Folha de São Paulo 30 de dezembro de 2012
Integrante de comissão que apurou nos anos 80 os crimes da ditadura Argentina, jornalista Magdalena Guiñazú critica os Kirchner pelo que considera uso político das investigações
SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
Quando a Comissão Nacional Sobre a Desaparição de Pessoas (Conadep) terminou os seus trabalhos na Argentina, em setembro de 1984, seus membros se dividiram em dois carros.
Num deles, o líder do grupo, o escritor Ernesto Sábato ("O Túnel"), levava o relatório sobre os desaparecidos no regime militar (1976-1983). No outro, iam os outros integrantes, com cópia idêntica do mesmo relatório.
"Tínhamos medo de um atentado ou de um ataque do Exército. Por isso levamos duas cópias, em veículos separados. A ditadura terminara, mas ainda nos sentíamos ameaçados pelos militares", conta a jornalista Magdalena Ruiz Guiñazú, uma das dez integrantes da histórica comissão que agora celebra os 30 anos de sua formação.
O temido ataque não veio, e o grupo conseguiu entregar nas mãos do então presidente do país, Raúl Alfonsín (1927-2009), a lista de 8.961 desaparecidos e dos 380 centros clandestinos de repressão instalados em todo o território argentino.
O trabalho da Conadep colocou a Argentina na vanguarda da luta pelos direitos humanos. Em tempo recorde, logo depois do fim da ditadura, a comissão fez o primeiro levantamento de vítimas dos crimes de Estado no período.
O informe seria usado como peça fundamental para o julgamento das juntas militares, em 1985, que condenou os principais responsáveis pela violência dos anos 70.
"Era um tema muito urgente, por isso se fez muito rápido. A sociedade exigia respostas, e Alfonsín foi exemplar na rápida formação da comissão e nos julgamentos."
Ao fazer o balanço das últimas três décadas de democracia e de luta pelos direitos humanos na Argentina, porém, Guiñazú não se mostra completamente otimista.
"Houve muito vaivém motivado por questões políticas. Não se respeita mais a ideia de que um crime é um crime e que precisa ser julgado."
Logo após o trabalho da Conadep e o julgamento das juntas militares, o próprio Alfonsín deu um passo atrás, cedendo a pressões, ainda nos anos 80. Determinou então que militares que cumpriam ordens não poderiam ser julgados. Foram as leis de Obediência Devida e Ponto Final, que voltaram a pôr em liberdade muitos condenados.
"Nós, da Conadep, fomos contra. Assinamos um documento de repúdio e nos afastamos de Alfonsín. Mas o que veio depois, infelizmente, foi pior", conta Guiñazú.
Nos anos 90, o então presidente Carlos Menem promoveu ampla anistia, libertando tanto pessoas como o ditador Jorge Videla, responsável pelo período mais cruel da repressão, como o líder dos guerrilheiros montoneros Mario Firmenich, autor de uma série de crimes políticos, como o assassinato do general Pedro Aramburu, ex-presidente argentino, em 1970.
Firmenich, sobre quem recaem suspeitas também de ter entregado companheiros montoneros e feito um acordo com o almirante Emilio Massera -integrante da junta militar que tomou o poder na Argentina em 1976-, hoje está exilado na Espanha.
"Menem não queria problemas com ninguém, mas a anistia foi um retrocesso depois de tantas condenações exemplares."
CRÍTICA AOS KIRCHNER
Hoje, Guiñazú é crítica da política de direitos humanos dos Kirchner. Apesar de terem promovido um amplo processo de julgamentos desde 2003, ela considera que Néstor e Cristina tentaram se apoderar da luta pela verdade. "É como se tudo tivesse começado com eles, como se os que lutam pelo esclarecimento dos crimes dos anos 70 não existissem", diz.
A gestão Kirchner ignorou as leis de indulto e levou mais de 900 ao banco dos réus.
Algumas condenações são consideradas históricas mesmo por antikirchneristas, como o julgamento dos repressores da Esma (Escola de Mecânica da Marinha) e dos assassinos do escritor Rodolfo Walsh, das duas monjas francesas que faziam trabalho humanitário no país e de Mães da Praça de Maio sequestradas e atiradas no rio da Prata.
"Esses julgamentos são muito positivos. O que está errado é que se aproveitem politicamente deles e excluam do cenário gente que está lutando por Justiça desde aquela época", diz Guiñazú.
Além dos integrantes da Conadep, ela considera injustiçados os juízes que julgaram os militares nos anos 80 e as dissidências das Mães da Praça de Maio, que não estão alinhadas ao governo e por isso não recebem apoio.
Guiñazú também considera hipócrita o comportamento da presidente Cristina Kirchner com relação a seu passado. Ela e o marido, Néstor, morto em 2010, declararam que haviam sido militantes nos anos 70, mas não existem provas de sua participação na resistência e é sabido que, quando a violência aumentou na Argentina, ambos se refugiaram na Patagônia.
"Não era obrigatório que participassem. Mas então que não mintam agora dizendo que estavam lá. Não estavam. Nós nunca os vimos", diz.
E acrescenta que as investigações dos crimes obedecem a critérios políticos e ignoram a violência cometida por parte dos guerrilheiros.
Para ela, a instalação da Comissão da Verdade, no Brasil, é muito importante para o continente. "Gostaria que o exemplo argentino fosse mais comum na América Latina. O que teve de singular, além de ser no calor do momento, é que foi um processo inteiramente argentino. Promotores, juízes, entidades, comissão, todos éramos argentinos. Nem Nuremberg foi assim."
domingo, 30 de dezembro de 2012
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
domingo, 11 de novembro de 2012
Claus Roxin
Claus Roxin
Participação no comando de esquema tem de ser provada Folha de Sao Paulo 11 de novembro de 2012
Um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF, jurista alemão diz que juiz não deve ceder a clamor popular
Claus Roxin, que esteve há duas semanas em seminário de direito penal do Rio
CRISTINA GRILLO
DENISE MENCHEN
DO RIO
Insatisfeito com a jurisprudência alemã -que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito-, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado", diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Folha - O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Link sobre Laclau e a questão política argentina
http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-178005-2011-10-02.html).
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Edital
Caros,
gostaria de convidá-los para o Seminário "O Novo Constitucionalismo Latino
Americano". O evento será realizado na PUC-Rio no dia 20 de setembro. Entre
os palestrantes confirmados já estão o Professor Hector Moncayo (Instituto
Latino Americano de Serviços Sociais Alternativos - ISLA), o professor
Fernando Dantas (PUC-PR) e o professor Fábio de Oliveira (UFRJ).
Durante o período da tarde, teremos a apresentação de trabalhos, para tanto
segue o edital.
Pedimos também para que divulguem em suas listas.
Muito obrigado.
Professor José Ribas Vieira
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Boaventura
Indice EL PAIS ECONOMIA SOCIEDAD CULTURA DIGITAL LA VENTANA EL MUNDO ESPECTACULOS DEPORTES PSICOLOGIA CIENCIA UNIVERSIDAD CONTRATAPA PIRULO DE TAPA
Radar Radar Libros Cash Turismo Libero NO Las12 Futuro M2 Soy Satira12 Especiales Fotogaleria
← Anterior (28-08-2012)
EL MUNDO › OPINION
Las últimas trincheras
Por Boaventura de Sousa Santos *
¿Quién podría haber imaginado hace unos años que partidos y gobiernos considerados progresistas o de izquierda abandonarían la defensa de los derechos humanos más básicos, por ejemplo el derecho a la vida, al trabajo y a la libertad de expresión y de asociación, en nombre de los imperativos del “desarrollo”? ¿Acaso no fue a través de la defensa de esos derechos que consiguieron el apoyo popular y llegaron al poder? ¿Qué ocurre para que el poder, una vez conquistado, vire tan fácil y violentamente en contra de quienes lucharon por encumbrar ese poder? ¿Por qué razón, siendo el poder de las mayorías más pobres, es ejercido en favor de las minorías más ricas? ¿Por qué es que, en este aspecto, es cada vez es más difícil distinguir entre los países del Norte y los países del Sur?
Los hechos
En los últimos años, los partidos socialistas de varios países europeos (Grecia, Portugal y España) mostraron que podían cuidar tan bien los intereses de los acreedores y los especuladores internacionales como cualquier partido de derecha, haciendo aparecer como algo normal que los derechos de los trabajadores fuesen expuestos a la cotización de las Bolsas de Valores y, por lo tanto, devorados por ellos. En Sudáfrica, la policía al servicio del gobierno del Congreso Nacional Africano (ANC), que luchó contra el apartheid en nombre de las mayorías negras, mata a 34 mineros en huelga para defender los intereses de una empresa minera inglesa. Cerca de allí, en Mozambique, el gobierno del Frente de Liberación (Frelimo), que condujo la lucha contra el colonialismo portugués, atrae la inversión de empresas extractivistas con la exención de impuestos y la oferta de docilidad (por las buenas o por las malas) de las poblaciones que están siendo afectadas por la minería a cielo abierto. En la India, el gobierno del Partido del Congreso, que luchó contra el colonialismo inglés, concede tierras a empresas nacionales y extranjeras y ordena la expulsión de miles y miles de campesinos pobres, destruyendo sus medios de subsistencia y provocando un enfrentamiento armado. En Bolivia, el gobierno de Evo Morales, un indígena llevado al poder por el movimiento indígena, impone sin consulta previa y con una sucesión rocambolesca de medidas y contramedidas la construcción de una ruta en territorio indígena (Parque Nacional Tipnis) para explotar recursos naturales. En Ecuador, el gobierno de Rafael Correa, que con coraje concede asilo político a Julian Assange, acaba de ser condenado por la Corte Interamericana de Derechos Humanos por no garantizar los derechos del pueblo indígena Sarayaku, en lucha contra la exploración petrolera en sus territorios. Ya en mayo de 2003 la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) le había solicitado a Ecuador medidas cautelares en favor del pueblo Sarayaku que no fueron atendidas.
