sábado, 28 de fevereiro de 2009

Justiça civil para militares argentinos

O Globo, caderno “O Mundo”, 27 de fevereiro de 2009.

Num avanço em direitos humanos, lei põe fim a tribunais das Forças Armadas e deixa de punir homossexualismo

Janaina Figueiredo


A partir de hoje, militares argentinos que cometam delitos serão julgados pela Justiça Federal e deverão submeter-se ao Código Penal, como qualquer cidadão. Esta é uma das principais mudanças previstas na Lei 26.394, aprovada pelo Congresso no ano passado e que entra em vigência hoje. Na prática, a iniciativa, que começou a ser discutida no governo Nestor Kirchner, significa o fim do Código da Justiça Militar aprovado em 1951 e a implementação de um novo Sistema de Justiça Militar. A lista de novidades é ampla e inédita: foi erradicada a pena de morte e o homossexualismo deixou de ser considerada uma falta de disciplina grave pelas Forças Armadas, entre outras.

A reforma da Justiça Militar era uma das principais metas da ministra da Defesa, Nilda Garré, ex-militante peronista de esquerda, perseguida pela última ditadura argentina (1976-1983). Para Garré e sua equipe, o processo de democratização das Forças Armadas não podia excluir a modificação do sistema de Justiça Militar.

- Não podemos conceber uma democracia sem que as Forças Armadas estejam submetidas à autoridade civil, eleita pelo voto popular, como estabelece a Carta Democrática Interamericana – declarou a ministra.

De fato, a reforma fora solicitada à Argentina pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos. A iniciativa chegou à OEA quando o capitão do Exército Rodolfo Correa Belisle entrou com uma ação contra o Estado, no caso “Carrasco”. Em 1996, o capitão ficou 90 dias preso, após denunciar o encobrimento do assassinato do soldado Omar Carrasco. Correa Belisle foi condenado pela Justiça Militar e recorreu a tribunais internacionais. Em 2006, o Estado assumiu a responsabilidade pela “violação de múltiplos direitos” de Correa Belisle e se comprometeu a reformar a justiça militar.

Dois anos depois, Garré conseguiu o que muitos pensaram ser impossível num país que até os anos 90 era cenário de revoltas militares.

- Num Estado democrático de direito, os militares são considerados, antes de qualquer coisa, cidadãos. Entendemos que, também, devem ser considerados servidores públicos especializados na defesa nacional – afirmou Garré.

A lei foi aprovada por 154 votos a favor na Câmara e apenas dois contra. No Senado, a lei foi aprovada por unanimidade.

De acordo com colaborares de Garré, o novo sistema tem três instrumentos fundamentais: o julgamento de delitos comuns de acordo com o Código Penal e a ação da Justiça Federal, a criação de um Procedimento Penal Militar em Tempos de Guerra e Outros Conflitos Armados e de um Código de Disciplina das Forças Armadas, em caso de falhas ou erros administrativos.

- Nos últimos dois casos, os militares podem recorrer à justiça civil – explicou ao Globo o diretor de Comunicação Social do Ministério da Defesa, Jorge Bernetti.

Em todos os casos, os advogados passam a estar subordinados ao ministro designado pelo Poder Executivo e não mais a uma autoridade militar. Em caso de guerra, explicou Bernetti, “as autoridades com funções jurídicas serão designadas previamente, deverão respeitar as normas processuais e a sentença deverá ser ratificada por autoridades civis quando a guerra acabar”.

Para ele, “a reforma conta com um amplo consenso dentro das Forças Armadas, porque foi compreendido que era necessária como parte do processo de modernização da instituição”.

O novo sistema representa mais um avanço em direitos humanos. Desde que o casal K chegou ao poder foram adotadas medidas emblemáticas, como a anulação das leis do perdão, aprovadas no governo Raúl Alfonsín. O fim da anistia provocou a abertura de dezenas de processos contra militares envolvidos em crimes da ditadura. Vários acusados foram condenados.


NT: No Brasil, o último avanço considerável nessa matéria foi a criação do Ministério da Defesa, durante o governo FHC, em substituição às pastas do Exército, Marinha e Aeronáutica. No governo Lula os ministros da Justiça, Tasso Genro, e dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, vêm protagonizando a defesa da responsabilização dos torturadores do Regime Militar (1964-1985), mas enfrentam resistências dentro do próprio governo, bem como a antipatia do presidente do STF, Gilmar Mendes, que considera que este é um tema “que realmente precisa ser encerrado” (Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 2008). A abertura dos arquivos do Regime Militar (ver postagem do dia 27, neste Blog) promete esquentar ainda mais a discussão.

Noam Chomsky e a política norte-americana

Segue abaixo entrevista concedida por Noam Chomsky por email ao Globo do dia 28/02/2009

O Globo – O senhor poderia explicar por que o conceito de “Estado fracassado”, criado pelo governo dos Estados Unidos, em sua opinião se aplica aos EUA?
Noam Chomsky – Os especialistas concordam que esse conceito é vago, mas envolve três características principais: a incapacidade ou desinteresse em proteger a população; o desrespeito a leis e normas internacionais; e a existência de instituições democráticas formais, mas que funcionam apenas de forma limitada. É fácil mostrar que os EUA preenchem os três requisitos.

O Globo – O senhor enfatiza a responsabilidade dos EUA no crescimento do terrorismo islâmico, mas há quem observe que um movimento como a Al-Qaeda, por exemplo, não se opõe a políticas específicas dos EUA, mas à democracia secular como um todo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Noam Chomsky – Há duas perguntas separadas aqui: quais são as causas do crescimento do terrorismo islâmico? E quais são os objetivos dos terroristas islâmicos? A resposta à primeira é indiscutível. O governo de Ronald Reagan, em particular, teve um papel decisivo e muito consciente na criação do terrorismo islâmico. Sua meta declarada era “matar russos”. Para atingir essa meta, o governo Reagan reuniu os maiores extremistas islâmicos que conseguiu encontrar ao redor do mundo, enviou-os ao Afeganistão e forneceu a eles crucial ajuda militar. Os objetivos da AL-Qaeda e de outros movimentos são uma questão separada, que não tem relação com a maneira como eles cresceram.

O Globo – O senhor acredita que sob a presidência de Barack Obama os EUA continuarão a ser, em sua política externa, um Estado fora-da-lei, como o senhor diz?
Chomsky – Haverá mudanças na política interna, em direção a uma posição mais de centro. O extremo radicalismo do governo Bush sem dúvida será cancelado; McCain faria mais ou menos a mesma coisa. Mas na arena internacional, não há indicação de nenhuma mudança significativa em relação ao segundo mandato do de Bush, a não ser na retórica. As políticas são mais ou menos as mesma, em alguns casos mais violentas e agressivas, como no Paquistão e no Afeganistão.

O Globo – Comentando o fervor despertado pela campanha de Obama, a escritora Joan Didion observou que de repente a ironia saiu de moda nos EUA. O cinismo deu lugar à credulidade. Qual sua opinião sobre esse entusiasmo?
Chomsky – A resposta mais definitiva a respeito da campanha foi dada pela indústria de relações públicas, que comanda as eleições. O principal órgão deles, “Advertising Age” (“Era da propaganda”), deu a Obama o prêmio de melhor campanha de marketing do ano, derrotando os computadores da Apple. Desde Reagan os candidatos são vendidos como bens de consumo, e este é o maior caso de sucesso que os publicitários já tiveram. Quanto ao entusiasmo, Bush era tão impopular que até seu partido se lançou contra ele, um fenômeno sem precedentes; 80% do país pensam estar indo na direção errada e querem mudança desesperadamente. Por isso Obama usou slogans “mudança” e “esperança”. O surpreendente é o quanto a margem da vitória foi pequena. Sob as circunstâncias, era de se esperar uma vitória de lavada do partido de oposição. Mas Obama ganhou por pouco – e entre eleitores brancos, McCain ganhou. Se o colapso financeiro tivesse demorado um pouco mais, talvez McCain ganhasse, apesar da performance desastrosa dos republicanos nos últimos 8 anos em praticamente todos os setores
O Globo – O procurador-geral dos EUA Eric Holder, disse recentemente que os Estados Unidos são uma nação de covardes no que diz respeito ao debate sobre o racismo. A eleição de Obama não prova o contrário?
Chomsky – A eleição de Obama foi, sem dúvida, um evento histórico, e é muito importante ter uma família negra na Casa Branca – embora haja um tanto de racismo na idéia que esse é um momento mágico que só poderia acontecer nos EUA. As eleições na Bolívia e no Brasil foram muito mais “mágicas” em termos de mostrar como uma dura opressão pode ser vencida dentro do sistema eleitoral. O fato de os dois principais candidatos democratas à presidência serem um negro e uma mulher mostra que os EUA se tornaram um país muito mais civilizado nas últimas décadas. É um tributo ao ativismo dos 1960, mas ainda há um longo caminho pela frente, como Holder presumivelmente quis enfatizar.
O Globo – Como o senhor, crítico feroz dos EUA, compararia os históricos de política externa e de direitos humanos do seu país com os da China, que para alguns está a caminho de se tornar a próxima potência global?
Chomsky – É muito improvável que a China substitua os EUA como a principal potência global. Ela tem enormes problemas internos, desconhecidos no Ocidente. Uma indicação disso é seu ranking na lista de Desenvolvimento Humano da ONU; em torno de 80º. A China também enfrenta crises ecológicas severas, e embora seu crescimento industrial seja impressionante, muito dele é de capital estrangeiro, em particular dos setores mais avançados. Quanto à política externa, a China hoje é o mais pacifista dos grandes poderes. É por isso que importantes analistas americanos como John Streinbrunner têm defendido que a China lidere uma coalizão de Estados pacifistas para conter o militarismo agressivo dos EUA. Já o histórico chinês de direitos humanos é claramente horrível, muito pior que o dos EUA.

Argentina extingue Justiça Militar

Folha de São Paulo de 28 de fevereiro de 2009




Argentina extingue Justiça Militar e libera soldado gay
Reforma garante ainda independência de opinião




A Argentina pôs em vigor ontem reforma da Justiça Militar que acabou com os tribunais especiais para militares e com punições a homossexuais nas Forças Armadas, além de eliminar a pena de morte do ordenamento jurídico local.
A partir de agora todo militar que cometer crime comum será julgado em tribunais federais, por juízes civis, e fica extinto o Código de Justiça Militar de 1951. A nova lei foi aprovada no ano passado pelo Congresso e demorou seis meses para entrar em vigor.
As mudanças integram o conjunto de medidas que o ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) impulsou durante seu governo, que teve o julgamento de repressores da ditadura (1976-1983) como principal bandeira política. Orientação que vem sendo mantida por sua mulher e sucessora, Cristina Kirchner.
"É um passo adiante na Argentina e na região rumo ao controle civil das Forças Armadas", afirmou à Folha o diretor-executivo da ONG Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), Gaston Chillier.
Para Chillier, com a nova legislação a Argentina se coloca em um campo oposto ao do Brasil, onde a Justiça Militar ainda dispõe de grande autonomia para julgar os crimes de militares, o que enseja críticas de corporativismo.
Muitas das normas agora extintas na Argentina já não estavam vigentes na prática -o último caso de militar submetido a pena de morte, por exemplo, ocorrera em 1956. Militares que praticassem atos homossexuais continuavam, contudo, sujeitos a expulsão da corporação ou prisão por até dois anos.
A nova legislação também impõe alterações no sistema disciplinar das Forças Armadas. O militar passa a ter direito a advogado particular e a independência de opinião.
As mudanças tiveram origem no caso do capitão da reserva Rodolfo Correa Belisle, que testemunhou na Justiça comum contra superiores no caso da morte do soldado Omar Carrasco, em 1994, e foi condenado pela Justiça Militar a três meses de prisão. O episódio da morte de Carrasco, dentro de um quartel, foi determinante para o fim do serviço militar obrigatório na Argentina.
O caso Belisle foi levado à Comissão Intermericana de Direitos Humanos em 1997 por um grupo de advogados, que denunciaram a violação de direitos do militar. A Argentina negou as acusações até 2004, quando passou a negociar "solução amistosa" com a comissão, concretizada na reforma do sistema de Justiça Militar.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Obama anuncia fim de operações de combate no Iraque em 2010

Quebrando novamente o ufanismo relacionado à administração de Obama, o presidente americano dá mais um indício de que a política de exceção é o tom que será mantido posteriormente.
Mantendo seus discursos de que a situação crítica é no Afeganistão, o presidente Obama irá redirecionar parte das tropas do Iraque para o Afeganistão. Afinal de contas, hoje é politicamente incorreto ser favorável à invasão ao iraque. Depois de entrar no país, usurpar parte de suas riquezas, como exposto numa postagem anterior, matar o tiranete que a governava em rede mundial de televisão, agora serão mantidas tropas por mais 1 ano e meio. Parece pouco para quem está em casa sentado em frente ao computador lendo essa notícia, mas para o iraquiano que vive o dia-a-dia de exceção no local é uma eternidade. Seria como se voltássemos ao tempo e perguntássemos a um prisioneiro do Lager nazista se 1 ano e meio estaria bom a mais de internação progressiva. Mas sabem como é, mais uma rebeliãozinha aqui, outra ali e daqui a um ano e meio esse prazo pode ser sistematicamente prorrogado. Lembramos que agosto de 2010 é para retirar parte das tropas. O Iraque fica sitiado, teoricamente, até 2011.
Já o Afeganistão, bom, melhor não comentar, mas se a situação no país já era crítica a tendência é piorar. Afinal, segundo Obama, "lá estão os terroristas".
E dá-lhe exceção, excessiva exceção.



