quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Links sobre o pensamento social, politico e juridico latino americano

Car@s,
repasso linck do vídeo sobre O Estado Plurinacional na Bolívia feito pelos
companheir@s do IELA no I Encontro Latino-Americano Descolonização e
Pluralismo Jurídico, realizado pelo NEPE, entre os dias 11 a 13 de
novembro, em parceria com os grupos Clacso Crítica Jurídica
 Latinoamericana e Prujula:

https://www.youtube.com/watch?v=b1RxchxP5tU

O evento contou com vários pesquisadores e militantes de "Nuestra América"
(México, Colômbia, Equador, Bolívia, Argentina e Brasil), sendo que boa
parte das falas ( creio que em torno de 11) serão disponibilizadas ao longo
do mês no espaço do IELA no Youtube (Vale a pena dar uma olhada, tem muita
coisa boa).

Seguem, também, os licks das falas já disponibilizadas, referentes a mesa
sobre Crítica Jurídica e Filosofia da Libertação:

Conferência do prof.  Alejandro Rosillo (MEX)
https://www.youtube.com/watch?v=hjfdBjep0n8

Conferência do prof. Celso Ludwig:
 https://www.youtube.com/watch?v=FJGt2w_Z0k8

Conferência do Prof. Wolkmer:
https://www.youtube.com/watch?v=-G-ss1QJBoc

Há-braços e divulguem a quem interessar!

Obs: Mando, também, o linck de entrevista realizada, neste ano,
conjuntamente com o IELA com um dos membros do Prujula, o Prof. Rosembert
Ariza Santamaria (COL):
https://www.youtube.com/watch?v=TKh9R1fNHwg

domingo, 24 de novembro de 2013

Link sobre o populismo - importante para compreender o constitucionalismo latino-americano


 O Globo 23/11/2013 -- Prosa e Verso
 http://www.oglobo.com.br/o-globo-a-mais?wv=s%2FO%2520Globo%2520A%2520Mais%2Fc690234f-4a05-436a-8272-f32c2a114c99%2FGL_2013-11-23ipad%2FPG_001-Prosa_e_Verso-PAGINA_A.html

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Neoliberalismo

Folha de São Paulo 20 de novembro de 2013
ENTREVISTA - DAVID HARVEY

'Privatização de tudo' gerou protestos, que vão continuar
GEÓGRAFO DIZ QUE A CRISE MUNDIAL AMPLIOU A CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA E CRITICA GASTOS DO BRASIL COM COPA E OLIMPÍADA

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. No seu fracasso em realizar promessas de eficiência estão as raízes dos protestos que eclodem pelo mundo e no Brasil. Partidos convencionais, reféns do capital internacional, não conseguem canalizar a raiva das ruas. Não há ideias novas, e as manifestações vão continuar.

A análise é do geógrafo marxista britânico David Harvey, 78. Professor da Universidade da Cidade de Nova York, ele ataca os "oligarcas globais" e afirma que os bilionários foram os que mais ganharam com a crise.

Crítico de megaeventos como Copa e Olimpíada, ele diz que os governos são muito influenciados pelo capital financeiro: "Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos".

A partir de sexta Harvey irá a debates no Brasil sobre o lançamento de seu livro "Os Limites do Capital" e da coletânea "Cidades Rebeldes".

-
Folha - Qual sua avaliação sobre a situação mundial?
David Harvey - É muito mutante e volátil. Está tão perigosa quanto sempre foi. O que me surpreende é que não há novas ideias. As receitas propostas aprofundam o modelo neoliberal ou tentam desenvolver alguma forma de keynesianismo. Ambas opções me parecem muito frágeis.

O sr. disse à Folha em 2012 que a crise deveria aprofundar a concentração de capital e as desigualdades. Isso ocorreu?
Sim. Todos os dados mostram que o número de bilionários cresceu no mundo. Foi o grupo que melhor se saiu melhor na crise, enquanto todos os outros ou permaneceram estagnados ou perderam. O crescimento principal está sendo canalizado para o 1% mais rico da população mundial. É preciso haver uma redistribuição de renda globalmente e entre classes. O clube dos bilionários é que é o problema. Oligarcas globais controlam potencialmente ¾ da economia global. Meu ponto é: vamos para crescimento zero, sem canalizar o crescimento para eles e, ao mesmo tempo, devemos fazer uma redistribuição.

Nesse cenário haveria uma guerra, não?
Olhando para o que está acontecendo nas ruas se pode pensar que esse tipo de coisa não está tão longe assim.