En 2011, la CIDH le solicitó a Brasil, mediante una medida cautelar, que suspendiera inmediatamente la construcción de la represa de Belo Monte (que, de completarse, será la tercera más grande del mundo) hasta que fueran adecuadamente consultados los pueblos indígenas afectados. Brasil protestó contra la decisión, retiró a su embajador en la OEA y suspendió el pago de su cuota anual en la organización, retiró a su candidato a la CIDH y tomó la iniciativa de crear un grupo de trabajo para proponer una reforma de la Comisión, en el sentido de disminuir sus poderes para cuestionar a los gobiernos respecto de violaciones a los derechos humanos. Curiosamente, la suspensión de la construcción de la represa acaba de ser resuelta por el Tribunal Regional Federal de la 1ª Región (Brasilia), por la falta de estudios de impacto ambiental.
Los riesgos
Para responder las preguntas con que comencé esta crónica, veamos lo que comparten todos estos casos. Todas estas violaciones a los derechos humanos están relacionadas con el neoliberalismo, la versión más antisocial del capitalismo en los últimos 50 años. En el Norte, el neoliberalismo impone la austeridad a las grandes mayorías y el rescate de los banqueros, sustituyendo la protección social de los ciudadanos por la protección social del capital financiero. En el Sur, el neoliberalismo impone su avidez por los recursos naturales, sean los minerales, el petróleo, el gas natural, el agua o la agroindustria. Los territorios pasan a ser sólo tierra y las poblaciones que los habitan, obstáculos al desarrollo que es necesario remover cuanto más rápido mejor. Para el capitalismo extractivista, la única regulación verdaderamente aceptable es la autorregulación, la cual incluye, casi siempre, la autorregulación de la corrupción de los gobiernos. Honduras ofrece en este momento uno de los ejemplos más extremos de autorregulación de la actividad minera, donde todo queda entre la Fundación Hondureña de Responsabilidad Social Empresarial y la embajada de Canadá. Sí, Canadá, que hace 20 años parecía una fuerza benévola en las relaciones internacionales y hoy es uno de los más agresivos promotores del imperialismo minero.
Cuando la democracia concluya que no es compatible con este tipo de capitalismo y decida resistírsele, quizá sea demasiado tarde. Puede que, entre tanto, el capitalismo haya concluido que la democracia no es compatible con él.
¿Qué hacer?
Al contrario de lo que pretende el neoliberalismo, el mundo sólo es lo que es porque nosotros queremos. Puede ser de otra manera, si nos lo proponemos. La situación actual es tan grave que es necesario tomar medidas urgentes, aunque sea pequeños pasos. Esas medidas varían de país a país y de continente a continente, pese a que es indispensable articularlas cuando sea posible. En el continente americano la medida más urgente es trabar el avance de la reforma de la CIDH. En esa reforma están siendo particularmente activos países con los que soy solidario en múltiples aspectos de sus gobiernos: Brasil, Ecuador, Venezuela y Argentina. Pero en el caso de la reforma de la CIDH estoy firmemente del lado de los que luchan contra la iniciativa de estos gobiernos y por el mantenimiento del estatuto actual de la Comisión. No deja de ser irónico que los gobiernos de derecha que más han hostilizado al sistema interamericano de derechos humanos, como el caso de Colombia, asistan deleitados al servicio que, objetivamente, les están prestando los gobiernos progresistas.
Mi primer llamado es a los gobiernos de Brasil, Ecuador, Venezuela y Argentina para que abandonen el proyecto de reforma. Y especialmente a Brasil, debido a la influencia que tiene en la región. Si tienen una mirada política de largo plazo, no les será difícil concluir que serán ellos y las fuerzas sociales que los han apoyado quienes, en el futuro, más podrían beneficiarse con el prestigio y la eficacia del sistema interamericano de derechos humanos. Por cierto, la Argentina debe a la CIDH y a la Corte la doctrina que permitió llevar a la Justicia los crímenes de lesa humanidad cometidos por la dictadura, que con sumo acierto se convirtió en bandera de los gobiernos de los Kirchner en sus políticas de derechos humanos.
Pero, como la ceguera del corto plazo puede prevalecer, llamo también a todos los militantes de derechos humanos del continente y a todas las organizaciones y los movimientos sociales –que vuelcan en el Foro Social Mundial y en la lucha contra el ALCA la fuerza de la esperanza organizada– a unirse para enfrentar la reforma de la CIDH que está en curso. Sabemos que el sistema interamericano de derechos humanos está lejos de ser perfecto, sin ir más lejos porque los dos países más poderosos de la región (Estados Unidos y Canadá) ni siquiera firmaron la Convención Americana sobre Derechos Humanos. También sabemos que, en el pasado, tanto la Comisión como la Corte revelaron debilidades y selectividades políticamente sesgadas. Pero también sabemos que el sistema y sus instituciones se han fortalecido, actuando con mayor independencia y ganando prestigio a través de la eficacia con la que han condenado numerosas violaciones a los derechos humanos: desde los años ’70 y ’80, cuando la Comisión llevó a cabo misiones en países como Chile, Argentina y Guatemala, y publicó informes denunciando los crímenes cometidos por las dictaduras militares, hasta las misiones y denuncias después del golpe de Estado en Honduras en 2009; para no mencionar las reiteradas solicitudes para que se clausure el centro de detención de Guantánamo. A su vez, la reciente decisión de la Corte en el caso “Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku versus Ecuador”, del 27 de julio pasado, marca un hito histórico para el derecho internacional, no sólo a nivel continental, sino también mundial. Tal como la sentencia en el caso “Atala Riffo y niñas versus Chile”, sobre discriminación por razones de orientación sexual. ¿Y cómo olvidar la intervención de la CIDH sobre la violencia doméstica en Brasil, que condujo a la promulgación de la Ley Maria da Penha?
Los dados están echados. A espaldas de la CIDH y con fuertes limitaciones a la participación de los organismos de derechos humanos, el Consejo Permanente de la OEA prepara una serie de recomendaciones para buscar su aprobación en la Asamblea General Extraordinaria, a más tardar en marzo de 2013 (hasta el 30 de septiembre los Estados presentarán sus propuestas). Por lo que se sabe, todas las recomendaciones apuntan a limitar el poder de la CIDH para interpelar a los Estados por violaciones a los derechos humanos. Por ejemplo: dedicar más recursos a la promoción de los derechos humanos y menos a la investigación de las violaciones; acortar los plazos de investigación para que se vuelva imposible realizar análisis cuidadosos; eliminar del informe anual la referencia a países cuya situación en materia de derechos humanos merezca una atención especial; limitar la emisión y la extensión de las medidas cautelares; terminar con el informe anual sobre libertad de expresión; impedir pronunciamientos sobre violaciones que parecen inminentes pero que aún no se han concretado.
A los militantes por los derechos humanos y a todos los ciudadanos preocupados por el futuro de la democracia en el continente les toca ahora detener este proceso.
* Doctor en Sociología del Derecho.
El texto corresponde a la “Octava carta a las izquierdas” del autor.
Radar Radar Libros Cash Turismo Libero NO Las12 Futuro M2 Soy Satira12 Especiales Fotogaleria
← Anterior (28-08-2012)
EL MUNDO › OPINION
Las últimas trincheras
Por Boaventura de Sousa Santos *
¿Quién podría haber imaginado hace unos años que partidos y gobiernos considerados progresistas o de izquierda abandonarían la defensa de los derechos humanos más básicos, por ejemplo el derecho a la vida, al trabajo y a la libertad de expresión y de asociación, en nombre de los imperativos del “desarrollo”? ¿Acaso no fue a través de la defensa de esos derechos que consiguieron el apoyo popular y llegaron al poder? ¿Qué ocurre para que el poder, una vez conquistado, vire tan fácil y violentamente en contra de quienes lucharon por encumbrar ese poder? ¿Por qué razón, siendo el poder de las mayorías más pobres, es ejercido en favor de las minorías más ricas? ¿Por qué es que, en este aspecto, es cada vez es más difícil distinguir entre los países del Norte y los países del Sur?