Por Steve Holland

CAMP LEJEUNE, EUA (Reuters) - O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou nesta sexta-feira que as operações de combate norte-americanas no Iraque serão encerradas em 31 de agosto de 2010, mas que entre 35.000 e 50.000 soldados vão permanecer no país para dar apoio ao governo e às forças de segurança do Iraque.

Em discurso na base da Marinha de Camp Lejeune, na Carolina do Norte, Obama disse que o "Iraque ainda não está seguro" e que ainda há dias difíceis pela frente. O presidente afirmou ainda que seu governo pretende retirar todas as forças dos Estados Unidos no Iraque até o fim de 2011.

Como candidato à Presidência dos EUA, Obama prometeu retirar as tropas do Iraque em 16 meses. Ele deixou claro que sua prioridade militar seria o Afeganistão e ordenou na semana passada o envio de mais 17 mil soldados ao país.

Há atualmente 142 mil militares norte-americanos no Iraque e 38 mil no Afeganistão.

Em seu pronunciamento, Obama disse aos iraquianos que os Estados Unidos não planejam ter poder sobre seu território, na tentativa de acalmar os iraquianos preocupados com uma presença prolongada do Exército norte-americano no país. O presidente usou parte do discurso para falar diretamente aos iraquianos.

"Os Estados Unidos não querem tomar seu território nem seus recursos. Nós respeitamos sua soberania e os tremendos sacrifícios que vocês fizeram por seu país. Queremos uma transição completa para que o Iraque tenha a responsabilidade pela segurança de seu país", disse.

O conflito de quase seis anos no Iraque marcou a Presidência do republicano George W. Bush e ajudou os democratas a reconquistar o Congresso e a Casa Branca.

O estabelecimento de uma data para a retirada representa um ponto crítico da guerra. A decisão de Obama também se encaixa em sua intenção de mudar o foco militar dos Estados Unidos para o Afeganistão e cortar o déficit orçamentário, em parte reduzindo os gastos com guerras.

Alguns democratas questionaram o tamanho e a missão das forças residuais que Obama pretende deixar no Iraque.

Mas, antes do pronunciamento de Obama, o secretário de Defesa, Robert Gates, disse que "o raciocínio é que qualquer força remanescente após nós pararmos as operações de combate estará focada na missão de contraterrorismo, treinamento, aconselhamento, assistência, e esse tipo de coisa".

Ele também disse a jornalistas na quinta-feira que qualquer decisão de Obama levaria em conta que todas as tropas dos EUA devem estar fora do país até o final de 2011 sob um acordo negociado com o governo iraquiano.

Também antes do anúncio oficial, o general Ray Odierno, comandante dos EUA no Iraque, e o general David Petraeus, chefe do Comando Central dos EUA que supervisiona as operações no Oriente Médio, apoiaram um prazo de 23 meses para a retirada das tropas de combate, de acordo com uma autoridade dos EUA.

Ambos os comandantes alertaram que o Iraque permanece em uma situação frágil e que os ganhos dramáticos na segurança obtidos no último ano e meio podem ser revertidos se as forças dos EUA saírem muito rapidamente.

(Reportagem adicional de Andrew Gray)

Brasil vai abrir arquivos do Regime Militar

O Governo Federal planeja lançar, ainda neste semestre, o "Memórias Reveladas: Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985)", que representará a criação de uma rede nacional de informações arquivísticas a respeito da repressão política e da resistência ao Regime Militar no Brasil (1964-1985).
Os arquivos do Regime Militar, que estão sob a guarda de diversas instituições públicas e privadas, serão disponibilizados por intermédio de um portal e de um Banco de Dados na Internet. Para o usuário final, o Memórias Reveladas será apresentado, basicamente, como um centro virtual, que funcionará como elo de ligação entre as entidades parceiras, oferecendo ao pesquisador uma ampla gama de informações sobre o período da repressão militar no Brasil. O portal contará, também, com seções como Publicações Digitais, Exposições Virtuais, Multimídia, entre outras.
Ainda que não seja o único produto do Centro, o Banco de Dados do Memórias Reveladas será um de seus principais eixos, a ser alimentado progressivamente com informações e reproduções digitais de documentos até então sigilosos. Apenas os acervos que apresentarem alguma restrição de acesso conforme a legislação vigente, sobretudo no que se refere ao Direito à Intimidade (art. 5, X, CF/88) das vítimas da Ditadura, não serão reproduzidos on-line. Nesse caso, o pesquisador deverá realizar uma consulta presencial e assinar um “Termo de Responsabilidade” pelo uso das informações.
O Arquivo Nacional, que é vizinho à Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (Praça da República, 173, Rio de Janeiro-RJ), será o pólo catalisador do projeto, centralizando e coordenando as suas atividades. Contudo, o acervo original continuará custodiado pelas instituições detentoras. Atualmente, são 25 instituições parceiras, que permanecerão responsáveis pela guarda, tratamento técnico e acesso aos documentos que integram os seus acervos.
O projeto é de grande interesse para o público acadêmico, incluindo professores e estudantes de Teoria do Estado e Direito Constitucional, uma vez que permitirá o acesso livre e seguro a informações sobre as “engrenagens” jurídico-administrativas da burocracia estatal, dos tribunais e das forças de segurança do Brasil sob o Regime Militar, favorecendo o estudo de categorias tradicionais como "Soberania", bem como de temas mais recentes, como a categoria "Cidadania" e o Direito de Acesso à Informação.
Assim que o projeto for oficialmente lançado, postaremos neste Blog o endereço do Portal e do Banco de Dados do Memórias Reveladas.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Pelo direito das vítimas

Estado de São Paulo de 22 de fevereiro de 2009
Pelo direito das vítimas
Para jurista argentino que presidiu comissão da OEA, Brasil não pode usar a Lei da Anistia de 1979 para proteger torturadores

Juan Méndez*
- A ação apresentada no ano passado por uma procuradora federal contra antigos funcionários do DOI-Codi, sobre quem pesam acusações gravíssimas de tortura, execuções e desaparecimentos forçados, sofreu recentemente um revés. Isso porque uma decisão da Justiça considerou que os crimes em questão - um dos pedidos de investigação era sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 1975 - estavam prescritos, por causa do prazo transcorrido desde que foram cometidos. Essa é uma má notícia para o Brasil e para a causa dos direitos humanos.

A possibilidade - corajosamente aberta pelos procuradores paulistas - de o Brasil reabrir o doloroso capítulo dos crimes praticados pelas ditaduras militares, mostra que, por mais que se tente obstar a Justiça, não existe uma estratégia legal ou política que permita deixar impunes as graves violações dos direitos humanos mediante o uso de anistias ou indultos, ou alegando a prescrição dos crimes. Os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil obrigam o País a encarar esse passado de maneira resoluta, a definir as responsabilidades e rever a maneira como foi aplicada a Lei da Anistia, de 1979.

O Centro Internacional para a Justiça de Transição (ICTJ)acompanha de perto o debate interno iniciado com a iniciativa dos procuradores Marlon Weichert e Eugênia Fávero. Eles questionam a maneira como se aplicou a lei de anistia no Brasil, beneficiando funcionários públicos acusados de graves violações dos direitos humanos. O debate nacional deveria ter como resultado a adoção de medidas efetivas para se obter a verdade, a justiça e o reconhecimento para as vítimas, e ser um caminho claro para a reconciliação e a prevenção de práticas monstruosas como a tortura, a execução extrajudicial ou os desaparecimentos forçados.

Além do compromisso com a justiça, a verdade e a proteção dos direitos humanos, inerentes ao Estado de Direito, o Brasil precisa também considerar as razões jurídicas que o obrigam, como membro da comunidade internacional e Estado parte das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos (OEA), a reabrir esse capítulo da sua história, por mais doloroso, polêmico ou criticado que seja o processo.

Alega-se que é impossível reabrir investigações sobre os crimes cometidos na ditadura por causa do transcurso do tempo e das anistias existentes. O direito internacional estabelece outra coisa. Foi isso que o ICTJ fez saber aos procuradores brasileiros num parecer em que explica as razões jurídicas que permitem a reabertura desses processos.

Em resumo, como se trata de crimes de lesa-humanidade, à luz dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, esses fatos não podem prescrever com o tempo e não podem ser amparados por anistias.

Os atos cometidos durante a ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985, foram crimes de lesa-humanidade. A definição desses crimes pode ser encontrada nos Princípios de Nuremberg (1950) consagrados como normas de caráter imperativo (ius cogens), o que implica sua proibição absoluta.

Da mesma maneira, a definição de crime de lesa-humanidade foi reiterada em diferentes conceitos, princípios e convenções estabelecidas após Nuremberg e consideradas normas que devem ser cumpridas pelos Estados, do mesmo modo que as normas incluídas nos estatutos dos tribunais penais ad hoc encarregados da solução de casos de violações de direitos humanos na ex-Iugoslávia e em Ruanda, como também no Estatuto da Corte Penal Internacional.

E esses princípios também foram afirmados de modo reiterado por órgãos internacionais de controle, como a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, e se refletem na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

De acordo com essas regras, um único ato desumano (assassinato, tortura, desaparecimento forçado, violação, deportação, perseguição ou outro) cometido no cenário ou contexto de um ataque sistemático ou generalizado, configura crime de lesa-humanidade. Com base nos fatos ocorridos no período da ditadura militar, é claro que nos "anos de chumbo" no Brasil houve um ataque sistemático e generalizado contra a população civil, estruturado como uma política de Estado nos fatídicos Atos Institucionais, e a criação de um aparelho repressivo violento.

Os atos de sequestro, homicídio, falsidade ideológica, ocultação de cadáver, cometidos por agentes do Estado brasileiro durante o período da ditadura militar são atos desumanos que configuram crimes de lesa-humanidade, no âmbito de uma política de Estado e dirigidos contra setores da população civil. Seu caráter criminoso se baseia em normas do direito internacional que já vigoravam nos anos em que esses atos foram cometidos. É essa argumentação que permite assegurar que, embora tenham transcorrido mais de 20 anos, o Brasil tem que examinar os arquivos da ditadura e abrir processos judiciais para esclarecer as violações cometidas. Isso porque essas violações continuam vigentes, conforme a resolução 2338 da Assembleia-Geral das Nações Unidas e a convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e de lesa-humanidade.

De acordo com a Comissão de Direitos Humanos e a Corte Interamericana, as leis de anistia para violações graves de direitos humanos e crimes de lesa-humanidade impedem a investigação dos fatos e perpetuam a impunidade. Há uma posição unificada do sistema universal e do sistema interamericano de direitos humanos que considera que essas leis são contrárias a princípios de caráter universal e violam os tratados internacionais de direitos humanos, entre eles o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Igualmente, tribunais nacionais de instâncias superiores em países como Argentina, Chile, Peru e Colômbia decidiram que anistias, indultos e absolvições não podem impedir o cumprimento do dever do Estado de investigar e punir os crimes de lesa-humanidade cometidos em seu território por seus agentes. O cumprimento da sua obrigação internacional de persegui-los e puni-los, abstendo-se de usar a prescrição ou a existência de leis de anistia como justificativa para não fazê-lo, é a única posição adequada. De outra maneira, a afirmação por antinomia seria a de que o Estado viola deliberadamente seus compromissos internacionais.

As opções são claras: ou o Brasil decide comportar-se como um autêntico Estado de Direito, que respeita as obrigações internacionais consagradas na sua Carta Constitucional ou, pelo contrário, prefere enviar um perigoso sinal de impunidade a todos os que, em posições de poder, são capazes de abusar dos seus concidadãos.

*Ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e diretor do Centro Internacional para a Justiça de Transição (ICTJ). Este artigo contou com a colaboração do escritório do ICTJ em Bogotá

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Comissão da verdade nos Estados Unidos

El Pais de 21 de fevereiro de 2009
Comisión de la verdad en Estados Unidos
El senador Leahy propone investigar posibles violaciones a las leyes y a la Constitución en la etapa de Bush. Es el mejor modo de evitar en el futuro horrores como Guantánamo, los vuelos secretos de la CIA y la tortura
Desde los juicios de Nuremberg y hasta los que puedan producirse en Cuba dentro de algún tiempo, un reto decisivo propio de todo tránsito, en una etapa (bélica o política) caracterizada por violaciones horrorosas (el primer caso) o simplemente reprobables (el segundo caso), a los derechos humanos ha sido el ajuste de cuentas con el pasado.


Obama no oculta sus reservas ante esta iniciativa; prefiere "mirar hacia adelante"
Nuremberg sentó precedentes -los ejecutantes no pueden invocar la obediencia debida- y en América Latina se ha pasado por diversas variantes de las comisiones de la verdad en Argentina (Nunca Jamás, de Sábato), en Chile, en Uruguay, en El Salvador, en Guatemala y en México a medias. Quizás una de las más conocidas y más acreditadas haya sido la Comisión de la Verdad y de la Reconciliación establecida por Nelson Mandela en Suráfrica y presidida por Desmond Tutu, aunque no quedó a salvo de críticas importantes en torno a sus disposiciones de indulto a cambio de confesiones y de debilidad de acciones punitivas. Que el tema sigue vigente me lo confirmó hace unas semanas un presidente latinoamericano, personalmente cercano a los círculos gobernantes cubanos, quien me argumentaba, con resignación, que el gran obstáculo para cualquier paso a la democracia representativa en la isla reside en el terror de la dirigencia habanera ante el juicio y castigo eventual por sus posibles sucesores.

Por eso, resulta tan interesante la idea formulada hace unos días por el senador norteamericano Patrick Leahy, procedente del Estado de Vermont, y que además de presidir el Comité Judicial de esa cámara es uno de los integrantes más progresistas de la misma. Leahy propuso la creación de una Comisión de la Verdad para investigar las posibles violaciones a las leyes y a la Constitución por la Administración Bush. Dichas violaciones, que evidentemente encerrarían atropellos a los derechos humanos, se centrarían en el tema de la tortura (sobre todo el recurso al llamado water boarding, mas no limitado a ello), los centros de detención (principal, mas no únicamente Guantánamo), las llamadas entregas extraordinarias, que incluyeron aparentemente el sobrevuelo y escalas de aviones de la CIA en España (a Arabia Saudí, mas no exclusivamente a ese país) y otros abusos cometidos o palomeados por ex altos funcionarios como el vicepresidente Cheney, el secretario de la Defensa, Rumsfeld, y el procurador general, Gonzales.

Leahy, junto con algunos senadores más que apoyan la sugerencia como Sheldon Whitehouse de Road Island, y el representante John Conyers, presidente del Comité Judicial de la Cámara Baja, así como partidarios de la propuesta en la comunidad de derechos humanos, consideran que una Comisión de la Verdad, quizás semejante a la surafricana, dotada de poderes de presentación de personas y documentos, y de indulto, pero carente de la facultad del ejercicio de la acción penal, sería a la vez deseable y necesaria. Lo sería, en primer lugar, porque la acusación, consignación y juicio a través de los canales judiciales ordinarios, aunque sea posible, probablemente no desemboque en condenas y sentencias, sobre todo por razones de procedimiento; y en segundo lugar, porque consideran que la única manera de estigmatizar y prohibir, en el futuro, acciones semejantes a las del Gobierno de Bush consiste en investigarlas y castigarlas de esta manera para revocarles cualquier vigencia con precedentes aceptables. También creen, con bastante razón, que el resto del mundo jamás creerá en la rectificación y el arrepentimiento estadounidenses hasta que no se ajusten cuentas con el pasado, lo cual sólo puede lograrse, en esta perspectiva, a través de algún tipo de catarsis de "saber y publicitar", sino de "castigar".

Abundan las objeciones, por supuesto, y algunas de ellas, sin duda, explican las reservas del presidente Obama, que ha reaccionado insistiendo en que prefiere mirar hacia adelante, que hacia atrás. La primera objeción estriba justamente en que este procedimiento hace hincapié en el pasado, y en vista del rechazo virulento que la idea misma ha provocado entre varios miembros del Partido Republicano, resulta obvio que no sería conducente a cualquier tipo de bipartidismo, en el tema que fuera. En segundo lugar, si una comisión de esta índole fuera a acusar a alguien, o si sus conclusiones provocaran la consignación de alguien, pero dichos esfuerzos fracasaran antes de llegar a la sentencia, el episodio constituiría una especie de rehabilitación del Gobierno de Bush, y dejaría el respeto por los derechos humanos y por la ley más desacreditado que antes. La consigna de "dejar que los muertos entierren a los muertos", tema de un enorme debate reciente en España, no carece de méritos, aunque denigrar la investigación del pasado alegando que EE UU no es América Latina y que todo esto recoge un retintín tercermundista representa justamente el tipo de actitud que hundió a EE UU en el desprestigio que hoy padece en el mundo entero.

El que escribe pudo participar directamente en los debates que tuvieron lugar en México a principio de la Administración anterior sobre la creación de una Comisión de la Verdad. Junto con Adolfo Aguilar Zinser (DEP), fuimos los únicos integrantes del Gabinete del presidente Fox a favor de este camino. Pensábamos que en un mundo ideal, las pesquisas en torno al conjunto de abusos acontecidos durante los 70 años del régimen autoritario del PRI no debían circunscribirse a las violaciones de los derechos humanos (masacres: del 68, 10 de junio del 71, Acteal, Aguas Blancas, etcétera; desapariciones y tortura), sino abordar también los abusos de poder político y la corrupción. Pero aun limitando la mirada hacia atrás al tema de los derechos humanos, habría constituido un enorme paso hacia delante.

Las ventajas de una Comisión de la Verdad en México se antojaban evidentes. Se trataría de castigar a los autores de crímenes en el pasado; de establecer una ruptura con ese pasado, demostrándole a las familias de las víctimas, a la sociedad mexicana y a la comunidad internacional que, efectivamente, comenzaba una nueva era en México en materia de respeto a los derechos humanos, reconociendo que las instituciones judiciales del país, precisamente porque pertenecían a la era anterior, resultaban insuficientes para enfrentar estos desafíos.

Los inconvenientes también parecían evidentes: actuar de esa manera antagonizaría de manera ineludible al viejo partido en el poder, imposibilitando cualquier alianza con el PRI y condenado al nuevo Gobierno a la impotencia, dada su falta de mayoría en ambas Cámaras. La comunidad empresarial, la Iglesia, las fuerzas armadas, y quizás incluso los EE UU, no contemplaban con buenos ojos cualquier intento de remover los escombros del pasado, sobre todo si se trataba de excesos de los cuales hubieran sido cómplices. De cualquier manera, los retos ante el nuevo Gobierno eran de tal magnitud que los poderes fácticos mexicanos concluyeron que debiera concentrar su energía en el presente y en el futuro, no en el pasado. Sabemos hoy que Fox, al igual que el actual presidente de México, y aparentemente en compañía de Obama también, no obtuvieron ningún apoyo de sus respectivas oposiciones a cambio de su magnanimidad. Ahí hay una lección importante.

En esta batalla alcanzamos una especie de empate técnico. Se creó una Fiscalía Especial para investigar los crímenes del pasado, por un periodo muy definido, con magros recursos, y con un mandato ambiguo en materia de indulto, testigos protegidos y acceso obligatorio a documentos y testimonios. Al final decepcionaron los resultados, en gran medida porque los escasos intentos de juicio (por ejemplo, del ex presidente Luis Echeverría o contra el ex jefe de Seguridad Miguel Nassar Haro) fracasaron.

La enseñanza que el autor sacó de esta experiencia, que puede o no ser pertinente para EE UU -y otros países, por cierto-, es que si bien las medidas a medias jamás son idóneas, y en ocasiones pueden ser contraproducentes, son mejor que nada. La peor de las opciones reside en perpetuar la impunidad; casi siempre, las instituciones existentes, por el mero hecho de haber permitido los crímenes del pasado, son incapaces de investigarlos y castigarlos en el presente, o de impedirlos en el futuro.


Jorge Castañeda, ex secretario de Relaciones Exteriores de México, es profesor de Estudios Latinoamericanos en la Universidad de Nueva York

Pesquisa de transgênico limitada

Folha de São Paulo de 21 de janeiro de 2009:

Agricultores que compram sementes modificadas têm sido impedidos de fornecer amostras a cientistas, diz relatório enviado à agência



Agricultor monitora milharal transgênico em Iowa, nos EUA



Empresas de biotecnologia estão impedindo cientistas independentes de pesquisar a eficácia e o impacto ambiental de plantações geneticamente modificadas, afirma um relatório encaminhado ao governo americano por um grupo de 26 pesquisadores de universidades.
"Nenhuma investigação independente pode ser conduzida de forma legal em muitas questões críticas", escreveram os cientistas na declaração apresentada à EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos), que está recolhendo opiniões para pautar uma série de encontros científicos que realiza nesta semana sobre transgênicos.
A declaração vai provavelmente dar força aos críticos dessas plantações, como grupos ambientalistas que há muito queixam-se de que transgênicos não têm sido suficientemente estudados e que poderão ter consequências inesperadas à saúde e ao ambiente.
Os autores do novo manifesto, especialistas em insetos de milharais, não divulgaram seus nomes porque receavam ser cortados de pesquisas pelas empresas. Mas vários deles concordaram em dar entrevistas e ter seus nomes utilizados.
O problema, dizem os cientistas, é que os agricultores e outros compradores de sementes geneticamente modificadas têm de assinar um acordo para garantir que honrarão os direitos de patentes e os regulamentos ambientais. Mas os acordos também proíbem o cultivo das culturas para fins de pesquisa.

Permissão negada
Dessa forma, enquanto cientistas de universidades podem comprar livremente pesticidas ou sementes convencionais para suas pesquisas, não podem fazer o mesmo com sementes geneticamente modificadas.
Em vez disso, devem solicitar autorização das empresas de sementes. E, às vezes, a permissão é negada ou a empresa insiste em rever as conclusões antes de poderem ser publicadas, afirmam os pesquisadores.
Esses acordos são problemáticos há muito tempo, mas os cientistas disseram ter ido a público agora porque suas frustrações foram se acumulando.
"Se as empresas podem controlar a pesquisa, elas podem esconder possíveis problemas que apareceriam em qualquer estudo", diz Ken Ostlie, professor da Universidade de Minnesota, um dos cientistas que assinaram a declaração.
O mais surpreendente é que os cientistas que fizeram o protesto -a maioria deles afiliados a universidades com grandes programas em agrociências- dizem não ser opositores do uso da biotecnologia.
Entretanto, dizem, a asfixia provocada pela indústria sobre as pesquisas faz com que eles não possam fornecer algumas informações para os agricultores sobre a melhor maneira de cultivar as lavouras.
E, afirmam, os dados fornecidos a órgãos reguladores do governo estão sendo "indevidamente limitados". As empresas "têm o potencial de maquiar os dados, a informação que é submetida à EPA", afirma o entomologista Elson J. Shields, da Universidade Cornell.

Licença interrompida
Os acordos da Syngenta com os agricultores não só proíbem a pesquisa em geral mas também dizem que um comprador de semente não pode comparar um produto da empresa com qualquer outra cultura rival.
Ostlie, conta que, ainda em 2007, tinha permissão de três empresas para comparar a maneira com que as variedades de milho resistentes a insetos se saíam contra uma larva de besouro que ataca a cultura.
Mas, em 2008, a Syngenta, uma das três empresas, retirou sua permissão, e seu estudo precisou parar. "A empresa decidiu que não era de seu interesse deixar que a pesquisa continuasse", afirmou.
Chris DiFonzo, da Universidade Estadual de Michigan, disse que, quando conduz suas pesquisas em insetos, evita entrar em campos com culturas transgênicas porque sua presença faria com que os agricultores violassem os acordos e ficassem sujeitos a processo.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Projeto criando seguro ambiental

Bem Vindo, JOSE
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São Paulo, 19 de fevereiro de 2009 - 08h04 Edições Anteriores



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Jornal Valor Economico noticia em 19 de fevereiro de 2009:

Projeto cria seguro ambiental obrigatório

Uma nova e polêmica proposta na área da legislação ambiental pode chegar ao Congresso Nacional neste ano: a criação da obrigatoriedade de contratação de seguros de responsabilidade civil para a cobertura de danos ao meio ambiente. O tema está em estudo na Superintendência de Seguros Privados (Susep) e prevê a criação de uma companhia estatal, com participação da iniciativa privada, que garantiria a cobertura de danos ambientais às empresas, que, por sua vez, teriam a obrigação de contratá-la, sob pena de não conseguirem licenciamentos para iniciar suas obras. Se aprovado na Susep, o próximo passo do anteprojeto é seu encaminhamento ao Congresso, onde dois projetos sobre o tema tramitam desde 2003 - um deles, no entanto, foi arquivado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.