Qual sua visão dos protestos pelo mundo? O sr. defendeu a criação de um "partido da indignação" para lutar contra o "partido de Wall Street". Como essa ideia evoluiu?
Os movimentos não estão indo muito bem. O poder político se moveu rapidamente para tentar reprimir os protestos. Há também muitas divisões entre os movimentos. Sobre o futuro, é muito difícil prever. A situação é muito volátil para os movimentos.

E sobre os protestos no Brasil?
Existe uma desilusão generalizada do processo político. As pessoas estão começando a discutir como modificar os piores aspectos da exploração capitalista. Há também uma alienação, que leva a alguma passividade, que é interrompida ocasionalmente por explosões de raiva. O nível de frustração por todo o mundo está muito alto agora. Não surpreende que essas manifestações ocorram. O problema é canalizar essa raiva para movimentos políticos que tenham um projeto. Prevejo mais explosões de raiva nos próximos anos --no Egito, na Suécia, no Brasil etc.

Há conexão entre esses movimentos?
Sim, cada um tem suas demandas específicas, mas há problemas de base provocados pela natureza autocrática do neoliberalismo, que virou um padrão para o comportamento político. Ele não é satisfatório para a massa da população e fracassou em entregar o que prometeu. Há uma crise na governança democrática e uma raiva contra as formas tomadas pelo capitalismo. No norte da África os protestos foram parcialmente sobre a alta nos preços da comida. Isso diz respeito ao poder do agronegócio e à especulação com as commodities, causas da alta dos preços.

No Brasil os protestos estouraram por causa da alta nas tarifas de ônibus. Como especialista em questões urbanas, como o sr. avalia o problema?
O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. Tudo vira objeto das forças do mercado. Dizem que essa é a forma mais eficiente de prover bens e serviços para uma população. Mas, na verdade, é uma maneira muito eficiente de um grupo da população reunir uma grande soma de riqueza às custas de outro grupo da população --sem entregar, de fato, bens e serviços (transporte, comida, casas etc.). Essa é uma das razões do descontentamento da população. Por isso, explodem manifestações de raiva em diferentes lugares e em diferentes direções políticas. Há uma situação de fundo que dá uma visão comum às batalhas, embora cada uma delas seja específica e diferente. No Brasil foi o custo do transporte. Em outros lugares é preço da comida, da habitação etc.

Em São Paulo há também a discussão sobre o aumento do imposto sobre propriedade urbana. Isso também evidencia uma luta social?
Vamos chamar de luta de classes. Ela está mais evidente, mas muitas pessoas não gostam de falar sobre isso.

Partidos tradicionais foram pegos de surpresa no Brasil. Mas os movimentos não têm organização própria. Como isso pode se transformar em forças políticas organizadas?
Se eu tivesse essa resposta, não estaria falando com você agora. Estaria lá fora fazendo. A situação agora reflete a alienação das pessoas em relação a praticamente todos os partidos políticos e a sua desilusão com o processo político. Nos EUA, o Congresso tem uma taxa de aprovação de 10%. Nessa circunstância, as pessoas não vão canalizar o seu descontentamento para o processo político, pois não enxergam esperança nisso. Por isso, há essa raiva. E assim as coisas vão continuar.

O sr. concorda com a visão de que partidos de todos os matizes caminharam para a direita e que a esquerda se diluiu em ONGs e estruturas voláteis?
Há internacionalmente uma ortodoxia econômica, que é reforçada pelos movimentos do capital internacional. Os partidos políticos convencionais se tornaram reféns desse poder.

Isso acontece com o PT?
Isso é para o julgamento de seus leitores. Noto que há uma desilusão sobre o PT entre seus próprios integrantes.

O sr. está escrevendo um livro sobre as contradições do capitalismo. Qual é a principal?
Estão mais restritas as condições que o capital tem para crescer. É muito difícil achar novos lugares para ir e novas atividades produtivas que possam absorver a enorme quantidade de capital que está buscando atividades lucrativas. Em consequência muito capital vai para atividades especulativas, patrimônio, compra de terras, commodities. Criam-se bolhas.

O sr. escreveu que é cada vez mais difícil encontrar o inimigo. Quem é o inimigo?
O inimigo é um processo, não uma pessoa. É um processo de circulação de capital que entra e sai de países. Quando decide entrar, há um "boom"; quando decide sair, há uma depressão. Por isso é necessário controlar esse processo de circulação. O Brasil tem possibilidades limitadas, porque o capital pode simplesmente desaparecer.

