sexta-feira, 31 de outubro de 2008

I.Berlin e a liberdade negativa

O bolsista de monitoria Renan Cardoso da disciplina Teorias do Estado da UFF envia-nos a seguinte matéria a respeito do pensamento de I.Berlin importante para compreender o debate contemporâneo da Teoria Política e a contraposição entre a liberdade de caráter liberal e a do republicanismo (liberdade positiva). O texto é de Ademar Cruz publicado no jornal O Valor de 31 de outubro de 2008.

Neste 31 de outubro, cumpre 50 anos uma das mais célebres e influentes
conferências da teoria política de todos os tempos, "Dois conceitos de
liberdade", de Isaiah Berlin, proferida na inauguração de cátedra que criara
em Oxford, em 1958. Trata-se da ocasião em que Berlin cunhou a expressão
"liberdade negativa" para designar um espaço mínimo de fronteiras não
discerníveis em que o exercício da autonomia individual não pode ser
restringido ou coagido por qualquer instituição social ou política. Diversos
comentaristas consideram a conferência de 1958 como uma das maiores
contribuições de todos os tempos para o pensamento liberal e para a
definição de liberdade.

Talhado na pura tradição da filosofia analítica, Berlin - nascido em Riga,
na atual Letônia, e radicado praticamente toda a vida em Oxford - foi
pioneiro em distinguir o conceito de liberdade de outros assemelhados, de
corte liberal e republicano, como justiça e fraternidade. Seu conceito de
liberdade negativa terá sido ainda mais preciso (e radical) ao dissociar-se
de automatismos que vinculavam liberdade com regimes de governo, como a
democracia. Com esta a liberdade negativa manteria relação de afinidade, mas
não de necessidade. Segundo Berlin, a pergunta "o que eu posso ser ou
fazer?" é logicamente distinta de "por quem sou governado, ou quem tem o
direito de me governar?". Berlin sustenta que, em certos períodos de
despotismo do Século XIX, vivia-se com mais liberdade que em muitas
democracias do Século XX.

Conceito-espelho de liberdade negativa é o de "surgimento do indivíduo",
entendido a partir de um movimento que segue da plena constituição social da
pessoa até chegar ao "eu" liberal desenraizado, independentemente de seus
vínculos e lealdades sociais. Com base nesse conceito, Berlin trata a
liberdade de modo bastante diverso de outro epígono do liberalismo, Benjamin
Constant, que numa também célebre conferência ("Da liberdade dos antigos
comparada à dos modernos") sustenta que nos regimes e sistemas políticos da
antigüidade o conceito de liberdade individual carecia de sentido
político-social. Para o filósofo suíço, a possibilidade de participação nos
negócios da polis ou o princípio rousseauniano da legitimidade bastariam
(numa acepção "positiva", republicana) para assegurar o exercício das
liberdades individuais.

Berlin refuta a proposta de Constant de equiparar a liberdade positiva à
negativa, ao rejeitar o utilitarismo e o comunitarismo como bases para a
promoção das liberdades individuais: "Se minha liberdade, de minha classe ou
país, dependesse da miséria de outros seres humanos, então o sistema que
promove essa liberdade é injusto e imoral". Estava também consciente de que,
na prática, sua noção de liberdade negativa não constituía uma virtude
suprema a que a grande maioria da humanidade desejaria aspirar. Valores como
segurança, status, poder, recompensas na próxima vida, entre outros,
incompatíveis com a maximização das liberdades individuais, apelariam mais à
consciência dos povos. A elevação da liberdade na escala dos valores humanos
depende da formação da autoconsciência, que requer, por sua vez, a
universalização do acesso à educação, num movimento semelhante ao
preconizado por pensadores como Hegel, Marx e Paulo Freire ("Entender o
mundo é libertar-se"; "o ato de compreender já corresponde à ação").

A primazia da educação como requisito para a liberdade faz com que Isaiah
Berlin acompanhe Kant ao considerar o paternalismo como "o maior despotismo
imaginável", uma vez que gera a concepção falaciosa de que as pessoas são
incapazes de formular seus próprios projetos de vida, ou de que tais
projetos devem ser submetidos a uma determinada interpretação da verdade.
Uma das mais memoráveis passagens de "Dois conceitos" é quando Berlin
identifica na não-interferência o caminho para a dignidade individual, para
o reconhecimento e a construção da personalidade. O paternalismo, o
arbítrio, o desrespeito à impessoalidade do direito e a (des)caracterização
da pessoa como meio constituem práticas abomináveis porque lhe rouba a
autonomia e a identidade.

Do mesmo modo que Berlin denunciava o assalto à autonomia de parte de
regimes demagógicos e populistas, rejeitava o livre mercado -
diferentemente, portanto, de Constant e da tradição liberal - como uma forma
"brutal" e "inescrupulosa" de atentar contra os direitos dos menos aptos e
afortunados: "Liberdade para os lobos representa quase sempre a morte para
as ovelhas". Mais além, protesta que "os malefícios do laissez-faire
irrestrito (...) acarretaram violações inaceitáveis da liberdade negativa e
dos direitos básicos".

Longe, no entanto, de bandear-se para as fileiras do socialismo ou do
comunitarismo, Berlin lançou, em "Dois conceitos", as bases para uma
profunda revisão do liberalismo, que culminaria anos depois com a obra de
John Rawls. Percebe-se claramente na conferência de 1958 princípios da ética
deontológica; surgem os fundamentos do "consenso superposto" e do "fato do
pluralismo"; enunciam-se protovisões dos "valores justos da liberdade"; e
notam-se profundas marcas da liberdade negativa nos princípios de justiça
depreendidos do contratualismo de Rawls.

Um dos aspectos mais marcantes do liberalismo berliniano é o de que não se
presta a justificar nenhuma doutrina com pretensão ao universalismo nem
qualquer visão abrangente de mundo. O baluarte que quer defender é o da
ampliação da margem de liberdade de todo indivíduo, de poder dirigir sua
vida e não ser dirigido (tal como proclama o brasão de São Paulo, non dvcor,
dvco). O contrato social consiste basicamente em atribuir a um poder maior a
tarefa de impedir, contra qualquer pretexto ou circunstância, a afronta às
liberdades: seja de parte mercado anárquico, da onipresença do Estado ou dos
valores associados à própria democracia. "Dois conceitos de liberdade" é
mais que um breviário liberal, pois consiste numa das grandes formulações
analíticas da teoria política de todos os tempos. Expressa um momento de
autoconsciência do homem e um dos pontos culminantes da civilização.

Ademar Seabra da Cruz, diplomata, doutor em Sociologia (USP) e membro do
CEDEC-SP. Publicou "Justiça como Eqüidade" (Lumen Juris).

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os votos do caso do Coronel Cordero

Eis os votos do caso do Coronel uruguaio Cordero postados no site do STF de 11 de setembro de 2008.
Pedido de vista suspende julgamento de extradição do coronel Manuel Cordero
Pedido de vista do ministro Cezar Peluso interrompeu, na tarde desta quinta-feira (11), o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de dois pedidos de extradição do major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini. O militar é acusado de ter participado da Operação Condor, que teria se formado nos anos 70 para reprimir a oposição aos regimes militares que estavam no poder em vários países da América do Sul.
Tanto a Argentina, na Extradição (EXT) 974, quanto o Uruguai, por meio da Extradição 1079, argumentam que Piacentini teria participado, entre outros delitos, do “desaparecimento forçado” do cidadão argentino Adalberto Valdemar Soba Fernandes, acontecido em 1976.
Preferência
O relator dos processos, ministro Marco Aurélio, declarou prejudicado o pedido do Uruguai, lembrando que o artigo 79 da Lei 6.815/80 determina que, quando dois países pedem a extradição de uma mesma pessoa pelos mesmos fatos, “terá preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida”.
Formação de quadrilha
O ministro passou a analisar então, o pedido da Argentina. Marco Aurélio ressaltou inicialmente que o crime de formação de quadrilha imputado ao militar por um crime cometido há mais de 32 anos, cuja pena no Brasil pode atingir até 6 anos e na Argentina 10, já estaria prescrito, tanto na legislação penal brasileira (em 12 anos) quanto argentina (em 15 anos).
Homicídio
Quanto ao desaparecimento de Adalberto Fernandes, o relator disse entender que não pode se considerar o fato como um crime de seqüestro. Entende-se por desaparecimento forçado, explicou o ministro, quando o crime é praticado por grupos que atuem com autorização ou consentimento do Estado, que deixa de informar o paradeiro da pessoa. Embora o Brasil ainda não tenha assinado a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado, disse o ministro, no caso em questão pode-se dizer que não se trata de seqüestro, e sim de homicídio.
A Lei 9.140/95 – conhecida como a Lei da Anistia, prosseguiu o relator, reconheceu como “presumidamente” mortas as pessoas desaparecidas que participaram de atividades políticas entre setembro de 1961 e outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Da mesma forma, disse o ministro, a legislação argentina (Lei 14.394/54) diz que a ausência da pessoa sem que dela se tenha notícia, por três anos, causa a presunção de seu falecimento.
Dessa forma, considerando que com relação ao crime de homicídio a prescrição na Argentina acontece em 15 anos, e no Brasil em 20, o ministro Marco Aurélio votou pelo indeferimento do pedido de extradição.
Anistia
O ministro concluiu dizendo entender que o caso alcança o tema da anistia. Se aprovasse a extradição, revelou o ministro, o STF poderia estar causar o esvaziamento da lei de anistia. Feridas poderão vir a ser abertas, disse o relator. “Isso não interessa ao coletivo, não interessa à sociedade”, concluiu, revelando que a anistia deve ser entendida como uma virada de página, uma busca do convívio pacífico entre os cidadãos.
Os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Eros Grau acompanharam o relator, pelo indeferimento do pedido, sem contudo se comprometerem com os argumentos do ministro Marco Aurélio no tocante à Lei de Anistia.
Divergência
Já o ministro Ricardo Lewandowski divergiu do relator, votando pelo deferimento parcial do pedido de extradição, apenas quanto ao suposto seqüestro imputado ao militar, lembrando que o crime é de caráter permanente, e portanto não pode ser considerado prescrito. O ministro deu como exemplo o caso de bebês que foram tirados de suas mães, naquela época, e até hoje se encontram em poder de outras famílias.
Outra alegação da defesa do major, de que o acusado teria recebido indulto do governo, por meio do Decreto 1.003/89, foi rebatida por Lewandowki. O ministro afirmou que esse decreto foi julgado inconstitucional. Assim, considerando estarem presentes os pressupostos pela concessão da extradição, o ministro votou pela concessão, em parte, da extradição.
Ao pedir vista dos autos, o ministro Cezar Peluso afirmou ter dificuldade em admitir a existência de um crime de homicídio sem a existência de um corpo.

