segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Folha de São Paulo de 5 de dezembro de 2011

Entrevista da 2ª Timothy Garton Ash, 56



Europa ainda está se saindo bem demais



Para historiador britânico, principal problema do continente é achar que seu sucesso vem de forma automática



Professor de Oxford diz que não há dedicação da atual geração de líderes ao projeto de unificação europeia



CHRISTOPH SCHWENNICKE

GERHARD SPÖRL

DA “DER SPIEGEL”



Um dos mais proeminentes historiadores europeus da atualidade, o britânico Timothy Garton Ash, professor da Universidade de Oxford, aponta falta de paixão pelo projeto europeu de dirigentes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy.



Ele também explica por que acredita que os jovens europeus começarão a se mobilizar caso sintam que as liberdades de sua "Europa easyJet" -referência a uma companhia aérea de baixo custo que facilitou as viagens pelo continente- estão sob ameaça.







"Der Spiegel" - Vamos supor que o sr. seja um médico e a Europa, sua paciente. Qual é o diagnóstico?



Timothy Garton Ash - A Europa é uma mulher que chegou à meia-idade, já teve diversos ataques cardíacos e no momento está passando pela maior crise de saúde de sua vida, mas que não precisa se provar fatal.



Qual a causa da enfermidade?



Os grandes propulsores do projeto europeu deixaram de funcionar. Estou falando sobre políticos apaixonadamente envolvidos, com lembranças pessoais sobre a guerra, a ocupação, a ditadura, o Holocausto e a ameaça soviética.



Obama é bem-intencionado, mas não tem o mesmo interesse ou compromisso de líderes passados com a Europa. A Alemanha foi um dos principais propulsores do processo de unificação da Europa por 40 anos, mas deixou de sê-lo. E a isso devemos acrescentar a crise de uma união monetária mal concebida.



Mas não seria justo reprovar a geração de Obama, Merkel e Sarkozy por eles não terem a mesma formação de pessoas como [o ex-chanceler alemão] Helmut Kohl ou [o ex-presidente francês] François Mitterrand...



Não se pode culpá-los, mas o fato permanece. Sempre esperei que 1989 [queda do muro de Berlim] viesse a gerar um novo ímpeto histórico. De lá para cá, uma geração de milhões de pessoas que experimentaram a vida sob a ditadura em primeira mão chegaram ao poder. Angela Merkel é parte dessa geração, mas isso parece ter tido poucas consequências para ela.



Que consequências ela deveria extrair dessa experiência?



O poder da convicção. Caso Merkel tivesse apelado aos alemães no início da crise e lhes dito que salvar a zona do euro serve aos interesses do país, as coisas seriam diferentes na Alemanha e na Europa, hoje.



O clima seria diferente. E os resgates aos países em risco na zona do euro provavelmente teriam custado bilhões a menos.



Democracia e capitalismo vêm sendo gêmeos no Ocidente desde a Segunda Guerra. O capitalismo está consumindo a democracia, na atual crise?



O capitalismo financeiro, que se desenvolveu de modo tão falso nos últimos 20 anos, de fato representa uma ameaça existencial -não apenas às democracias europeias, mas a todo o Ocidente. Não devemos nos iludir: estamos falando de uma grave crise econômica e financeira para o Ocidente. Não para o mundo todo, não para a Ásia, mas para o Ocidente.



Mas não apenas para o Ocidente, dado que a China, com suas imensas reservas cambiais em dólares e euros, dificilmente poderá ignorar a situação passivamente caso a Europa e os EUA não sejam capazes de se recuperar.



A crise é do Ocidente. Começou no Ocidente e afetou a nós de modo mais severo. Também está servindo para alterar a mudança no equilíbrio do poder, em benefício do Oriente. A mudança fica ainda clara pelo fato de que o Ocidente agora se vê forçado a pedir que a China invista e adquira seus títulos de dívida.



Essa dependência é um reflexo da ironia da crise.



Sim, e que imensa ironia! Diante dessa virada no equilíbrio de poder, o islamismo violento pode continuar a ser uma ameaça verdadeira, mas não dará forma à história do mundo. Muita gente subestimou esse fator na década passada, a começar por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].



O impacto mundial da crise pode certamente motivar a geração de Merkel a se comprometer com mais dedicação à união da Europa.



Em termos intelectuais, é um argumento 100% verdadeiro. Mas duvido que a questão tenha um apelo emocional semelhante ao da presença do Exército Vermelho [da ex-URSS] do lado oposto da fronteira, estacionado bem no meio da Europa. Os chineses não estão chegando com tanques de guerra, mas com investimentos.



Há preocupações circulando em Berlim de que a China possa investir pesadamente na Grécia, por exemplo, caso a Grécia deixe a zona do euro, o que poderia fazer de Atenas uma espécie de satrapia chinesa na Europa.



É uma visão um pouco exagerada, mas já se tornou claro que 40% dos investimentos chineses direcionados à Europa estão concentrados no sul e leste do continente.



Como resultado, um lobby chinês está sendo formado gradualmente no seio da União Europeia. E porque estamos lidando com países economicamente fracos do sul e leste da Europa, os investimentos chineses desempenham papel importante e também têm consequências políticas.



E quais seriam elas?



Por exemplo, quando se trata do status da economia de mercado ou do embargo de armas da União Europeia contra a China. A crise no projeto europeu ainda não se tornou aguda para a maioria dos europeus. E o perigo, claro, é que quando a crise vier a afetar suas vidas, talvez seja tarde demais.



O senhor é britânico e favorece a integração com a Europa, uma combinação rara. O seu país não está enfrentando a questão de se integrar completamente à Europa ou abandoná-la de vez?



Sim, chegou a hora da verdade para o Reino Unido, porque, se a zona do euro for salva, haverá uma união fiscal, o que significa uma união política entre os países do euro -suspeito que sem a Grécia, mas com alguns novos candidatos.



Ao mesmo tempo, o governo britânico está tentando recuperar certos poderes cedidos a Bruxelas, por exemplo sobre questões de política social. Isso tem parcas chances de sucesso. O que significa que, nos próximos dois ou três anos, nós britânicos teremos de enfrentar a questão decisiva: entrar ou sair.



E qual será a resposta?



Por mais que o surpreenda, pode ser que continue a ser: entrar.



Se o euro fracassar, a integração europeia fracassará?



Não, mas acredito que nós, a maioria dos europeus, ainda estamos nos saindo bem demais ou, para ser brutalmente franco, não mal o suficiente. O principal problema da Europa é o seu sucesso, que é considerado como automático até pelos jovens dos países bálticos, que nem mesmo constavam do mapa da Europa 21 anos atrás. Viajo muito à Polônia -e lá as coisas são exatamente assim. Mas se essa "Europa easyJet", se essa liberdade, for ameaçada, veremos uma mobilização dos jovens europeus. Tenho certeza disso.



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