeia este século 21,
que continua carregando no seu bojo a herança da "era dos extremos" que
moldou o século passado. A atualidade e a autoridade do legado de Bobbio
residem na lúcida busca que, com o realismo de um olhar hobbesiano e a
dimensão ética de um coração kantiano, empreende de caminhos jurídicos e
políticos alternativos à violência no labirinto da convivência coletiva. Tem
como lastro a conjetura de que o único possível e plausível salto
qualitativo na História é o da passagem do reino da violência para o da
não-violência.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da
Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi
ministro das Relações Exteriores no governo FHC

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A questão do Estado

O mito da redução do Estado

Luiz Gonzaga Belluzo
15/09/2009 Valor Econômico



Na edição de segunda-feira, 14 de setembro, a "Folha de São Paulo" publicou entrevista com a "especialista em desenvolvimento" australiana Linda Weiss. Ela proclama que a "a redução do papel do Estado na economia sempre foi um mito". Disso já sabia o celebrado historiador Fernand Braudel. Em sua obra maior, "Civilização Material e Capitalismo", Braudel escreveu: "o erro mais grave (dos economistas ) é sustentar que o capitalismo é um sistema econômico... Não devemos nos enganar, o Estado e o Capital são companheiros inseparáveis, ontem como hoje."

Em seu curso no College de France, oferecido entre 1978 e 1979, mais tarde publicado sob o título de "Nascimento da Biopolítica", Michel Foucault cuidou de examinar as condições da governabilidade nas sociedades de mercado. A certa altura, Foucault concluiu que a teoria econômica move-se num vazio institucional e histórico, enquanto a vida econômica dos homens concretos se movimenta numa ordem social economicamente regulada pelo direito "com base na economia de mercado". Não se trata de mercado ou Estado, senão de uma coisa e outra.

As reformas ditas liberalizantes não afastaram, de fato, o Estado da arena econômica, mas foram empreendidas, desde o crepúsculo dos anos 70 do século passado, com o propósito de mobilizar os recursos políticos e financeiros dos Estados Nacionais para fortalecer os respectivos sistemas empresariais envolvidos na concorrência global.

O Estado não saiu da cena, apenas mudou de agenda. Na esteira do apoio decisivo do Estado, as corporações globais passaram a adotar padrões de governança agressivamente competitivos. Entre outros procedimentos, as empresas subordinaram seu desempenho econômico à "criação de valor" na esfera financeira, repercutindo a ampliação dos poderes dos acionistas. Aliados aos administradores, agora remunerados com bônus generosos e comprometidos com o exercício de opções de compra das ações da empresa, os acionistas exercitaram um individualismo agressivo e exigiram surtos intensos e recorrentes de reengenharia administrativa, de flexibilização das relações de trabalho e de redução de custos.

As estratégias de localização da corporação globalizada introduziram importantes mutações nos padrões organizacionais: constituição de empresas-rede, com centralização das funções de decisão e de inovação e terceirização das operações comerciais, industriais e de serviços em geral. A cartilha neoliberal pretendia nos ensinar que a globalização nasceu de uma espantosa revolução tecnológica capaz de aproximar o homem do momento em que vai se livrar da maldição do trabalho e gozar dos encantos da vida cosmopolita. A microeletrônica, a informática, a automação dos processos industriais etc. prometem nos libertar das limitações impostas pelo espaço e pelo tempo. O indivíduo livre pode trabalhar em casa e se tornar, além de patrão de si mesmo, um partícipe da prosperidade universal. A globalização, associando tecnologia e transformação das formas de trabalho, realizaria essa maravilhosa promessa da modernidade.

Mas a realidade da globalização neoliberal foi outra. A individualização das relações trabalhistas promoveu a intensificação do ritmo de trabalho, conforme estudo recente da OIT e de outras instituições que lidam com o assunto. O trabalho se intensificou, sobretudo, entre os que se tornaram independentes das relações formais, os que negociam diariamente a venda de sua capacidade de trabalho nos mercados livres.

Isso aconteceu no mesmo período em que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações nos parlamentos e nos executivos. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis de concorrência. A abertura dos mercados e o acirramento da concorrência coexistiram com a tendência ao monopólio e, assim, impediram que os cidadãos, no exercício da política democrática, tivessem força suficiente para decidir sobre a própria vida.