O Coronel Cordero e a internaciolização no STF

Eis o resumo do Caso do Coronel urugaio Cordero envolvido na Operação Condor contido no "site" do STF de 30 de outubro de 2008 relatando o pedido de sua extradição.
Pedido de vista adia julgamento de extradição de militar uruguaio envolvido na Operação Condor
Pedido de vista do ministro Eros Grau interrompeu, nesta quinta-feira (30), pela segunda vez, o julgamento do pedido de Extradição (EXT 974) do major uruguaio Manuel Juan Cordero Piacentini, formulado pelo governo da Argentina. O militar é acusado do desaparecimento de dez pessoas, além do seqüestro do menor Aníbal Armando Parodi, durante a Operação Condor, que teria sido levada a efeito nos anos 70 com o objetivo de reprimir a oposição aos regimes militares que estavam, então, no poder em vários países da América do Sul.
Além da Argentina, também o Uruguai pediu a extradição do major Piacentini (EXT 1079). Este pedido, entretanto, foi considerado prejudicado, uma vez que os crimes foram cometidos na Argentina.
O pedido de vista foi formulado quando o relator, ministro Marco Aurélio, havia votado pelo indeferimento da extradição, alegando que estariam prescritos tanto o crime de subtração de menor quanto o desaparecimento. Além disso, Piacentini teria sido beneficiado por decreto de indulto editado pelo governo argentino.
Este foi, a propósito, um dos argumentos da defesa ao pedir o indeferimento do pedido. Os advogados alegavam, também, tratar-se de crime político e que, portanto, o militar seria insuscetível de extradição. Além disso, ele teria sido indultado pelo Decreto 1.003/89.
Divergências
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio sustentou que o crime de subtração do menor está prescrito pois, na legislação brasileira, é punido com pena de dois meses a dois anos de reclusão. O menor foi seqüestrado com 20 dias de idade, em 14 de junho de 1976, em Buenos Aires, e entregue a uma família de militares, tendo vivido desde então com o nome que lhe foi dado por esta família. E, somente em 2002, ele pôde conhecer a sua verdadeira identidade, quando passou a ser chamado por seu nome atual (Aníbal Armando Parodi).
Quanto ao desaparecimento das outras dez pessoas de que Piacentini é acusado, o ministro Marco Aurélio considerou a ocorrência de morte presumida, tendo em vista que nenhuma delas retornou ao convívio social, mesmo com o fim das operações. Como o crime de homicídio prescreve em 15 anos pela legislação argentina e em 20, pela brasileira e, como foi cometido há mais de 30 anos, ele o considerou prescrito.
Com o relator haviam votado, em setembro, os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Eros Grau (que hoje decidiu pedir vista) e Cármen Lúcia, que, no entanto, fizeram ressalvas quanto ao entendimento do ministro Marco Aurélio sobre anistia. Cármen Lúcia mudou hoje seu voto para acompanhar a divergência, aberta em 11 de setembro – quando foi iniciado o julgamento – pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Divergiram também, votando pelo deferimento parcial do pedido de extradição – e reenquadrando o crime de subtração de menor como crime continuado de seqüestro, só cessado em 2002 – os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto.
Voto vista
Quando o julgamento do processo foi iniciado, em setembro de 2008, o ministro Cezar Peluso pediu vista do processo. Hoje, ele trouxe o caso de volta a julgamento e apresentou seu voto-vista, divergindo do relator. Considerou que não se poderia presumir a morte dos desaparecidos, porquanto não há provas materiais nem individualização da ação que o major supostamente teria tido na morte de cada um deles.
Além disso, segundo Peluso, para que haja morte presumida é necessário que, de acordo com o artigo 7º do Código Civil Brasileiro, haja uma sentença judicial que, entre outros, estabeleça uma data provável do falecimento.
O ministro esclareceu que, embora não defenda a imprescritibilidade do crime, não poderia votar pelo acolhimento do pedido de extradição por este crime, pelos motivos por ele apontados.
Já quanto ao crime de subtração de menor, ele o enquadrou como crime de seqüestro. E observou que ele só cessou em 2002, quando o menor seqüestrado tomou ciência de sua verdadeira identidade. Por isso, considera que este crime ainda não prescreveu e, portanto, o prazo de prescrição começou a correr apenas em 2002.
Em relação à anistia, ele disse que a lei de anistia dos militares envolvidos em crimes durante o regime militar argentino foi revogada, após ser considerada inconstitucional.
Vista
O ministro Eros Grau, que anteriormente havia votado pelo indeferimento do pedido, acabou pedindo vista do processo. Ocorre que ele é relator da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contesta a Lei de Anistia. E explicou que quer examinar o pedido de extradição do militar argentino juntamente com o teor dessa ADPF

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Estado de exceção econômico

O Prof. Farlei Martins envia da fonte "Tribuna" a seguinte máteria de autoria de Ulrich Beck publicada em 29 de outubro de 2008 e trata-se de uma versão do texto do Le Monde sobre globalização do risco postada neste blog.
Estado de excepción económico
¿Qué hay de bueno en esta crisis? Que el egoísmo del Estado nación tiene que
abrirse al espacio cosmopolita. Los líderes políticos nacionales compiten
ahora por ver quién ofrece el mejor plan de salvación mundial
ULRICH BECK 29/10/2008
De la noche a la mañana, el principio misionero de Occidente, el mercado
libre, que ha justificado la aversión hacia el comunismo y la distancia
filosófica respecto del actual sistema chino, se ha convertido en una
ficción. Los banqueros (banksters en el imaginario popular) reclaman con el
fanatismo del converso la estatalización de sus pérdidas. ¿Está empezando a
aplicarse la fórmula china de dirigismo estatal de la economía de mercado,
hasta ahora tan demonizada y temida en los centros anglosajones regidos por
el "todo vale"? ¿Cómo se explica el potencial destructivo de los riesgos
financieros globales?
Hay una respuesta a esta última pregunta basada en una distinción
fundamental: riesgo no significa catástrofe, sino su anticipación en el
presente. En relación con los riesgos globales, la anticipación de un estado
de excepción será gestionada sin fronteras. Este estado de excepción ya no
rige en el ámbito nacional, sino en el ámbito cosmopolita; lleva además a la
destrucción de edificios intelectuales supuestamente eternos, y crea nuevos
lazos comunes.
Aquí hay que distinguir entre dos variantes que tienen un sentido clave para
entender la teoría política de la sociedad del riesgo mundial. Por un lado,
las catástrofes cuyos efectos secundarios no son intencionados (cambio
climático, crisis financiera mundial). Por otro, las catástrofes
intencionadas, las que defiende el terrorismo suicida, operativo a nivel
transnacional. Podríamos decir que Carl Schmitt fue el primero en
reflexionar sobre el potencial político que posee el estado de excepción
cuando éste es inducido por los riesgos globales. Sin embargo, en su teoría
sobre la soberanía Schmitt vincula el estado de excepción exclusivamente al
Estado nacional. Pero el signo distintivo más destacado de los riesgos
globales (economía mundial, cambio climático, terrorismo) quizá sea que, al
disolver las fronteras, el estado de excepción sustituye la delimitación
propia del Estado nación.
Las fronteras del estado de excepción se disuelven al iniciarse un nuevo
capítulo de la política interior mundial. Esto podemos apreciarlo en la
carrera que ahora están disputando los Gobiernos por ofrecer el mejor plan
de salvación mundial, a cuyo vencedor le espera la resurrección política a
la manera del fénix renacido de sus cenizas (tomemos el ejemplo del primer
ministro británico Gordon Brown) tanto en el ámbito nacional como
internacional.
Se inicia en las aparentemente sólidas reglas de la política internacional
un juego de fuerzas cambiante, asentado en algún lugar a medio camino entre
la política de casino y la ruleta rusa, y en el que las competencias y las
fronteras serán gestionadas de otro modo. Y no sólo aquellas que separan las
esferas nacionales de las internacionales, sino también aquellas que separan
la economía global de las de los Estados, así como también las de las
potencias económicas emergentes como China, Suramérica y la India, por un
lado, y Estados Unidos y la Unión Europea, por el otro.
Ningún jugador o adversario puede ganar en solitario, ya que todo depende de
las alianzas. De la misma manera que un Gobierno no puede combatir él solo
ni el terrorismo global ni el cambio climático, tampoco puede arreglárselas
él solo con las consecuencias de la catástrofe financiera que nos amenaza. Y
al revés, el político de ámbito nacional (por ejemplo Glos, el ministro de
Economía alemán) que busca una explicación al colapso económico que nos
amenaza dentro del perímetro vallado de la nación, actúa como un borracho
que en una noche oscura pretende encontrar su billetera perdida con la luz
de una farola. A la pregunta de si realmente ha perdido su billetera en
aquel lugar, él responde que no, pero que al menos puede buscarla con la luz
de la farola.
El estado de excepción ha disuelto sus fronteras espaciales porque las
consecuencias que acarrean los riesgos financieros en el mundo
interdependiente de hoy se han hecho imposibles de calcular y tampoco pueden
compensarse. El espacio de seguridad del Estado nación de la primera
modernidad no excluía los perjuicios. Pero éstos eran compensados, ya que
sus efectos destructivos podían anularse con dinero, y otros medios. Ahora
bien, una vez que se ha quebrado el sistema financiero mundial, que el clima
ha cambiado irremisiblemente y que grupos terroristas poseen armas de
destrucción masiva, ya es demasiado tarde. Ante este salto cualitativo en la
amenaza a la humanidad, la lógica de la compensación pierde su validez y es
sustituida (como lo argumenta François Ewald) por el principio de la
previsión mediante la prevención.
La imposibilidad de calcular los riesgos financieros es producto de una
destacada incapacidad de conocer. Pero al mismo tiempo, el conocimiento, el
control y la seguridad que el Estado reclama tienen que ser renovados,
profundizados y ampliados. De ahí que sea una ironía (para decirlo
suavemente) que se controle algo que nadie puede saber qué es y cómo se
desarrolla, o qué efectos realmente manifestará la terapia millonaria que ha
recetado la política ante el vértigo de los ceros. ¿Pero por qué allí donde
fracasa una economía equilibrada el Estado tiene que convertirse en
decisivo, como es el caso? Hay una respuesta concluyente de tipo
sociológico: porque la promesa de seguridad es el primado del Estado
moderno, que con la ignorancia no es neutralizado, sino al contrario,
activado.
La disolución de las fronteras temporales del estado de excepción se define
también por la imposibilidad de calcular su peligro. Todos tenemos la
esperanza de que con la reacción en cadena que podemos apreciar ahora, la
espiral haya tocado fondo... si es que no sigue empeorando. Visto así, los
créditos tóxicos del sistema financiero mundial causan un efecto parecido al
del peligro de avalancha cuando nieva sin cesar: sabemos que existe el
peligro, pero no sabemos exactamente cuándo y dónde se producirá el
hundimiento.
El peligro percibido que amenaza con precipitarnos a todos en el abismo
genera a la vez una dinámica de aceleración del efecto neutralizador y, con
ello, una presión por llegar al consenso que puede cortocircuitar el abismo
entre el consenso obligado y la toma de decisiones políticas. Con la
consecuencia de que lo que es del todo impensable en el espacio político
nacional se hará realizable justamente en el de la política interior
mundial. A pesar de que los intereses de todos los Estados chocan
dramáticamente como es sabido, pueden aplicarse buenas decisiones
político-financieras bajo el dictado de una especie de urgencia por crear un
gran impacto. ¿Por qué? Precisamente por la anticipación de la catástrofe en
el presente, eso es, mediante la globalidad de la percepción del riesgo,
alimentada e ilustrada por los medios de comunicación de masas. El poder
histórico de la percepción de los peligros globales se paga, sin embargo, a
un precio elevado, ya que actúa a corto plazo. Puesto que todo depende de su
percepción mediática, la fuerza legitimadora de la acción política mundial
ante los peligros globales sólo alcanza hasta allí donde los medios de
comunicación fijan su atención.
Lo que supone un choque antropológico para los nativos de la sociedad del
riesgo mundial no es ya la indigencia metafísica de un Beckett, ni la
ausencia de Godot, ni la horrible visión de la vigilancia de un Foucault, ni
tampoco el mudo despotismo de la racionalidad que alarmaba a Max Weber. Lo
que angustia al ser humano contemporáneo es el presentimiento de que el
tejido de nuestras necesidades materiales y nuestras obligaciones morales
pueda rasgarse y de que se hunda el sensible sistema operativo de la
sociedad del riesgo mundial. Así que todo está dentro de nuestra cabeza. Lo
que para Weber, Adorno y Foucault era el horror (la racionalidad perfecta
controlando el mundo administrado) es una promesa para las víctimas
potenciales de los riesgos financieros (en realidad, todo el mundo). Ojalá
que la racionalidad controladora pudiera realmente controlar.
¿Qué hay de bueno en lo peor? Que por su propio bien el egoísmo del Estado
nación tiene que abrirse al espacio cosmopolita. Pero ésta es una de las
muchas posibilidades que supone el estudio de la anticipación de catástrofes
paradigmáticas. Otra posibilidad es que éstas no ocurran.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O Brasil e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Folha de São Paulo de 27 de outubro de 2008 traz a seguinte noticia sobre a Comissão Interamericana e o Brasil como o primeiro passo para a responsabilização do nosso Estado.