No início o Brasil parecia estar indo bem na crise. Agora estamos travados. O que deu errado?
Houve mudanças modestas no Brasil no sentido de redistribuir renda, como o Bolsa Família. Mas é necessário fazer muito mais. Muito dos gastos em enormes projetos de infraestrutura ligados à Copa do Mundo e à Olimpíada são uma perda de dinheiro e de recursos. As pessoas se perguntam por que o país está fazendo todos esses investimentos para a Fifa ter um grande lucro. Para o resto do mundo é surpreendente ver brasileiros se revoltando contra novos estádios de futebol.

Copa e Olimpíada não fazem bem para o país?
A Grécia está em dificuldades em parte por causa do que foi feito em razão da Olimpíada de Atenas. Muitas cidades olímpicas nos EUA entraram em dificuldades financeiras.

Como o sr. explica o poder da Fifa e do COI?
É como qualquer poder monopolista: extrai o máximo do que se tem a oferecer. Os governos são muito influenciados pelo capital financeiro. Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura, de urbanização. Envolvem também despossuir pessoas, removendo-as de suas residências para abrir espaço aos megaprojetos. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos.

Como o sr. analisa a situação política na America Latina?
Politicamente houve, na superfície, um tipo de política antineoliberal. Mas não houve nenhum verdadeiro grande desafio para o grande capital. Há discursos anti-FMI. Mas, de outro lado, o Brasil está ofertando a exploração de seu petróleo para empresas estrangeiras, por exemplo. Não é profunda a tentativa de ir realmente contra as fundações do capitalismo neoliberal. É uma política antiliberal só na superfície, na retórica. Mas há alguns elementos, como o Bolsa Família, que não fazem parte da lógica neoliberal. Mesmo a Venezuela não vai muito longe em realmente desafiar os interesses do capital.

Os EUA não perderam posições na região?
Os EUA estão mais fracos na América Latina, em parte porque o crescimento da região foi mais orientado para a o comércio com a China, que ampliou o seu papel imensamente. De muitas formas, a economia na América Latina é muito mais sensível ao que ocorre na economia chinesa do que na norte-americana.

domingo, 10 de novembro de 2013

Comissão de Verdade no Peru

ENTREVISTA - SOFÍA MACHERFolha 10 de novembro de 2013

É preciso punir crimes do Estado contra cidadãos
Ex-integrante da Comissão da Verdade do Peru, socióloga diz ser 'assombroso' Brasil não rever Lei da Anistia, que protege agentes da ditadura

BERNARDO MELLO FRANCO
DO RIO
Ex-integrante da Comissão da Verdade do Peru, a socióloga Sofía Macher defende que o Brasil volte a discutir a revisão da Lei da Anistia, que protege agentes da ditadura militar (1964-85) acusados de torturas e desaparecimentos.

Ela elogia a existência da comissão brasileira, mas diz que o órgão não pode se limitar a fazer reuniões fechadas e preparar um relatório final "que ninguém vai ler".

A socióloga diz que o Brasil deve cumprir a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que determinou a revisão da Anistia, em 2010. Ela critica a decisão do Supremo Tribunal Federal que manteve, meses antes, a validade da lei de 1979.

No Peru, cerca de 69 mil pessoas morreram em duas décadas de conflitos, entre 1980 e 2000. A Comissão da Verdade funcionou de 2001 a 2003 e abriu caminho para a condenação de centenas de militares e guerrilheiros do Sendero Luminoso.

Macher passou os últimos dias no Rio para trocar experiências com ativistas da área de direitos humanos.

Folha - Qual é a sua avaliação sobre o trabalho da Comissão da Verdade no Brasil?

Sofía Macher - É muito interessante o processo que levou à criação da comissão para rever os anos da ditadura. É uma oportunidade de olhar para trás e examinar os trechos da história oficial que precisam ser reescritos.

O grande desafio da comissão é envolver a sociedade numa reflexão honesta sobre o que aconteceu no país. Se ela ficar entre quatro paredes, produzindo um relatório final que ninguém vai ler, será um grande desperdício.

Estou convencida, pela experiência do Peru, de que uma revisão honesta da história ajuda a construir e a consolidar a democracia.

Em 2010, o STF manteve a validade da Anistia. O Brasil deve reabrir essa discussão?

Acho que a Justiça deve valer para todos. Por isso, não acredito nas anistias. A Comissão da Verdade pode abrir caminhos e significar um ponto de ruptura, por mais que não termine em processos judiciais.