O tema já tem sido discutido em diversos países. Nos Estados Unidos e na Europa, o seguro ambiental não é compulsório, mas o segmento está em expansão. Já a Argentina passou a exigir, desde o ano passado, a contratação do seguro. No Brasil, os projetos já existentes nesse sentido - o já arquivado Projeto de Lei nº 937, e o Projeto de Lei nº 2.313, de 2003, proposto pela organização não-governamental Atitude e que ainda tramita na Câmara - condicionam a concessão de licenças ambientais à contratação de seguros de responsabilidade civil por danos ambientais, auditoria ambiental e contratação de técnicos especializados para acompanhar o empreendimento. Os projetos foram alvo de críticas de empresas pelo fato de não apontarem os limites e a forma de liquidação dos sinistros, o que os tornaria de difícil realização para as empresas e seguradoras.


A principal diferença da nova proposta, elaborada por procuradores federais e ainda pendente de avaliação na Susep, é a criação da "Seguradora Ambiental do Brasil", subordinada ao Ministério da Fazenda, por intermédio do poder de polícia administrativo do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Susep, e com participação da iniciativa privada. De acordo com o procurador federal representante da Susep Guilherme Baldan Cabral dos Santos, um dos autores do projeto, tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas estariam obrigadas ao seguro, em proporções diferentes que variam conforme o risco ambiental da atividade envolvida, no caso das empresas. Em um primeiro momento, a seguradora repararia o dano ambiental e, caso comprovado que ele foi causado por culpa de uma conduta inadequada da empresa, e não por um fenômeno natural, seria possível que a entidade ajuizasse uma ação regressiva na Justiça contra a empresa. Segundo Santos, a arrecadação da seguradora funcionaria nos moldes do Seguro Obrigatório de Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT). "Estamos baseados no artigo 225 da Constituição Federal, que determina ao poder público e à coletividade defender o meio ambiente e preservá-lo para as gerações futuras", diz Santos.


Como o projeto está em fase inicial na Susep, sua viabilidade ainda não foi discutida. Para o advogado João Luiz Cunha dos Santos, do escritório Carlos Mafra de Laet Advogados e que atua no mercado de seguros há 29 anos, a implantação da proposta com a consequente criação da seguradora estatal seria possível. Segundo ele, o mercado de seguros ambientais ainda é muito pequeno e não está preparado para absorver a demanda em caso de se tornar obrigatório. "Em uma segunda fase, o mercado poderia competir com a estatal, assim como ocorreu com o fim do monopólio no mercado de resseguros", diz Cunha. O advogado se refere ao IRB Brasil Re, empresa do governo que tinha o monopólio do setor até abril do ano passado - atualmente, já existem 42 corretoras atuando no segmento no país. "A fiscalização será muito importante para que o projeto se cumpra", diz Cunha.


Outra novidade da proposta é a previsão de vinculação com acordos internacionais relacionados ao meio ambiente, com a chancela das Organizações das Nações Unidas (ONU), para permitir que a estatal receba doações a um fundo garantidor de reservas técnicas de instituições estrangeiras, que teriam como contrapartida a aquisição de créditos de carbono. "Seria uma boa forma de atrair investimentos para o Brasil", diz Santos, co-autor da proposta.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Xenofobia e a Europa

Folha de São Paulo de 16 de fevereiro de 2009:
Crise acentua o risco de xenofobia europeia aumentar

Para estudioso, demissões em massa devem inflar aversão a estrangeiros já alimentada por sensação de declínio europeu e "guerra ao terror"

Operários britânicos protestam contra a contratação de portugueses e italianos para a construção de uma refinaria em Lindsey; manifestações se disseminaram

APÓS ANOS de marasmo econômico, a Europa mergulha numa onda de demissões propalada pela desaceleração econômica que ameaça atiçar a velha aversão de alguns setores por estrangeiros. Especialista em xenofobia, o sociólogo belga Marc Jacquemain diz ser cedo para avaliar se a crise agravou o quadro. Mas o sentimento de declínio das nações europeias somado à propagação de ideias populistas sob tal cenário, alerta, torna provável o acirramento do racismo.

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Meses antes do início da crise econômica mundial, em setembro, o premiê italiano, Silvio Berlusconi, já lançava seu pacote anti-imigração. Sob pressão do Vaticano, a criminalização dos clandestinos foi engavetada, mas o estado de emergência decretado nacionalmente por "excesso de imigrantes" e o censo dos ciganos, qualificado de "racista" pela União Europeia (UE), emplacaram.
As iniciativas, resposta à parcela da opinião pública que considera os estrangeiros responsáveis pela alta da criminalidade, surgiam num cenário europeu marcado pela proliferação de governos dominados ou integrados por partidos de extrema-direita. A virulência e a banalização dos discursos xenófobos, impulsionadas pelo desemprego e a queda do poder de compra, contaminaram até legendas historicamente moderadas em termos de imigração.
O acirramento da tensão se traduziu em violência. Segundo dados oficiais, houve aumento de denúncias de agressões raciais em pelo menos oito países da UE desde o 11 de Setembro.
A profunda crise econômica deflagrada nos EUA coincide agora com novos reflexos ultranacionalistas. Trabalhadores de uma refinaria de petróleo do Reino Unido fizeram greve contra a admissão de empregados estrangeiros, e imigrantes romenos foram trocados por ingleses nas obras para as Olimpíadas de Londres (2012).
Já Berlusconi tenta mudar a lei para permitir que médicos possam delatar a autoridades policiais pacientes estrangeiros em situação irregular na Itália.
À Folha, por telefone, o sociólogo Jacquemain disse temer que alguns países acabem dando as costas ao mundo e afirmou que a "rejeição do diferente" é inerente à natureza humana. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.




FOLHA - A xenofobia está em alta na Europa?
MARC JACQUEMAIN - Parece-me precipitado dizer que a xenofobia está aumentando. Não há evidência estatística. Concretamente, o que temos são fenômenos políticos que correm o risco de acirrá-la. Um exemplo é o discurso sobre a "preferência nacional", que tem se disseminado e agora norteia até os partidos de direita clássica.
Nicolas Sarkozy se elegeu à Presidência da França em 2007 com uma plataforma repleta de ideias inspiradas na extrema direita, apesar de ele mesmo não ser um xenófobo. Na Itália, Silvio Berlusconi, cuja base eleitoral, diga-se de passagem, se restringe em grande parte ao norte do país, defende abertamente ideias populistas e governa com apoio da Liga Norte, partido com valores xenófobos.
Nesse contexto, a posição em relação à imigração acabou se tornando uma linha de demarcação clara entre esquerda e direita na Europa. E, como há uma direitização da cena política europeia, é possível que aumente a busca por bodes expiatórios imigrantes.
Esse fenômeno ocorre mesmo dentro da Europa, onde estamos longe de aceitarmos uns aos outros. Poloneses e romenos são mal vistos na Alemanha e em Portugal. Os europeus têm dificuldades até entre si.

FOLHA - De onde vem tamanho medo dos imigrantes?
JACQUEMAIN - Não dá para saber o que passa pela cabeça das pessoas. Em todo caso, há uma clara expressão da xenofobia no plano político. Ela tende a se generalizar, mas se manifesta com destaque maior nas regiões mais ricas da Europa -Holanda, Áustria, Suíça, Noruega, norte da Itália...
O fenômeno surge principalmente de parte da classe média, que viveu por décadas em situação privilegiada e hoje se sente fragilizada em relação à globalização. Os pais sabem que seus filhos enfrentarão um cenário com muito mais dificuldade do que eles. Apontar para o imigrante como bode expiatório foi a estratégia que muitos partidos políticos adotaram na Europa. Isso acabou alimentando mais ainda a ideia de construir uma Europa-fortaleza para se proteger da concorrência externa.
Esta é a questão fundamental por trás do sentimento anti-imigrante de uma parcela expressiva de europeus. Mas é preciso ressaltar que essa tendência à xenofobia também foi impulsionada pela propagação das ideias antiterroristas e de guerra entre civilizações defendidas por George W. Bush, que via perigo islamista em toda parte. Os europeus rejeitaram claramente o belicismo de seu governo, mas acabaram embarcando na onda de medo do islã. Afinal, quem está perto do mundo islâmico é a Europa, não os EUA.
É a convergência desses dois fenômenos -o sentimento de declínio dos europeus e o delírio antiterrorista do governo Bush- que explica boa parte da atual xenofobia europeia.

FOLHA - A crise econômica global pode aumentar o racismo?
JACQUEMAIN - É sempre complicado tentar prever reações sociológicas, mas acho bastante provável que isso ocorra. Todos os ingredientes estão aí.

FOLHA - Existe alguma relação entre a xenofobia e as medidas protecionistas que os governos estão tomando contra a crise?
JACQUEMAIN - Acho que existe uma conexão, embora de contornos ainda imprecisos, entre os reflexos protecionistas dos governos nas últimas semanas e a xenofobia de partes significativas da população.
As dificuldades sociais e econômicas estão pressionando muitos chefes de Estado e de governo na Europa a levarem cada vez mais em conta a impressão popular de que a concorrência de fora representa uma ameaça direta aos sistemas domésticos. É difícil manter parâmetros duradouros de racionalidade diante de uma crise tão profunda e que reforça tão intensamente a simbologia do declínio coletivo.
Populações de regiões como Flandres [Bélgica de língua flamenga e Holanda] e Escandinávia tendem a achar que podem se livrar dos problemas se resolverem as coisas sozinhas.
Ainda não há sinais objetivos de que isso ocorrerá, mas percebo um risco de alguns países ricos decidirem dar as costas ao mundo. Além de ser uma reação xenófoba, causaria uma grande fragmentação sociológica capaz de minar o projeto de se caminhar rumo à consolidação de uma Europa política.

FOLHA - O impacto da crise sobre os sentimentos xenófobos será o mesmo na Europa e nos EUA?
JACQUEMAIN - A globalização está fragmentando todas as grandes sociedades, na Europa, na América do Norte, na América Latina, na Ásia, na África. E os contornos do fenômeno não estão totalmente claros. Do ponto de vista econômico, os EUA ostentam enormes contrastes. São a maior potência econômica, comercial e financeira no mundo. Mas as áreas ricas do Brasil são muito mais ricas do que as áreas pobres dos EUA. Do ponto de vista cultural, os EUA formam hoje um conjunto bem mais homogêneo do que a fragmentada e dividida Europa, mesmo tendo vivido uma guerra civil terrível [1861-65, deixando quase um milhão de mortos].

FOLHA - A xenofobia se resume apenas a explicações sociológicas e econômicas?
JACQUEMAIN - De jeito nenhum. O que algumas pessoas chamam de sentimento de "rejeição do outro", do "diferente", é um dado constante da natureza humana. Mas essa rejeição muda em função das circunstâncias. As táticas dos políticos em determinados contextos podem fazer com que a aversão aumente ou seja administrada de forma mais harmoniosa. Na lente criada pelo momento atual, as diferenças tendem a ser mais vistas como ameaça.

Cerca de US$ 23 bi desapareceram do Iraque após guerra

Mais uma notícia proveniente do site da BBC. Indícios do Capitalismo de Desastre de Naomi Klein, ou da economia de guerra citada por Paulo Arantes em Extinção.


Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/06/080610_iraquebbcinvestigafn.shtml

Uma investigação da BBC aponta que uma quantia estimada em US$ 23 bilhões foi perdida, roubada ou simplesmente deixou de ser registrada no Iraque.

Pela primeira vez, o tamanho dos lucros de empreiteiros privados conseguidos com o conflito e a reconstrução do país foram pesquisados, a partir de fontes dos governos dos Estados Unidos e do Iraque, pelo programa de televisão Panorama, exibido pela BBC na Grã-Bretanha.

Uma ordem judicial nos Estados Unidos proíbe a discussão das alegações. A ordem se aplica a 70 casos judiciais contra algumas das maiores companhias americanas.

A oposição democrata americana continua pressionando o governo a respeito dos lucros conseguidos no Iraque.

"O dinheiro que foi desperdiçado, que fez parte de fraudes ou abusos sob estes contratos, é escandaloso, é chocante", diz Henry Waxman, presidente do Comitê de Vigilância e Reforma Governamental da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. "Pode ser o maior lucro com guerra da história."

Concorrência

Enquanto George W. Bush permanecer na Presidência americana é improvável que a ordem judicial que proíbe as discussões seja suspensa.

