quarta-feira, 25 de junho de 2008

O declínio do Império Americano – parte I

Por Luciane Soares

O jovem aristocrata francês, Aléxis de Tocqueville ofertou ao mundo uma visão apaixonada sobre a nação norte-americana em “Da democracia na América” obra editada em 1835 e clássico absoluto da política (teórica e prática). A percepção de uma sociedade ávida por participação e igualdade funcionou como poderosa ferramenta para construção de uma idéia de nação democrática, arrojada, na qual o cidadão comum era conectado às arenas decisórias de poder. É preciso frisar que a complexidade desta democracia (ou mais precisamente a contradição existente e não enfrentada com profundidade pelo jovem Tocqueville) reside no fato de ter construído sua hegemonia econômica sob o uso de regime escravo. Uma sociedade para o cidadão anglo-saxônico, outra sociedade para o escravo africano. Cindida exatamente aí, esta nação atingiu sua “maturidade” sem resolver um dos problemas mais deprimentes do século XX: a perpetuação do racismo e de todas as desigualdades geradas em função destas divisões.

Mas como nação dos sonhos, mesmo com a violência institucionalizada contra os negros (e depois hispânicos) algumas condições propiciaram a formação de comunidades negras capazes de inserção nas arenas de discussão, capazes de produzir líderes políticos da envergadura de Martim Luther King e Malcom X para ficar no quesito “capacidade individual”. Quanto ao poder de organização do grupo, o movimento pelos direitos civis representa um marco mundial para repensar o lugar dos povos da diáspora africana. Portanto um movimento que inspirou ações políticas para além da América bi-racial.

O mundo mudou, dizem especialistas, pesquisadores, políticos, publicitários. Enfim, o “novo” é um dos signos mais antigos e eficazes para mobilização das massas em períodos eleitorais. Lembremos para todo o sempre do caçador de marajás, jovem, carismático. Lembremos que o mote da campanha de Lula em 2002 era a mesma palavra que agora mobiliza jovens no país todo para votar em Obama: a esperança.

Falar que o candidato negro, jovem, formado em direito, filho de um economista queniano e de uma norte-americana branca, criado pelos avós longe do gueto, Barack Obama Jr., representa a mudança, o novo, não nos diz muito. Muito tem sido dito sobre suas aptidões para conciliar as posições mais opostas. Muito tem sido dito sobre sua retórica. Ao mesmo tempo em que conclama a nação para reconstrução, Obama é um dos resultados mais fantásticos do que Guy Debord chama de “sociedade do espetáculo”. Vejamos: Obama é negro, mas isto não o identifica como “um candidato negro para os negros”. Seu biógrafo, David Mendell refere-se ao senador pelo estado pelo llinois (norte dos EUA) como “ambicioso”. Além disto, assegura que Obama realmente acredita que representa a mudança. Em sua plataforma de campanha, não há uma palavra sobre raça. Como sempre é ressaltado, ele é um conciliador. Ele é capaz de preocupar-se com os veteranos de guerra e com a melhoria do sistema escolar, além de ser defensor de uma política de erradicação da corrupção em Washington. Sua imagem de primeiro presidente negro dos Estados Unidos só faz sentido porque um país que viu a ação de líderes como King, Malcom X e os Panteras Negras, um país que sente nas veias a divisão racial, tem sua subjetividade marcada por uma idéia explícita: o sonho americano não é para todos que vivem na América. O significado do apoio a Obama não reside apenas no fato de suas credenciais serem novas. O fato mais importante é que seu discurso inflamado, sua biografia peculiar, sua ascensão mítica, fazem dele um candidato performático, midiático, capaz de alavancar o mercado editorial norte-americano com mais de cinco títulos sobre sua vida, além dos livros escritos por ele sobre seus sonhos e esperanças. Mais do que representar o fim da era neo-conservadora iniciada com Ronald Reagan, Obama representa a si próprio. Representando a si próprio, representa o individualismo que marca o fim das utopias pós-68 e uma geração voltada para carreira. Obama conjuga isto e aparece como um tipo ideal de liderança carismática no sentido weberiano. Se os valores mudaram (cambiaram me parece uma expressão ainda melhor para o fenômeno no caso específico de Obama) e os indivíduos já não se orientam por ideologias marxistas, feministas, racistas, etc... então o bordão é correto: ele é o candidato certo, para o momento certo. A tendência já observada na candidatura de Nicolas Sarkozy em tratar política e vida pessoal nas páginas de revistas de celebridades, faz da trajetória de Obama, um caso irresistível para a construção de um mito moderno, amparado na imagem igualmente irresistível de potência e sucesso. Diante de uma recessão econômica brutal, da incapacidade de ofertar saúde digna à população e do desmoronamento do inexpressivo presidente George W. Busch “filho”, Obama angaria simpatias de intelectuais, grandes capitalistas, imigrantes, artistas. No Brasil, conhecemos na prática este caminho. É curioso acreditar que esta mudança possa favorecer os negros em New Orleans e o bilionário liberal Warren Buffett. Ao representar esta frente infinitamente ampla, a melhor definição para corroborar a tese de que Obama é resultado de uma sociedade consumida pelo espetáculo, só poderia vir de um cineasta: George Lucas refere-se a Obama como “herói americano”. Portanto, a saga dos desbravadores, jovens destemidos, colonizadores do mundo e dos outros mundos que virão, segue agora na figura multicultural, moderna de um homem negro.É reconhecida mundialmente a vocação da América para produção de heróis, cuja honra e coragem aparecem como virtudes capazes de superar qualquer obstáculo. E nisto, nada há de novo.

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