Los hechos
En los últimos años, los partidos socialistas de varios países europeos (Grecia, Portugal y España) mostraron que podían cuidar tan bien los intereses de los acreedores y los especuladores internacionales como cualquier partido de derecha, haciendo aparecer como algo normal que los derechos de los trabajadores fuesen expuestos a la cotización de las Bolsas de Valores y, por lo tanto, devorados por ellos. En Sudáfrica, la policía al servicio del gobierno del Congreso Nacional Africano (ANC), que luchó contra el apartheid en nombre de las mayorías negras, mata a 34 mineros en huelga para defender los intereses de una empresa minera inglesa. Cerca de allí, en Mozambique, el gobierno del Frente de Liberación (Frelimo), que condujo la lucha contra el colonialismo portugués, atrae la inversión de empresas extractivistas con la exención de impuestos y la oferta de docilidad (por las buenas o por las malas) de las poblaciones que están siendo afectadas por la minería a cielo abierto. En la India, el gobierno del Partido del Congreso, que luchó contra el colonialismo inglés, concede tierras a empresas nacionales y extranjeras y ordena la expulsión de miles y miles de campesinos pobres, destruyendo sus medios de subsistencia y provocando un enfrentamiento armado. En Bolivia, el gobierno de Evo Morales, un indígena llevado al poder por el movimiento indígena, impone sin consulta previa y con una sucesión rocambolesca de medidas y contramedidas la construcción de una ruta en territorio indígena (Parque Nacional Tipnis) para explotar recursos naturales. En Ecuador, el gobierno de Rafael Correa, que con coraje concede asilo político a Julian Assange, acaba de ser condenado por la Corte Interamericana de Derechos Humanos por no garantizar los derechos del pueblo indígena Sarayaku, en lucha contra la exploración petrolera en sus territorios. Ya en mayo de 2003 la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH) le había solicitado a Ecuador medidas cautelares en favor del pueblo Sarayaku que no fueron atendidas.
En 2011, la CIDH le solicitó a Brasil, mediante una medida cautelar, que suspendiera inmediatamente la construcción de la represa de Belo Monte (que, de completarse, será la tercera más grande del mundo) hasta que fueran adecuadamente consultados los pueblos indígenas afectados. Brasil protestó contra la decisión, retiró a su embajador en la OEA y suspendió el pago de su cuota anual en la organización, retiró a su candidato a la CIDH y tomó la iniciativa de crear un grupo de trabajo para proponer una reforma de la Comisión, en el sentido de disminuir sus poderes para cuestionar a los gobiernos respecto de violaciones a los derechos humanos. Curiosamente, la suspensión de la construcción de la represa acaba de ser resuelta por el Tribunal Regional Federal de la 1ª Región (Brasilia), por la falta de estudios de impacto ambiental.
Los riesgos
Para responder las preguntas con que comencé esta crónica, veamos lo que comparten todos estos casos. Todas estas violaciones a los derechos humanos están relacionadas con el neoliberalismo, la versión más antisocial del capitalismo en los últimos 50 años. En el Norte, el neoliberalismo impone la austeridad a las grandes mayorías y el rescate de los banqueros, sustituyendo la protección social de los ciudadanos por la protección social del capital financiero. En el Sur, el neoliberalismo impone su avidez por los recursos naturales, sean los minerales, el petróleo, el gas natural, el agua o la agroindustria. Los territorios pasan a ser sólo tierra y las poblaciones que los habitan, obstáculos al desarrollo que es necesario remover cuanto más rápido mejor. Para el capitalismo extractivista, la única regulación verdaderamente aceptable es la autorregulación, la cual incluye, casi siempre, la autorregulación de la corrupción de los gobiernos. Honduras ofrece en este momento uno de los ejemplos más extremos de autorregulación de la actividad minera, donde todo queda entre la Fundación Hondureña de Responsabilidad Social Empresarial y la embajada de Canadá. Sí, Canadá, que hace 20 años parecía una fuerza benévola en las relaciones internacionales y hoy es uno de los más agresivos promotores del imperialismo minero.
Cuando la democracia concluya que no es compatible con este tipo de capitalismo y decida resistírsele, quizá sea demasiado tarde. Puede que, entre tanto, el capitalismo haya concluido que la democracia no es compatible con él.
¿Qué hacer?
Al contrario de lo que pretende el neoliberalismo, el mundo sólo es lo que es porque nosotros queremos. Puede ser de otra manera, si nos lo proponemos. La situación actual es tan grave que es necesario tomar medidas urgentes, aunque sea pequeños pasos. Esas medidas varían de país a país y de continente a continente, pese a que es indispensable articularlas cuando sea posible. En el continente americano la medida más urgente es trabar el avance de la reforma de la CIDH. En esa reforma están siendo particularmente activos países con los que soy solidario en múltiples aspectos de sus gobiernos: Brasil, Ecuador, Venezuela y Argentina. Pero en el caso de la reforma de la CIDH estoy firmemente del lado de los que luchan contra la iniciativa de estos gobiernos y por el mantenimiento del estatuto actual de la Comisión. No deja de ser irónico que los gobiernos de derecha que más han hostilizado al sistema interamericano de derechos humanos, como el caso de Colombia, asistan deleitados al servicio que, objetivamente, les están prestando los gobiernos progresistas.
Mi primer llamado es a los gobiernos de Brasil, Ecuador, Venezuela y Argentina para que abandonen el proyecto de reforma. Y especialmente a Brasil, debido a la influencia que tiene en la región. Si tienen una mirada política de largo plazo, no les será difícil concluir que serán ellos y las fuerzas sociales que los han apoyado quienes, en el futuro, más podrían beneficiarse con el prestigio y la eficacia del sistema interamericano de derechos humanos. Por cierto, la Argentina debe a la CIDH y a la Corte la doctrina que permitió llevar a la Justicia los crímenes de lesa humanidad cometidos por la dictadura, que con sumo acierto se convirtió en bandera de los gobiernos de los Kirchner en sus políticas de derechos humanos.
Pero, como la ceguera del corto plazo puede prevalecer, llamo también a todos los militantes de derechos humanos del continente y a todas las organizaciones y los movimientos sociales –que vuelcan en el Foro Social Mundial y en la lucha contra el ALCA la fuerza de la esperanza organizada– a unirse para enfrentar la reforma de la CIDH que está en curso. Sabemos que el sistema interamericano de derechos humanos está lejos de ser perfecto, sin ir más lejos porque los dos países más poderosos de la región (Estados Unidos y Canadá) ni siquiera firmaron la Convención Americana sobre Derechos Humanos. También sabemos que, en el pasado, tanto la Comisión como la Corte revelaron debilidades y selectividades políticamente sesgadas. Pero también sabemos que el sistema y sus instituciones se han fortalecido, actuando con mayor independencia y ganando prestigio a través de la eficacia con la que han condenado numerosas violaciones a los derechos humanos: desde los años ’70 y ’80, cuando la Comisión llevó a cabo misiones en países como Chile, Argentina y Guatemala, y publicó informes denunciando los crímenes cometidos por las dictaduras militares, hasta las misiones y denuncias después del golpe de Estado en Honduras en 2009; para no mencionar las reiteradas solicitudes para que se clausure el centro de detención de Guantánamo. A su vez, la reciente decisión de la Corte en el caso “Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku versus Ecuador”, del 27 de julio pasado, marca un hito histórico para el derecho internacional, no sólo a nivel continental, sino también mundial. Tal como la sentencia en el caso “Atala Riffo y niñas versus Chile”, sobre discriminación por razones de orientación sexual. ¿Y cómo olvidar la intervención de la CIDH sobre la violencia doméstica en Brasil, que condujo a la promulgación de la Ley Maria da Penha?
Los dados están echados. A espaldas de la CIDH y con fuertes limitaciones a la participación de los organismos de derechos humanos, el Consejo Permanente de la OEA prepara una serie de recomendaciones para buscar su aprobación en la Asamblea General Extraordinaria, a más tardar en marzo de 2013 (hasta el 30 de septiembre los Estados presentarán sus propuestas). Por lo que se sabe, todas las recomendaciones apuntan a limitar el poder de la CIDH para interpelar a los Estados por violaciones a los derechos humanos. Por ejemplo: dedicar más recursos a la promoción de los derechos humanos y menos a la investigación de las violaciones; acortar los plazos de investigación para que se vuelva imposible realizar análisis cuidadosos; eliminar del informe anual la referencia a países cuya situación en materia de derechos humanos merezca una atención especial; limitar la emisión y la extensión de las medidas cautelares; terminar con el informe anual sobre libertad de expresión; impedir pronunciamientos sobre violaciones que parecen inminentes pero que aún no se han concretado.
A los militantes por los derechos humanos y a todos los ciudadanos preocupados por el futuro de la democracia en el continente les toca ahora detener este proceso.
* Doctor en Sociología del Derecho.
El texto corresponde a la “Octava carta a las izquierdas” del autor.