Até o momento, nenhum grande empreiteiro americano enfrenta julgamento por fraude ou má administração no Iraque.

Antes da invasão do país, uma das mais importantes autoridades responsáveis pelas aquisições do Pentágono levantou objeções a um contrato de valor potencial estimado em US$ 7 bilhões dado à Halliburton, companhia texana que era liderada por Dick Cheney antes de ele assumir o cargo de vice-presidente americano.

Diferente do que normalmente ocorre, apenas a Halliburton disputou e venceu a concorrência.

Desvio


Para o juiz Radhi al Radhi, corruptos são 'criminosos'
Para o juiz Radhi Al-Radhi, corruptos são 'criminosos'

A busca pelos bilhões desaparecidos também levou a reportagem da BBC a uma casa em Acton, no oeste de Londres, onde Hazem Shalaan viveu até ser indicado para o cargo de ministro da Defesa pelo novo governo iraquiano em 2004.

Shalaan e seus associados são acusados de desviar cerca de US$ 1,2 bilhão do ministério.

Eles teriam comprado equipamentos militares antigos da Polônia e alegado que eram equipamentos de última geração, com o objetivo de desviar o dinheiro para suas próprias contas.

Shalaan foi condenado a duas penas de prisão, mas fugiu do Iraque. Ele afirmou que é inocente e que as acusações fazem parte de um plano contra ele de parlamentares iraquianos que são pró-Irã.

Existe uma ordem de prisão para Shalaan, da Interpol, mas ele permanece fugindo pelo mundo a bordo de um jato particular.

Shalaan ainda é proprietário de imóveis comerciais na área de Marble Arch, uma região cara de Londres.

O juiz Radhi Al-Radhi, da Comissão para Integridade Pública do Iraque, investigou o caso. "Creio que estas pessoas são criminosas", disse à BBC.

"Eles não reconstruíram o Ministério da Defesa e, como resultado, a violência e derramamento de sangue continuaram", acrescentou. "O assassinato de iraquianos e estrangeiros continua, e eles têm responsabilidade", acrescentou.

Mais exército, por favor!

Segue abaixo notícia publicada no site da BBC em português acerca da "nova política" do exército americano para as Guerras do Iraque e Afeganistão. Nada mais lógico nessa política do que o puro espírito terceirizador já utilizado no Vietnã e a lógica mercadológica em torno do Green Card.
Mais um indício de que a exceção permanente ao qual nos encontramos ainda está distante ter algum fim.


Exército americano 'quer atrair imigrantes', diz jornal


Os Estados Unidos vão fornecer vistos temporários a imigrantes que ingressarem nas Forças Armadas do país, de acordo com artigo publicado neste domingo pelo jornal americano New York Times.


Esta seria a primeira vez que tal medida seria adotada desde a Guerra do Vietnã.

Até agora, os imigrantes tinham que possuir residência permanente (o green card) para poder ingressar nas Forças Armadas.

Mas, segundo o jornal, os estrangeiros com vistos temporários vão ter seus processos de residência acelerados, se eles se alistarem.

Comunicação

O objetivo do Pentágono é suprir deficiências nas áreas de saúde e tradução, especialmente para as zonas de combate no Afeganistão e Iraque.
"O Exército americano se vê em países onde conhecer a cultura local é crítico", disse o general Benjamin Freakley.

Ele disse também que, enquanto "o Exército ganha em capital humano, os imigrantes ganham a cidadania deles".

O jornal afirma que o processo de cidadania pode ser acelerado dos atuais 10 anos em média para até seis meses.

No primeiro ano, o esquema será limitado a mil recrutas e, se bem-sucedido, será ampliado.

Mas o Times afirma que alguns oficiais e veteranos se opõe à iniciativa, dizendo temer que alguns estrangeiros tenham sua lealdade dividida ou mesmo que "terroristas" se infiltrem no Exército.

Fonte : http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/02/090215_eua_exercito_imigrantes_rc.shtml

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Fukyama e o papel do estado

Folha de São Paulo de 15 de fevereiro de 2009 Caderno Mais:

Nações fora de lugar
AUTOR DA TEORIA DO FIM DA HISTÓRIA DIZ QUE A INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA REPRESENTA UMA "NOVA FASE" DO CAPITALISMO


Operários ingleses protestam contra a admissão de estrangeiros estendendo bandeira do país com a frase "empregos britânicos para trabalhadores britânicos"

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A atual crise econômica não é o fim da história nem do capitalismo, mas do reaganismo, diz Francis Fukuyama. Para o autor de tese sobre o fim da história, acabou o movimento que há 30 anos prega a não-intervenção no mercado. "Agora, vamos começar uma nova fase, com mais intervenção do Estado", disse à Folha, em entrevista por telefone. Professor da Universidade Johns Hopkins, o economista e filósofo norte-americano de origem japonesa divulga nesta semana, em Washington, o recente "Falling Behind - Explaining the Development Gap Between Latin America and the United States" (Ficando para Trás - Explicando a Distância no Desenvolvimento da América Latina e dos EUA, Oxford University Press, 336 págs., US$ 29,95, R$ 69), organizado por ele.






FOLHA - O que mudou na distância cultural-econômica entre a América Latina e os EUA desde que começou a estudar o assunto, em 2005?
FRANCIS FUKUYAMA - Estamos no meio de uma crise econômica mundial, então tudo mudou para todo mundo. O que acho interessante nesta crise é que, desta vez, foi o mau gerenciamento nos EUA que a alavancou. A América Latina está sendo atingida, mas o dano até agora não é dos maiores, com algumas exceções, como a Venezuela. O gerenciamento macropolítico colocou os países da região em um bom lugar; ninguém vai passar por ela ileso, mas, em comparação com as décadas passadas, a América Latina está em uma posição muito melhor.

FOLHA - Então, após décadas de sermões do FMI e do Banco Mundial, a região superou os mestres?
FUKUYAMA - Sim, está melhor que o professor, em certos aspectos. Acho que os EUA não seguiram os mesmos conselhos que dão a outros países e só conseguiram fazer isso por causa do papel do dólar como moeda forte, então a economia americana pôde seguir suas próprias regras. Se isso não acontecesse, o dólar teria despencado muito tempo atrás.

FOLHA - O sr. anteviu essa mudança de papéis?
FUKUYAMA - Não, eu fiquei muito surpreso e não poderia imaginar que Wall Street sofreria esse colapso total.

FOLHA - De volta a seu estudo, como explicaria a distância entre a América Latina e os EUA?
FUKUYAMA - É uma história que começa 300 anos atrás. No começo, havia regiões na América Latina com renda per capita maior que a da América do Norte. Por exemplo, em 1790, a renda per capita em Cuba era maior que a de Massachusetts. Mas essa distância foi crescendo de maneira consistente, às vezes com velocidade maior, outras menor. Contudo a razão mais importante para que isso acontecesse foi a grande desigualdade na estratificação social na América Latina. Uma sociedade muito desigual pode crescer bastante, como aconteceu com o México ou o Brasil desde os anos 1950 até os anos 70 ou nos últimos cinco ou seis anos. Mas esses períodos de crescimento acabam por causa da instabilidade política e do fato de que a riqueza não é distribuída por toda a sociedade. Os longos períodos de instabilidade param o crescimento econômico, e é nesses momentos que a distância entre a América Latina e a América do Norte tende a ficar maior. Hoje em dia isso fica muito claro quando olhamos para países como Venezuela, Equador e Bolívia, em que há uma grande população de raças diferentes que nunca se sentiram incluídas no processo politico. O tipo de populismo que aparece hoje nesses países traz essas doenças sociais à tona, mas, a não ser que lidemos com elas de uma maneira séria e definitiva, a distância só vai continuar a crescer.

FOLHA - O sr. também rejeita a tese de que católicos são piores colonizadores que protestantes.
FUKUYAMA - A identidade dos colonizadores é importante, mas não por conta da religião. Tem a ver com o jeito como aquelas autoridades gerenciavam os seus impérios. Alguns países, como México e Peru, foram estabelecidos apenas para que os colonizadores viessem levar o ouro e a prata desses lugares para as suas metrópoles e, para fazer isso, fizeram os índios virarem escravos e estabeleceram um sistema hierárquico muito duro. E essa política social foi levada adiante até para países que não tinham esses recursos naturais. Na América do Norte, o sistema era muito diferente, porque não havia ouro nem prata nem outros recursos minerais que fossem apreciados à época. Ao invés de virem buscar riquezas, os colonizadores trouxeram famílias de fazendeiros e deram pequenos pedaços de terra para que pudessem plantar e viver do que plantavam, e um governo foi estabelecido para cobrar imposto dessas pessoas. Foi melhor negócio para as colônias, em comparação com o que aconteceu com a América espanhola ou a portuguesa.

FOLHA - A crise atual pode levar a região a repetir erros do passado, como pôr a democracia em risco ou se voltar para o populismo? Há risco de a história se repetir?
FUKUYAMA - Não é inevitável, mas é um grande risco. Até para quando as coisas estão indo bem. Nos últimos anos, esse tipo de populismo vem voltando à região em países como a Bolívia e a Venezuela e potencialmente até com a quase eleição de Lopes Obrador no México. E, obviamente, quando as coisas não vão bem, ainda mais com o descrédito das ideias vindas de Washington, esse pensamento tem tudo para voltar a ser alimentado. A única coisa que pode ajudar é que, acredito, as sociedades aprendem com o passar do tempo, então acho que as pessoas sabem que o populismo também tem seus perigos.

FOLHA - A eleição de Obama não mitiga esse risco?
FUKUYAMA - Sim, se ele levar os EUA a uma direção completamente diferente, e a política americana é notável por se reinventar. Creio que estamos nesse processo. Finalmente saímos dos anos Reagan. Ideias diferentes vão começar a sair de Washington, e espero que haja um pouco mais de humildade na política externa, um enfoque mais cooperativo com outras nações. Se isso acontecer mesmo, os EUA podem recuperar um pouco da boa vontade e da credibilidade perdidas nos últimos oito anos.

FOLHA - Qual será o papel do Brasil nesse "novo mundo"?
FUKUYAMA - É um papel muito importante, porque o país dá o tom para o que vai acontecer nos outros países na região. Acho que uma das razões pelas quais a América Latina como um todo está se saindo bem é que os dois últimos presidentes do país foram bons líderes. O que acontece no Brasil tem um impacto muito importante nos outros países.

FOLHA - O que mais a região deveria estar fazendo e não está?
FUKUYAMA - Se olharmos para as origens da desigualdade, algumas são herdadas do passado, mas é quase tudo resultado de políticas sociais, que na América Latina são reforçadas o tempo inteiro. Se compararmos seu nível de desigualdade com o de lugares como o Japão ou a Europa Ocidental ou mesmo os EUA, há uma redistribuição de renda substancial dos mais ricos para os mais pobres. E isso não acontece na América Latina porque os gastos públicos acabam ajudando as elites ou a classe média. Então daria para fazer muita coisa só com a redistribuição desses gastos, se você conseguir passar pela oposição de grupos políticos que representam essas elites.

FOLHA - O Bolsa Família seria um mecanismo?
FUKUYAMA - É um programa social relativamente bem feito e que foi criado para diminuir essa desigualdade. Economistas que estudaram o Bolsa Família provaram que a iniciativa foi bem-sucedida. Meu medo é que a crise faça desses programas sua primeira vítima. O outro perigo é que a corrupção ainda existe e pode fazer esse dinheiro ir para os protegidos dos políticos em vez de ir para os mais pobres de verdade. Isso já acontece na Nicarágua, mas, até onde sei, ainda não acontece no Brasil. Mas é um perigo, e a sociedade deve prestar atenção.

FOLHA - Como o mundo sairá da crise?
FUKUYAMA - Não sei o que vai acontecer no resto do mundo, mas acho que os EUA estão caminhando para uma recessão bem longa, porque passamos os últimos 30 anos gastando mais do que tínhamos, especialmente nos últimos oito anos. E será muito difícil recomeçar o processo de crescimento com toda essa dívida. Sou moderadamente pessimista nesse aspecto. E isso vai ter um impacto no resto do mundo, porque os EUA serviram como o motor do consumo mundial.

FOLHA - As ações do novo governo vão funcionar?
FUKUYAMA - Suspeito que esse plano não será suficiente e, se você olhar para os detalhes, há várias coisas que poderiam ser diferentes. O problema é que, quando você se oferece para gastar US$ 800 bilhões, muitos interesses políticos acabam sendo envolvidos e muitos gastos previstos não vão aos lugares certos. Dá para fazer muitas críticas, mas também não vejo alternativa nesse momento.