Brasil dá explicações sobre sua Lei de Anistia à OEA
Órgão pede que país elucide como interpreta a lei O governo brasileiro vai explicar hoje na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, a Lei de Anistia, considerada um marco quando instituída em 1979, mas que atualmente se transformou em causa de discórdia entre diferentes setores da administração federal.O Brasil foi notificado a dar explicações sobre a lei, seus reflexos e conseqüências, no final do mês passado. O país vai mostrar ainda a situação dos processos em trâmite na Justiça brasileira e apresentar o trabalho da Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça.O pedido foi motivado pela organização não-governamental Cejil (sigla em inglês para Centro pela Justiça e o Direito Internacional), que afirma que o Brasil interpreta "equivocadamente" a lei, pois permitiu a anistia de quem torturou durante o regime militar (1964-1985). Para a Cejil, isso fere a jurisprudência de cortes internacionais, além de a tortura ser considerada um crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível.Mas o que deve prejudicar o país em sua defesa, segundo a comitiva brasileira, é o recente parecer da AGU (Advocacia Geral da União) que considera perdoados os crimes de tortura.O órgão que defende a União entendeu que, como a Lei de Anistia é anterior à Constituição, os efeitos do artigo constitucional que veda anistia a torturadores não valeria para crimes cometidos no período.O parecer da AGU foi anexado ao processo aberto na Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público, que pede a responsabilização dos militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel por desaparecimento, morte e tortura de 64 pessoas. Eles comandaram o DOI-Codi, em São Paulo, na década de 1970. Há ainda o pedido para dar publicidade a documentos do período, o que também foi considerado "improcedente".A audiência de hoje na sede da OEA não resultará em condenação do Brasil -mas pode ser um primeiro passo para isso. O país é signatário de convenção que reconhece a corte como uma instância para a resolução de conflitos com poder de influenciar até no ordenamento jurídico -só com essa mudança seria juridicamente viável a responsabilização de quem cometeu delitos durante a ditadura.

domingo, 26 de outubro de 2008

O perfil do juiz Balthazar Garzón

O perfil do juiz Balthazar Garzón está publicado no jornal El Pais de 25 de outubro de 2008. É importante a sua leitura em razão de seu despacho a favor de sua competência para julgar os crimes contra os direitos humanos praticados pela ditadura franquista (1939-1975) ter provocado uma forte reação de determinados setores do Estado e da sociedade espanholas.
http://www.elpais.com/articulo/reportajes/Historia/juez/descansa/elpepusocdmg/20081026elpdmgrep_4/Tes

As possíveis consequências da crise econômica global

O historiador norte-americano Edward N. Luttwak no seu texto "A Roda da Fortuna" no Caderno "Mais" da Folha de São Paulo de 25 de outubro de 2008 tece as seguintes consequências para a atual crise econômica global:
Continuam a existir grandes incertezas, evidentemente, mas algumas conseqüências já se tornaram inevitáveis -e elas se distribuem de maneira muito desigual entre os diferentes países. O que parece mais óbvio é que a nova superestrutura financeira de fundos de hedge, fundos de capital privado, emissores de derivativos e seguradoras de derivativos, que cresceu com tamanha rapidez a partir do início dos anos 1990, será drasticamente reduzida. Muitas empresas estão diminuindo de tamanho, entrando em colapso ou simplesmente fechando as portas, e aquelas que sobreviverem terão receita muito menor e bem menos funcionários. Esse declínio estrutural drástico já começa a afetar o status relativo de diversas grandes cidades do mundo -e o de economias inteiras, com ele. A atividade na "economia real" também está se desacelerando em todo o mundo -o crescimento da China está caindo rapidamente ante o ritmo explosivo de 2007 (que atingiu os 12%), para cerca de 9% neste ano, e é provável que seja inferior a 7% no ano que vem. Fenômeno cíclico A crise financeira está agravando as coisas, mas a desaceleração continua a ser um fenômeno cíclico, de modo que um retorno ao crescimento econômico, ainda que lento, é bastante provável em 2010 nos EUA, com China, Brasil e, por fim, a Europa voltando sucessivamente a acelerar. Mas o mesmo não aplica à superestrutura financeira -ela não tem esperança de recuperação em 2010 ou, mesmo, em 2015, aliás. Boa parte dela simplesmente desaparecerá, com todas as rendas que gerava. No entanto teremos uma queda desproporcional. Os fundos de hedge, concentrados em Londres e Nova York, devem encolher muito mais do que as empresas de capital privado, espalhadas do Texas à Suécia, mas menos do que a emissão e o seguro de derivativos, atividades concentradas em Nova York. Estas não desaparecerão, porém, porque continua a haver demanda por instrumentos para compartilhar riscos, por exemplo de parte das companhias aéreas, que desejam garantir preços previsíveis para os combustíveis. Londres sofrerá a maior perda relativa em termos de atividade econômica total, entre as grandes cidades, porque seu setor financeiro é desproporcionalmente grande, e as receitas que ele propicia, ainda maiores, como proporção do total de receitas geradas na cidade. Todos os "efeitos multiplicadores" resultantes agora estão se revertendo, já que setores de serviços relacionados também caem -de atividades como escritórios de advocacia e restaurantes finos à British Airways (cujos lucros dependiam de tal modo das viagens de classe executiva e primeira classe que agora sua capitalização se reduziu a apenas 3 bilhões!). A demanda por imóveis comerciais em Londres também cairá na mesma proporção à medida que empresas financeiras cancelam contratos de locação, deixam de pagar aluguéis, negociam reduções ou simplesmente desaparecem. Depois será a vez de setores de serviços relacionados, o que resultará em grande índice de desocupação de escritórios em Londres. O mercado de residências de alto padrão da cidade, que já estava fraco antes da crise -como parte do declínio mundial nos preços de imóveis, que causou a crise financeira, para começar-, está em queda acentuada, igualmente, ainda mais porque Londres havia atraído operadores financeiros e trabalhadores de todo o mundo, muitos dos quais agora retornarão a seus países. A crise de Londres deve afetar o Reino Unido como um todo, porque a economia do país é de longe aquela em que o setor financeiro tem mais peso, entre as grandes economias, em proporção muito maior do que no caso da economia dos EUA, para não mencionar França, Alemanha, Itália ou Japão -em parte devido às políticas de "libra forte", que favoreciam os setores financeiros enquanto danificavam as indústrias de exportação do país. Além disso, os talentos de gestão britânicos foram absorvidos pela City de maneira desproporcional, o que erodiu ainda mais a competitividade da indústria britânica, a despeito dos custos de mão-de-obra relativamente baixos e do mercado de trabalho mais fluido da Europa. Ainda que o primeiro-ministro britânico [o trabalhista Gordon Brown] seja o herói do momento, a queda de Londres como centro financeiro decerto reduzirá a influência britânica na União Européia, especialmente se comparada à da Alemanha, um país onde as finanças têm importância bem menor e cujo setor de exportação continua a não ter rivais. A França permanecerá mais ou menos onde está, e a Itália pode ganhar influência, partindo de sua posição bastante baixa (devido ao processo decisório caótico no país, os italianos não exercem muita influência, apesar de sua considerável capacidade econômica). Por outro lado, devido à peculiar dependência italiana da exportação de produtos de luxo (Prada etc.), o declínio cíclico da economia real provavelmente será muito severo. Em menor dimensão, outras economias nas quais as finanças têm papel importante também sofrerão, especialmente a da Holanda, bem como as dos microestados que servem de refúgio a capitais (Luxemburgo, Mônaco etc.). A exceção será a Suíça, porque a maioria de seus bancos manteve o foco na gestão de ativos, uma atividade conservadora (e muito dispendiosa), em lugar de investir em novas funções. Quanto aos EUA, a redução estrutural da superestrutura financeira certamente deprimirá em medida significativa a economia na região de Nova York, com efeitos multiplicadores semelhantes aos de Londres e que se estenderão por alguns anos. Mas o impacto nacional será menor do que no caso britânico, porque a superestrutura financeira dos EUA é relativamente menor, em comparação com a "economia real", e a estrutura financeira tradicional de bancos comerciais e de mercados de títulos de dívida e ações em breve se recuperará -ainda que os preços das ações não devam fazê-lo. Declínio relativo dos EUA Quanto ao impacto sobre a influência dos EUA na política mundial, seria possível argumentar persuasivamente que a morte do Lehman Brothers e do Smith Barney e a perda de estatura do Goldman Sachs e do Morgan Stanley superam o sucesso militar tardio no Iraque ou a notável capacidade dos EUA de convencerem os aliados europeus a combater no Afeganistão. Por outro lado, a própria crise serviu para reafirmar a liderança norte-americana, porque os demais países europeus só acataram a solução britânica de injetar fundos estatais diretamente nos bancos quando o governo de George W. Bush também aceitou esse remédio sem precedentes. Em teoria, os europeus poderiam ter concordado quanto a uma solução própria e tê-la oferecido aos norte-americanos, para que a aceitassem ou rejeitassem sem negociação. Na prática, muitos países europeus, entre eles a Alemanha, recusaram a solução britânica até que esta fosse aceita plenamente também pelos EUA. Não existe dúvida de que a crise financeira reduziu o prestígio norte-americano e também a influência econômica do país, em termos absolutos. Mas influência política é sempre relativa, no cenário político mundial, e uma perda absoluta de força só se torna real caso haja outros contendores capazes de ganhar influência como resultado. Com a Rússia experimentando declínios ainda maiores que os dos EUA em seus mercados financeiros e Bolsas de Valores e também sofrendo quedas de receita como exportadora de commodities, o país certamente não conseguirá substituir a influência norte-americana no mundo. O risco da China A China, em contraste, dispõe do equivalente a US$ 1,3 trilhão em reservas cambiais, e poderia investir ainda mais na extração de matérias-primas e em grandes projetos de infra-estrutura na África, América Latina e em outras partes do mundo, reforçando sua presença e influência em um momento no qual a competição ocidental no financiamento e trabalho de engenharia de grandes projetos certamente declinará. Mas, com a queda nos preços das commodities e uma lista cada vez maior de projetos sem lucratividade, a China não tem incentivo econômico para continuar nesse rumo. Na verdade, a estratégia de tomar o controle de matérias-primas sempre funcionou mal (os suíços não têm poços de petróleo, mas sempre dispõem de todo o petróleo de que precisam), como o Japão aprendeu muito tempo atrás, e isso pode valer ainda mais agora que os valores dos imóveis estão caindo e a economia está em desaceleração na China propriamente dita. Japão, Rússia, Brasil Em termos de influência política, a China certamente conquistou muita, mas também despertou novas resistências, porque é cada vez mais vista como exportadora "neocolonialista" de produtos industrializados, importando apenas matérias-primas da África e da América Latina. Em teoria, este é o momento em que o Japão (bem como a China, e também, em certa medida, Taiwan, Cingapura e Coréia do Sul) poderia converter suas posições de títulos do Tesouro norte-americano e outros instrumentos denominados em dólares em propriedade de imóveis depreciados e empresas desvalorizadas. Ao valor de mercado atual de US$ 3,6 bilhões, até mesmo um fundo de pensão japonês de segunda linha poderia tomar o controle da General Motors, e nem mesmo GE, IBM, Google e Microsoft estariam fora do alcance dos recursos japoneses. Em tese, o Japão (e outros países) poderia adquirir tudo isso e muito mais, ganhando a influência que a propriedade confere. Mas é improvável que isso venha a acontecer, não apenas devido à cautela dos investidores mas também porque certamente haveria resistência, em diversas frentes, a aquisições muito grandes e de alta visibilidade. Por fim, existe o impacto da crise sobre exportadores de commodities como Brasil, Rússia e os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). É ainda mais um processo bastante assimétrico. Como exportador altamente diversificado de todo tipo de bens -de aviões e metais ferrosos a soja, de que é líder mundial, passando por carne bovina, suco de laranja, café e muitas outras coisas-, o Brasil vem sendo atingido em todas essas frentes, mas de maneira não muito severa. O país sofrerá uma desaceleração cíclica, como sua Bolsa já antecipou ao perder metade de sua capitalização desde junho, mas isso é tudo, e uma forte recuperação é certa. As coisas são muito piores para a Rússia, que depende de uma lista muito mais curta de matérias-primas exportáveis, especialmente o petróleo, cujo preço está caindo para a faixa dos US$ 70 por barril, o dobro do que valia em 2000, mas metade das alturas atingidas no ano passado, em lugar do preço de US$ 250 que Alexei Miller, da Gazprom, projetava alguns meses atrás. É por isso que a Bolsa de Moscou perdeu 60% de sua capitalização em dois meses. Quanto aos exportadores de petróleo, o mais forte impacto será sentido pela Venezuela, porque parcela tão grande de sua receita petroleira foi desperdiçada em empreitadas tolas. O Irã terá sua receita em moeda forte reduzida para menos que o nível necessário para manter um orçamento estável, e o mesmo vale para Arábia Saudita e Nigéria, enquanto em Dubai a bolha imobiliária está para estourar. Os mercados de ações do Golfo Pérsico entraram todos em colapso, mas ninguém passará fome ou começará a atacar o governo, como bem pode acontecer na Venezuela e no Irã, países em que a população mais pobre já vive sob o ataque da alta inflação.

sábado, 25 de outubro de 2008

Paul Kenney e a crise global da economia

A Folha de São de Paulo de 25 de outubro de 2008 traz a seguinte entrevista de Paul Kennedy para refletirmos sobre a crise global da economia.

