Defensor de várias causas, Saramago era uma espécie de 'Dom Quixote moderno'
Notícia do site Yahoo e da agência EFE.
Bogotá, 18 jun (EFE).- Como um 'Dom Quixote moderno', o escritor português José Saramago saía em defesa de todas as causas que considerava justas, fossem elas os indígenas de Chiapas, os palestinos de Gaza ou os desaparecidos na ditadura argentina.
O escritor, que morreu hoje aos 87 anos em sua casa na ilha de Lanzarote (Espanha), deixa uma importante obra literária, mas também uma incontável quantidade de comentários, abaixo-assinados e cartas abertas pelos mais diversos motivos.
Tratando da violência machista até a pedofilia, passando pelo genocídio na África, o armamentismo e o desmatamento.
Muitas dessas ações extra-literárias e solidárias tiveram a ver com a América Latina, onde ele dizia que estava acontecendo uma "mudança histórica".
Entre os milhares de documentos em que o autor colocou sua assinatura estão "Mirando al Sur" (2009), no qual junto a outras personalidades expressou sua "solidariedade com os povos e Governos progressistas da América Latina", e especialmente com a Bolívia de Evo Morales, um "exemplo de dignidade e emancipação".
No entanto Saramago, que se declarava comunista e pensava que Marx "nunca tinha tido tanta razão" como agora, não duvidou em denunciar os falsos revolucionários e os autoritários.
"As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) não são um movimento revolucionário", disse em 2008 ao criticar o recurso do sequestro e do narcotráfico usado pela guerrilha.
Mais de um ano depois, ele enviou uma mensagem aos reféns das Farc para "que sintam que não estão sós", ao mesmo tempo em que pediu o diálogo na Colômbia para acabar com o sangrento conflito interno.
Em 2008 acusou ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, de ser "indigno de seu próprio passado" e de trair "a partir de dentro" a revolução sandinista depois que o Governo do país condenou o poeta Ernesto Cardeal por injúria, por ter denunciou ser vítima de "assédio".
Apesar de se mostrar esperançoso e feliz com a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, o autor não demorou a criticá-lo, entre outras coisas, por manter o bloqueio econômico a Cuba, um país pelo qual reivindicou ajuda após a passagem de dois furacões em 2009.
"Independente das sombras e desvios, das opiniões desencontradas, das divergências de fundo e de forma, devemos muito a Cuba. Vamos pagar essa dívida agora", dizia o comunicado assinado, entre outros, por Saramago, que em 2003 tinha criticado abertamente as penas contra os 75 dissidentes e a execução de três seqüestradores na ilha.
"Cheguei até aqui. De agora em diante Cuba seguirá seu caminho, eu fico", escreveu então Saramago.
Em 2007 o autor também defendeu o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, das acusações de populista e autoritário. "Não se pode dizer que ele chegou ao poder por um golpe porque a maioria o escolheu e o colocou onde está, e o confirmaram no lugar que ocupa", ressaltou.
O escritor português foi também um grande defensor dos indígenas da América Latina, que considerava vítimas de "cinco séculos de humilhação" e de "um crime histórico".
Nesse sentido, via no Movimento Zapatista do estado mexicano de Chiapas "uma esperança não só para o México, mas para a América".
Ele foi um detrator dos Tratados de Livre-Comércio que, segundo dizia, prejudicam a soberania dos povos, além de ser um partidário ferrenho da investigação dos crimes cometidos durante as ditaduras do anos 1980 e 1990.
"Se começa com o esquecimento e se termina na indiferença", argumentou o escritor, que fez uma inflamada defesa do juiz espanhol Baltasar Garzón quando ele foi suspenso esse ano devido a sua vontade de investigar os crimes do franquismo.
Em seus últimos meses de vida, Saramago se preocupou com a sorte dos palestinos de Gaza, com as mulheres maltratadas por seus companheiros e também com a independência do Saara.
Em janeiro cedeu integralmente os lucros de uma edição especial de seu livro "A Jangada de Pedra" para os desabrigados pelo devastador terremoto no Haiti.
"Entrarei no nada e me dissolverei nele", disse em 2005 ao explicar que não se preocupava em morrer. EFE
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