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Chavez
Folha de S.Paulo 28/08/2012 -
Chávez é contraditório, mas fundamental para a AL, diz educadora chilena
Publicidade
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Ela se define como "educadora popular" marxista-leninista. Chilena, foi discípula do filósofo Louis Althusser, líder estudantil católica e integrante do governo socialista de Salvador Allende. Casou-se com um dos comandantes da revolução cubana (Manuel Piñeiro, o Barba Roja) e nos anos 2000 virou conselheira de Hugo Chávez.
Marta Harnecker conta que escreveu mais de 80 livros. O mais conhecido, "Conceitos Elementares do Materialismo Histórico", dos anos 1960, vendeu mais de 1 milhão de exemplares e está na 67ª edição. Aos 75 anos, viaja pela América Latina e se diz otimista: os EUA já não fazem o querem na região e o conceito de soberania cresceu.
Hoje morando em Vancouver (Canadá), ela considera Chávez um "líder revolucionário fundamental", mas uma "pessoa contraditória": "Ele é um militar que crê na participação popular. O importante é ver o fruto dessa coisa". A Venezuela é o país menos desigual do continente.
Ariana Cubillos/Associated Press
O presidente venezuelano Hugo Chávez abraça funcionária de um hospital público de Punto Fijo
*
Folha -Como a sra. avalia a situação política na América Latina?
Marta Harnecker - Sou muito otimista.
Quando Chávez ganhou estava sozinho e o panorama hoje mudou muito. Considero que as situações mais avançadas estão na Venezuela, Bolívia e Equador. Meu último livro foi sobre o Equador e se chama "A Esquerda em Busca da Vida em Plenitude". A concepção desses governos é de uma sociedade alternativa ao capitalismo, em que a pessoa humana tenha um pleno desenvolvimento.
Não demos importância a isso no passado. E hoje em dia é fundamental: uma sociedade construída pelas pessoas, de baixo para cima. Não é fazer com que o povo seja um mendigo que recebe presentes do Estado. Não é o que queremos nem o que está sendo feito. O parteiro desse processo foi o neoliberalismo, que provocou contradições e os povos começaram a resistir e começaram a entender que tem que participar da política e criar instrumentos políticos. Foi o caso do Equador, da Bolívia e da Venezuela. Lá houve pressões populares nos anos 1980 que estão na origem do triunfo de Chávez.
Há uma crise estrutural do Estado. As pessoas já não confiam na política e nos políticos e querem coisas novas. Estão cansadas de promessas não cumpridas. Surgem esses governos e, contra os prognósticos de alguns, inclusive de intelectuais brasileiros, o processo se seguiu. Houve quem achasse que se tinha atingido um topo e iria diminuir. Mas não foi assim.
Mas temos o império presente. São os casos de Manuel Zelaya e de Fernando Lugo. Eles tinham processos mais débeis internamente, com organizações populares mais fracas, sem partidos. Os dois vinham de partidos da burguesia. Não há o que copiar na América Latina. Alguns se entusiasmam com o processo da Venezuela e acham que se pode fazer em todos os países a mesma coisa. O processo no continente é completamente diferenciado. O que os une é o processo social. Na Bolívia e no Equador, por exemplo, os indígenas são grupos importantes; na Venezuela, não.
O desempenho de Chávez não está muito ligado ao petróleo?
O petróleo já estava nacionalizado quando Chávez chegou ao poder. Mas não estava nas mãos do governo. Estava sendo gerenciado pelos grupos ligados à oposição. Como consequência do golpe de 2002 se recupera a gestão para o governo. Os excedentes do petróleo passam a servir para as missões sociais internas e para apoiar outros processos na América Latina. Há dependência, mas eles têm clareza de que ela precisa ser superada.
O governo está investindo em projetos de industrialização, pois o neoliberalismo desindustrializou os nossos países. Estratégia é depender cada vez menos do petróleo.
O governo Morales enfrenta oposição de movimentos populares na Bolívia. Como explicar isso?
São as contradições que vivem os processos. Esses são muito diferentes dos processos revolucionários dos anos 1920, da Revolução Russa. Nesses casos só se consegue chegar ao governo. Em muitos deles, com uma correlação de forças no parlamento, nos governos locais, nos meios de comunicação e no poder econômico que permanecem nas mãos de quem dominava antes.
Álvaro Liñera [vice-presidente da Bolívia] reflete as contradições que vive o país. Entre um governo, que tem que ser executivo, tomar decisões, resolver problemas de todo o país, e os movimentos sociais, que têm um ritmo de discussão democrática etc. No processo boliviano, o povo é diverso e tem contradições. Fica unido em torno de bandeiras como, por exemplo, a do Estado plurinacional. Mas as contradições se agudizam e o governo tem que entender isso e olhar democraticamente as partes. É muito complicado. O povo quer que o Estado resolva o problema. É uma espécie de paternalismo. Quando chegam esses governos, querem soluções imediatas, não sabem de política nem de correlação de forças. Além disso, prima a visão localista, sem uma visão de conjunto.
É preciso um processo de educação popular para que uma comunidade entenda que para o país e para outras comunidades é negativo não fazer uma estrada. Liñera reconhece que existem e haverá contradições e que é preciso o governante saber lidar com elas.
Como a sra. analisa a situação do Brasil, da Argentina e do Uruguai?
São diferentes. São governos muito mais moderados, mas que estão tomando medidas de soberania. Porque a primeira coisa que precisamos conseguir é a soberania perante os EUA. Temos feito reuniões deixando de fora os EUA; não vem o Departamento de Estado dizer o que devemos fazer. Na maioria dos governos da região, a soberania é um valor. É um êxito que tenham constituído a Unasul e que nela estejam o Chile, o México, a Colômbia.
O poder dos EUA diminuiu na região?
Os Estados Unidos já não podem fazer o que querem. Mas claro que o seu poder é imenso. Há uma contraofensiva dos EUA que se reflete em casos como o de Zelaya, e na tentativa contra Correa. Houve o golpe contra Lugo. Estão tentado refazer um golpe na Bolívia, com setores da oposição se aproveitando das contradições no interior do povo. Em Santa Cruz e em outros lugares estão tentando fazer alianças com os setores do povo descontentes. A intenção de separatismo foi vencida graças à organização popular. Agora não há um perigo iminente, mas essas forças estão se reconstituindo.
Não temos um caminho fácil. São processos que não se definem de um dia para outro. A melhor defesa é ter um povo organizado. Chávez entendeu muito bem. Ele sempre insiste em dizer que não podemos resolver o problema da pobreza se não dermos poder ao povo. Chávez é um tipo que sente o popular, é muito humano. Fiz um livro com ele que se chama "Um Homem, um Povo". Não digo que não haja defeitos do homem Chávez e que não haja contradição entre o seu discurso e o que se faz. Vivemos processos humanos, não de deuses puros.
Poderia haver um modelo comum entre os países latino-americanos na sua visão?
Sou chilena. No Chile se consolidou a contrarevolução burguesa, com Pinochet e os seguintes. A Consertação segue as políticas neoliberais com algumas políticas sociais. Houve um neoliberalismo exitoso, pelo aumento do PIB, a construção de estradas. Mas o Chile, que era um dos países mais igualitários da América Latina, é hoje um dos com maiores diferenças entre os pobres e os ricos. No Chile não existiam muros nas casas da grande burguesia. Não se pode medir o resultado do neoliberalismo apenas pelo lado econômico. Conheci um casal de arquitetos chilenos que trabalha 14 horas por dia. Vivem para trabalhar; não trabalham para viver.
Pessoas da pequena burguesia conseguem alguma coisa, mas há muita competição, estão sempre correndo, nunca têm tranquilidade no trabalho. No Brasil também se consolidou a contrarevolução burguesa.
Como assim? O governo do PT significa a contrarevolução burguesa?
Os setores dominantes se consolidaram, o agronegócio. O PT está buscando fazer outra coisa. Não se pode comparar com a Venezuela ou a Bolívia, por causa da correlação de forças da vitória de Lula. Num país que é a sexta economia do mundo, o capital financeiro e as transnacionais têm um poder enorme. Então o capitalismo se consolida, mas há atenção aos setores populares. Tiram pessoas da pobreza.
No Brasil, falta o governo facilitar mais o processo de organização popular. Temos uma esquerda que esteve na oposição. O governo tem que executar, resolver e não pode esperar a discussão do partido. Vai se dando um distanciamento entre partido e governo. Quadros do setor popular passam a ter postos no governo. Num Estado como o brasileiro precisa ser muito firme para não se transformar em outra coisa. Um trabalhador que chega a ser senador ou deputado muda a sua vida. Como ensina o marxismo, as condições materiais influem. Creio que há provavelmente a deformação de muitos dirigentes, que deixam de representar os interesses populares.
Há muitas críticas da esquerda a Lula e Dilma que são feitas sem entender a correlação de forças que existe. Não quer dizer que não possam fazer mais do que têm feito.
Então não há um modelo comum para a América Latina?
Não. Cada situação na América Latina é distinta. É preciso estudar cada lugar, suas origens históricas, as correlações de forças.