O Peru também teve uma Lei de Anistia, aprovada no governo Alberto Fujimori, em 1995. No entanto, a lei foi revogada pela Suprema Corte.

O processo é maior que a comissão. O Chile levou oito anos, após o fim da sua comissão, até os militares se comprometerem a dizer onde enterraram os desaparecidos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou, em sentença sobre a Guerrilha do Araguaia, que a Anistia seja revista. Isso deve prevalecer sobre a decisão STF?

O Brasil assinou a Convenção Americana de Direitos Humanos e é obrigado a cumprir as sentenças da Corte. A mim parece assombroso que isso não esteja ocorrendo.

Os Estados que adotam esse comportamento debilitam o sistema interamericano. Isso gera um dano tremendo para toda a sociedade.

Hoje, se a Justiça do seu país é injusta, não respeita o devido processo legal, você tem a quem recorrer. Se outros países ignorarem as sentenças da Corte, como o Brasil, todo o sistema interamericano de direitos humanos ficará debilitado.

O Brasil é um país grande e poderoso. Se ele não respeita o sistema, fica a imagem de que a Justiça só vale para os países pobres. Isso me parece terrível, muito negativo.

Os defensores da Lei da Anistia argumentam que ela valeu para os dois lados e contribuiu para a reconciliação no Brasil.

É um argumento válido quando se assina um acordo de paz, quando você tem dois grupos armados e a Anistia é a forma de se pacificar o país. Mesmo assim, não deve valer para crimes de lesa-humanidade. Não acredito que seja válida uma Anistia irrestrita.

É preciso punir crimes cometidos pelo Estado contra cidadãos. Se você diz à sociedade que não vai punir quem cometeu esses crimes, deixa uma mensagem muito ruim.

A Corte Interamericana considera que esse tipo de Anistia é contrário à proteção dos direitos humanos.

sábado, 9 de novembro de 2013

Francisco de Oliveira - entrevista

Assustaram os donos do poder, e isso foi ótimo', diz o sociólogo Chico de Oliveira
Folha de nove de novembro de 2013

RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO

Ouvir o texto
Socialista inveterado, acadêmico prestigiado, parceiro rompido de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o sociólogo Francisco de Oliveira completou 80 anos quinta-feira passada (dia 7) sem demonstrar qualquer sinal de afrouxamento da energia crítica.

Em entrevista realizada no seu apartamento no bairro da Lapa, em São Paulo, ele falou com entusiasmo dos protestos de junho ("a sociedade mostrou que é capaz ainda de se revoltar") e, sem rodeios, criticou as principais figuras do atual cenário político.

Fabio Braga/Folhapress
O sociólogo Francisco de Oliveira
O sociólogo Francisco de Oliveira
A presidente Dilma Rousseff é uma "personagem trágica" que deu uma "resposta idiota" às manifestações. Lula "está fazendo um serviço sujo" ao atuar como apaziguador de tensões sociais. Marina Silva é uma "freira trotiskista" adepta de um "ambientalismo démodé". O Bolsa Família, "uma declaração de fracasso". E por aí vai.

O sociólogo não tem receio de expor suas ideias "revolucionárias". Uma delas é separar o Brasil como forma de resolver a questão indígena: "Há um Estado indígena [...] Ninguém tem coragem de dizer isso. Então todo mundo quer integrar", afirma.

*
Folha - Oitenta anos. Que tal?

Chico de Oliveira - Oscar Niemeyer disse que a velhice é uma merda. Eu não só tão radical. Mas ela não tem essas bondades que geralmente se diz. A história de que o sujeito ganha em sabedoria é uma farsa. Não é bom envelhecer.

O senhor está bem, está lendo, fazendo críticas.

Só aparentemente. Eu tomo dez remédios por dia. Entre insulina para diabetes, remédio para hipertensão... Não é nada bom. As pessoas sábias deveriam morrer cedo (risos).

Antigamente era assim. Esse negócio de longevidade é uma novidade, né?

É, a longevidade é uma coisa recente mesmo. Não é façanha sua. É da economia, basicamente. É a economia que te leva até os 80 anos. São as condições de vida que mudam, você não precisa de trabalho pesado. Quem condiciona tudo é o trabalho. E, evidentemente, gente da minha classe social está apta a aproveitar essas benesses do desenvolvimento capitalista. Mas pessoalmente não é agradável. Só que não existe solução. Você vai se matar para poder não cumprir os desígnios de sua classe social?