Os neorreformistas, na realidade, cuidaram de transferir os riscos para os indivíduos dispersos, ao mesmo tempo em que utilizaram o Estado e sua força financeira coletiva para limitar as perdas provocadas pelos episódios de desvalorização da riqueza. A intensificação da concorrência entre as empresas no espaço global não só acelerou o processo de financeirização e concentração da riqueza e da renda como, ironicamente, incrementou a fúria legislativa do Estado em matéria econômica, o que, em consequência sobrecarregou os aparelhos judiciários. O acirramento da concorrência em todas as esferas multiplicou os conflitos entre empresas e entre estas e os trabalhadores.

Os empenhos do Novo Estado promoveram, ademais, a reversão das tendências à maior igualdade observadas no período que vai do final da Segunda Guerra até meados dos anos 70 - tanto no interior das classes sociais quanto entre elas. Na era do capitalismo "turbinado", financeirizado e "estatizado", os frutos do crescimento se concentraram nas mãos dos detentores de carteiras de títulos que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza. Para os demais, perduravam a ameaça do desemprego, a crescente insegurança e precariedade das novas ocupações, a exclusão social.

O projeto da autonomia do indivíduo está inscrito no pórtico da modernidade. Significa a sua autorrealização dentro das regras das liberdades republicanas e do respeito ao outro. Opõe-se à submissão aos poderes, públicos e privados, que o cidadão não controla. A disseminação das formas mais agressivas de concorrência, fomentadas pela nova configuração de funções do Estado, encontra débil resistência em seu trabalho de reduzir os "conteúdos" da vida humana às relações dominadas pela expansão do valor de troca. Mas pode se tornar intolerável para os indivíduos a sensação de que o seu quotidiano e seu destino são governados pelas tropas de uma "racionalização" sufocante, destruidora do projeto de uma vida boa e decente.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Obama assina ordem que estende embargo a Cuba por mais um ano

Notícia da Reuters e do site de notícias MSN.

Obama assina ordem que estende embargo a Cuba por mais um ano

Obama assina ordem que estende embargo a Cuba por mais um ano

REUTERS

Por Patricia Zengerle

WASHINGTON (Reuters) - O presidente norte-americano, Barack Obama, assinou uma ordem nesta segunda-feira que estende a lei usada para impor o embargo comercial dos EUA a Cuba, apesar dos pedidos de opositores para que Obama seguisse o abrandamento das sanções à ilha comunista com o objetivo de colocar fim ao embargo.

"O presidente determinou que é de interesse nacional dos EUA em continuar por mais um ano o exercício de certos poderes sob o Ato de Comércio com o Inimigo em respeito a Cuba", informou a Casa Branca.

Obama anunciou em abril que iria aliviar restrições comerciais, impostas a Cuba há quase meio século após a revolução comunista de Fidel Castro.

No início deste mês, Washington aliviou as sanções. Entre as mudanças, o Departamento do Tesouro disse que autorizaria o envio ilimitado de remessas por norte-americanos com parentes em Cuba e a visita de norte-americanos à ilha quantas vezes e quando quiserem.

O grupo de direitos Anistia Internacional pediu a Obama que não assinasse a extensão, alegando que o embargo interfere nos direitos humanos de cubanos.

Presidentes norte-americanos têm assinado extensões anuais da lei desde 1970.

(Reportagem adicional de Matt Spetalnick)

A questão da intervenção do estado

Folha de São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009



Redução do papel do Estado na economia sempre foi mito
Para especialista em desenvolvimento, compras militares dos EUA são maior exemplo de política industrial que gerou inovação tecnológica

A PESAR de todas as manchetes sobre a volta do Estado à economia, ele nunca se retirou, e os EUA são o maior exemplo disso, afirma Linda Weiss, especialista em desenvolvimento e professora do Departamento de Governo e Relações Internacionais da Universidade de Sydney (Austrália). Weiss cita especificamente a política de inovação tecnológica americana, organizada por meio de encomendas da área militar do governo, como exemplo do que chama de "ativismo estatal" que nunca diminuiu nas economias mais ricas.