EUA não resolvem crise global, diz Kennedy
Historiador inglês alerta para excesso de expectativa sobre poder do novo presidente americano para revitalizar economiaDefensor da tese do declínio americano, professor de Yale vê Ásia mais resistente a efeitos da crise e elogia papel do Brasil no mundo
A era do "Tio Sam", quando os EUA ordenavam que se fizesse "isso e aquilo" sem consultar os outros protagonistas, morreu, diz Paul Kennedy. E seu epitáfio, segundo o historiador inglês de Yale, deve dedicar algumas linhas à atual crise financeira global, que limitará, em muito, o raio de ação do sucessor de George W. Bush. Para o autor do livro "Ascensão e Queda das Grandes Potências" (Editora Campus) e um dos principais teóricos do declínio americano, a crise acentuará a diminuição da influência dos EUA, pavimentará o caminho rumo a uma ordem mundial multipolar e mudará a face do capitalismo global.Kennedy, 63, alerta para a expectativa exagerada em relação ao poder de fogo do próximo presidente americano contra os efeitos da crise. Mesmo assim, qualifica o democrata Barack Obama como o mais preparado para enfrentar a estagnação econômica e as guerras no Iraque e no Afeganistão.Leia trechos da entrevista concedida por Kennedy à Folha em visita ao Brasil, quinta-feira, para participar da Semana Yale na Brazilian Business School em São Paulo.

FOLHA - Como o senhor encara a expectativa gerada pela chegada de um novo presidente americano para pilotar a crise financeira?PAUL KENNEDY - Estou preocupado com as expectativas quanto ao que o "novo cara" poderá fazer. As pessoas não entendem as enormes restrições de autonomia diante dos déficits. Além disso, o "novo cara" pode ser muito competente, responsável e articulado, mas só será eficaz se trabalhar estreitamente com outros líderes. Acabou a era do Tio Sam ordenando que se faça "isso e aquilo" sem consultar outros protagonistas.
FOLHA - Qual é o maior desafio do próximo presidente americano: a crise financeira ou as situações desastrosas -e custosas- no Iraque e no Afeganistão?KENNEDY - Reencontrar o equilíbrio fiscal e ressuscitar a fé na economia americana é o maior desafio do próximo presidente.Isso dito, acho que a gravidade da crise pode ajudar Obama, na medida em que lhe permitiria pôr em prática mais facilmente e com menos controvérsia do que em outro contexto o seu plano de retirada gradual das tropas dos EUA no Iraque.
FOLHA - Qual o candidato mais preparado para enfrentar esses desafios?KENNEDY - Há um ano, quando só se falava em Hillary Clinton, Joe Lieberman, Rudy Giuliani etc, minha mulher voltou de Nebraska, onde havia gravado um programa de TV com Obama, e me disse: "Olhei como esse cara respondia a perguntas num vilarejo no meio do nada e reparei no quanto ele é surpreendente".Desde então, percebi que Obama tem muito mais do que aquela elegância pública e o maravilhoso dom da palavra.Ele escuta e pensa com muita precisão. Mas estou tentando conter meu otimismo e minhas expectativas, porque quando me lembro de que muitos efeitos dessa crise ainda não apareceram, penso que ninguém conseguirá fazer o que quer que seja em janeiro.
FOLHA - A que ponto a crise reflete a diminuição do poder dos EUA?KENNEDY - Não podemos discutir a crise falando apenas dos EUA, já que está comprovado que o estouro das hipotecas se construiu também na Europa Ocidental. Além disso, muitos dos chamados "banqueiros internacionais inteligentes" alimentaram esse sistema viciado na Islândia, no Reino Unido e em outros lugares. Todo mundo está sentindo o baque, em maior ou menor escala.Mas acho que o crescimento da Ásia continuará, embora em ritmo menos acelerado. O crescimento da economia chinesa poderá cair de 11,5% para 6%, enquanto a economia americana ficará estagnada. Em termos relativos, os EUA estão encolhendo. E não me refiro apenas à confiança, que está num nível assustador no país, mas ao fato de as próprias possibilidades de crescimento terem sido cortadas. Isso não aconteceu na Ásia.
FOLHA - Em que grau a atual crise vai transformar o capitalismo?KENNEDY - O que está acontecendo é um daqueles períodos de mudança e de ajustes nas estruturas. Após a fase de baixo crescimento da década de 70, vieram a senhora [Margaret] Thatcher e Ronald Reagan, que liberalizaram, se livraram dos controles financeiros, deram descontos de impostos para investidores, e o resultado disso foi o fluxo maciço de capital.Sob o governo [George] Bush, foram retiradas ainda mais regulação e fiscalização.Teremos um capitalismo modificado, aprimorado. Os investidores vão querer mais regulação, maior controle sobre os hedge funds [que apostam em diferentes ativos], sobre a especulação, e uma maior cooperação entre os bancos centrais.Há quem diga, como o [presidente venezuelano Hugo] Chávez, que o capitalismo está morto, mas essas medidas visam garantir que o capitalismo volte a ser saudável, sem os excessos das especulações. Não será mais como antes.
FOLHA - E como fica a divisão de poderes nesse novo mundo?KENNEDY - É verdade que há uma profunda falta de confiança no governo [George W.] Bush em todo o mundo, o que pode ser superado por uma nova gestão que se mostre mais sensível, mais inteligente, mais cooperativa e multilateralista.Mas, no longo prazo, o equilíbrio mundial está realmente mudando. Não em termos militares, porque os EUA respondem por metade do orçamento bélico mundial. A transformação fica evidente na composição das reservas internacionais estratégicas dos países.Duas décadas atrás, elas eram compostas quase totalmente em dólares. Da última vez que verifiquei, no começo do ano, a parcela de moeda americana era 63% e provavelmente vai continuar caindo e teremos mais reservas em rupias da Índia, em yuans chineses, em euros quando a Europa superar a sua crise bancária.De um mundo do dólar passamos a um mundo de várias moedas. Foram raros os momentos históricos que tiveram uma potência só.Voltaremos para a normalidade de um mundo multipolar, com um líder mas outros países fortes o suficiente para serem independentes. Mesmo agora, não há nada que o governo americano possa fazer para intimidar a China, ou a Rússia, ou a Índia. Já há três atores independentes.
FOLHA - É possível tirar alguma lição dessa crise?KENNEDY - O efeito dominó, de país a país e de banco a banco, fez os líderes políticos perceberem que eles precisam trabalhar mais juntos. O Banco da Inglaterra e o Banco da Suíça entenderam que devem atuar conjuntamente com o Fed e o Banco do Japão e o do Canadá, e assim por diante.O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são instituições ótimas, mas até então, por causa da liberalização do fluxo de capitais, não havia nada relevante em matéria de concertação sobre sistemas bancários. Acho que poderá surgir uma espécie de cartel de bancos centrais das 12 maiores economias, comprometidas em atuar juntas para evitar que seus maiores bancos não quebrem. Esse grupo se reuniria com freqüência, possivelmente substituindo o G7 e o G8.
FOLHA - O Brasil estaria no cartel?KENNEDY - Do meu ponto de vista, sim.
FOLHA - O sr. considera o Brasil uma potência emergente, mesmo com poderio militar e cultural tão modesto?KENNEDY - Ninguém cobra do Brasil que se torne uma potência militar. Aliás, seria uma tolice o país botar muito dinheiro em gastos com material bélico.O presidente Hugo Chávez está fazendo isso, mas a crise vai fazê-lo se arrepender. Um dos poucos benefícios desta crise é que Chávez e [o premiê e ex-presidente russo] Vladimir Putin serão afetados, pois eles acreditaram muito no barril a US$ 150.Se o Brasil quiser se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, deverá ter mais forças bem treinadas para abastecer as missões de paz, algo que já faz muito bem no Haiti.Também convém ao país manter sua atuação no campo da diplomacia econômica e de cooperação. A força do Brasil está no seu papel como protagonista do comércio Sul-Norte e Sul-Sul.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Globalização dos riscos

O Prof. Farlei Martins, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Puc-rio, e o monitor Renan Cardoso da disciplina Teorias do Estado enviam para ser postado o presente texto elaborado por Ulrich Beck e publicado pelo Le Monde de 24 de outubro de 2008 abordando a presença de Carl Schmitt, os estados fracos e a crise financeira. Tais fatores são contextualizados numa globalização de risco.