O senhor se surpreende aos 80. Em junho, milhares de brasileiros foram às ruas protestar. E o senhor disse que era tudo inédito e surpreendente. Na sua avaliação, qual é o saldo?

É bom não fazer uma cobrança positivista do tipo "o que é que deu aquilo?". Deu algum resultado, a tarifa de ônibus baixou. Mas deu uma coisa ótima. O ótimo é que a sociedade mostrou que é capaz ainda de se revoltar, é capaz de ir para a rua. Isso é ótimo. Não precisa resultados palpáveis. O que é bom em si mesmo foi o fato de a população, alguns setores sociais, se manifestarem. Assustarem os donos do poder, e isso foi ótimo. Isso é que é importante. Esse objetivo foi cumprido. Eu falava que era inédito porque a sociedade brasileira é muito pacata. A violência é só pessoal, privada, o que é um horror. Quando vai para a violência pública, as coisas melhoram. Esse é o resultado que nos interessa: um estado de ânimo da população que assuste os donos do poder.

Assustou mesmo?

Assustou. Porque era uma coisa realmente inédita, com setores sociais que geralmente dizem que são conformistas, parte da juventude. Esse tipo de manifestação mostrou que não é assim. Isso é bom para a sociedade. Não é bom para os donos do poder. Mas são eles, exatamente, que a gente deve assustar. Se puder, mais do que assustar, derrubá-los do poder. Não acho que essas manifestações tenham esse caráter, essa forma. Mas regozijo-me porque foi manifestado o não conformismo.

O senhor disse que sociedade brasileira é muito pacata. Por que tem essa característica e qual é a melhor explicação?

É um complexo de fatores, não é fácil definir. Quem fala sobre isso geralmente aponta as raízes escravistas. Uma sociedade que não faz muito tempo, faz 100 anos, libertou-se do escravismo. Isso deu lugar a uma sociedade que apanha, mas não reage. Quem melhor estudou isso foi Gilberto Freyre. Ele estudou isso, do ponto de vista saudosista, mas é quem mais foi fundo nessa espécie de conformismo na sociedade. Embora a interpretação de Sérgio Buarque [de Holanda] também seja boa, a sociedade que se conforma. Para ele, é o homem cordial. Gilberto tem outro "approach", ele vai para a cultura. Cultura não no sentido de quem carrega livro, mas na forma pela qual a sociedade se construiu e se reconhece nela. É basicamente a ideia da casa grande. A casa grande é uma formação conformista. Tem uma violência que explode a cada momento. E tem um senhor de escravo que é compadre de escravo. É uma formação muito complexa. Muito interessante para um sociólogo estudar, mas muito pesada para quem sofre os efeitos dessa cultura brasileira. Que não é a portuguesa exatamente, não é a indígena. É um mix de várias fontes. Não tivemos nenhuma grande revolução violenta. A que o Brasil comemora sempre, que é a de 1930, não teve nada de especialmente violenta. Teve os gaúchos saindo do sul, [Getulio] Vargas a frente. Na verdade enfrentaram uns paulistas aí, mas terminou tudo em pizza (risos). Isso marca muito a sociedade brasileira. Esse conformismo que só explode em violência privada, o sujeito que morre de facada. Você liga a televisão e vê: todo dia tem uma tragédia dessa.

Se sempre foi assim, o que desencadeou em junho?

Não foi sempre assim, claro. Isso é o meu jeito de falar. Havia violência, muita violência, mas não era uma violência que se tornava pública porque era uma violência de escravos e isso sempre foi abafado. Hoje é uma sociedade urbana, extremamente violenta e que só explode em violência privada. Sobre violência pública, não temos muito o que contar. Nesse quesito, o Brasil perde de longe para qualquer outra revolução. A revolução mexicana, por exemplo, foi uma coisa espantosa. Espantou o mundo tudo. No Brasil, não. A cubana também.

Bom, da cubana tem gente com medo até hoje por aqui.

Ah, é (risos). Fidel, que não teve jeito de prosseguir com aquela revolução, está aí. Está envelhecendo à sombra dela. Mas o Brasil é isso. Não dá para lamentar propriamente. Ninguém ama a violência. Mas isso influi muito no caráter, na formação da sociedade. Eu não tenho mais, mas toda casa brasileira tem uma empregada doméstica. A empregada doméstica é um ser em definição. Ela não é pública nem privada. Algum progresso se deu pelo fato de que elas agora pedem carteira assinada. Isso parece nada, mas é muita coisa. Mas, em geral, isso leva a uma situação acomodatícia, uma relação de compadre com a comadre. Isso molda a sociedade em geral.