FOLHA - Será o fim não da história, mas do capitalismo como o conhecemos?
FUKUYAMA - É o fim do reaganismo, não do capitalismo, de um movimento que há 30 anos prega a não-intervenção no mercado. Não, não é o fim do capitalismo, mas um movimento pendular geracional nas políticas e nas ideias.
Não estou condenando o reaganismo, que foi muito importante para o mundo: a liberalização da economia brasileira no governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi muito importante, apesar de não ter ido tão longe quanto deveria, mas tirou o Brasil da hiperinflação e da péssima situação macroeconômica em que estava antes.
Mas essa fase acabou, agora vamos começar uma nova, com mais intervenção do Estado. De novo, não é o fim do capitalismo, é só mais um ciclo da economia e da história

O papel da Antropologia

Folha de São Paulo de 15 de fevereiro de 2009 - Caderno Mais:

Fome de viver
Suposto caso de antropofagia no Amazonas força o reexame da relação do Brasil com suas comunidades indígenas

Que interesses estão por trás dessas sistemáticas campanhas contra os indígenas?

A morte de Océlio de Carvalho, 21, em uma aldeia da etnia culina, em Envira, no Amazonas, em 3/2, traz à tona questões complexas envolvendo populações indígenas brasileiras. Segundo relato do sargento da PM José Carlos da Silva, que iniciou a apuração do caso, Carvalho levou pelo menos 80 facadas, teve o corpo partido em duas partes e o fígado, o coração e parte da coxa comidos. Os culinas têm contato com não-índios desde o século 19 e, de acordo com a Funai, não existe a prática da antropofagia entre os povos indígenas no Brasil contemporâneo. Em entrevista à Folha, o antropólogo e coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) João Pacheco de Oliveira diz que a antropofagia é "um hábito defasado temporalmente". Também diz que esse caso traz "para a discussão pública temas bizarros", que "omitem sistematicamente os problemas reais vividos pelos indígenas", reforçando estereótipos. Na entrevista abaixo, Pacheco -que também é professor do Museu Nacional da UFRJ- alerta para a necessidade de reavaliarmos a relação da sociedade brasileira com os povos indígenas.






FOLHA - Do ponto de vista antropológico, os hábitos culturais indígenas -inclusive a antropofagia- devem ser respeitados?
JOÃO PACHECO DE OLIVEIRA - Penso que se deve lidar com esse assunto de forma cuidadosa. Neste caso, o relativismo cultural deve ser sustentado enquanto metáfora. A antropologia supõe uma dialogia entre culturas. Essa ideia de uma aplicação plena dos direitos culturais deve ser analisada cuidadosamente. Essa questão deverá ser avaliada segundo o código cultural com o qual se deu o fato.

FOLHA - Ainda poderiam existir grupos indígenas isolados no interior do país em que a antropofagia constitua um hábito cultural?
OLIVEIRA - Existem no brasil cerca de 740 mil índios divididos em aproximadamente 220 povos. Os índios isolados, não-contactados, somam menos de 20 povos. Demograficamente, as estimativas trabalhariam com 2.000 pessoas. Tratam-se, às vezes, de famílias isoladas dentro da mata, vivendo como refugiados dentro de uma Amazônia cheia de projetos econômicos. É muito difícil supor que a antropofagia ainda aconteça na Amazônia. Ela viveria apenas na memória das populações.

FOLHA - Que aspectos caracterizam a antropofagia na história social dos índios brasileiros?
OLIVEIRA - Tratava-se de uma promoção social da vítima, uma forma de prestígio social específico, a ideia de uma morte gloriosa, honrosa, pois a antropofagia estava relacionada a sociedades guerreiras. É um contexto que, hoje, se apresenta defasado temporalmente. Por isso, me parece inviável a antropofagia no contexto atual dos indígenas brasileiros.

FOLHA - A morte na aldeia da etnia culina poderia, de fato, ser considerada um caso de antropofagia?
OLIVEIRA - Acredito que não se trata de um caso de antropofagia ocorrido dentro dos códigos culturais tradicionais indígenas. Que sentido tem falar em um caso real de antropofagia supostamente ocorrido neste contexto? Apenas reforçar velhos estereótipos sobre a crueldade dos índios, sobre o seu caráter vingativo e traiçoeiro, reforçar as formulações que colocam em risco a oportunidade de lhes conceder direitos e de tratá-los como cidadãos. Não estamos falando em canibalismo metafórico, como no modernismo, onde os índios não são isolados dos demais brasileiros nesse aspecto, mas apenas explicitam uma dimensão latente da nossa cultura. Também não estamos falando de uma pesquisa científica sobre a instituição da antropofagia ritual, o impacto de memórias, mitos e valores guerreiros sobre a organização social. O que se instaura é uma investigação policial que irá vitimizar pessoas e, no fundo, buscar reexaminar as relações do Brasil com essas sociedades, herdeiras das populações autóctones desta terra.

FOLHA - No Brasil, os processos criminais envolvendo índios desconsideram questões de relevância antropológica?
OLIVEIRA - O tema da antropofagia é apenas um entre vários acionados. Há pouco, perguntava-se sobre o infanticídio! No caso de Roraima, demarcar a terra dos makuxis iria implicar a expulsão de não-índios casados com índias e, portanto, na dissolução de famílias interétnicas (note-se que nunca os índios reivindicaram isso!). Há alguns anos, falou-se de garimpeiros mortos por indígenas em Rondônia, sem nem sequer estabelecer que mortes resultaram de conflitos entre os diferentes e opostos grupos de exploradores. Quantos casos desses temas podemos citar? Pouquíssimos, nem uma dezena. E quantas são as mortes de índios em conflitos fundiários nos últimos anos? Sobem a centenas, segundo levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário! E as mortes provocadas por epidemias diversas e por condições de saúde extremamente precárias? E os suicídios de jovens ocorridos entre os guaranis do Mato Grosso do Sul, que foram desalojados de suas terras tradicionais? O objetivo (com acusações como a atual) parece ser sempre fazer os indígenas sentarem no banco dos réus, justificarem-se perante a sociedade, voltarem a ser suspeitos de constituir uma forma imperfeita de humanidade. Voltarem a ter quem os tutele de perto, que limite sua liberdade e seus direitos. Que não possam ser respeitados e aceitos como cidadãos normais. Gostaria de saber que interesses concretos estão por trás dessas sistemáticas campanhas contra os indígenas, que levam para a discussão pública temas bizarros e omitem sistematicamente os problemas reais vividos por eles.

FOLHA - Qual é o cenário social, político e cultural das populações indígenas no Brasil contemporâneo?
OLIVEIRA - O cenário é bastante delicado. Por um lado, existem vários programas governamentais contra a pobreza e a marginalidade que têm impactado positivamente os indígenas.
Por outro, a economia para exportação (notoriamente, mas não só, a soja) tem criado fortes pressões contra os indígenas em vários pontos da Amazônia e fora dela.
A atividade da Funai no reconhecimento e na regularização de terras indígenas tem enfrentado pesada carga de governadores, políticos e empresários.

Mike Davis e a questão ambiental

A Folha de São Paulo de 15 de fevereiro de 2009 noticia:

Clima pesado
PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, O URBANISTA MIKE DAVIS DEFENDE A REDISTRIBUIÇÃO DO PODER GLOBAL PARA COMBATER OS EFEITOS AMBIENTAIS DA CRISE ECONÔMICA



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Obama comprometeu seu programa ambiental ao demonstrar entusiasmo pelo "carvão limpo"
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É preciso uma estratégia mundial para o aquecimento global
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Pelos menos duas grandes crises assustam as previsões para o decorrer deste ano -e, possivelmente, dos próximos também. Uma delas, já bastante difundida e prontamente socorrida pelos governos, diz respeito ao estado de incertezas que recobre a economia global. A outra, a crise climática e ambiental, ainda parece, no entanto, coisa de um futuro distante -embora já esteja ocorrendo agora, como alerta, em entrevista à Folha, o urbanista Mike Davis.
Professor na Universidade da Califórnia, Davis lembra que "o clima está mudando mais rápido do que a capacidade de adaptação de plantas e animais". Cita como exemplos as nevascas que vêm atingindo a Inglaterra nas últimas semanas ou as alterações climáticas no sudoeste dos EUA, no norte do México e no leste da região banhada pelo mar Mediterrâneo, locais que têm se tornado mais secos e quentes.
Crítico das implicações ambientais do capitalismo, Davis é autor de obras como "Planeta Favela" (Boitempo) e "Cidades Mortas" (Record). Para ele, "a mudança climática ainda não assumiu um papel central na geração de um colapso econômico, embora tal conjuntura seja obviamente previsível". Ele aponta, por exemplo, que o aumento no preço dos grãos, em 2008, foi resultado, em parte, dos desastres climáticos dos últimos dez anos. Na entrevista abaixo, Davis defende que "as mudanças para salvar o planeta devem envolver a redistribução do poder econômico e a redefinição dos padrões de consumo em níveis sociais e globais". (ESM)




FOLHA - Qual é a relação entre as mudanças climáticas das últimas décadas e a atual crise econômica?
MIKE DAVIS - Os desastres climáticos da última década quase destruíram a indústria global de seguradoras e contribuíram para a perigosa e recente inflação nos preços de grãos. Mas a mudança climática ainda não assumiu um papel central na geração de um colapso econômico, embora tal conjuntura seja previsível. Por outro lado, graças à crise e à campanha de Barack Obama, o "keynesianismo verde" emergiu como uma ideia poderosa que poderia reagrupar o movimento ambiental e os sindicatos em torno do investimento público no emprego, gerando investimentos públicos em infra-estrutura verde. Corporações lobistas, naturalmente, aceitam o slogan de que uma infra-estrutura verde está tão distante quanto a possibilidade de transformar uma política para indústrias de alta tecnologia e riscos capitalistas. Entretanto a simples introdução da ideia no discurso público é um progresso e oferece uma nova ligação entre verdes e trabalho.

FOLHA - O sr. acredita que o governo Obama irá tratar com mais responsabilidade que o governo George W. Bush os impactos da crise ambiental e climática?
DAVIS - Sim, e Obama não somente cooperará com a União Europeia e outros países que assinaram o Protocolo de Kyoto [tratado internacional que prevê a redução na emissão de gases poluentes na atmosfera], mas provavelmente abrirá um novo canal para negociações climáticas com os chineses. Contudo, é uma outra questão prever se as negociações produzirão resultados sérios. Os países europeus que tomaram a direção das negociações sobre o clima estão agora divididos internamente e indecisos, logo há expectativas fantasiosas -como sobre a economia e a capacidade de Obama de se tornar líder mundial. Mesmo nos EUA prometeu mais do que poderia, pois sua agenda de trabalho será moldada pelo Congresso. Além disso, ele comprometeu seu próprio programa ambiental ao demonstrar entusiasmo pelo "carvão limpo". Pois os carros elétricos terão pouco impacto na redução do aquecimento global se a eletricidade continuar a ser produzida com carvão.

FOLHA - Diante da crise ambiental, que novo clima está a caminho?
DAVIS - Estamos vivendo em uma nova Terra. No próximo século, o sistema climático global será governado por níveis de acumulação de gases sem precedentes nos últimos 3 milhões de anos. A maior retenção da energia solar conduzirá a mais eventos climáticos extremos; contudo, e mais importante, reorganizará padrões de chuvas regionais e temperaturas, com grandes implicações para a agricultura irrigada e a qualidade da água consumida nas cidades. O papel de massas polares marítimas, produtividade agrícola, poluição urbana etc. complicará enormemente a constituição de climas futuros. Mas duas tendências estão claras: o aquecimento acelerado das altas latitudes do hemisfério Norte, com o consequente derretimento do gelo marinho, e a dramática expansão de regiões semiáridas nas latitudes médias. De acordo com os estudos de ponta de Richard Seager e sua equipe no Lamont-Doherty (laboratório da Terra da Universidade Columbia, nos EUA), as condições climáticas no sudoeste americano, no norte do México e, possivelmente, no leste do Mediterrâneo já estão mudando, com estações mais quentes e mais secas. Em muitos casos, o clima está mudando mais rápido do que a capacidade de adaptação de plantas e animais, provocando, desse modo, a extinção de espécies e simplificações ecológicas. É mais fácil, claro, visualizar os rápidos processos e as singularidades catastróficas -gigantescos furacões, secas épicas etc.- do que ver os aspectos mais lentos, porém ainda mais poderosos, da mudança do clima -diminuição gradual da produção agrícola, desertificação crescente etc.