Rafael Andrade/Folha Imagem

Linda Weiss, especialista em desenvolvimento e professora da Universidade de Sydney (Austrália)

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Weiss afirma que a China está adaptando o modelo americano para começar a produzir tecnologias próprias, e sugere que o Brasil estude o exemplo.
Ela deu entrevista à Folha depois de participar, no Rio de Janeiro, de seminário no Instituto de Economia da UFRJ sobre Reposicionamentos Estratégicos, Políticas e Inovação em Tempo de Crise. Abaixo, os principais trechos.




FOLHA - A senhora diz que não é possível falar em volta do Estado à economia porque ele nunca foi embora. Pode explicar?
LINDA WEISS - A ideia predominante no debate sobre a globalização e a sua relação com as opções de política econômica é que o Estado foi posto numa camisa de força e recuou da economia.
Fez isso para atrair investimentos num mundo de capitais móveis. O melhor governo é o que reduz impostos e regulações. O Estado atua nas margens da economia, sem presença ativa e muito menos desenvolvimentista. Contesto essa ideia olhando para o que os Estados mais poderosos vêm fazendo.

FOLHA - E quais são os principais exemplos?
WEISS - O primeiro é o paradoxo de que a desregulamentação requer rerregulamentação. Por exemplo, o governo privatiza, mas acaba se tornando muito ativo na arena regulatória, criando agências.
Isso de certo modo aumentou o envolvimento do Estado, sem necessariamente passar pelas autoridades executivas, que têm que responder ao eleitorado.

FOLHA - Mas, no mercado financeiro, houve menos regulamentação, não? WEISS - Houve uma opção por não regulamentar. Foi uma opção movida a razões nacionalistas, porque tanto o Reino Unido quanto os EUA viam o setor financeiro como o que liderava a projeção do seu poder na arena econômica internacional.
Com Wall Street de um lado e a City do outro, para eles fazia sentido ser liberais.
O Japão fez o mesmo, de modo diferente. Ao desregulamentarem o setor financeiro, os burocratas quiseram manter sua presença e escreveram as regras com esse objetivo, sem permitir mais autorregulamentação.
Além disso, há uma forma de ativismo que é a intervenção recorrente do Estado para resgatar o sistema bancário em crises. O que vemos hoje não é excepcional, é parte do padrão da internacionalização das finanças nos últimos 200 anos.

FOLHA - Que outros exemplos a senhora reuniu?
WEISS - Um fundamental é no campo da inovação e da tecnologia. Na OMC (Organização Mundial do Comércio), os Estados líderes escreveram normas que lhes dão margem para promover sua indústria nascente, ao mesmo tempo em que reduziram essa margem para países em desenvolvimento.
As regras da OMC permitem políticas de subsídio à ciência e tecnologia, que é a forma da indústria nascente nas chamadas economias de conhecimento intensivo.
Você vê intervenções muito focadas dos governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão no setor de alta tecnologia, incluindo comunicação e informação, novos materiais, novas energias. São áreas vistas como plataformas de sua prosperidade futura.

FOLHA - Como a senhora compararia o ativismo estatal nos EUA e na Europa com o na Ásia?
WEISS - Eu diria que o ativismo asiático está acima do radar, os países da região não se envergonham de mostrar que têm política industrial. As populações também apoiam o uso do poder do Estado na economia.
No caso dos EUA, não há consenso sobre o ativismo estatal.
Então, ele aparece abaixo do radar. A área que explica de onde vieram as inovações nos EUA, país que é líder em alta tecnologia, é a máquina de encomendas ligada ao setor militar.
Os EUA construíram um sistema formidável de inovação baseado no fato de responderem por 50% dos gastos militares mundiais. Dessa forma existe apoio popular e político, porque a linguagem usada é a da segurança nacional. Esse sistema de encomendas públicas de inovações é tão importante que os europeus agora estão vendo como podem adaptar a seu próprio setor civil. A China está fazendo a mesma coisa.