Está na arquitetura brasileira, o quarto de empregada na lavanderia. Existe algo assim em algum outro país?

Não tenho notícia de nenhum outro lugar. Isso [o quarto de empregada] tem um nome científico: edícula (risos). Temos quarto para empregada, né? É realmente fantástico... Nas sociedades que eu conheço, não é assim. Na Europa pode ter tido um período, mas hoje não existe. Nos Estados Unidos, tão pouco. O Brasil é muito especial. Criou uma forma de convivência, um processo com muita força que se reproduz mesmo nas sociedades urbanas.

O senhor acha que os governantes ficaram com medo de verdade?

Não. Ainda não. Mas deu um susto. Teve. Os jornais repercutiram de forma bastante conservadora, né? Mas deu um susto.

Aí a presidente Dilma Rousseff lançou na sequência aquela ideia de Assembleia Constituinte para a reforma política. O que achou da resposta?

Eu achei idiota. Não gostaria de fazer uma avaliação precipitada do governo Dilma para não dar força à direita que está em cima dela o tempo todo. Mas é uma resposta idiota. Ninguém resolve o problema assim com reforma da Constituição. Ela seria importante para encaminhar os novos conflitos. A Constituição deveria ser o que molda as relações no Brasil. Não é. Ninguém dá bola para a Constituição.

O que teria sido uma resposta adequada?

Seria reconhecer que o país está atravessando uma zona de extrema turbulência devido ao crescimento econômico. Não é que o caráter do povo é violento. Isso é uma bobagem. Não é que uma reforma política vai resolver os problemas da violência pública. Isso é outra bobagem. Ela teria que reconhecer o Brasil está atravessando um período de extrema turbulência porque o crescimento econômico é que cria a turbulência, não é o contrário. Todo mundo pensa que o crescimento apazigua. Não é verdade. O crescimento exalta forças que não existiam, o capitalismo é um sistema econômico violentíssimo. Os EUA, que são o paradigma do capitalismo, são uma sociedade extremamente violenta, tanto pública quanto privada. O Brasil vive uma espécie de adormecimento devido a essa cultura que eu estava comentando. De repente, o tipo de crescimento econômico violento e tenso em pouco tempo quebra todas as amarras, e a violência vai para rua.

Mas a presidente Dilma é criticada pelo baixo crescimento, é criticada porque o país não cresce.

Não é verdade. O país está crescendo de forma violentíssima nos últimos 20 anos. Numa perspectiva mais de longo prazo, desde Fernando Henrique, passando por Lula e agora Dilma. Além de quê é um crescimento econômico diferenciado. Não dá mais para crescer no campo. Agora o crescimento é na cidade. E na cidade gera relações público-privadas diferentes. Se o Estado não tem políticas para tal, é melhor ficar calado do que dizer besteira. Reforma da Constituição. E daí? O que a reforma da Constituição faz? Para o que passou, não tem efeito nenhum.

Parte das manifestações dizem muito respeito às polícias estaduais. O que o senhor acho do papel dos governadores?

Esse [Geraldo] Alckmin é uma coisa... Todo mundo pensa que o crescimento econômico influi na política de forma positiva. Isso é uma ilusão. O Alckmin é bem o representante dessa política. Um ser anódino. Já chamaram ele de picolé de chuchu. O José Simão [inventor do apelido] talvez seja o melhor sociólogo brasileiro. Ele de fato não desperta paixões nem ódio. Em geral é assim. Não tem nenhum governador que inspire empolgação, esperança de que um dia desse casulo nasça uma espécie de borboleta bonita. Nenhum deles. Mesmo o Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, que é um tipo mais educado. Vai para o governo e se amolda. O Alckmin: pelo jeito a população aprova esse estilo anódino, que não diz nada com nada. Isso é ruim, viu? Ruim porque é o Estado mais importante da Federação, o que poderia dar uma chacoalhada nesse sistema. Mas não dá. E tudo muito conformado. E a imprensa tem um papel horroroso: o que for conformismo, ela exalta; o que for rebeldia, ela condena. Daí que o viés conservador no olhar sobre essas manifestações é a tônica. Ninguém vê nisso um processo de libertação da sociedade. Todo mundo quer a passividade. Eu saúdo essas manifestações como uma amostra de que a sociedade pode e deve manifestar-se sempre que as condições de sua existência sejam tão iníquas como são hoje.