Penser la société du risque global*

Du jour au lendemain, l'économie de marché, principe dont l'Occident s'est
fait le missionnaire, et qui a entraîné une aversion pour le communisme,
ainsi qu'une mise à distance critique du système chinois actuel, est devenue
fiction. C'est avec le zèle des néophytes que les banquiers (devenus des
"banksters" dans l'opinion publique) exigent la nationalisation de leurs
pertes. Le modèle chinois d'économie socialiste de marché, jusqu'ici raillé,
diabolisé mais aussi redouté, est-il en train de faire irruption dans les
cercles anglo-saxons du "laisser-faire" ? Comment la globalisation des
risques financiers peut-elle provoquer un tel bouleversement de la politique
mondiale ?
La distinction suivante, fondamentale, nous livre une réponse à cette
question : le risque ne signifie pas catastrophe, mais perception de la
catastrophe future dans le présent. La généralisation des risques
(variations climatiques, crise financière, terrorisme) instaure un état
d'urgence illimité, qui transcende la sphère nationale pour devenir
universel.
Au premier abord, l'on pourrait penser que le philosophe Carl Schmitt
(1888-1985) avait prévu le potentiel politique que recèle l'état d'urgence
instauré par la globalisation des risques. Or, dans sa théorie de la
souveraineté, Carl Schmitt pense l'état d'urgence dans les limites de l'Etat
nation. Le signe le plus visible de la globalisation des risques est
peut-être l'instauration d'une situation exceptionnelle qui abolit les
frontières entre les Etats nations, et brouille les repères sociaux,
spatiaux et temporels. Sur le plan de la socialisation, l'état d'urgence
transcende les frontières, dans la mesure où le nouveau chapitre financier
qui s'ouvre relève de la "politique intérieure mondiale". On le voit dans la
bataille que se livrent les gouvernements pour trouver le meilleur plan de
sauvetage (voir l'exemple du premier ministre Gordon Brown). Un jeu de
pouvoir, relevant à la fois du coup de poker et de la roulette russe, vient
transformer les règles d'une politique internationale apparemment révolue.
Aucun joueur isolé ne peut sortir son épingle du jeu, car tout repose sur
les alliances qu'il contracte. A lui seul, un gouvernement ne peut combattre
ni le terrorisme global, ni le dérèglement climatique, ni parer la menace
d'une catastrophe financière. Lorsqu'il cherche une réponse à l'effondrement
programmé de l'économie mondiale dans les limites étriquées de l'espace
national, un politicien comme Michael Glos (ministre allemand de l'économie)
ressemble à un ivrogne, qui, en pleine nuit, tente de retrouver son
porte-monnaie à la lumière d'une lanterne. Quand on lui demande : "Est-ce
vraiment ici que vous avez perdu votre porte-monnaie ?", ce dernier répond :
"Non, mais la lumière de cette lanterne me permet au moins de continuer à
chercher !"
En d'autres termes : la globalisation des risques financiers pourrait aussi
engendrer des "Etats faibles" - même dans les pays occidentaux. La structure
étatique qui émergerait de ce contexte aurait pour caractéristiques
l'impuissance et l'autoritarisme postdémocratique.
L'état d'urgence abolit les zones de protection, car l'impact des risques
financiers dans un monde d'extrême interdépendance est devenu imprévisible
et impossible à compenser. L'espace sécurisé des premiers Etats nations de
l'ère moderne n'était pas à l'abri des dommages. Toutefois, ceux-ci étaient
réparables : les dégâts qu'ils causaient étaient indemnisables. Une fois que
le système financier mondial s'est effondré, que le climat s'est déréglé de
manière définitive, que les groupes terroristes disposent déjà d'armes de
destruction massive, alors il est trop tard. Au regard de cette nouvelle
forme de menace pour l'humanité, la logique de réparation n'est plus
valable. Dans ce contexte, tout jugement rationnel et fondé sur l'expérience
est banni !
Le caractère imprévisible des risques financiers est le corollaire de
l'absence de savoir. Dans un même temps, les exigences de l'Etat en matière
de connaissance, de contrôle et de sécurité doivent pourtant être
renouvelées, approfondies et étendues. De là résulte toute l'ironie (pour
employer un euphémisme) de la situation : l'on prétend contrôler quelque
chose, dont personne ne peut connaître ni la nature, ni l'évolution, et l'on
ignore quels seront les effets bénéfiques ou secondaires des milliards
prescrits en guise de thérapie par les politiques, dans l'ivresse des
chiffres. Pourquoi est-ce à l'Etat d'intervenir, lorsque l'économie refuse
de fonctionner ? A cela il y a une réponse-clé, d'ordre sociologique : c'est
sur la promesse de sécurité que l'Etat moderne assoit sa suprématie.
Que se passe-t-il lorsque cette promesse démesurée n'est pas tenue ? La
réponse est réaliste et cynique à la fois : l'impuissance de l'action
politique accroît le danger, et par là la détresse. Avec une conséquence
paradoxale : la détresse blanchit les erreurs politiques en même temps
qu'elle crée les conditions de leur apparition. Plus les fautes accentuent
la détresse des gens, plus elles sont pardonnées.
Le caractère imprévisible du danger crée un état d'urgence qui n'est plus
limité dans le temps. De ce point de vue, les crédits "toxiques" du système
financier mondial ressemblent un peu au danger d'avalanche lorsque la neige
ne cesse de tomber : on sait que le risque existe, mais on ne sait pas avec
exactitude quand et où se produira l'effondrement.
En même temps, la perception de ce danger qui menace de nous entraîner tous
au fond du gouffre crée une dynamique, une accélération de l'action, et par
là une nécessité consensuelle qui vient court-circuiter la prise de décision
politique. La conséquence : ce qui paraît impensable au sein de l'espace
politique national devient possible, précisément, à l'échelle mondiale. Des
engagements d'ordre financier et politique parviennent à être pris au niveau
mondial, dans une précipitation proche de l'électrochoc.
Pourquoi ? Parce que la catastrophe est anticipée, et le risque universel
amplifié par les images véhiculées par les médias. Le pouvoir sans précédent
de la perception du danger universel est toutefois cher payé, car il n'est
que de courte durée : la légitimité de l'action "cosmopolitique" face aux
risques globaux dépend des médias, et ne se maintient que par l'attention
qu'ils portent à ces dangers.
Dans la société du risque global, ni l'errance métaphysique du Godot de
Beckett, ni la vision horrifiée des mécanismes de contrôle de Foucault, ni
même la tyrannie silencieuse du processus de rationalisation qui terrifiait
Weber, ne suscitent un choc anthropologique. Ce qui nous effraie, c'est
l'idée que la toile de nos dépendances matérielles et de nos devoirs moraux
pourrait se déchirer, et que le système sensible de la société mondiale du
risque pourrait s'effondrer. C'est le monde à l'envers. Ce qui était un
tableau effroyable pour Weber, Adorno et Foucault (la perfection du contrôle
rationnel qui régissait le monde) est pour la victime potentielle des
risques financiers (c'est-à-dire pour tout le monde) une promesse : ah !, si
le contrôle rationnel régnait en maître ! Si nos pires maux étaient la
consommation et l'humanisme ! Si le système pouvait venir lui-même à bout de
ses dérèglements, ! Comme ce serait merveilleux !
Quel est l'effet positif de ces effets pervers ? Que les Etats nations
égoïstes doivent s'ouvrir d'eux-mêmes au monde. Il s'agit toutefois d'une
possibilité parmi bien d'autres, qui implique d'avoir tiré des leçons de
l'anticipation de catastrophes. Une autre possibilité serait qu'elles
n'aient pas lieu

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A privacidade genética e a sociedade de risco

A "Folha de São Paulo" de 22 de outubro de 2008 traz a seguinte notícia sobre a privacidade genética e a sociedade de risco. Reflitam!. Vejam a aula de Delmas-Marty sobre o que é desumano no século XXI.

Harvard publica genoma pessoal de pesquisadores
Nove cientistas terão seus DNAs abertos na internet
Um grupo de pesquisadores voluntários de um estudo sobre genômica afirmou anteontem que vai publicar na internet os seus históricos médicos e as seqüências de alguns dos seus genes -tudo em nome da ciência.Nove dos dez cientistas que forneceram seus dados ao geneticista George Church, da Escola Médica de Harvard, de Boston (EUA), disseram que tornarão seus dados públicos para ajudar a pesquisa médica. Entre eles estão Steven Pinker, professor de psicologia de Harvard, e John Halamka, chefe de comunicações da universidade. Até agora, apenas cerca de 20% do DNA dos voluntários foi seqüenciado, mas a idéia é fazer o trabalho por completo.A iniciativa é a primeira fase do Projeto Genoma Pessoal, que busca tornar o seqüenciamento de DNAs individuais mais barato e acessível. O objetivo do programa é criar recursos para pesquisadores que investigam a base genética de doenças e de características do organismo. Church já tem permissão do comitê de bioética de Harvard para seqüenciar e publicar os genes e registros médicos de 100 mil voluntários.Anteontem, os primeiros participantes receberam seus dados. Após lerem suas informações com a ajuda de médicos, eles optaram por publicá-los no site do projeto (www.personalgenomes.org).Halamka diz que seu DNA indica propensão a contrair várias doenças, incluindo câncer de próstata e um transtorno neurológico que causa fraqueza e dormência nas pernas. Segundo ele, a consciência do risco pode ajudar ele e seus familiares a se prevenirem."Há grande vantagem para cada um em saber qual é sua seqüência, mas também é inconcebível para mim que uma privacidade genética absoluta seja mantida", diz Stanley Lapidus, diretor da empresa de biotecnologia Helicos. Ele é um dos voluntários de Church, que também abriu seus dados.A privacidade genética já é uma preocupação pública nos EUA, onde o legislativo aprovou em maio uma lei que torna crime a discriminação de pessoas com base em seu DNA.Além dos voluntários do projeto de Harvard, dois outros cientistas já publicaram suas informações genéticas: James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA, e Craig Venter, ex-presidente da empresa de biotecnologia Celera.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos aciona o Brasil

O Conselho Federal da OAB no seu "site" dispõe a seguinte noticia sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Brasil:
http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=14951

terça-feira, 21 de outubro de 2008

As dificuldades da justiça retributiva na Espanha

A Folha de São Paulo de 21 de outubro de 2008 traz a seguinte noticia sobre a justiça retributiva na Espanha:

Procuradoria espanhola contesta Garzón
Procuradores afirmam que os crimes da ditadura de Franco prescreveram em 1977, com a Lei da Anistia
A Procuradoria espanhola entrou ontem na Corte Suprema para bloquear as investigações sobre a responsabilidade criminal do franquismo na morte ou desaparecimento de 114 mil civis, entre 1936 e 1975.Argumenta que os crimes prescreveram com a Lei da Anistia, votada em 1977 para superar as feridas abertas pela Guerra Civil (1936-1939).Na última quinta, o juiz Baltazar Garzón declarou-se competente para investigar e indiciar sobreviventes da rebelião franquista, em 1936, contra o regime republicano.O jornal "El País", apesar de próximo da esquerda, qualifica a decisão da Procuradoria de "um duro golpe" contra Garzón e cita o procurador Javier Zaragoza, que acusa o juiz de ter criado "uma espécie de inquisição incompatível com os princípios do Estado de Direito".A BBC qualifica Garzón de "uma genuína estrela política". Ele já processou o ETA, grupo separatista basco, a Al Qaeda e sobretudo o ditador chileno Augusto Pinochet.Para o juiz, o ditador Francisco Franco (1892-1975) e 34 adjuntos colocaram em prática um plano que até 1951 exterminou lideranças esquerdistas, em operação que qualificou de imprescritível "genocídio".No entanto, diz ainda a BBC, durante a Guerra Civil atos de atrocidades foram cometidos pelos dois lados. Cita o historiador britânico Paul Preston, para quem 55 mil civis partidários de Franco foram exterminados pelos republicanos.A Corte Suprema espanhola tem dois meses para decidir se acata ou rejeita o argumento da Procuradoria. Enquanto isso, Garzón poderá prosseguir.Ele tinha de início dois objetivos menos controvertidos: saber o número exato de vítimas do franquismo e localizar ossadas em valas comuns. Para tanto, argumentam especialistas, bastaria evocar a Lei da Memória Histórica, votada no ano passado pelo Parlamento.Para recriminalizar os desaparecimentos, o juiz argumenta que os franquistas praticaram "a detenção ilegal, sem informar o destino" das vítimas.Um ex-ministro da ditadura, Manuel Fraga, disse que Garzón "não tem a capacidade moral ou mental de julgar quem quer que seja".

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Chile e a Justiça Retributiva

A Folha de São Paulo publica a seguinte notícia em 16 de outubro sobre a justiça retributiva
Chile condena oficiais da "Caravana da Morte"A Corte Suprema do Chile condenou nesta quarta-feira (15) cinco oficiais das ForçasArmadas a penas de quatro a cinco anos de prisão por terem participado da chamada"Caravana da Morte", que executou sumariamente em 1973, em diferentes pontos dopaís, cerca de 120 opositores à ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).O principal sentenciado foi o general Sérgio Arellano Stark, que comandou o grupo deseis militares que percorreu o Chile num helicóptero Puma. A aeronave aterrissavapara a execução de dissidentes que acabavam de ser presos.A operação, destinada a aterrorizar os partidários do deposto presidente socialistaSalvador Allende, consistia em matar os prisioneiros com armas brancas ou armas defogo de baixo calibre, enterrando-os em valas comuns que não eram a seguiridentificadas.O mais bárbaro episódio ocorreu em Calama, ao norte do Chile, onde 26 prisioneirosforam retirados de uma prisão ao acaso. Depois de mortos, foram sepultados nasareias do deserto próximo.O caso foi investigado judicialmente nos anos 90 pelo juiz chileno Guzmán Tapia, queem 1999 determinou a prisão dos oficiais ontem julgados em última instância.Prisão de PinochetFoi em razão da "Caravana da Morte" que o ditador Pinochet, morto em 2006, foicondenado à prisão domiciliar, em seu único processo por violação dos direitoshumanos. A sentença foi em seguida suspensa pela Corte Suprema, em razão do estadode saúde do militar. A ditadura matou ao todo cerca de 3.000 dissidentes e torturououtros 28 mil.O advogado do general Stark qualificou a sentença "de profundamente injusta para comum homem de 88 anos". Familiares das vítimas, no entanto, qualificaram a decisãojudicial de "uma boa notícia" em memória dos prisioneiros mortos.