FOLHA - Como a China está seguindo o exemplo dos EUA?
WEISS - A China, por exemplo, quer desenvolver sua própria indústria de software e está usando encomendas de tecnologia para isso. Ela está definindo o que é uma empresa chinesa com base no "Buy American" [cláusula do pacote de estímulo econômico aprovado nos EUA no início deste ano].
Para o "Buy American", uma empresa americana tem pelo menos 50% de capital americano, está baseada nos EUA e usa trabalhadores americanos. Essa é a definição que os chineses estão usando em sua estratégia de compras governamentais, com o objetivo de construir sua própria indústria de alta tecnologia. [No Brasil, a emenda constitucional nº 6 acabou em 1995 com a distinção entre empresas de capital nacional e capital estrangeiro].

FOLHA - Apesar do ativismo estatal, o Estado de bem-estar social diminuiu?
WEISS - Quando olhamos os números da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne cerca de 30 países industrializados], vemos que o Estado previdenciário na verdade cresceu.
O gasto total aumentou em média de 26% para 40% do PIB entre 1965 e 2006. E o componente social desse gasto aumentou de 15% para 22% em 30 anos. Houve reestruturações no destino do dinheiro, mas não declínio.

FOLHA - Mas o Estado como produtor recuou, não?
WEISS - Sim, claro. Mas é enganoso ver isso como enfraquecimento do Estado. Quando os serviços eram públicos, qual era o papel do Estado, afinal?
Mandar contas de luz e gás?
Não era exatamente um ator no sentido do desenvolvimento.

FOLHA - A resistência que vemos hoje nos EUA ao envolvimento estatal com o sistema de saúde não é paradoxal?
WEISS - Esse debate mostra que o sistema político americano não legitima um programa civil de tecnologia. O Programa de Tecnologia Avançada, civil, teve vida curta no governo Clinton [1993-2001] e recentemente perdeu seu orçamento.
É principalmente por meio do setor militar que são criadas estruturas híbridas, agências com função de investimento e que não são nem puramente públicas nem privadas em seu comportamento. Elas fazem essas encomendas de alta tecnologia.

FOLHA - E como os produtos chegam ao mercado civil?
WEISS - Não há uma cerca entre a Defesa e o setor civil. A CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), por exemplo, tem seu próprio fundo de investimento e assume participações em empresas privadas. Financia tecnologia que é usada para objetivos militares, mas também tem que ser viável comercialmente.

FOLHA - Que observações a senhora fez sobre a posição do Brasil nesse debate?
WEISS - Foi interessante ouvir outro dia que a política industrial brasileira tem dois pontos problemáticos: a falta de uma política agressiva para a exportação de manufaturados e a política de compras governamentais, que não teria decolado.
Sugiro trazer o caso americano para debate no Brasil. As compras governamentais são um instrumento poderoso de desenvolvimento. O importante é separar as compras ordinárias, como papel e mobília, das encomendas de tecnologia, de algo que ainda não existe.
Nisso você estabelece uma competição entre quem pode produzir tal coisa e como o Estado pode ajudar. Não é só o governo dizendo como deve ser, mas há uma interação.
De um só programa americano, o Small Business Innovation Research Program, de onde vieram nomes como a Microsoft, centenas de firmas receberam financiamento. Não são somas grandes, poderiam ser US$ 750 mil, por exemplo, para levar a tecnologia da fase da ideia na cabeça ao protótipo.
O programa foi lançado em 1982, quando nos EUA temia-se perder a corrida tecnológica para Japão e Alemanha, e envolve muitas agências governamentais, incluindo o Instituto Nacional de Saúde -que faz encomendas ao setor farmacêutico e de biotecnologia-, a Nasa e a Defesa.

domingo, 13 de setembro de 2009

Novo texto sobre a crise

Novo texto sobre a crise da Folha de São Paulo.