Que avaliação o senhor faz do movimento "black bloc"?

Faço uma boa avaliação. Se eles se constituem como novos sujeitos da ação social, é para saudar. Vamos ver se, com a ajuda deles, a gente chacoalha essa sociedade que é conformista. Parece que tudo no Brasil vai bem. Não é verdade. Vai tudo mal. Porque o Estado não age no sentido de antecipar-se à sociedade que está mudando rapidamente. Você tem uma sociedade como a brasileira em que a questão operária tornou-se central. E aí vem o Lula e ele está fazendo um trabalho sujo, que é aquietar aquilo que é revolta. Essa sociedade não aguenta esse tranco.

Trabalho sujo?

Ah, tá. A questão operária tem a capacidade de transformar o Brasil e ele está acomodando. De certa forma, está matando a rebeldia que é intrínseca a esse movimento. Rebeldia não quer dizer violência, sair para a rua para quebrar coisa. Rebeldia é um comportamento crítico.

Onde o senhor vê isso no Lula?

Em tudo. Lula é um conservador, ele nunca quis ser personagem desse movimento [operário]. Ele foi contra a vontade dele. Mas ele, no fundo, é um conservador. Ele age como. Na Presidência, atuou como conservador. Pôs Dilma como uma expressão conservadora. Porque você não vende uma personalidade pública como gerente. Gerente é o antípoda da rebeldia. Ele vendeu a Dilma como gerente. Uma gerentona que sabe administrar. É péssimo. O Brasil não precisa de gerentes. Precisa de políticos que tenham capacidade de expressar essa transformação e dar um passo a frente. Ele empurrou a Dilma goela abaixo. Não se pode nem ter uma avaliação mais séria dela, pois ele não deixa ela governar. Atrapalha ela, se mete, inventa que ele é o interlocutor. Aí não dá. E ela não pode nem reclamar. É uma cria dele, né?

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos disse que Dilma tem insensibilidade social. Citou problemas com movimentos sociais, indígenas, camponeses, meio ambiente. O senhor concorda?

Eu não diria com essa ênfase. O Boaventura, eu conheço bem, um sociólogo importante. Essa ênfase na questão camponesa... O Brasil não tem camponês. Isso é um equívoco teórico que vem do fato de a gente analisar o desenvolvimento capitalista brasileiro nos moldes europeus. Não é assim. Aqui nunca teve campesinato, nem terá. Porque, basicamente, aqui teve uma propriedade extremamente concentrada do escravismo. Isso se projetou depois numa economia capitalista. O que tem é uma questão urbana grave, pesada, que é preciso resolver. Não tem questão camponesa, isso é uma celebração do passado.

Mas problema indígena tem.

Indígena é um problema. Porque a sociedade só sabe tratar indígena absorvendo e descaracterizando. Para tratar dessa questão é preciso, na verdade, de uma revolução de alto nível. Qual é essa revolução de alto nível? É reconhecer que há um Estado indígena.

Estado indígena?

É. A real solução. Há um Estado indígena. E o Estado capitalista no Brasil não pode tratar essa questão, não sabe tratar essa questão. Ele só sabe tratar indígena atropelando, matando, trazendo para dentro da chamada civilização. Os irmãos Vilas-Boas são os arautos dessa solução. Eles são ótimos, mas a visão deles estava equivocada. A real solução é de uma gravidade que a gente nem pode propor. Trata-se de um Estado indígena. Separa. Separa. E nada de integrar. Deixa. Ajuda até eles a proporem suas próprias... Ninguém tem coragem de dizer isso no Brasil. Então todo mundo quer integrar. Para integrar, você machuca, você mata, você dissolve as formações indígenas. Já a questão camponesa é falsa. O que existe é um assalariado agrícola pesado que sofre os efeitos de um desenvolvimento acelerado. O Estado do Mato Grosso era uma reserva antigamente. Hoje você passa lá e só não tem mato. É grosso, mas sem mato.

E o tema do meio ambiente? Sensibiliza o senhor?

Eu não acredito que o meio ambiente seja uma forma de fazer política. A Marina Silva está aí lançada. Ela não tem nada a dizer sobre o capitalismo? Será? Será que a política ambiental é ruim? Ou é o capitalismo que é ruim? Ela não diz nada disso. Então, para mim a Marina Silva é uma freira trotskista (risos). Cheia de revolução sem botar o pé no chão. Ela juntou com o Eduardo Campos, uma jogada política importante. Mas nenhum deles tem proposta nenhuma. A Marina fica com esse ambientalismo démodé, não diz o que quer. Criticar a política de meio ambiente é fácil. Quero ver ela criticar o sistema capitalista nas formas em que ele está se reproduzindo no Brasil. Aí é botar o dedo na ferida. Mas ambientalismo...