Sou estudiosa de Lênin. É preciso fazer a análise concreta das forças, escolher a estratégia e a tática. Há um horizonte que é o socialismo do século 21, a sociedade do bem viver. Não queremos um socialismo como o soviético, estatista, totalitário, de partido único, ateu, que usou os movimentos sociais como correia de transmissão. É preciso ler os clássicos, Marx e Engels. A meta é uma sociedade solidária, que não hajam exploradores e explorados, em que cada um encontre o que fazer, que respeite as diferenças. É uma meta utópica. Mediria os governos com perguntas: 1. Esses governos têm conquistas em relação à soberania nacional?; 2. Consolidam, aumentam a organização do povo? 3. Fazem um desenvolvimento que respeite a natureza?
Como a sra. analisa a crise econômica mundial?
É uma crise estrutural importante. Não é terminal, porque o capitalismo se recompõe. As condições objetivas estão mais adiantadas do que as condições subjetivas. Valorizo movimentos como o dos indignados. A rebeldia é um passo inicial, mas é preciso fazer com que isso vire uma força. "Reconstruindo a Esquerda" é um livro meu em que digo que é preciso um instrumento de articulação que não são os partidos tradicionais. O neoliberalismo fragmenta a população.
Como assim?
A política não é a arte do possível. Isso é diplomacia. Escrevi um livro sobre isso. O político revolucionário precisa entender que para lograr seu objetivo tem que criar uma correlação de forças. Construir forças sociais para ter força política para buscar o seu objetivo. Se constrói força social com protagonismo popular. O Estado não pode criar o que não existe, mas pode criar condições para que as forças se fortaleçam.
Os partidos políticos não seriam esse instrumento? Não há diferenças?
Partidos políticos não compreendem a política como a arte de construir forças sociais. Mas entendem a política como forma de ganhar postos no governo, ter mais deputados, mais força. Não é a ideia. Muitas vezes a política fica muito desprestigiada. A direita se apropriou da linguagem da esquerda. A esquerda muitas vezes faz uma prática política igual à direita: clientelismo, personalismo, carreirismo político, às vezes até corrupção. O povo vê discursos iguais, vê práticas iguais, se decepciona.
Por exemplo?
Sem exemplos. O diagnóstico faz cada um. Mas está claro. É preciso ser muito coerente entre o que diz e o que faz. É preciso que se trabalhe para construir força social, e não se dedicar a pelejas institucionais. O socialismo requer uma grande maioria, uma hegemonia, convencer o máximo de gente pelo projeto, sendo muito pluralista e respeitando as diferenças.
Tenho um livro que faz uma análise dos erros que cometeu a esquerda. Quando uma pessoa conhece o valor da solidariedade, começa a entender que é mais importante ser do que ter. Essa é a luta contra o consumismo. Há uma democracia desmobilizadora. As pessoas então endividadas. Os trabalhadores estão desmobilizados porque podem perder o trabalho e não estão tão protegidos como antes. Quando os partidos de esquerda conseguem ganhar algum espaço, muitas vezes os dirigentes deixam de ser dirigentes revolucionários. O perigo é muito grande. Um membro político que se mete no aparato burguês tem que ter algum tipo de estrutura, um grupo de pessoas de controle, de consulta. Que pergunte ao dirigente porque ele está comparando um carro que não tem necessidade. É fácil fazer a cooptação, pela ideologia e pela cultura, de um sujeito solitário.
A sra. foi casada com um dirigente da revolução cubana e morou muitos anos na ilha. Como vê a situação do país?
Cuba foi minha segunda pátria. Tenho uma filha cubana que mora lá. Cuba mostrou à América Latina a dignidade, a capacidade de defender a soberania, de resistência a todos os males. A economia é muito complicada.
Como avalia as mudanças em curso na economia?
Precisava haver mudanças. As pessoas precisam de espaço para desenvolver sua capacidade produtiva. É certo. Creio que a participação dos trabalhadores em cooperativas seria um caminho que deveria ser explorado.
A sra. foi discípula de Louis Althusser (1918-1990). Como foi essa experiência?
Estudei psicologia na Universidade Católica do Chile. Como dirigente da ação católica universitária visitei Cuba e fiquei fascinada. Eu era católica e comecei a discutir com cristãos marxistas. Fui à França e conheci Althusser, que também havia sido católico. Li suas obras estabeleci uma relação de discípula. Vivia a poucos metros da casa dele e o via três vezes por dia. Ele me dizia o que ler. Não segui psicologia. Isso foi entre 1963 e 1968. Trabalhei também com Paul Ricoeur (1913-2005). Voltei ao Chile pensando em ensinar francês.
Deliberadamente eu não tinha título. Eu tinha escrito um livro -"Conceitos Elementares do Materialismo Histórico"- com as notas que tinha feito de um curso para haitianos e mexicanos no ultimo ano que estive em Paris. Esse livro vendeu mais de um milhão de exemplares. Está agora na 67ª edição e foi traduzido para várias línguas. No Brasil circulou em edições clandestinas. Por causa do livro, fui ser professora da Universidade do Chile, com Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini. Virei diretora da revista política da Unidade Popular, a "Chile Hoy". Transformava artigos de intelectuais, tornando-os acessíveis para a população. Foi quando me apaixonei pelo jornalismo. Fazia cartilhas de formação e cursos para operários e camponeses. Só aí fiz doze cadernos de educação popular.
Tenho mais de 80 livros publicados. Alguns são livros de testemunhos, com experiências de vários países --El Salvador, Equador, Bolívia, Paraguai, Venezuela. Tenho um livro sobre o PT que está pendente. No Chile fazia parte do Partido Socialista e fiquei fascinada pela educação popular. Para mim, a maior satisfação é criar um texto que todos entendam. Que não seja acadêmico. Não sou doutora. Sou educadora popular: é a minha autodefinição. Depois do golpe no Chile, fui para Cuba, quando consolido minha relação com o comandante Manuel Piñeiro, o Barba Roja (1933-1998). Fiquei em Cuba até 2003. Fui entrevistar Hugo Chávez Na Venezuela. Recolhi as criticas de esquerda, as dúvidas sobre o governo. Ele gostou muito que eu lhe transmitisse as críticas e me convidou para trabalhar no palácio. Não quis salário. Pagavam um apartamento e a comida, só.
Que críticas eram?
Que tal ministério não estava fazendo tal coisa, que tinha um discurso demasiado autoritário, tudo. Vivi seis anos da Venezuela.
Hoje a sra acha que Chávez é uma pessoa autoritária?
Chávez é um militar. Que crê na participação popular e quer promovê-la. E que como pessoa é contraditória. E tem que se respeitar essa contradição. Queríamos que não fosse tão autoritário, mas entendemos. Eu mesma tenho um caráter muito complicado. Muitas vezes quis mudar e não é tão fácil. O importante é ver o fruto dessa coisa. Se comparamos a Venezuela do primeiro ano com a hoje, temos gente com personalidade, que critica, que cresceu como ser humano. E é isso que buscamos. Eu o saturava com críticas.
E hoje a sra. ainda mora na Venezuela?
Moro em Vancouver, no Canadá, com o meu companheiro Michael Lebowitz.
Como avalia a sucessão de Chávez?
Não tem ninguém na altura de Chávez. O ideal seria uma direção coletiva. Dada a fragmentação que o liberalismo produziu nos setores populares latino-americanos, os trabalhadores de hoje não têm nada que ver com os do tempo de Marx: há subcontratação, precarização. É preciso pessoas com grande carisma e uma personalidade muito forte para aglutinar todos esse setores.
Há o líder populista que usa o povo para os seus objetivos políticos e o líder revolucionário que, usando sua capacidade, promove o crescimento da população. Um líder revolucionário com carisma se comunica com o povo igual que um populista. A diferença é que o populista dá coisas, como Perón, mas não é ajuda para que o povo se independize. Não é ponte de um crescimento.
Recordo de uma das primeiras viagens que fiz com Chávez, para a inauguração de escola. As pessoas pediam coisas, passavam papéis. Um deles pediu um caminhão. Chávez sugeriu que ele se organizasse com outros numa cooperativa para obter o caminhão. Essa é a ideia. Para mim não é populismo; é um dirigente revolucionário. Para mim e o processo venezuelano e Chávez são fundamentais para esse processo na América Latina.
Chávez é contraditório, mas fundamental para a AL, diz educadora chilena
Publicidade
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Ela se define como "educadora popular" marxista-leninista. Chilena, foi discípula do filósofo Louis Althusser, líder estudantil católica e integrante do governo socialista de Salvador Allende. Casou-se com um dos comandantes da revolução cubana (Manuel Piñeiro, o Barba Roja) e nos anos 2000 virou conselheira de Hugo Chávez.
Marta Harnecker conta que escreveu mais de 80 livros. O mais conhecido, "Conceitos Elementares do Materialismo Histórico", dos anos 1960, vendeu mais de 1 milhão de exemplares e está na 67ª edição. Aos 75 anos, viaja pela América Latina e se diz otimista: os EUA já não fazem o querem na região e o conceito de soberania cresceu.
Hoje morando em Vancouver (Canadá), ela considera Chávez um "líder revolucionário fundamental", mas uma "pessoa contraditória": "Ele é um militar que crê na participação popular. O importante é ver o fruto dessa coisa". A Venezuela é o país menos desigual do continente.