Os gélidos e imperturbáveis autores dos relatórios do consórcio dos bancos centrais há quase três anos apontavam a precariedade dos modelos financeiros

A recessão, o efeito simbólico da "confissão' de Greenspan e a fúria quase geral contra ricos e banqueiros provocaram um curto verão de anarquia mesmo entre os defensores do "capitalismo"

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

Faz quase um ano, Alan Greenspan confessava que "errara, sim", manchando assim o seu nome de "maestro", quiçá "condottiere" da finança mundial, socado no canto de um ringue de debates retóricos sobre a infalibilidade dos mercados, o Congresso dos EUA. Greenspan foi presidente do Fed, o banco central norte-americano, de 1987 a 2006, "a era do capital financeiro", mais ou menos o mesmo período que o Nobel de Economia Paul Krugman e adeptos classificaram de "a era das trevas da macroeconomia".
Nesse outubro de 2008, num depoimento a uma comissão da Câmara dos deputados americana, espremido por políticos agressivos, dizia que "encontrara uma falha" nas suas crenças a respeito do mercado. O velho banqueiro central falava menos de um mês depois da falência em série de grandes instituições financeiras nos EUA e na Europa, em setembro, quebras seguidas de várias estatizações e doações mais ou menos disfarçadas de dinheiro público a bancos e similares.
A recessão, o efeito simbólico da "confissão" de Greenspan e a fúria quase geral contra ricos e banqueiros provocaram um curto verão de anarquia mesmo entre os defensores do "capitalismo". Mas qual "pecado" Greenspan confessou? A quebra da finança em setembro de 2008 foi uma epifania?
O que ele obliquamente "admitia" como erro já não era objeto de críticas mesmo nas discussões acadêmicas da economia padrão, a dominante nas grandes universidades americanas, e mesmo entre gente do mercado financeiro que também se dedica a pensar a sua atividade?
"Aqueles de nós que contávamos com o autointeresse das instituições de empréstimo para proteger o capital dos acionistas (eu especialmente) estão chocados e não conseguem acreditar [no que houve; Greesnpan usou a expressão "shocked disbelief']. A vigilância da contraparte é um pilar central dos nossos mercados financeiros", disse Greenspan aos parlamentares.
Na verdade, ele havia escrito tal coisa já em março de 2008. Diante dos políticos, avançou ao usar as palavras "falha" e "erro" ao comentar sua crença na autorregulação dos mercados. Trocando em miúdos, Greenspan sempre se opôs (de modo politicamente ativo, aliás) a que o Estado regulasse mercados demais. Acreditava que as partes de um negócio vigiariam umas as outras ao fazer boas avaliações de risco e ao exigir bons preços, garantias e seguros.
Mas, como perguntou Greenspan no seu discurso, o "que deu errado com as políticas econômicas globais que tinham funcionado tão efetivamente por quase quatro décadas?" Em resumo, Greenspan respondeu que houve um erro no uso dos modelos de avaliação de risco, que foram abastecidos com dados errados, e que a natureza humana é dada a ganância e a ciclos de euforia e medo, como atestariam as bolhas dos últimos três séculos. Não foi muito além; mas afirmou que o conceito de autorregulação ainda era essencial.

Confiança crescente
Ainda em 2002, entre o fim da bolha da internet e o começo da bolha imobiliária, Greenspan discursava assim para economistas britânicos: "Nos mercados de hoje, por exemplo, há uma crescente confiança na vigilância da contraparte privada como instrumento fundamental de controle financeiro. Governos complementam a vigilância privada quando julgam que imperfeições do mercado poderiam provocar um desempenho econômico subótimo".
"Ninguém pode negar que participantes do mercado com informação perfeita ["fully informed'] vão gerar a precificação dos recursos mais eficiente e a alocação de capital mais perfeita... e a estrutura de preços refletiria mais precisamente o equilíbrio subjacente entre oferta e demanda."
Greenspan está a dizer que os mercados definem os melhores preços (de ativos financeiros, bens etc.) e, assim, orientam o melhor emprego do capital. Que intervenções estatais excessivas (quase todas) distorcem tal alocação. Em suma, que é praticamente impossível discernir exageros no mercado, tal como bolhas (se fosse possível prevê-las, diz a teoria, o mercado se anteciparia e detonaria antecipadamente a bolha, se é que ela viria a ser inflada).
De modo oblíquo, refere-se à hipótese do mercado eficiente, fundamento da economia das finanças desde os anos 70. Tal teoria, grosso modo, diz que o preço de ativos financeiros reflete toda a informação disponível e relevante no mercado; que, na média, o mercado corretamente estipula tais preços e se autocorrige.
No entanto, pelo menos desde os anos 80, mesmo no circuito da economia padrão ("mainstream", "ortodoxa"), tais modelos são objeto de crítica. Antes de se tornar estrela pop da crítica à mundialização, Joseph Stiglitz escreveu trabalhos sobre os paradoxos e o excesso de pressupostos inconfiáveis (e portanto irrealistas) dessas hipóteses, trabalhos que lhe renderam um Nobel.
Antes disso, havia literatura vasta e variada sobre "falhas de mercado" (de Paul Samuelson a Kenneth Arrow). Os "economistas comportamentais" já estavam em voga desde os anos 90. Richard Thaler e Robert Shiller, entre muitos outros, faz tempo observavam "comportamentos de manada" ("maria vai com as outras"), entre outros traços de psicologia de massa. Outros trabalhos teóricos chamaram atenção para o aspecto irracional de escolhas individuais. Se não bastasse a massa de trabalhos críticos, houve no mínimo um grande estouro de bolha financeira que poderia ter servido como alerta, a da internet, em 2001-02.