FOLHA - A nevasca que caiu no Reino Unido no início deste mês foi a pior dos últimos 18 anos no país, paralisando aeroportos, o sistema de transportes e acarretando enormes prejuízos econômicos. As metrópoles serão os espaços que mais sofrerão com as mudanças climáticas?
DAVIS - Bem, clima atípico é clima. Os indícios científicos ligados ao aquecimento global não são visíveis apenas em algum caso particular. Por essa razão, um observador prudente hesitaria em atribuir a nevasca em Londres e mesmo o furacão Katrina [que destruiu a cidade de Nova Orleans, no sul dos EUA, em 2005] a uma mudança climática antropogênica. Por outro lado, a incidência de colapso dos sistemas urbanos por eventos climáticos extremos tem aumentado. Serão necessários trilhões de dólares para adaptar as cidades, mesmo as ricas, ao clima novo e "normal" que está chegando.

FOLHA - Na sua opinião, os programas de combate ao aquecimento global têm sido eficientes?
DAVIS - Não, falharam até em relação a expectativas modestas. Kyoto teve impacto insignificante, e as emissões de gases de 2000 a 2007 aumentaram mais rapidamente do que era previsto nos piores cenários. E há um otimismo público pequeno, em meio à crise econômica mundial, de que a conferência do clima de Copenhague [na Dinamarca, onde se discutirá, em dezembro, um acordo substituto para o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012], produzirá uma continuação séria de Kyoto. Alguns países europeus, incluindo Alemanha e Itália, estão indo agressivamente atrás de carvão -o combustível fóssil mais sujo e mais barato. Precisamos de uma estratégia mundial para a adaptação ao aquecimento global, assim como a redução nas emissões de gases de efeito estufa. Mas, graças ao fracasso dos países ricos em reduzir as emissões, a maioria dos impactos ruins cairá sobre países mais pobres, com menos meios para adaptar seus sistemas agrícolas, recursos hídricos e ambientes construídos. Por isso é que devemos lutar para ganhar o reconhecimento da "dívida ecológica" que o Norte tem com o Sul: somente grandes transferências de renda podem permitir que os países mais pobres invistam em adaptações significativas (colheitas novas e irrigação de gotejamento, conservação da água urbana, energia solar etc.)

FOLHA - A defesa do ambiente exige a atuação conjunta de mudanças individuais de atitude e políticas públicas que alterem hábitos coletivos de consumo. Como implementar de maneira eficaz tais processos?
DAVIS - Promover uma ética verde em nível individual é importante, e nós deveríamos ser responsáveis pelos nossos impactos ecológicos.
Não tenho nenhuma simpatia por ecologistas que querem salvar a Terra reduzindo a população humana a níveis pré-industriais, mas entendo a confusão sobre como traçar o círculo da sustentabilidade com a urgência do fim da pobreza.
Como todos sabemos, diversas Terras adicionais seriam exigidas para permitir que toda a humanidade viva em uma casa suburbana com um estilo de vida norte-americano, com dois carros e um gramado.
Minha própria solução abstrata para esse enigma, que será o assunto de meu próximo livro, é substituir, tanto quanto possível, o consumo público pelo privado. Acredito que a pedra angular da cidade do baixo-carvão, mais do que qualquer desenho verde ou tecnologia em particular, é a prioridade dada à afluência pública sobre a riqueza privada.
A maioria das cidades contemporâneas, em países ricos ou pobres, contém capacidades ambientais potenciais inerentes aos densos assentamentos humanos. O gênio ecológico da cidade permanece um poder vasto, quase sempre escondido.
Mas não há nenhuma deficiência planetária da sua "capacidade de carga" se nós estamos dispostos a fazer do espaço público democrático o motor da igualdade sustentável.
A afluência pública -representada por grandes parques urbanos, por museus livres, por bibliotecas e possibilidades infinitas para a interação humana- representa uma rota alternativa para um rico padrão de vida personificado em uma carnavalesca sociabilidade.
O Brasil, apesar de suas gigantescas desigualdades, tem sido um laboratório avançado para as experiências que unem democracia popular, economia verde e espaço público.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Davos e o risco

http://www.weforum.org/en/initiatives/globalrisk/index.htm Este é o endereço do relatório de Davos e o risco

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Agamben e a oikonomia

Segue abaixo texto de Agamben proveniente de uma conferência dada na argentina por ocasião do lançamento de sua última obra, El reino y la gloria na edição argentina e Il regno e la Gloria na edição original em italiano. A obra ainda não tem tradução em português.



Homo sacer II, 2
Giorgio Agamben


Aquello de lo que les hablaré hoy proviene de una investigación todavía en curso, y que está destinada a formar parte del segundo volumen de Homo sacer. Trataré de darle algo así como una visón sumaria del problema, que es demasiado amplio para poder ser contenido en la extensión de una conferencia. Durante la discusión, espero que podamos entrar en los detalles.
Mi investigación se propone reconstruir la genealogía de un paradigma que, aunque
raramente haya sido estudiado como tal fuera del ámbito estrictamente teológico, ha ejercido una influencia determinante sobre el desarrollo y sobre el orden global de las sociedades occidentales.
La tesis que trataré de mostrar es que de la teología cristiana derivan en general dos paradigmas políticos, antinómicos pero conectados entre sí: la teología política, que funda la trascendencia del poder soberano en el único Dios y la teología económica, que reemplaza esta idea por la de una oikonomía, concebida como un orden inmanente - doméstico y no político en sentido estricto - más de la vida divina que de aquella humana. De la primera, derivan la filosofía política y la teoría moderna de la soberanía; de la segunda, la biopolítica moderna, hasta el actual triunfo de la economía sobre todo otro aspecto de la vida social.
Por razones que aparecerán en el curso de la investigación, la historia de la teología económica, que conoce un desarrollo imponente entre el siglo segundo y el quinto de la nuestra era, ha quedado tan en la sombra, no sólo entre los historiadores de las ideas sino también entre los teólogos, que hasta el sentido preciso del término ha caído en el olvido. De este modo, tanto su evidente proximidad genética con la economía aristotélica como incluso su imaginable
conexión con el nacimiento de la economía animal y la economía política del siglo dieciocho no han sido todavía interrogados. Es urgente, por ello, una investigación arqueológica que indague las razones de esta eliminación y busque acercarse a los acontecimientos que la produjeron.
1. 2 El paradigma teológico-político ha sido enunciado por Schmitt en el 1922 con una tesis lapidaria: "Todos los conceptos decisivos de la moderna doctrina del Estado son conceptos teológicos secularizados" (Schmitt)). Si nuestra hipótesis de un doble paradigma es exacta, esta afirmación debería ser integrada en un sentido que extendería su validez mucho más allá de los límites del derecho público, hasta implicar los conceptos fundamentales de la economía y la misma concepción de la vida reproductiva de las sociedades humanas. Pero la tesis según la cual la economía es un paradigma teológico secularizado opera sobre la misma teología, porque implica que la vida divina y la historia de la humanidad han sido concebidas, desde el nicio, por ésta como una oikonomía. Implica que la teología es ella misma "económica" y que no se convierte en tal, en un según momento, por la secularización. Que lo viviente que ha sido creado a imagen de Dios se revela, finalmente, capaz no de una política, sino sólo de una 'economía, que la historia sea, es decir, en última instancia un problema no político, sino "de gestión" no es, en esta perspectiva, más que una consecuencia lógica de la teología económica. Y que al centro del anuncio evangélico, con una singular inversión de la jerarquía clásica, sea un zoé aiónos y no un bíos, es ciertamente más que un simple hecho léxico. La vida eterna que el cristiano reivindica está, en último análisis, bajo el paradigma del oikós y no bajo el de la pólis; la theologia vitae, según la irónica boutade de Taubes, está siempre a punto de convertirse en un "teozoologia."
Escolios y pasos sobre la secularización.
Tanto más urgente se hace necesaria una explicación preliminar del sentido y las
implicaciones del término "secularización." Qué este concepto haya desempeñado, en la cultura moderna, una función estratégica - que él sea, en este sentido, un concepto de "política" de las ideas, es decir algo que siempre ha encontrado "en el reino de las ideas un adversario con que luchar por el dominio" (Lübbe, 20) - es perfectamente conocido. Y esto vale tanto para la secularización en sentido estrictamente jurídico, como, retomando el término (saecularisatio) que designó la vuelta de un religioso al mundo, en el siglo diecinueve se convierte, en Europa, en la palabra de orden en el conflicto entre el Estado y la Iglesia sobre la expropiación de los bienes eclesiásticos, que por su empleo metafórico en la historia de las ideas. Cuando Max Weber formula su célebre tesis sobre la secularización de la ascesis puritana en la ética capitalista del trabajo, la aparente neutralidad del diagnóstico no puede esconder su función en la batalla por el desencantamiento del mundo que Weber combate contra los fanáticos y los falsos profetas.
Consideraciones análogas pueden hacerse sobre Troeltsch. ¿Cuál es, en este contexto, el sentido de la tesis schmittiana?
La estrategia de Schmitt es, en cierto sentido, inversa respecto de la de Weber. Mientras que para éste la secularización fue un aspecto del proceso de creciente desencantamiento y desteologización del mundo moderno, en Schmitt muestra, al contrario, cómo la teología continúa estando presente y actuando en lo moderno de modo eminente. Desenmascarando la naturaleza secularizada de los conceptos políticos de lo moderno, quiere negar su legitimidad. Esto no implica necesariamente una identidad de sustancia entre la teología y lo moderno. Si llamamos signatura, en el sentido de Foucault y Melandro, el índice que, en una señal o en un sistema de
señales, pospone más allá de estos, hacia una determinada interpretación, entonces la
secularización actúa en el sistema conceptual de lo moderno como una signatura que lo pospone a la teología. Como el sacerdote secularizado tuvo que llevar una señal del orden a que perteneció, así el concepto secularizado exhibe una signatura como su pasada pertenencia a la esfera teológica.
1.3 En la segunda mitad de los años sesenta tuvo lugar en Alemania un debate alrededor del problema de la secularización, que empeñó, de manera diferente, a Hans Blumenberg, a Karl Löwith y, más tarde, a Odo Marquard y Carl Schmitt. Al origen del debate estaba la tesis, enunciada por Löwith en su libro del 1953 Weltgeschichte uns Heilsgeschehen, según la cual tanto la filosofía de la historia del idealismo alemán como la idea de progreso de la Ilustración no son sino una secularización de la teología de la historia y la escatología cristiana. Aunque Blumenberg, reivindicando la Legitimidad de lo moderno (1966), afirmara decididamente el carácter ilegítimo de
la misma categoría de secularización, así que Löwith y Schmitt vinieron a encontrarse, a pesar de ellos, en el mismo campo, en realidad, como observó agudamente (Marquard, ), la disputa fue más o menos conscientemente puesta en escena para esconder lo que estaba verdaderamente en juego, que no era tanto la secularización, cuánto la filosofía de la historia y la teología cristiana
que constituía la premisa, contra las cuales los aparentes adversarios hicieron frente común. La escatología de la salvación, de la que hablaba Löwith, y de la que la filosofía del idealismo alemán fue una consciente reanudación, no era sino un aspecto de un paradigma teológico más vasto, que es precisamente la oikonomía divina que nos proponemos indagar y sobre cuya eliminación se apoyó el debate. Hegel, sin embargo, era perfectamente consciente de ello cuando afirmó la equivalencia entre su tesis sobre el gobierno racional del mundo y la doctrina teológica del plan providencial de Dios y presentó la misma filosofía de la historia como una teodicea ("que la historia del mundo... sea el futuro efectivo del espíritu... ésta es la verdadera teodicea, la justificación de Dios en la historia"). Y en términos todavía más explícitos Schelling, precisamente al final de la Filosofía de la Revelación, compendió su filosofía en la figura teológica de un oikonomía: "Los antiguos teólogos distinguieron entre la ákratos theología y la oikonomía. Ambas se copertenecen. Este proceso de economía doméstica (oikonomía) es lo que quesimos indicar"(Pauli 325). Es una señal de declino de la cultura filosófica el hecho que esta comparación con la teología económica se haya vuelto hoy tan improbable, que el sentido de estas afirmaciones nos resulten completamente incomprensible. (La tarea que nos proponemos es comprender la afirmación de Schelling).
Ahora trataré de darles una idea del paradigma teológico-económico. Para hacerlo, tendré que establecer una constelación entre dos autores que, a título diferente, pueden ser definidos como "apocalípticos" de la contrarrevolución (Taubes): Carl Schmitt y Erich Peterson. Entre estos dos autores tuvo lugar entre 1935 y 1970 una extraña polémica. Extraña no solamente porque los dos adversarios, ambos católicos, compartieron presupuestos teológicos comunes, sino también porque, como enseña el largo silencio que separa las dos fechas, la respuesta del jurista llegó cuando el teólogo que abrió el debate ya había muerto hacía años antes.
Lo que estaba en juego en esta polémica era la teología política, que Peterson puso
resueltamente en cuestión. Pero es posible, como ocurrió por el debate sobre la secularización, que también esta vez lo que explícitamente estaba en juego escondiera algo esotérico y más temible, que se trata precisamente de sacar a la luz.
En todo pensamiento - y quizás en toda obra humana - hay algo así como un no-dicho.
Pero hay autores que buscan acercarse como pueden a este no-dicho y de evocarlo alusivamente al menos, y otros que lo dejan, en cambio, conscientemente callado. A esta segunda especie pertenecen tanto Schmitt como Peterson pertenecen. Comprender la apuesta velada en el debate significará tratar de exponer este no-dicho.
Común a los dos adversarios era una concepción teológica que se puede definir como
"catechontica." Como católicos, ellos no pudieron dejar de profesar la fe scatológica en la segunda llegada de Cristo. Pero ambos, refiriéndose (Schmitt de modo explícito, Peterson tácitamente) a la Segunda Carta a los Tesalonisenses, al capítulo segundo, afirman que hay algo que retarda y detiene eschatón, es decir, la llegada del Reino y el fin del mundo. Para Schmitt, este poder es el Imperio; para Peterson, el rechazo de los Judíos de creer en Cristo. Tanto para el jurista como para el teólogo, la historia presente de la humanidad es, entonces, un ínterin fundado en el retraso del Reino. En un caso, sin embargo, el retraso coincide con el poder soberano del Imperio cristiano; en el otro, la suspensión del Reino debido a la fallida conversión de los Judíos, funda la existencia histórica de la Iglesia. El escrito del 1929 sobre La iglesia no deja dudas: la iglesia sólo puede existir porque "los Judíos, como pueblo elegido por Dios, no han creído en el Dios" (247) y, como resultado, el fin del mundo no es inminente. "Puede haber una Iglesia", escribe Peterson, “sólo por el presupuesto que la llegada de Cristo no será inmediata, que, en otras palabras, la escatología concreta es eliminada y, en su sitio, tenemos la doctrina de las últimas cosas" (248).
La verdadera apuesta en el debate no es, pues, tanto la admisibilidad o menos de la
teología política, cuanto la identidad y la naturaleza del catéchon, del poder que retarda y elimina "la escatología concreta." Pero esto implica que, para ambos, es decisiva, en último análisis, precisamente la neutralización de la filosofía de la historia orientada hacia la salvación. En el punto en que el plan divino de la oikonomía alcanzó su cumplimiento con la llegada del Cristo, surgió un acontecimiento (la fallida conversión de los judíos, el Imperio cristiano) que tiene el poder mantener suspendido el eschatón. La exclusión de la escatología concreta transforma el tiempo histórico en un tiempo suspendido, en el que toda dialéctica es abolida y el Gran Inquisidor vela para que el parusía no se produzca en la historia. Comprender el sentido del debate entre Peterson y Schmitt significa entonces comprender la concepción de la historia a la que ellos, más o menos tácitamente, remiten.