A OAB, a ADPF e a Anistia

Dr. Marcelo Torelly, Assessor da Presidência da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, envia a seguinte matéria para a nossa reflexão:
OAB entrará no STF contra crimes de tortura praticados na ditadura
Brasília, 19/10/2008 - Uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
inédita preparada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai forçar o Supremo
Tribunal Federal (STF) a decidir se crimes comuns praticados por militares e
policiais durante a ditadura estão cobertos pela lei de anistia. O presidente da
entidade, Cezar Britto, sustenta que a lei de 1979 não isenta militares envolvidos
em crimes e deixa em aberto a possibilidade de nova interpretação que permita ao
Brasil rever ações praticadas por agentes do Estado. Não podemos ficar com medo -
diz o presidente nacional da OAB.
Ele acha que a verdade histórica não pode ser substituída pelas indenizações a
familiares e cobra do Estado o esclarecimento do que houve nos anos de chumbo. No
início da semana Britto vai protocolar uma ADPF, transferindo ao STF a
responsabilidade pela decisão. Anistia não é amnésia. O STF terá de dar uma resposta
- diz.
Para contestar a alegação de que esses delitos estão prescritos - pela lei
brasileira o tempo máximo é de 30 anos - a OAB vai invocar os tratados
internacionais assinados pelo Brasil, que consideram a tortura um crime de lesa
humanidade e, portanto, imprescritível. Britto diz que a anistia foi elaborada sobre
"base falsa" para permitir a impunidade a quem torturou. Segundo ele se o período
militar não for passado a limpo, os erros cometidos podem se repetir: É preciso
abrir os arquivos e contar nas escolas a verdade - diz.

domingo, 19 de outubro de 2008

A crise do pensamento francês - Rosanvallon e Delmas-Marty- ?

O Professor Farlei Martins, doutorando do “Programa de Pós-graduação de Direito” da Puc-rio traz para nós o debate sobre a possível decadência da reflexão francesa. O citado debate foi iniciado em dezembro de 2007 numa publicação da revista americana “Times” no qual o articulista Donald Morrison aponta esse cenário (acesse esse respeito um dos endereços eletrônicos abaixo). Em outubro de 2008, num dos números da revista “Le Nouvel Observateur (acesse um dos endereços eletrônicos abaixo) traz a réplica. Destaque-se o comentário para mostrar a importância de Rosanvallon (sobre a última obra de Rosanvallon vejam www.supremoemdebate.blospot.com de 18 de outubro de 2008).

Assim, Rosanvallon é listado como um dos 50 intelectuais
franceses mais influentes, de tendência reformista, e descrito como:

"C'est le chantre du réformisme participatif, l'incontournable référence
intellectuelle du centre-gauche. Pierre Rosanvallon, 60 ans, est un penseur
issu de la «deuxième gauche», ancien permanent de la CFDT, proche de Michel
Rocard, dont le travail porte essentiellement sur l'histoire de la
démocratie, ses mutations, ses failles. L'auteur de «la Contre-Démocratie»
considère que notre système n'est valable qu'à la condition de sans cesse se
réinventer. Il prône une démocratie où le peuple serait moins souverain,
plus participatif. Une idée qui inspire à gauche. Mais pour cet historien,
enseignant au Collège de France, les socialistes sont encore trop timides,
et surtout «prisonniers d'une conception étroitement
électorale-représentative de la démocratie». Face à la crise du système
représentatif, il prône une démocratie équipée d'instances de contrôle et de
veille, qui garantiraient la primauté de l'intérêt général sur les intérêts
partisans. Ancien membre de la Fondation Saint-Simon (François Furet, Alain
Mnc, Jean Peyrelevade, Antoine Riboud, Laurent Joffrin...), favorable à la
réforme de la Sécurité sociale en 1995, Pierre Rosanvallon est aussi à
l'origine de la création en 2002 de la République des Idées. Cet «atelier
intellectuel» dont la vocation est d'oeuvrer à une «nouvelle critique
sociale» et au «renouvellement intellectuel de la gauche française et
européenne». Un lieu de pensée où les héritiers de Pierre Rosanvallon
entendent «acquérir une lucidité panoramique sur la société d'aujourd'hui
dans une totale indépendance vis- à-vis des partis politiques»."
Depois desta descrição do pensamento e a relevância de Rosanvallon na França, nessas informações enviadas pelo Prof. Farlei Martins, cabe destacar que a revista Magazine Littéraire em outubro de 2008 retoma o debate. E aponta a entrevista do articulista mencionado da revista “Times” de dezembro de 2007 de Donald Morrison. Ele conclui que a França deve reconhecer “que o seu pensamento daqui para frente será proporcional a uma potência de poder médio no cenário internacional”. Contudo pondera, há campos que a França poderá manter a sua hegemonia, por exemplo, nos vários ângulos da cultura”.





http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1686532,00.html
http://hebdo.nouvelobs.com/hebdo/obs/p2292/dossier/a385260-le_pouvoir_intellectuel_en_france.html.

As aulas de Delmas Marty

A professora Deisy Ventura, do IRI-USP, posta para nós os endereços eletrônicos abaixo das aulas minstradas no campo principalmente dos Direitos Humanos de Mireille Delmas Marty. Num desses endereços, a Profa. Deisy Ventura traduz uma das aulas. Leiam e apliquem.
http://www.college-de-france.fr/default/EN/all/int_dro/contenu_coursbrseminaires_ante.htm



ttp://groups.google.com/group/grupo-de-estudos-delmas-marty?pli=1

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O avanço da justiça internacional

O monitor da disciplina de Teoria do Estado e graduando em direito da UFF Renan Cardoso envie o texto abaixo elaborado por Jorge Castañeda, ex-Ministro das Relações Exteriores do México, sobre o avanço da justiça internacional publicado no jornal venezuelano Universal em 17 de outubro de 2008.
El avance en la lucha contra la impunidad está en manos del Consejo deSeguridad de la ONUPoco después de que ocupara mi cargo de ministro de Asuntos Exteriores deMéxico en 2001, me encontré en mi escritorio con un problema inusitado. Unoficial naval argentino, que se había instalado en México con nombre falso,era buscado por España con las acusaciones de genocidio, torturas yterrorismo. El oficial, Ricardo Miguel Cavallo, estaba implicado enviolaciones cometidas en 1977 y 1978 en la tristemente famosa Escuela deMecánica de la Armada de Buenos Aires. Según el acta de acusación español,Cavallo pertenecía a la unidad de operaciones de un grupo que participóactivamente en el secuestro y las torturas de personas a las que el régimenconsideraba izquierdistas.La cuestión que se me planteaba era la de si extraditar a Cavallo a un paístercero, España, para que fuera juzgado por violaciones de los derechoshumanos cometidas en la Argentina. La firma de aquellos documentosrepresentaría una innovación, pues indicaría por primera vez que lospresuntos violadores de derechos podrían ser procesados en cualquier partedel mundo en los casos en que no fuera probable que la justicia cayera sobreellos en su país.Para mí, la decisión fue sencilla: los crímenes exigían justicia y era másprobable que se pidiesen cuentas a Cavallo en España que en la Argentina. Enaquella época, la legislación de amnistía en la Argentina lo protegía contrael procesamiento, conque firmé los documentos relativos a su extradición.Desde entonces, se han logrado muchos avances para velar porque los delitosmás graves del mundo dejen de quedar impunes. La Corte Internacional deJusticia está funcionando y 107 Estados, incluido México, han ratificado eltratado por el que se creó la Corte y han aceptado su jurisdicción.Los tribunales nacionales, como, por ejemplo, los de España, desempeñan unpapel cada vez mayor en la lucha contra la impunidad mediante el ejerciciode la jurisdicción universal. El aumento de esos tipos de procesamientos hamotivado, a su vez, a los países, incluidos Chile y la Argentina, paraabrogar su legislación de amnistía a fin de que se pueda juzgar en suspaíses a presuntos criminales de guerra. Los juicios a Slobodan Milosevic ya Charles Taylor han demostrado que incluso los jefes de Estado han dejadode estar a salvo de procesamientos. A medida que aumentan las opciones deprocesamiento, se va reduciendo el grado de comodidad para los perpetradoresde esos crímenes.Ahora la cuestión de si el avance en esa lucha contra la impunidad continúao retrocede está en manos del Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas.El pasado 14 de julio, el fiscal de la CIJ, el abogado argentino Luis MorenoOcampo, anunció que iba a solicitar una orden judicial de detención para elpresidente del Sudán, Omar al-Bashir, por haber orquestado las atrocidadesde Darfur. Inmediatamente después del anuncio, el Gobierno del Sudán y susaliados iniciaron una campaña diplomática encaminada a lograr unaplazamiento de la investigación durante doce meses. Están consiguiendo másapoyo del que deberían... en parte por el miedo a que haya represaliascontra el personal de mantenimiento de la paz y los agentes humanitarios delas Naciones Unidas.Pero el Consejo de Seguridad debe ser extraordinariamente prudente alexaminar posibilidad alguna de suspender las actuaciones de la CIJ.Semejante decisión sería un grave revés para el movimiento encaminado aacabar con la impunidad de los más graves crímenes. Indicaría que losseñores de la guerra y los dictadores procesados pueden eludir la justiciamanteniendo como rehén al Consejo de Seguridad mediante amenazas de unamayor violencia.Suspender de ese modo la labor de la CIJ socavaría su capacidad disuasoria,uno de los fines para los que fue creada. Aplazar la causa contra al-Bashirsocavaría gravemente el importante principio, que ha ido arraigandogradualmente en el mundo, de que nadie está por encima de la ley.La decisión del Consejo de Seguridad de remitir la situación en Darfur alfiscal de la CIJ en marzo de 2005 fue un importante hito en la lucha contrala impunidad. Dicha decisión demostró por primera vez que había unainstitución que podía investigar los más graves crímenes internacionales yprocesar a sus autores, independientemente del lugar en que se cometieran.Aparte de ser una victoria para la justicia internacional, esa remisión fuetambién una promesa a las víctimas de crímenes horripilantes en Darfur deque quienes los habían perpetrado contra ellas habrían de rendir cuentas undía. La decisión del Consejo de Seguridad de renunciar a ese compromisoequivaldría a algo más que abandonar a las víctimas de Darfur. Sería unimportante golpe a quienes han luchado en todo el mundo con vistas a acabarcon la impunidad para los perpetradores de los más terribles crímenes contrala Humanidad.Jorge G. Castañeda, ex ministro de Asuntos Exteriores de México (2000-2003),es profesor distinguido mundial de Política y Estudios Latinoamericanosen la Universidad de Nueva York

Bathazar Garzón julga-se competente para decidir sobre a repressão do regime franquista

A "Folha de São Paulo" de 17 de outubro de 2008 publica a seguinte noticia a respeito da justiça retributiva na Espanha
Juiz se considera apto a julgar franquistas
Investigações póstumas atingem Franco e 34 dirigentes da ditadura instaurada após a Guerra Civil Espanhola Herbert Mathews, celebrado jornalista norte-americano, mais conhecido por uma entrevista com Fidel Castro ainda na Sierra Maestra, escreveu também sobre a Guerra Civil espanhola. Foi o clássico "Metade da Espanha Morreu".Pois é essa metade que cobra agora o julgamento de seus algozes, a partir da decisão tomada ontem pelo juiz Baltasar Garzón de declarar-se competente para investigar a repressão praticada durante o regime do general Francisco Franco Bahamonde, que venceu a guerra civil e governou da vitória, em 1939, à morte em 1975.Garzón, em despacho ontem divulgado, contraria decisão anterior da Procuradoria. Alega que as desaparições ilegais constituem um "crime que permanece no tempo", enquanto não forem encontrados os desaparecidos e determinadas as razões do desaparecimento.Esse é o argumento técnico-jurídico, mas o juiz vai muito além: na prática, pretende colocar no banco dos réus um evento de 72 anos atrás, o levante contra o governo republicano da Espanha de 1936.A sublevação, diz o texto de Garzón, "esteve fora de toda legalidade e atentou contra a forma de governo (...) de maneira coordenada e consciente, determinados [os sublevados] a acabar com a República por meio da derrubada do governo legítimo da Espanha e abrir caminho, com isso, a um plano preconcebido que incluía o uso da violência".O juiz estende as investigações ao generalíssimo Francisco Franco e mais 34 altos dirigentes do regime franquista entre 1936 e 1951.O primeiro passo será um esforço para localizar as fossas comuns em que se sabe ou se supõe que estejam enterrados desaparecidos (no total, são 114.266) e a criação de um banco de DNAs para a identificação de cada um deles.Em uma das 19 fossas já localizadas, supõe-se que esteja enterrado o poeta Federico García Lorca, fuzilado durante a guerra civil. Quando o pelotão de fuzilamento ia abrir fogo, o general Millans del Bosch, no comando da operação, soltou um grito que se tornou emblemático da intolerância que se estava instalando: "Abajo la inteligência; viva la muerte".A Procuradoria já avisou que vai recorrer da decisão de Garzón, alegando que a Lei da Anistia de 1977 cobre os eventuais crimes.Mas José Antonio Martín Pallín, magistrado-emérico do Tribunal Supremo, em recente artigo para "El País" dá outra interpretação, não estritamente jurídica: "A verdade pode resultar incômoda, mas o esquecimento mata e é um obstáculo insuperável para a saúde e a dignidade de uma sociedade".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

