domingo, 26 de fevereiro de 2012


FSP 26 de fevereiro de 2012



Crise beneficia os mais ricos, diz geógrafo







Para David Harvey, a lógica das políticas de austeridade é perpetuar o desastre econômico e concentrar mais o poder







Professor vê ascensão do nacionalismo e diz esperar movimentos mais sólidos contra a desigualdade no mundo







Janduari Simões - 29.jan.2009/Folhapress







Harvey durante debate no Fórum Social Mundial, em 2009











ELEONORA DE LUCENA



DE SÃO PAULO







As políticas de austeridade perpetuam o desastre econômico. E há uma lógica por trás disso: os ricos e poderosos se beneficiam da crise, que provoca mais concentração de renda e de poder político. A análise é do geógrafo marxista David Harvey, 76.







Professor de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York, ele fala da ascensão do pensamento de direita e espera a emergência mais sólida de movimentos contra a desigualdade.







"Até pessoas muito ricas, como Warren Buffett, reconhecem que a desigualdade foi longe demais", afirma.







Harvey estará no Brasil nesta semana para debates em São Paulo e no Rio e para o lançamento de seu livro "O Enigma do Capital".















Folha - Como analisa a crise?







David Harvey - As crises não são acidentes. São fundamentais para o funcionamento do capitalismo. O capital não resolve as crises, mas as move de um lugar para o outro.







Que mudanças ocorrerão?







A China está além do limite e terá problemas difíceis. Há superprodução e superinvestimento e haverá fortes pressões inflacionárias.







Como avalia o caso da Grécia?







A Grécia terá que declarar moratória e deixar o euro. No curto prazo, pode ser traumático, mas a Argentina decretou moratória e voltou mais forte. É preciso sair do euro para fazer o que a Argentina fez: desvalorizar a moeda.







Qual o impacto dessa crise na política?







A visão da direita é muito nacionalista. Há a emergência do nacionalismo não só na Grécia, mas em outras partes, o que pode se mover para ditaduras. Há uma transferência de riqueza do povo para os bancos, e o povo protesta em muitos países.







A crise ampliará a diferença entre ricos e pobres?







Nos EUA, os dados mostram que a desigualdade de renda cresceu de forma notável com a crise. Cresce também a desigualdade de poder político. Há muitos movimentos no mundo contra a desigualdade.







Mas a direita cresce.







Sim. Não é só a direita que está crescendo, mas um movimento nacionalista, que também existe na esquerda. Uma das respostas políticas é tentar cortar as ligações com a globalização e buscar um programa de autonomia local e de autodeterminação local, demandas que estão na esquerda e na direita.







Isso pode levar a guerras?







Gerará mais tensões. Podemos ver conflitos militares regionais, não o tipo de guerra dos anos 40. Por exemplo, o Brasil tem uma versão disso nos conflitos das favelas do Rio de Janeiro.







E o que deve ser feito?







É preciso que haja um movimento político que enfrente a questão sobre qual deve ser o futuro do capital. Não vejo nenhum movimento fazendo isso de forma coerente. É o que tento estimular.







E o que o sr. defende?







Acredito que os trabalhadores precisam ter o controle do seu processo produtivo. Eles deveriam se auto-organizar em fábricas, locais de trabalho, nas cidades. A ideia é que associações de trabalhadores possam regular sua produção e suas decisões. É preciso também ter um mecanismo de coordenação, o que é diferente dos mercados.







Isso não é tarefa do Estado?







Historicamente o Estado tem que fazer isso, mas muitas pessoas não confiam no Estado, pois ele é muitas vezes corrupto e foi desenhado essencialmente para benefício do capital, não em benefício do povo. É preciso pensar numa forma alternativa de coordenação e organização.







Em "O Enigma do Capital" (2010), o sr. propõe criar um "partido da indignação" contra um "partido de Wall Street". Como vai essa ideia?







Há muitas diferenças entre os movimentos pelo mundo. Nos EUA, o movimento "Occupy" é pequeno e fragmentado e não está maduro em termos de força política. Isso poderá ser mudado.







Em "O Novo Imperialismo" (2003), o sr. fala da questão da hegemonia dos EUA. Como vê isso hoje?







Os EUA continuarão a ser um poder significativo, mas não da forma que foram nos anos 70 e 80. Haverá poderes hegemônicos regionais. O Brasil será um deles. China, Índia e Alemanha também.







O consumismo é ainda a chave para a paz social nos EUA, como o sr. diz no mesmo livro?







Austeridade reduz o padrão de vida, o consumo, a produção e o emprego. Torna as coisas ainda piores. Mas EUA e Europa estão engajados na política da austeridade, e isso está perpetuando a crise. Mas há uma lógica por trás na perpetuação da crise: as pessoas poderosas e influentes se beneficiam dela. Os ricos estão indo muito bem. Portanto, perpetuar a crise é uma forma de perpetuar seu crescente poder e sua crescente riqueza.







Em "The Limits to Capital" (1982), o sr. descreve a dinâmica do capital. O poder das finanças cresce com a crise?







Sim. O capital financeiro é hoje importante como nunca foi. Mais ativos serão fornecidos ao setor bancário. Quando é preciso mais dinheiro, o Fed [banco central dos EUA] aparece com um trilhão de dólares e joga no mercado.







Portanto, não há limite à capacidade de criar o poder do dinheiro. Há limites em muitas outras áreas: recursos naturais, produção de commodities etc. Não há limite ao poder do capital financeiro.







O sr. está otimista?







Sou otimista no sentido de que acredito que as pessoas vão reconhecer que há limites sérios no capitalismo e que é preciso considerar modos alternativos. De outro lado, a volatilidade é tanta que as pessoas podem tomar direções malucas, o que pode levar a autoritarismos e a sérias rupturas na economia.







As ideias que o sr. defende não podem ser consideradas utópicas?







Pode ser. Mas mesmo o pensamento dominante está começando a reconhecer que o nível de desigualdade que existe hoje não pode ser sustentado. Até pessoas muito ricas, como Warren Buffett, reconhecem que a desigualdade foi longe demais



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