Folha de São Paulo, segunda-feira, 07 de dezembro de 2009
Nova Constituição politizará Justiça, diz analista
DA ENVIADA A LA PAZ
Para George Gray Molina, ex-diretor do programa de desenvolvimento da ONU (Pnud) na Bolívia, o desenho do Judiciário na nova Carta boliviana é frágil e demasiadamente politizado, mas acerta ao incluir a justiça comunitária indígena.
Pelo texto, os juízes dos tribunais superiores serão eleitos pelo voto direto.
Leia a seguir trechos da entrevista de Gray Molina, que é pesquisador associado da Escola Woodrow Wilson de Assuntos Públicos e Internacionais em Princeton (EUA).
FOLHA - O sr. estudou a percepção dos bolivianos sobre si mesmos. O que mudou com Morales?
GEORGE GRAY MOLINA - Houve uma sobreposição entre mudanças de longo prazo (que vêm de 20 ou 30 anos de migração rural-urbana, mestiçagem e geração de novas elites populares) e mudanças de curto prazo (ascensão de Morales, polarização política). A opinião pública está dividida pelo impacto desses dois horizontes. Identificamos o surgimento de um "senso comum" que apoia a mudança social, a democracia como resolução de conflitos, a emergência de novas elites políticas e sociais e as mudanças nas políticas de recursos naturais. Entre 70% e 80% da população o compartilha. Ao mesmo tempo, continua a polarização em torno de Morales.
De toda forma, ele é o depositário do "imaginário" de mudança. Muitos dos questionamentos da oposição sobre política econômica não afetam sua imagem. A oposição não persuade, simula conversa "entre convertidos" -que não capta novos votos nem provoca um imaginário alternativo de esperança social e política.
FOLHA - Muitos acusam Morales de incentivar a polarização racial. Outros dizem que esse argumento é das elites. O que o sr. acha?
GRAY MOLINA - A polarização política na Bolívia é real, mas tem pouco a ver com o indigenismo. Tem a ver com as receitas dos recursos naturais e os projetos políticos que ganham ou perdem com a sua administração. Muito da polarização gira em torno de questões que afetam o equilíbrio de poder entre os projetos centralizados (MAS) ou descentralizados (autonomia) entre as novas elites (de extração popular) e as velhas (comitês cívicos, os partidos tradicionais).
FOLHA - Como vê a nova Carta?
GRAY MOLINA - Vista de maneira literal, tem muitas fraquezas e contradições.Vista de maneira política, oferece uma ordem jurídica híbrida, que incorpora direitos liberais e comunitários, individuais e coletivos, estatais e de mercado. Essa busca de um híbrido é o apropriado para uma sociedade num processo de transição política e social acelerado.
O que preocupa é o enfraquecimento do Poder Judiciário e a dificuldade de estabelecer árbitros imparciais para maiorias e minorias democráticas. A busca de um híbrido liberal e multicultural não é o o verdadeiro problema -é parte da solução. O problema central é a falta de moderação na construção da ordem judicial. O Judiciário não pode ser o braço legal de uma facção política. Há um falso debate sobre a fraqueza do componente indígena. O problema não está lá.
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