sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Egito

Valor Econômico
Parlamentarismo e alternativa de vários países em transição.
O Egito precisa de um faraó?
Alfred Stepan e Juan Linz
11/02/2011

Enquanto a revolução egípcia pende na balança, quais são os fatores que terão mais probabilidade de determinar seu resultado? Embora todas as atenções pareçam estar voltadas ao Exército, para saber de que lado ficará, outras questões fundamentais estão sendo deixadas de lado.

É claro, o que o Exército faz é de imensa importância. Rachas em um regime autoritário sustentado por militares podem criar diferenças entre os interesses temporários do pequeno grupo mais próximo aos "militares enquanto governo" e o interesse de longo prazo dos "militares enquanto instituição", que é ser uma parte respeitada do Estado e da nação.

O comunicado do Exército egípcio no início dos protestos de que seus soldados não atirariam nos manifestantes contrários a Mubarak foi uma clássica decisão de "militares enquanto instituição" e útil em si própria para uma transição democrática. Em contraste, a decisão do Exército de permitir que seguidores de Mubarak - alguns deles montados em camelos e cavalos - investissem na Praça Tahrir, no Cairo, contra milhares de manifestantes contrários ao governo foi uma atitude clássica de "militares enquanto governo".

Neste momento, uma transição democrática muito provavelmente exigirá que o Exército desempenhe um papel mais ativo na proteção dos manifestantes. O que ficou claro é que o interesse dos "militares enquanto instituição" depende da habilidade do Exército em estabelecer uma separação bem maior em relação ao regime.

Transições políticas bem-sucedidas também são beneficiadas quando mais e mais cidadãos passam a sentir que são "donos" dos protestos e da transição resultante. Nesse sentido, o fato de a exigência de renúncia imediata de Mubarak ter surgido na Praça Tahrir, no Cairo, e não do governo Obama é um acontecimento positivo.

Nas transições bem-sucedidas, o primeiro passo para a unidade necessária para a criação de um governo interino é tomado quando os grupos diversos começam a reunir-se, desenvolver estratégias comuns e divulgar comunicados coletivos.
Muitos dos grupos de oposição, representando um amplo espectro de opiniões - incluindo um partido liberal tradicional, a Irmandade Muçulmana e ativistas do Facebook do Movimento Juvenil 6 de Abril - indicaram que podem apoiar um governo provisório, possivelmente liderado por Mohamed ElBaradei, prêmio Nobel da Paz.

Mas, para escolher um líder, esses grupos precisam aglutinar-se em uma força coerente. Grandes movimentos de protesto da sociedade civil - como os ocorridos no Egito e Tunísia - podem derrubar ditaduras, mas uma democracia genuína precisa de partidos, negociações, regras eleitorais e acordos sobre mudanças constitucionais. Na maior parte das transições bem-sucedidas, o primeiro passo para formar a unidade necessária para a criação de um governo interino é tomado quando esses grupos diversos começam a reunir-se com mais frequência, desenvolver estratégias comuns e divulgar comunicados coletivos.

Independente de quem estiver no comando, há algumas coisas que um governo interino não deve fazer. A julgar pelas transições que estudamos, há mais chances de sucesso quando os governos interinos não sucumbem à tentação de estender seu mandato e de elaborar uma nova constituição. A principal tarefa do governo interino deve ser organizar eleições livres e justas, promovendo apenas as mudanças constitucionais necessárias para realizá-las. É melhor deixar a elaboração de uma nova constituição nas mãos do Parlamento a ser eleito popularmente.

A maioria dos ativistas e comentaristas agora se pergunta quem será ou quem deveria ser o próximo presidente. Mas, por que presumir que será instituído um sistema político presidencial, comandado por um executivo unitário e poderoso? Dos oito países pós-comunistas agora membros da União Europeia, nenhum optou por esse sistema. Todos estabeleceram alguma forma de sistema parlamentar, em que o governo presta contas diretamente ao Congresso e os poderes do presidente são limitados (e, muitas vezes, em grande parte cerimoniais).

Foi uma decisão acertada. Uma eleição presidencial em momentos de grandes incertezas e de ausência de partidos democráticos e experimentados ou de líderes de ampla aceitação é algo repleto de perigos.

Eleger um presidente é comprometer-se com uma pessoa, em geral por pelo menos quatro anos. É incerto, no entanto, que qualquer presidente eleito hoje no Egito mantenha o mesmo apoio mesmo que seja por apenas um ano. Por exemplo, se houver muitos candidatos no primeiro turno de uma eleição presidencial, é concebível que nenhum dos dois candidatos do segundo turno tenha conquistado mais de 20% na primeira rodada. O vencedor, portanto, assumiria todos os fardos da liderança com o apoio de apenas uma minoria pequena do eleitorado.

Também é possível que o novo presidente se revele incompetente ou que fique em posição minoritária permanente, sem capacidade de aprovar leis. Muitas novas democracias, portanto, caem rapidamente em um "superpresidencialismo" com qualidades plebiscitárias.

Por sorte, teóricos e ativistas democráticos do Egito e Tunísia debatem ativamente a alternativa parlamentar. Nesse caso, a primeira eleição livre e justa do Egito originaria uma assembleia constituinte que daria de imediato uma base democrática para o governo, assim como para os esforços para reelaborar ou modificar a constituição.

A partir desse ponto, a assembleia constituinte e o governo poderiam decidir se passariam a uma forma presidencial de governo ou se estabeleceriam um sistema parlamentar de forma permanente. Pelo sistema parlamentar, os futuros governos democráticos dos dois países ganhariam uma inestimável flexibilidade, por dois grandes motivos.

Primeiro, diferentemente do presidencialismo, um sistema parlamentar pode dar origem a coalizões governantes multipartidárias. Segundo, ao contrario do que ocorre com um presidente, que por mais incompetente ou impopular continuará no poder por um mandato fixo, o chefe de governo em um sistema parlamentarista pode ser sacado a qualquer momento por uma moção de desconfiança, abrindo caminho para um novo governo de maioria - ou, na ausência disso, para novas eleições.

Alguns nacionalistas democráticos egípcios defendem o parlamentarismo com um importante novo argumento: um governo de coalizão, provavelmente multipartidário, pluralista e contencioso seria mais difícil de ser dominado pelos Estados Unidos do que um único "superpresidente", como Mubarak.

Os defensores tunisianos do parlamentarismo gostam desse argumento, mas também destacam que o sistema parlamentarista resolveria a imensa tarefa de criar partidos políticos democráticos e eficientes de uma forma melhor que o presidencialismo. O sistema parlamentarista, em vez de um presidente que ao mesmo tempo é faraó, parece ser o melhor caminho para os dois países.

Alfred Stepan e Juan J. Linz são autores de "Problems of Democratic Transition and Consolidation" (algo como, Problemas da Transição e Consolidação Democrática, em inglês). Seu livro mais recente (com Yogendra Yadav) é "Crafting State Nations" (criando Estados-Nações, em inglês).

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