Ariana Cubillos/Associated Press
O presidente venezuelano Hugo Chávez abraça funcionária de um hospital público de Punto Fijo
*
Folha -Como a sra. avalia a situação política na América Latina?
Marta Harnecker - Sou muito otimista.
Quando Chávez ganhou estava sozinho e o panorama hoje mudou muito. Considero que as situações mais avançadas estão na Venezuela, Bolívia e Equador. Meu último livro foi sobre o Equador e se chama "A Esquerda em Busca da Vida em Plenitude". A concepção desses governos é de uma sociedade alternativa ao capitalismo, em que a pessoa humana tenha um pleno desenvolvimento.
Não demos importância a isso no passado. E hoje em dia é fundamental: uma sociedade construída pelas pessoas, de baixo para cima. Não é fazer com que o povo seja um mendigo que recebe presentes do Estado. Não é o que queremos nem o que está sendo feito. O parteiro desse processo foi o neoliberalismo, que provocou contradições e os povos começaram a resistir e começaram a entender que tem que participar da política e criar instrumentos políticos. Foi o caso do Equador, da Bolívia e da Venezuela. Lá houve pressões populares nos anos 1980 que estão na origem do triunfo de Chávez.
Há uma crise estrutural do Estado. As pessoas já não confiam na política e nos políticos e querem coisas novas. Estão cansadas de promessas não cumpridas. Surgem esses governos e, contra os prognósticos de alguns, inclusive de intelectuais brasileiros, o processo se seguiu. Houve quem achasse que se tinha atingido um topo e iria diminuir. Mas não foi assim.
Mas temos o império presente. São os casos de Manuel Zelaya e de Fernando Lugo. Eles tinham processos mais débeis internamente, com organizações populares mais fracas, sem partidos. Os dois vinham de partidos da burguesia. Não há o que copiar na América Latina. Alguns se entusiasmam com o processo da Venezuela e acham que se pode fazer em todos os países a mesma coisa. O processo no continente é completamente diferenciado. O que os une é o processo social. Na Bolívia e no Equador, por exemplo, os indígenas são grupos importantes; na Venezuela, não.
O desempenho de Chávez não está muito ligado ao petróleo?
O petróleo já estava nacionalizado quando Chávez chegou ao poder. Mas não estava nas mãos do governo. Estava sendo gerenciado pelos grupos ligados à oposição. Como consequência do golpe de 2002 se recupera a gestão para o governo. Os excedentes do petróleo passam a servir para as missões sociais internas e para apoiar outros processos na América Latina. Há dependência, mas eles têm clareza de que ela precisa ser superada.
O governo está investindo em projetos de industrialização, pois o neoliberalismo desindustrializou os nossos países. Estratégia é depender cada vez menos do petróleo.
O governo Morales enfrenta oposição de movimentos populares na Bolívia. Como explicar isso?
São as contradições que vivem os processos. Esses são muito diferentes dos processos revolucionários dos anos 1920, da Revolução Russa. Nesses casos só se consegue chegar ao governo. Em muitos deles, com uma correlação de forças no parlamento, nos governos locais, nos meios de comunicação e no poder econômico que permanecem nas mãos de quem dominava antes.
Álvaro Liñera [vice-presidente da Bolívia] reflete as contradições que vive o país. Entre um governo, que tem que ser executivo, tomar decisões, resolver problemas de todo o país, e os movimentos sociais, que têm um ritmo de discussão democrática etc. No processo boliviano, o povo é diverso e tem contradições. Fica unido em torno de bandeiras como, por exemplo, a do Estado plurinacional. Mas as contradições se agudizam e o governo tem que entender isso e olhar democraticamente as partes. É muito complicado. O povo quer que o Estado resolva o problema. É uma espécie de paternalismo. Quando chegam esses governos, querem soluções imediatas, não sabem de política nem de correlação de forças. Além disso, prima a visão localista, sem uma visão de conjunto.
É preciso um processo de educação popular para que uma comunidade entenda que para o país e para outras comunidades é negativo não fazer uma estrada. Liñera reconhece que existem e haverá contradições e que é preciso o governante saber lidar com elas.
Como a sra. analisa a situação do Brasil, da Argentina e do Uruguai?
São diferentes. São governos muito mais moderados, mas que estão tomando medidas de soberania. Porque a primeira coisa que precisamos conseguir é a soberania perante os EUA. Temos feito reuniões deixando de fora os EUA; não vem o Departamento de Estado dizer o que devemos fazer. Na maioria dos governos da região, a soberania é um valor. É um êxito que tenham constituído a Unasul e que nela estejam o Chile, o México, a Colômbia.
O poder dos EUA diminuiu na região?
Os Estados Unidos já não podem fazer o que querem. Mas claro que o seu poder é imenso. Há uma contraofensiva dos EUA que se reflete em casos como o de Zelaya, e na tentativa contra Correa. Houve o golpe contra Lugo. Estão tentado refazer um golpe na Bolívia, com setores da oposição se aproveitando das contradições no interior do povo. Em Santa Cruz e em outros lugares estão tentando fazer alianças com os setores do povo descontentes. A intenção de separatismo foi vencida graças à organização popular. Agora não há um perigo iminente, mas essas forças estão se reconstituindo.
Não temos um caminho fácil. São processos que não se definem de um dia para outro. A melhor defesa é ter um povo organizado. Chávez entendeu muito bem. Ele sempre insiste em dizer que não podemos resolver o problema da pobreza se não dermos poder ao povo. Chávez é um tipo que sente o popular, é muito humano. Fiz um livro com ele que se chama "Um Homem, um Povo". Não digo que não haja defeitos do homem Chávez e que não haja contradição entre o seu discurso e o que se faz. Vivemos processos humanos, não de deuses puros.
Poderia haver um modelo comum entre os países latino-americanos na sua visão?
Sou chilena. No Chile se consolidou a contrarevolução burguesa, com Pinochet e os seguintes. A Consertação segue as políticas neoliberais com algumas políticas sociais. Houve um neoliberalismo exitoso, pelo aumento do PIB, a construção de estradas. Mas o Chile, que era um dos países mais igualitários da América Latina, é hoje um dos com maiores diferenças entre os pobres e os ricos. No Chile não existiam muros nas casas da grande burguesia. Não se pode medir o resultado do neoliberalismo apenas pelo lado econômico. Conheci um casal de arquitetos chilenos que trabalha 14 horas por dia. Vivem para trabalhar; não trabalham para viver.
Pessoas da pequena burguesia conseguem alguma coisa, mas há muita competição, estão sempre correndo, nunca têm tranquilidade no trabalho. No Brasil também se consolidou a contrarevolução burguesa.
Como assim? O governo do PT significa a contrarevolução burguesa?
Os setores dominantes se consolidaram, o agronegócio. O PT está buscando fazer outra coisa. Não se pode comparar com a Venezuela ou a Bolívia, por causa da correlação de forças da vitória de Lula. Num país que é a sexta economia do mundo, o capital financeiro e as transnacionais têm um poder enorme. Então o capitalismo se consolida, mas há atenção aos setores populares. Tiram pessoas da pobreza.
No Brasil, falta o governo facilitar mais o processo de organização popular. Temos uma esquerda que esteve na oposição. O governo tem que executar, resolver e não pode esperar a discussão do partido. Vai se dando um distanciamento entre partido e governo. Quadros do setor popular passam a ter postos no governo. Num Estado como o brasileiro precisa ser muito firme para não se transformar em outra coisa. Um trabalhador que chega a ser senador ou deputado muda a sua vida. Como ensina o marxismo, as condições materiais influem. Creio que há provavelmente a deformação de muitos dirigentes, que deixam de representar os interesses populares.
Há muitas críticas da esquerda a Lula e Dilma que são feitas sem entender a correlação de forças que existe. Não quer dizer que não possam fazer mais do que têm feito.
Então não há um modelo comum para a América Latina?
Não. Cada situação na América Latina é distinta. É preciso estudar cada lugar, suas origens históricas, as correlações de forças.
Sou estudiosa de Lênin. É preciso fazer a análise concreta das forças, escolher a estratégia e a tática. Há um horizonte que é o socialismo do século 21, a sociedade do bem viver. Não queremos um socialismo como o soviético, estatista, totalitário, de partido único, ateu, que usou os movimentos sociais como correia de transmissão. É preciso ler os clássicos, Marx e Engels. A meta é uma sociedade solidária, que não hajam exploradores e explorados, em que cada um encontre o que fazer, que respeite as diferenças. É uma meta utópica. Mediria os governos com perguntas: 1. Esses governos têm conquistas em relação à soberania nacional?; 2. Consolidam, aumentam a organização do povo? 3. Fazem um desenvolvimento que respeite a natureza?
Como a sra. analisa a crise econômica mundial?
É uma crise estrutural importante. Não é terminal, porque o capitalismo se recompõe. As condições objetivas estão mais adiantadas do que as condições subjetivas. Valorizo movimentos como o dos indignados. A rebeldia é um passo inicial, mas é preciso fazer com que isso vire uma força. "Reconstruindo a Esquerda" é um livro meu em que digo que é preciso um instrumento de articulação que não são os partidos tradicionais. O neoliberalismo fragmenta a população.