Debates políticos
São raros, porém, os economistas "mainstream", "comportamentais" inclusive, que jogam no lixo toda a hipótese dos mercados eficientes. De resto, a finança não define suas estratégias de acordo com todas as finuras teóricas do dia.
Os debates políticos sobre regulação financeira, por sua vez, não são orientados por detalhes da pauta acadêmica e muito menos assim decididos. No entanto, uma versão dita atrasada e além do mais simplificada da teoria econômica "mainstream" dominou o "espírito do tempo" e permeou a pregação política dominante sobre economia, mercados e finanças até que um colapso financeiro a colocou em xeque.
Ainda no círculo da teoria "mainstream" (no campo da economia política), há explicações para tanto. Simon Johnson, professor do MIT, entre outros, observa por exemplo que as instituições financeiras tornaram-se grandes demais para serem reguladas -isto é, seu poder político faz com que elas "capturem" (dominem) as autoridades responsáveis por fiscalizá-las e regulá-las.
Mas a crise financeira e a desmoralização da ideia do mercado autorregulado influenciam em quanto o debate econômico? Afinal, a maioria dos economistas "mainstream" não atentou para a iminência da crise (embora, curiosamente, os gélidos e imperturbáveis autores dos relatórios do Bank for International Settlements, o consórcio dos bancos centrais, há quase três anos apontavam a precariedade dos modelos financeiros e dos riscos crescentes de estouro financeiro).
Até meados deste ano, a querela pública entre neokeynesianos (à moda americana) e "hiperliberais" vinha em tom baixo e discreto (diga-se de passagem que, no Brasil, esses neokeynesianos seriam chamados de "neoliberais"). Em julho, a revista "The Economist" publicou um resumo das polêmicas recentes. O Nobel Robert Lucas, da Universidade de Chicago, patrono dos hiperliberais, respondeu em artigo na revista às críticas de economistas como o Nobel Paul Krugman, secundado por gente como Robert Barro. Brad DeLong, escudeiro de Krugman, rebateu a seu modo "slob" [descuidado] e pesadamente sarcástico.
O debate é, sob certo aspecto, um debate político americano, a respeito do tamanho da intervenção do Estado, por meio de gastos, subsídios a bancos e regulação, com o objetivo de tirar o país do pântano da crise.
Grosso modo, de modo muito simples, os neokeynesianos acreditam que os mercados são imperfeitos e ineficientes, e que o governo vez e outra deve intervir ao menos para corrigir suas falhas e "ataques de pânico", como em grandes recessões ou depressões.
Mas a polêmica revela também divisões profundas nos templos e entre os sacerdotes da teoria econômica mundial padrão, que se imaginava muito perto de um "consenso", com diferenças marginais (como gosta de dizer e escrever Olivier Blanchard, do MIT).
Obviamente, não será em polêmicas jornalísticas que haverá um acerto de diferenças. Mas a violência e o tom amargo da querela tende a chamar a atenção de universidades, estudantes, financiadores de pesquisas e, enfim, deve influenciar a política acadêmica, que tem seu papel na definição de reorientações teóricas.