UFF promove evento sobre Direitos Humanos

OS DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XXI


PROGRAMAÇÃO

TERÇA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2008

9 HORAS

TEMA: INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: MUDANÇA DO PARADIGMA NO DIREITO INTERNACIONAL PÓS-MODERNO
PALESTRANTE: DR. PAULO BORBA CASELLA – PROFESSOR DA USP

19H

EXIBIÇÃO E DEBATE SOBRE O FILME HOTEL RUANDA


QUARTA-FEIRA, 29 DE OUTUBRO DE 2008

9 horas

TEMA: BALANÇO SOBRE OS 60 ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS
PALESTRANTE: DR. LEONARDO NEMER CALDEIRA BRANT – PROFESSOR DA UFMG

19H

TEMA: JURISDIÇÃO PENAL INTERNACIONAL
PALESTRANTE: DR. CARLOS EDUARDO ADRIANO JAPIASSÚ – PROFESSOR DA UERJ

Local: Sala de Áudio da Faculdade de Direito da UFF – Rua Presidente Pedreira nº 62, Ingá, Niterói, RJ
Certificado: Será concedido certificado de 12h àqueles que comparecerem a 75% das atividades do evento.
Organização: Monitoria da disciplina Teorias do Estado. Professor: José Ribas Vieira. Monitor: Renan Augusto Pessanha Cardoso.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Regulação econômica supranacional

Segue abaixo reportagem da BBC na qual o primeiro ministro britânico propõe a criação de mecanismos supranacionais de controle das grandes multinacionais financeiras.
Lembro de um diálogo entre o Beck e o Danilo Zolo onde o primeiro foi questionado pelo segundo sobre a possibilidade real de criarem-se mecanismos desse tipo que fossem relmente efetivos e democráticos. A resposta do Beck foi que o risco finaceiro agregava um potencial de gerar a criação de instituições supranacionais de controle por afetarem uma grande diversidade de pessoas em diferentes países e classes socias.

Brown propõe 'novo Bretton Woods' para economia mundial

Márcia BizzottoDe Bruxelas para a BBC Brasil


Brown diz que é preciso reconstruir arquitetura financeira internacional
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, apresentou nesta quarta-feira a líderes da União Européia "um documento sobre as reformas mais importantes para a criação de um novo Bretton Woods".
Ao chegar à sede do Conselho Europeu, em Bruxelas, onde os governantes do bloco iniciaram uma cúpula de dois dias, Brown defendeu a necessidade de uma "reconstrução da arquitetura financeira internacional" para adaptar a economia às mudanças mundiais e pediu que a União Européia lidere o caminho.
"Essa reconstrução pede exatamente a mesma visão que mostramos nos anos 40, quando criamos o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial e a ONU (Nações Unidas)", afirmou.
Assinados em 1944 pelos países mais industrializados na época, os acordos conhecidos como Bretton Woods (cidade americana que foi cenário das negociações) estabeleceram as regras para as relações comerciais e financeiras internacionais.
Brown propõe, por exemplo, que as 30 principais instituições financeiras multinacionais sejam supervisionadas por colégios internacionais em vez da supervisão individual realizada hoje por reguladores nacionais.
Reforma global
A iniciativa do primeiro-ministrp britânico conta com o apoio da França, que ocupa a presidência rotativa da União Européia.
"No momento em que vimos que as agências de classificação (de risco) não funcionam como deveriam e que o FMI não pôde jogar o papel forte que esperávamos, seria irresponsável não pensar em uma conferência mundial para enfrentar todos esses problemas", disse o primeiro-ministro francês, François Fillon.
"Não é necessário se deter à localização geográfica nem às condições históricas de Bretton Woods", acrescentou o francês.
Em seu discurso aos demais governantes europeus, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, defendeu a criação de "uma nova forma de capitalismo, baseada em valores que coloquem as finanças a serviço das empresas e dos cidadãos, não o contrário".
Também o ministro espanhol de Economia, Pedro Solbes, se disse favorável à iniciativa, mas afirmou que "qualquer revisão do sistema financeiro internacional tem que contar com um apoio muito sólido dos principais atores da economia mundial".
"Se formos capazes de adotar uma posição européia clara, acredito que poderemos jogar um papel muito importante no futuro do sistema financeiro internacional, como jogamos na solução da crise", afirmou Solbes.
Ação coordenada
Ciente disso, Brown disse querer convocar uma reunião do G8, o grupo dos oito países mais industrializados, com a participação de economias emergentes como Brasil, China, Índia e África do Sul, que seria realizada em novembro ou dezembro.
A idéia de negociar com outros países uma reforma "real e completa" do sistema financeiro internacional deve constar, nesta quinta-feira, da declaração final da cúpula européia.
No primeiro dia de reuniões, os governantes europeus debateram a proposta da Comissão Européia de ampliar para 100 mil euros a garantia mínima para os depósitos em contas bancárias privadas no caso de falência de um banco do bloco.

Slavoj Zizek

O filósofo esloveno Slavoj Zizek esteve no Brasil no início da semana para promover o lançamento de seu novo livro, “A visão em paralaxe”, pela Editora Boitempo, e proferiu palestra extremamente interessante no Salão Pedro Calmon, na Faculdade de Economia da UFRJ, na praia Vermelha.
O tema principal do trabalho de Zizek na atualidade é a ideologia, retomando alguns pontos de outro livro de sua autoria, chamado “O mapa da Ideologia”. Zizek toma como referencial teórico Lacan e Marx.
A ideologia se baseia em sua análise em como justificar e dar um ar de verdade a uma mentira, pois a ordem pública da sociedade contemporânea precisa de uma mentira para se justificar. Você não precisaria acreditar na ideologia, mas assim essa ideologia se mantém e se reproduz. Para ele, quando formos perguntar a um outro sujeito se ele acredita em determinada instituição da sociedade ele provavelmente dirá que não, mas que ele acredita que os outros acreditem que essa instituição funcione, então ele mantém uma crença ainda nessa instituição, mesmo sem acreditar nela ou tendo sérias dúvidas de seu funcionamento. O problema para ele, é que as instituições no capitalismo contemporâneo estão falidas e ninguém na prática acredita nelas, só que achamos que o outro acredita, o que não é verdade. Há uma espécie de construção coletiva de mentira. Zizek aponta que uma crença acaba por funcionar, mesmo que ninguém acredite na origem dessa crença. Há um fenômeno que ele indica como sendo de interpassividade, pois o outro acredita naquilo por mim, já que eu não acredito. Haveria um pacto no sentido de “vamos fingir que as regras funcionam”.
Para ele, a principal crença que se estabelece sobre a atual forma de vida é: “Não pense, consuma, obedeça e acredite”. Esse seria o foco do comando ideológico implícito, reforçado pela própria publicidade de massa, que traria efeitos ideológicos intersubjetivos. Viveríamos em uma era pós-ideológica em que essa ideologia se manifesta no seio da sociedade, mas as pessoas acham que ela não existe, não haveria discussão sobre isso.
Poderíamos, para ele, desenvolver uma teoria do capitalismo baseada na publicidade, baseado em um dos desdobramentos do capitalismo atual, o capitalismo consumista. Para ele, o estudo do passar dos anos da publicidade de massa é um indício para mapear ideológicamente o que se passa na sociedade. Ele toma então um exemplo:
Em 1960, a propaganda de um jipe Land Rover seria: Compre um Jipe Land Rover, ele tem determinadas qualidades.
Em 1970, a mesma propaganda viria a substituir a idéia de qualidade pela de status. Compre um jipe Land Rover que os outros terão inveja de você.
Hoje em dia a propaganda é: Você se sente oprimido na sociedade moderna? Com o Land Rover você pode explorar o campo e ser livre, fugindo dessa barbárie da cidade.
Hoje em dia, você desejaria que sua vida tivesse algum significado, e para isso você consome. O capitalismo atual explora isso em você, principalmente com propaganda à respeito da natureza, do tipo: Compre o Hambúrguer que 5% do lucro será revestido para o financiamento ao reflorestamento. Compre um café Starbucks que 5% do lucro vai para as crianças da Guatemala. Você passaria com isso a querer dar algum significado à sua vida.
O capitalismo contemporâneo, para Zizek, é o capitalismo ideológico, e a política desse capitalismo é a despolitização para que não haja mais uma ideologia clara. A ideologia é a ideologia da diversão: Viva a vida, aproveite o hoje, Carpe Diem. Para tal constatação usa um conceito de Lacan chamado o gozo excedente, um gozo que suborna.
Para Zizek a ideologia mascara o real problema, usa a maneira errada para lidar com os problemas criados.
Ele diz que esse fenômeno se manifesta tanto na ecologia quanto na questão da tolerância, que é um dos problemas principais da sociedade européia. Zizek fala que quando se analisam os discursos de Martin Luther King, para ele um homem genial, o mesmo nunca fala de tolerância, ele fala de direitos iguais. O foco é respeite o outro que tem direitos iguais a você. O problema atual é que no que diz respeito à tolerância, é desviada a atenção da concessão de direitos iguais para a discussão da tolerância e do entender o outro.

Zizek termina com esses apontamentos na palestra e a mesma é aberta para perguntas, onde Zizek faz análises sobre a crise americana. Para ele, um dos pontos principais é: A noção de Marx de economia política precisa voltar à tona. O mercado é sustentado pela política, então precisamos em resposta descobrir o véu em acreditar que a economia não tem relação com a política. Precisamos em resposta a isso, politizar a economia. Há um paradoxo em que é passada uma noção apolítica para a sociedade, de como é besteira discutir política, e em cada ato nosso estamos legitimando e fazendo parte de uma política, mesmo sem perceber. Isso é a ideologia do capitalismo contemporâneo. Os Estados apropriam-se dos impostos do povo para a concessão de benefícios ao capital privado e aos bancos. Precisamos politizar essa relação. A democracia não é chamada para decidir as questões econômicas principais relativas ao dia-a-dia. Essas decisões são tomadas em Nova York, ou em outra capital. Zizek comenta que acha bastante interessante algumas questões que Michael Hardt e Antonio Negri trazem em seus livros, mas que discorda que possa haver democracia em uma sociedade em que a Multidão é auto-regulatória. Para ele, para que se garanta a democracia sem que essa sofra influências das decisões de mercado, ou da desigualdade entre os cidadãos é preciso um Estado sólido. Não um Estado Total, nos modelos schmittianos ou etc. Mas a reinvenção do papel do Estado para que este realmente garanta a democracia, ou caso contrário, o mesmo acha que em 20 ou 30 anos estaremos vivendo em um apartheid novamente, só que um apartheid remodelado.

Trata-se de um resumo da palestra proferida na segunda-feira às 20:00.

O pai do Consenso de Washington e a crise do capitalismo

A "Folha de São Paulo" de 14 de outubro de 2008 traz entrevista do pai do Consenso de Washington sobre a crise do capitalismo.