Como assim?
A política não é a arte do possível. Isso é diplomacia. Escrevi um livro sobre isso. O político revolucionário precisa entender que para lograr seu objetivo tem que criar uma correlação de forças. Construir forças sociais para ter força política para buscar o seu objetivo. Se constrói força social com protagonismo popular. O Estado não pode criar o que não existe, mas pode criar condições para que as forças se fortaleçam.
Os partidos políticos não seriam esse instrumento? Não há diferenças?
Partidos políticos não compreendem a política como a arte de construir forças sociais. Mas entendem a política como forma de ganhar postos no governo, ter mais deputados, mais força. Não é a ideia. Muitas vezes a política fica muito desprestigiada. A direita se apropriou da linguagem da esquerda. A esquerda muitas vezes faz uma prática política igual à direita: clientelismo, personalismo, carreirismo político, às vezes até corrupção. O povo vê discursos iguais, vê práticas iguais, se decepciona.
Por exemplo?
Sem exemplos. O diagnóstico faz cada um. Mas está claro. É preciso ser muito coerente entre o que diz e o que faz. É preciso que se trabalhe para construir força social, e não se dedicar a pelejas institucionais. O socialismo requer uma grande maioria, uma hegemonia, convencer o máximo de gente pelo projeto, sendo muito pluralista e respeitando as diferenças.
Tenho um livro que faz uma análise dos erros que cometeu a esquerda. Quando uma pessoa conhece o valor da solidariedade, começa a entender que é mais importante ser do que ter. Essa é a luta contra o consumismo. Há uma democracia desmobilizadora. As pessoas então endividadas. Os trabalhadores estão desmobilizados porque podem perder o trabalho e não estão tão protegidos como antes. Quando os partidos de esquerda conseguem ganhar algum espaço, muitas vezes os dirigentes deixam de ser dirigentes revolucionários. O perigo é muito grande. Um membro político que se mete no aparato burguês tem que ter algum tipo de estrutura, um grupo de pessoas de controle, de consulta. Que pergunte ao dirigente porque ele está comparando um carro que não tem necessidade. É fácil fazer a cooptação, pela ideologia e pela cultura, de um sujeito solitário.
A sra. foi casada com um dirigente da revolução cubana e morou muitos anos na ilha. Como vê a situação do país?
Cuba foi minha segunda pátria. Tenho uma filha cubana que mora lá. Cuba mostrou à América Latina a dignidade, a capacidade de defender a soberania, de resistência a todos os males. A economia é muito complicada.
Como avalia as mudanças em curso na economia?
Precisava haver mudanças. As pessoas precisam de espaço para desenvolver sua capacidade produtiva. É certo. Creio que a participação dos trabalhadores em cooperativas seria um caminho que deveria ser explorado.
A sra. foi discípula de Louis Althusser (1918-1990). Como foi essa experiência?
Estudei psicologia na Universidade Católica do Chile. Como dirigente da ação católica universitária visitei Cuba e fiquei fascinada. Eu era católica e comecei a discutir com cristãos marxistas. Fui à França e conheci Althusser, que também havia sido católico. Li suas obras estabeleci uma relação de discípula. Vivia a poucos metros da casa dele e o via três vezes por dia. Ele me dizia o que ler. Não segui psicologia. Isso foi entre 1963 e 1968. Trabalhei também com Paul Ricoeur (1913-2005). Voltei ao Chile pensando em ensinar francês.
Deliberadamente eu não tinha título. Eu tinha escrito um livro -"Conceitos Elementares do Materialismo Histórico"- com as notas que tinha feito de um curso para haitianos e mexicanos no ultimo ano que estive em Paris. Esse livro vendeu mais de um milhão de exemplares. Está agora na 67ª edição e foi traduzido para várias línguas. No Brasil circulou em edições clandestinas. Por causa do livro, fui ser professora da Universidade do Chile, com Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini. Virei diretora da revista política da Unidade Popular, a "Chile Hoy". Transformava artigos de intelectuais, tornando-os acessíveis para a população. Foi quando me apaixonei pelo jornalismo. Fazia cartilhas de formação e cursos para operários e camponeses. Só aí fiz doze cadernos de educação popular.
Tenho mais de 80 livros publicados. Alguns são livros de testemunhos, com experiências de vários países --El Salvador, Equador, Bolívia, Paraguai, Venezuela. Tenho um livro sobre o PT que está pendente. No Chile fazia parte do Partido Socialista e fiquei fascinada pela educação popular. Para mim, a maior satisfação é criar um texto que todos entendam. Que não seja acadêmico. Não sou doutora. Sou educadora popular: é a minha autodefinição. Depois do golpe no Chile, fui para Cuba, quando consolido minha relação com o comandante Manuel Piñeiro, o Barba Roja (1933-1998). Fiquei em Cuba até 2003. Fui entrevistar Hugo Chávez Na Venezuela. Recolhi as criticas de esquerda, as dúvidas sobre o governo. Ele gostou muito que eu lhe transmitisse as críticas e me convidou para trabalhar no palácio. Não quis salário. Pagavam um apartamento e a comida, só.
Que críticas eram?
Que tal ministério não estava fazendo tal coisa, que tinha um discurso demasiado autoritário, tudo. Vivi seis anos da Venezuela.
Hoje a sra acha que Chávez é uma pessoa autoritária?
Chávez é um militar. Que crê na participação popular e quer promovê-la. E que como pessoa é contraditória. E tem que se respeitar essa contradição. Queríamos que não fosse tão autoritário, mas entendemos. Eu mesma tenho um caráter muito complicado. Muitas vezes quis mudar e não é tão fácil. O importante é ver o fruto dessa coisa. Se comparamos a Venezuela do primeiro ano com a hoje, temos gente com personalidade, que critica, que cresceu como ser humano. E é isso que buscamos. Eu o saturava com críticas.
E hoje a sra. ainda mora na Venezuela?
Moro em Vancouver, no Canadá, com o meu companheiro Michael Lebowitz.
Como avalia a sucessão de Chávez?
Não tem ninguém na altura de Chávez. O ideal seria uma direção coletiva. Dada a fragmentação que o liberalismo produziu nos setores populares latino-americanos, os trabalhadores de hoje não têm nada que ver com os do tempo de Marx: há subcontratação, precarização. É preciso pessoas com grande carisma e uma personalidade muito forte para aglutinar todos esse setores.
Há o líder populista que usa o povo para os seus objetivos políticos e o líder revolucionário que, usando sua capacidade, promove o crescimento da população. Um líder revolucionário com carisma se comunica com o povo igual que um populista. A diferença é que o populista dá coisas, como Perón, mas não é ajuda para que o povo se independize. Não é ponte de um crescimento.
Recordo de uma das primeiras viagens que fiz com Chávez, para a inauguração de escola. As pessoas pediam coisas, passavam papéis. Um deles pediu um caminhão. Chávez sugeriu que ele se organizasse com outros numa cooperativa para obter o caminhão. Essa é a ideia. Para mim não é populismo; é um dirigente revolucionário. Para mim e o processo venezuelano e Chávez são fundamentais para esse processo na América Latina.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
Sistema intraericano de direitos humanos
São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2012
Texto Anterior
Próximo Texto
Índice
Comunicar Erros
Deisy Ventura, Flávia Piovesan e Juana Kweitel
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO DE HOJE: COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OEA
Sistema interamericano sob forte ataque
Após ser questionado por Belo Monte, o Brasil foi virulento. Ao quer limitar a ação da comissão, o país ainda encoraja Equador e Venezuela a atacarem o sistema
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está sob forte ataque. Um processo de reforma capciosamente batizado de "fortalecimento" esconde a tentativa de limitar sua capacidade de agir de forma autônoma e independente.
Organizações de direitos humanos de todos os países da região apontam o Brasil como um detrator.
A diplomacia brasileira reconhece abertamente que suas relações com o sistema estão estremecidas, mas nega os ataques. Na visão do Itamaraty, o Brasil estaria apenas buscando o seu "aprimoramento". Mas o que realmente está em jogo?
Criado nos anos 1960 no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), o sistema têm uma comissão e uma corte independentes, que complementam a ação dos Estados. Por meio de medidas de urgência, tem salvado muitas vidas.
Permitiu a desestabilização dos regimes ditatoriais, exigiu justiça e o fim da impunidade nas transições democráticas e agora demanda o fortalecimento da democracia, contra as violações de direitos e proteção aos grupos mais vulneráveis.
Tem prestado uma extraordinária contribuição para a promoção dos direitos humanos, do Estado de Direito e da democracia na região.
No entanto, quando a comissão fez recomendações no caso da hidroelétrica de Belo Monte, o Brasil não perdoou. Contrariado, desqualificou publicamente a comissão, retirou seu embaixador junto à OEA, decidiu não pagar a sua quota por meses e desistiu da candidatura de um membro brasileiro para a comissão.