O senhor disse que a política da Dilma é conservadora. O senhor diria que ela é de direita?

Não, não diria. Ela é um personagem difícil, coitada. Ela é uma personagem trágica. Porque ela não pode fazer o que ela se proporia a fazer. Ela tem uma história revolucionária. Mas ela não pode fazer isso porque ela está lá porque Lula a colocou. E Lula não é um revolucionário. Ao contrário, ele é um antirrevolucionário. Ele não quer soluções de transformação, ele quer soluções de apaziguamento. E ela está lá para fazer isso. Ela seria mais para o outro lado. Mas não teria força política para isso. Nem existe força social revolucionária. É preciso a gente combater os nossos próprios mitos. Então Dilma está sendo empurrada para a direita. Pelo Lula. Talvez, se as opções estivessem em suas mãos, Dilma faria uma política mais de esquerda no sentido amplo. Mas ela não foi eleita para isso. Nem tem força social capaz de impor essa mudança. A tragédia brasileira de hoje é que o Brasil precisa de uma revolução social, mas não tem forças revolucionárias. O campesinato não existe. O operariado não é revolucionário, é sócio do êxito capitalista no Brasil. Os principais fundos de pensão são todos eles, entre aspas, de propriedade dos trabalhadores. E todos eles atuam nas grandes empresas capitalistas. A burguesia nunca foi revolucionária. Florestan Fernandes deu xeque-mate quando tratou da revolução burguesa no Brasil. É o melhor livro de Florestan.

O que o senhor espera da eleição do ano que vem?

Mais do mesmo. Com nomes diferentes. Ninguém tem capital político para fazer diferente. Além do que, como dizia Telê Santana, em time que está ganhando não se mexe. Eles estão ganhando. Para fazer o projeto de país e sociedade que eles pensam, eles estão ganhando. Nós estamos perdendo. A esquerda está perdendo. Perdendo suas referências e sua força na sociedade. Então, do ponto de vista deles, eles estão ganhando.

E o que a esquerda pode fazer?

Nada. O Aécio Neves não disse a que veio. E não tem proposta nenhuma, na verdade. A dupla Marina-Campos também não tem proposta nenhuma. O ambientalismo... O que é exatamente? Nem ela diz, nem ela sabe. Ela sabe é ficar nesse floreio, que não resolve coisa nenhuma. A Dilma é o que você está vendo. Ela não faz política porque tem de fazer o projeto do Lula. E o projeto do Lula é isso, é conservador. Então é mais do mesmo. A resultante de tudo será um governo muito parecido com o atual: o pouco de virtude que esse governo tem e a carga de irresoluções que ele reproduz.

O que é o pouco de virtude?

O pouco de virtude é, talvez, dar um pouco mais de atenção à área social. Que eu não gosto, para falar a verdade, porque é um conformar-se em não resolver. O Bolsa Família é uma declaração de fracasso. Não é uma declaração de vitória. Para não morrer de fome, a gente vai dar uma comidinha. Eu não gosto disso. Eu sou socialista há 50 anos. Para mim, a gente tem de mudar. E mudar não é necessariamente por revolução violenta, pois está um pouco fora de moda. Mudar fundo. O Estado brasileiro é detentor das principais empresas capitalistas do país. Não são empresas de fazer favor. A Petrobras não faz favor a ninguém. Agora mesmo que a questão dela está repercutindo muito na imprensa, ela pode dizer "eu não estou aqui para fazer favor". Mas se puder fazer capitalismo e distribuir melhor a renda, essa é a tarefa dela. O Estado brasileiro é muito forte, ao contrário do que se passa na maioria dos países. O Estado nos EUA não é forte. Nem na Europa é mais. Foi [forte] na grande virada social-democrata, mas não é mais. No Brasil ainda é. Portanto é aproveitar isso e fazer uma transformação que vá na direção dos interesses populares. O Bolsa Família não é solução. Ele é uma espécie de conformismo: deixa como está para ver como fica; dá um pouquinho de comida para isso não virar revolta. Eu não gosto desse tipo de política. Acho o Bolsa Família uma política conservadora que atende uma dimensão da miséria popular, mas não tem promessa de transformação.