"Recessão nos EUA é inevitável", afirma "pai" do Consenso de Washington
DO ENVIADO A WASHINGTON
O economista britânico John Williamson, 71, criador do termo Consenso de Washington, diz ser inevitável uma recessão nos Estados Unidos.Ele afirma que ficará "surpreso" se o nível de desemprego nacional (de 6,1%) não superar os 7,7% registrados na Califórnia, Estado onde os efeitos do estouro da bolha imobiliária foram sentidos bem antes do que no resto do país."O que estamos vendo são as conseqüências do modo como os Estados Unidos vem se comportando há vários anos", afirma Williamson ao se referir ao forte endividamento das famílias e dos bancos, e que agora atingirá o governo para resgatar o sistema.O Consenso de Washington designava uma série de recomendações liberais dos principais órgãos financeiros dos Estados Unidos para os países latino-americanos. Foi criado por Williamson em novembro de 1989, durante um seminário na capital norte-americana. Leia a entrevista à Folha. (FERNANDO CANZIAN)

FOLHA - O sr. acredita que os Estados Unidos estejam mesmo a caminho de uma recessão? A expectativa é que o consumo caia fortemente em função do grande endividamento das famílias e dos bancos, não?JOHN WILLIAMSON - Creio que seja absolutamente inevitável uma recessão. O que não sabemos ainda é se será uma forte e rápida recessão, ou alguma coisa bem mais prolongada. Eu ainda estou otimista em acreditar que ela será forte e curta.Mas o fato é que ninguém consegue prever isso direito agora.Espero que as medidas que vêm sendo tomadas neste momento pelos bancos centrais de todo o mundo confirmem minha previsão.
FOLHA - A Califórnia foi o primeiro Estado dos Estados Unidos a passar pela bolha imobiliária e onde ela também explodiu primeiro. A taxa de desemprego lá hoje é de 7,7%, bem acima da média nacional, de 6,6%. Essa pode ser a realidade para todo o país daqui a algum tempo? WILLIAMSON - Sim, acredito nisso. Ficarei até muito surpreso se o nível de desemprego geral não ficar ainda acima de 7,7%.Creio que muitos Estados já estão seguindo o mesmo caminho da Califórnia em vários aspectos, não apenas no que se refere ao desemprego (assim como o Estado da Costa Oeste norte-americana, vários outros têm anunciado dificuldades no Orçamento e para refinanciar suas dívidas).
FOLHA - Como o sr. avalia as medidas que o Fed [o banco central norte-americano] e o Tesouro estão tomando? Na prática, vão acabar aumentando a dívida pública e o déficit do país. Além das famílias e dos bancos, é o governo quem se endivida agora. Quais as conseqüências?WILLIAMSON - O que estamos vendo são as conseqüências do modo como os Estados Unidos vem se comportando há anos. E acho que isso vai mudar. Nunca o país viu uma mudança e uma alteração tão grande na situação financeira das famílias como nos últimos dois meses, e isso já está impactando no consumo e na economia como um todo. É o início de uma tendência que vai se aprofundar mais para frente. O governo, por seu lado, agora vai mais fundo ainda no endividamento. Mas isso é para salvar as coisas no curto prazo, pois tem de haver uma determinação de que o endividamento não se torne algo permanente. As pessoas que vão pagar essa conta serão as pessoas que têm o dinheiro. Assumindo que [Barack] Obama seja eleito em novembro, e esse parece ser o cenário mais provável hoje, creio que ele irá promover um forte aumento de impostos sobre os mais ricos e pessoas que ganham muito, e o número deles e seus rendimentos aumentaram rapidamente nos últimos anos.
FOLHA - O sr. vê o risco de os Estados Unidos serem obrigados a elevar os juros para atrair o dinheiro que financiará todo esse resgate, piorando a recessão?WILLIAMSON - No curto prazo as taxas de juros tendem a cair, pois há uma fuga de capitais em direção à segurança (o que acaba empurrando para baixo a remuneração dos títulos do Tesouro). Depois, o Fed terá de avaliar melhor a situação. Mas creio que o maior incentivo para colocar ou não dinheiro nos Estados Unidos virá da taxa de câmbio, e ele não será grande, pois o dólar tende a continuar muito fraco.
FOLHA - O presidente George W. Bush foi sábado à reunião do G20, no FMI, pela primeira vez. O sr. diria que ele foi atrás das reservas de US$ 9 trilhões dos emergentes?WILLIAMSON - Foi um reconhecimento do governo americano de que o país precisa de uma resposta global a esse problema. Mas... sim.

Chomsky e o Estado na atual crise do capitalismo

O jornal "A Folha de São Paulo" publica entrevista de Chomsky em 14 de outubro de 2008 a respeito qual será o papel do Estado diante de sua profunda intervenção na presente crise econômica do capitalismo

Capitalismo seguirá igual, diz Chomsky
Crítico de Bush, lingüista diz que governo evita palavra “estatização” para que público não reivindique direito de interferir. Intelectual de esquerda descarta o surgimento de um novo capitalismo pós-crash, com maior presença do Estado na economia
Um dos intelectuais de esquerda mais respeitados do planeta, o lingüista Noam Chomsky, acha que a estatização total ou parcial do sistema financeiro dos EUA não vai ocorrer por causa da atual crise.
Colocaria em risco o que ele classifica de “tirania privada”.Por essa razão os governos do mundo desenvolvido evitam usar o termo até mesmo quando se trata de assumir o controle, ainda que só por algum tempo, de alguns bancos e corretoras que faliram por causa da crise atual.
Aos 79 anos, Chomsky leciona no MIT (Massachusetts Institute of Technology), uma das mais renomadas instituições de ensino superior dos EUA.
Para ele, se o governo norte-americano assumisse publicamente algumas de suas ações como “estatizações”, abriria tecnicamente espaço para que os cidadãos do país também passassem a reivindicar o poder de interferir na condução do sistema. Até porque, diz o lingüista, “em princípio, o governo representa o público”.
A possibilidade de um novo tipo de capitalismo surgir no pós-crash, com maior presença do Estado, é um cenário descartado por Chomsky. “A economia já é altamente dependente da dinâmica do setor estatal. É um sistema no qual o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros são privados. Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo de Estado estejam prestes a serem significativamente modificadas. É claro que a liberalização será reduzida, mas no interesse das instituições financeiras que vão sobreviver”, diz ele.
A seguir, trechos da entrevistas de Chomsky concedida à Folha por e-mail.
FOLHA - Por que o governo dos EUA e banqueiros evitam expressões como “nacionalizar” ou “estatizar” ao falar dos pacotes de resgate para bancos nos quais haverá dinheiro público ou compra de ações pelo Estado?NOAM CHOMSKY - Nós vivemos numa cultura altamente ideológica na qual “estatização” é uma palavra que põe medo, como “socialismo” (ou, para muitos, até “liberal”). A propósito, esse é um assunto sério. Se o Wells Fargo compra o Wachovia, então tudo fica dentro do setor privado -ou seja, dentro do sistema de tirania privada no qual o público não tem voz, em princípio. Dentro do sistema ideológico isso é chamado “livre mercado” e “democracia”. Se [Henry] Paulson dá dinheiro público para bancos mas sem o direito de tomar decisões dentro dessas instituições, trata-se de um distanciamento da tirania pura chamada “liberdade”, mas não muito. Se o governo adquire ações com poder de decisão dentro dos bancos, há sempre o risco de o público então também poder interferir -uma vez que, em princípio, o governo representa o público. Essa ameaça de democracia é muito mais severa para ser aceitável dentro do sistema doutrinário reinante.
Um aspecto intrigante do sistema é que o governo é visto como uma força externa, separada da população. E em muitos círculos, é interpretado como força opressora da população. A idéia de o governo ser “para e pelo povo” é restrita a discursos patriotas e aulas de civismo nas escolas. Ou deveriam ser.
FOLHA - A onda de intervenção do Estados nas instituições financeiras será revertida no futuro ou haverá um novo cenário no qual mais bancos passarão de maneira perene a ser controlados pelo poder público?CHOMSKY - A estatização completa é muito improvável pelas razões que eu mencionei. Uma ação nessa direção traria junto uma ameaça de democracia, ou seja, uma ameaça de o público se tornar envolvido nas tomadas de decisões sobre o sistema socioeconômico. O principal filósofo americano do século 20, John Dewey, observou que enquanto o público não ganhar controle efetivo das principais instituições da sociedade -financeiras, industriais, mídia etc.- a política permanecerá como “uma sombra dos negócios sobre a sociedade”. Naturalmente, esse é o tipo de negócio que o mundo prefere. E a sua dominância sobre os sistemas doutrinários e políticos é tão enorme que a tirania privada é chamada de “democracia”.Já a ameaça de haver democracia real é chamada de “ameaça da tirania”.
FOLHA - Esta é a pior crise econômica-financeira desde a Grande Depressão dos anos 30? Seria também o prenúncio de grandes mudanças no capitalismo como hoje o conhecemos?CHOMSKY - Tem sido vista como a pior crise desde aquela época. Mas ainda não sabemos o quão severa será a crise econômica que está por vir.
Também acho que devemos ser cautelosos ao usar o termo “capitalismo”. O sistemas existentes são de uma outra forma, um capitalismo de estado. Tem havido muita discussão sobre se o público deverá bancar o custo e o risco das operações de salvamentos dos bancos, mas essas lamentações -até por economistas que deveriam conhecer melhor as coisas- estão baseados na insatisfação ao se enfrentar a realidade de como a economia funciona.
A economia já é altamente dependente da dinâmica do setor estatal para que haja inovação e desenvolvimento. É um sistema no qual o público paga os custos e assume os riscos. Os lucros são privados. Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo de Estado estejam prestes a serem significativamente modificadas. O sistema financeiro já foi alterado, com o colapso do modelo de bancos de investimentos. Já se reconheceu décadas atrás que a liberalização dos anos 70 embutiam um risco severo de crises repetidas e profundas. É claro que a liberalização será reduzida, mas no interesse das instituições financeiras que vão sobreviver. É possível que a retórica hipócrita do mercado fundamentalista seja também um pouco mais contida.
FOLHA - O sr. era jovem nos anos 30, mas vê semelhanças entre aquela crise a atual?CHOMSKY - O desemprego era maior, mas essa é apenas uma das diferenças. Entre as semelhanças, creio que assim como naquela época, agora estamos indo em direção a um grande depressão.
FOLHA - Os últimos governos tomaram decisões liberalizantes para o mercado. Tanto o de George W. Bush como o de Bill Clinton -neste último, quebrando o muro que separava bancos comerciais de bancos de investimentos. Democratas e republicanos são igualmente responsáveis?CHOMSKY - A responsabilidade pela situação atual é dos dois partidos. Alertas foram ignorados. No fundo, republicanos e democratas são ambos facções de um “partido dos negócios”.São um pouco diferentes, mas operam dentro da mesma estrutura institucional. Então não me parece ser uma surpresa que a culpa seja compartilhada. O problema é que essa discussão toda ignora o fato crucial da liberalização financeira: o seu impacto em solapar a democracia.
FOLHA - Quem o sr. acredita estar mais bem preparado para assumir a Casa Branca.CHOMSKY - Barack Obama, provavelmente. Ao longo do tempo, a população se dá economicamente de maneira melhor com os democratas. Eles têm se movido à direita em políticas socioeconômicas. Mas John McCain é um descontrolado. É difícil saber o que ele poderia fazer. E os interesses que ele representa são extremamente perigosos para os EUA e para o mundo. Também para a esfera econômica.
FOLHA - Fala-se em num novo Bretton Woods, uma nova estrutura econômica mundial. Quem poderia liderar esse processo?CHOMSKY - O poder ainda reside primeiramente nos EUA. Depois, na Europa. Apesar da diversificação na Ásia, o que vejo ainda é o G7 tomando a frente nesse papel de reformar o sistema.
FOLHA - Que tipo de capitalismo vai emergir da atual crise?CHOMSKY - O capitalismo de Estado será provavelmente muito parecido ao atual, com um pouco mais de regulação e controle sobre as instituições financeiras, que serão reconstruídas (com os bancos de investimento). Mas não há indicações, pelo menos agora, de mudanças dramáticas.