Ahora trataré de resumir la argumentación de Peterson en su libro "el monoteísmo como
problema político." Según Peterson, la teología política es una creación francamente judía.
Aunque indica un precedente de ello en un tratado pseudoaristotélico, es en Filón que algo así como una teología política aparece claramente por primera vez en la forma de una teocracia. El problema teológico-político se plantea para Filón "en lo concreto de su situación de Judío" (37 it.).
"Israel es una teocracia, el único pueblo es gobernado por un único monarca divino. Un solo pueblo, un sólo Dios... Pero ya que l' único Dios no es sólo el monarca de Israel, sino también el del cosmos, por este motivo, este único pueblo - 'el pueblo más querido por Dios' - gobernado por este monarca cósmico, se convierte en sacerdote y profeta de toda la humanidad", 35-6 it.).
Después de Filón, el concepto de una monarquía divina es recogido por los apologetas
cristianos, que se sirven de él para su defensa del cristianismo. En un rápido recorrido, Peterson le en esta perspectiva a Justino, Taciano, Teófilo, Irineo, Hipólito, Tertulliano, Orígenes. Pero es en Eusebio, teólogo – o, más bien, según el venenoso golpe de Overbeck - peluquero de la corte del emperador Constantino, que una teología política cristiana encuentra su completa formulación.
Eusebio establece una correspondencia entre la llegada de Cristo sobre la tierra como salvador de todas las naciones y la instauración, por parte de Augusto, de un poder imperial sobre toda la tierra. Antes de Augusto, los hombres vivían en la poliarquía, en una pluralidad de tiranos y democracias, pero "cuando apareció el Dios y Salvador y contemporáneamente a este acontecimiento, Augusto, primero entre los Romanos, se convirtió en soberano de las naciones, desapareció la poliarquía pluralista y la paz envolvió toda la tierra." Peterson enseña cómo, según Eusebio, el proceso que se inició con Augusto llega a su cumplimiento con Constantino. "Después de la derrota de Licinio por parte de Constantino, fue restaurada la monarquía política y, al mismo tiempo, fue asegurada la monarquía divina... al único rey sobre la tierra corresponde el único rey les corresponde en el cielo y al único nómos corresponde el Lógos soberano" (60 it.).
Quisiera llamar su atención sobre esta singular correspondencia entre las tesis de Eusebio y algunas de las tesis que Negri y Hardt han elaborado en su libro "Impero." Estoy seguro de que mi amigo Toni no estaría contento con esta comparación, pero la solidaridad entre el desarrollo global y antiestatal del capitalismo y las nuevas posibles figuras del comunismo recuerdan de cerca la solidaridad entre el imperio transnacional de Augusto y la nueva fe cristiana.
Peterson sigue la posteridad de Eusebio a través de Juan Crisóstomo, Prudencio,
Ambrosio y Jerónimo hasta Orosio, en quien el paralelismo entre la unidad del Imperio mundial y la revelación completa del único Dios se convierte en la clave para la interpretación de la historia.
A este punto, con una brusca inversión, Peterson trata de demostrar cómo, en el momento de las disputas sobre el arrianismo, el paradigma teológico-político de la monarquía divina entra en conflicto con el desarrollo de la teología trinitaria. La proclamación del dogma de la Trinidad señala, en esta perspectiva, el ocaso del "monoteísmo" como problema político (71). Sólo en dos páginas, la teología política, a cuya reconstrucción dedicada el libro, es demolida integralmente.
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"La doctrina de la monarquía divina tuvo que fracasar frente al dogma trinitario y la interpretación de la pax augusta frente a la escatología cristiana. De este modo, no solamente es abolido teológicamente el monoteísmo como problema político y la fe cristiana liberada de su unión con el imperio romano, sino que también se ha llevado a cabo la ruptura con toda 'teología política'. Sólo en el terreno del judaismo y del paganismo puede existir algo así como una 'teología política"' (72 it., 99-100 ted.). La nota a este pasaje, que concluye el libro (pero se podría decir que todo el
tratado ha sido escrito en vista de esta nota), dice: "El concepto de 'teología política' ha sido introducido en la literatura, por lo que yo sé, por Carl Schmitt, Politische theologie, München 1922.
Sus breves consideraciones de entonces no fueron enfocadas sistemáticamente. Aquí hemos tratado de demostrar por un ejemplo concreto la imposibilidad teológica de una 'teología política' “(158 ted.).
El descubrimiento que me tocó hacer en el curso de mis investigaciones es que los autores que Peterson lee para reconstruir el paradigma teológico-político son exactamente los mismos que inventan y desarrollan el paradigma teológico-económico. Más precisamente: los autores que, según Peterson, señalan el fin de la teología política mediante la creación de la doctrina trinitaria sólo pueden elaborar esta doctrina gracias a la introducción del paradigma económico. La teología trinitaria se presenta desde el origen como una "oikonomía", aunque Peterson no menciona nunca este término y, más bien, interrumpe sus análisis cada vez que en el texto de los teólogos que está analizando aparece la palabra. Tomamos el caso ejemplar de Tertulliano (pero se podría decir lo mismo, como veremos, de Justino, Tazciano, Hipólito, Irineo etc.). Peterson cita un pasaje del tratado Adversus Praxean: "Nosotros mantenemos la monarquía, dicen ellos, y también los latinos pronuncian aquella palabra de modo tan sonoro y magistral, que podrías creer que ellos entienden la monarquía tan bien como la pronuncian." Aquí la cita se interrumpe; pero en el texto de Tertulliano continúa: “Los latinos se observan de repetir 'monarquía' pero a la 'economía' no la quieren entender ni siquiera los griegos" (Sed monarchiam tocar student latinos, oikonomian intelligere nolunt etiam Graeci). E inmediatamente antes, Tertulliano afirma que "las personas simples, para no llamarlas desconsideradas o ignorantes... no comprenden que se tenga que creer en un único Dios, pero con su economía (unicum quidem (deum) sed cum sua oikonomía) se asustan, porque creen que la economía y la disposición de la Trinidad es una división de la unidad." La comprensión del dogma trinitario sobre el que se basa la argumentación de Peterson presupone, por lo tanto, una comprensión preliminar del "lenguaje" de la economía y sólo cuando hayamos explorado este lógos en todas sus articulaciones, podremos identificar lo que está en juego en el debate entre Peterson y Schmitt sobre la teología política.
No es, ciertamente, éste ni el lugar ni el momento para reconstruir este "lógos" de la economía, que ocupará a los teólogos por siglos. Pero quisiera darles al menos una idea del problema y de la estrategia en la que éste está implicado.
Oikonomía significa en griego "administración de la casa (oikós es más amplio que nuestro término casa, porque también comprende la empresa familiar y las relaciones entre el dueño y los esclavos)." En el tratado aristotélico o pseudoaristotelico, sobre la economía, se lee así que el téchne oiconomiké se distingue de la política como la casa, oikía, se distingue de la ciudad (pólis).
La diferencia es confirmada en la Política, dónde el político y el rey, que pertenecen a la esfera del pólis, son contrapuestos cualitativamente al oikónomos y al déspotes, que se refieren a la esfera de la casa y la familia. Lo que une las relaciones "económicas" (de las que Aristóteles subraya la diversidad - Pol .1259a-b) es un paradigma que podemos definir como "gestional": se trata de una
actividad que no está vinculada a un sistema de normas ni constituye una ciencia en sentido propio ("El término "jefe de familia" - déspotes - no denota una ciencia (episteme), sino un determinado modo de ser" (Pol. 1255b, 21), pero implica decisiones y disposiciones que enfrentan problemas cada vez más específicos, que conciernen al orden funcional (táxis) de los muchas partes del oikós (ibid. ). La oikonomía se presenta como una organización funcional, una actividad de gestión que no está vinculada a otras reglas más que al ordenado funcionamiento de la casa, o
de la empresa en cuestión. El término moderno que, quizás, mejor corresponde quizás a la esfera de sentido de oikonomía griega es management.
Pero, ¿por qué sintieron los teólogos la necesidad de servirse de este término? ¿Cómo se llegó a introducir la economía en la teología? Se trataba, precisamente, de un problema extremadamente delicado y vital, quizás, si me permiten el juego de palabras, de la cuestión crucial en la historia de la teología cristiana: la Trinidad. Cuando, en el curso del siglo segundo, se empezó a discutir de una Trinidad de figuras divinas, el Padre, el Hijo y el Espíritu, hubo dentro de
la iglesia, como podía esperarse, una fuerte resistencia por parte de personas razonables que pensaron con espanto que, de este modo, se amenazaba con reintroducir el politeísmo y el paganismo en la fe cristiana. Para convencer a estos obstinados adversarios, que fueron en fin definidos "monarquianos", es decir, partidarios de la unidad, teólogos como Tertulliano, Hipólito, Irineo y muchos otros no encontraron nada mejor que servirrse deltérmino oikonomía. Su argumento fue más o menos el siguiente: "Dios, en cuanto a su ser y a su substancia, es, ciertamente, uno; pero en cuánto a su oikonomía, es decir, en cuanto al modo en que administra su casa, su vida y el mundo que ha creado, él es, en cambio, triple. Como un buen padre puede
confiarle al hijo el desarrollo de ciertas funciones y determinadas tareas, sin perder por ello su poder y su unidad, así Dios le confía a Cristo la "economía" y la administración y el gobierno de la historia de los hombres. El término oikonomía se fue así especializado para significar, en particular, la encarnación del Hijo y la economía de la redención y la salvación (por ello en algunas sectas gnósticas Cristo terminó llamándose "el hombre de la economía", ho ánthropos tês oikonomías. Los teólogos se acostumbraron poco a poco a distinguir entre un "discurso - o lógos -
de la teología" y un "lógos" de la economía, y l' oikonomía se convirtió así en el dispositivo por el que la dogma trinitario fue introducido en la fe cristiana.