Foi a primeira vez que o Brasil reagiu com tal virulência, embora vítimas e organizações sociais brasileiras recorram com frequência ao sistema. Entre 1998 e 2011, o Brasil foi alvo de 27 "medidas cautelares" (recomendações com caráter de urgência) da comissão. Já a corte, desde 1998, proferiu quatro sentenças condenatórias ao Brasil.
Até Belo Monte, o governo brasileiro parecia se esforçar no cumprimento de tais recomendações e sentenças. O caso Maria da Penha -que resultou em uma lei sobre a violência contra a mulher- é um exemplo.
Por causar constrangimento internacional aos Estados, o Sistema Interamericano foi alvo de ataques de diferentes países durante toda a sua história. Os EUA, por exemplo, jamais aceitaram a jurisdição da corte e nunca ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A propósito, não se pode confundir a OEA com o sistema. A OEA possui 35 membros. Apenas 25 deles são signatários da convenção, dos quais 21 aceitam a jurisdição da corte.
Hoje, entre as maiores ameaças, destacam-se propostas que: restringem o poder da comissão de adotar medidas cautelares (único instrumento previsto para casos de urgência e gravidade), suprimem a possibilidade de analisar detidamente casos de países com violações massivas e limitam as faculdades das relatorias especiais, como a de liberdade de expressão e acesso à informação.
Cada país ou bloco tem interesse particular em um desses pontos. O Brasil tem procurado abertamente limitar as medidas cautelares. Sua atitude tem encorajado posições ainda mais extremas, sobretudo do Equador e da Venezuela, há pouco questionados em casos de direitos políticos e liberdade de expressão.
Se o Brasil, de forma efetiva, deseja o aprimoramento do sistema, o silêncio e a ação de bastidores não podem ser opções. É preciso um sistema interamericano forte, autônomo e independente.
O país não pode carregar na sua história a mácula de ter contribuído para acabar com o mais importante mecanismo para a proteção de direitos humanos da nossa região.
DEISY VENTURA, 44, é professora do Instituto de Relações Internacionais da USP
FLÁVIA PIOVESAN, 43, é professora da PUC-SP e membro do Grupo de Trabalho da OEA sobre o Pacto de San Salvador
JUANA KWEITEL, 39, é diretora de programas da ONG Conectas Direitos Humanos
Texto Anterior
Próximo Texto
Índice
Comunicar Erros
Deisy Ventura, Flávia Piovesan e Juana Kweitel
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO DE HOJE: COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OEA
Sistema interamericano sob forte ataque
Após ser questionado por Belo Monte, o Brasil foi virulento. Ao quer limitar a ação da comissão, o país ainda encoraja Equador e Venezuela a atacarem o sistema
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está sob forte ataque. Um processo de reforma capciosamente batizado de "fortalecimento" esconde a tentativa de limitar sua capacidade de agir de forma autônoma e independente.
Organizações de direitos humanos de todos os países da região apontam o Brasil como um detrator.
A diplomacia brasileira reconhece abertamente que suas relações com o sistema estão estremecidas, mas nega os ataques. Na visão do Itamaraty, o Brasil estaria apenas buscando o seu "aprimoramento". Mas o que realmente está em jogo?
Criado nos anos 1960 no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), o sistema têm uma comissão e uma corte independentes, que complementam a ação dos Estados. Por meio de medidas de urgência, tem salvado muitas vidas.
Permitiu a desestabilização dos regimes ditatoriais, exigiu justiça e o fim da impunidade nas transições democráticas e agora demanda o fortalecimento da democracia, contra as violações de direitos e proteção aos grupos mais vulneráveis.
Tem prestado uma extraordinária contribuição para a promoção dos direitos humanos, do Estado de Direito e da democracia na região.
No entanto, quando a comissão fez recomendações no caso da hidroelétrica de Belo Monte, o Brasil não perdoou. Contrariado, desqualificou publicamente a comissão, retirou seu embaixador junto à OEA, decidiu não pagar a sua quota por meses e desistiu da candidatura de um membro brasileiro para a comissão.
Foi a primeira vez que o Brasil reagiu com tal virulência, embora vítimas e organizações sociais brasileiras recorram com frequência ao sistema. Entre 1998 e 2011, o Brasil foi alvo de 27 "medidas cautelares" (recomendações com caráter de urgência) da comissão. Já a corte, desde 1998, proferiu quatro sentenças condenatórias ao Brasil.
Até Belo Monte, o governo brasileiro parecia se esforçar no cumprimento de tais recomendações e sentenças. O caso Maria da Penha -que resultou em uma lei sobre a violência contra a mulher- é um exemplo.
Por causar constrangimento internacional aos Estados, o Sistema Interamericano foi alvo de ataques de diferentes países durante toda a sua história. Os EUA, por exemplo, jamais aceitaram a jurisdição da corte e nunca ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A propósito, não se pode confundir a OEA com o sistema. A OEA possui 35 membros. Apenas 25 deles são signatários da convenção, dos quais 21 aceitam a jurisdição da corte.
Hoje, entre as maiores ameaças, destacam-se propostas que: restringem o poder da comissão de adotar medidas cautelares (único instrumento previsto para casos de urgência e gravidade), suprimem a possibilidade de analisar detidamente casos de países com violações massivas e limitam as faculdades das relatorias especiais, como a de liberdade de expressão e acesso à informação.
Cada país ou bloco tem interesse particular em um desses pontos. O Brasil tem procurado abertamente limitar as medidas cautelares. Sua atitude tem encorajado posições ainda mais extremas, sobretudo do Equador e da Venezuela, há pouco questionados em casos de direitos políticos e liberdade de expressão.
Se o Brasil, de forma efetiva, deseja o aprimoramento do sistema, o silêncio e a ação de bastidores não podem ser opções. É preciso um sistema interamericano forte, autônomo e independente.
O país não pode carregar na sua história a mácula de ter contribuído para acabar com o mais importante mecanismo para a proteção de direitos humanos da nossa região.
DEISY VENTURA, 44, é professora do Instituto de Relações Internacionais da USP
FLÁVIA PIOVESAN, 43, é professora da PUC-SP e membro do Grupo de Trabalho da OEA sobre o Pacto de San Salvador
JUANA KWEITEL, 39, é diretora de programas da ONG Conectas Direitos Humanos
Bruno Latour
Valor Economico 7 de agosto de 2012
Para antropólogo, a ideia do "eu" precisa dar lugar à de rede
Por Carla Rodrigues
Para o Valor, do RioPremiado por sua teoria ator-rede, o francês Bruno Latour discute a relação entre seres humanos e não-humanos.
Ele se autodefine como um antropólogo filosófico trabalhando sobre a sociologia. Na prática, o francês Bruno Latour, 65 anos, faz o que ele chama de "antropologia da modernidade", ao voltar seu olhar para os discursos e práticas desse período, principalmente as científicas.
Dessa pesquisa resultou um de seus livros mais famosos, "Jamais Fomos Modernos - Ensaios de Antropologia Simétrica", lançado no Brasil em 1994 (Editora 34).
Latour, que está no Brasil pela terceira vez, apresenta na quinta uma palestra gratuita em São Paulo, no Fronteiras do Pensamento, e acaba de participar do simpósio internacional "A Vida Secreta dos Objetos: Novos Cenários da Comunicação", realizado em São Paulo, Rio e Salvador e que acabou ontem.
Para ele, é aqui que se dará a disputa pelo debate ambiental no século XXI. Hoje empenhado na causa ecológica, Latour é conhecido e premiado por sua teoria ator-rede, uma forma de pensar a relação entre humanos e não-humanos.
Diretor científico da área de pesquisas do Instituto de Estudos Políticos de Paris, integrante de uma geração de franceses formados no pós-guerra, Latour é frequentemente acusado de ser um relativista, crítica que ele rebate com facilidade. "Eu não conheço um ator participante da ciência que não seja um relativista", afirma.
Valor: O senhor acredita que o Brasil ocupa um lugar especial no cenário mundial neste momento em que a Europa vive uma crise?
Bruno Latour: O Brasil faz parte de minha vida desde a minha infância, pois tive três irmãs que moraram no país, por razões diferentes. Acredito que a questão ecológica do século XXI vai ser decidida aqui. Há coisas que podem ser melhoradas na Europa, do ponto de vista ambiental, mas o verdadeiro cenário desse jogo será o Brasil, porque já é muito tarde para a Ásia e a África. A questão é saber se os intelectuais e os políticos brasileiros poderão ir além dos fundamentos da modernidade. Mas a grande questão ecológica se desenrolará aqui.
Valor: Sua teoria ator-rede se refere a seres humanos e não-humanos. É uma crítica ao humanismo? O que o legado humanista nos proporcionou de tão criticável?
Latour: O humanismo é uma forma limitada de pensar o grupo dos humanos, que vejo como dependentes de muitos outros seres que não são humanos. Uma definição que isole o humano dos seres que o fabricam - tanto as divindades religiosas quanto as coisas com as quais os humanos vivem, como as árvores, mas também o alumínio para fazer estes talheres - é uma visão estreia. A perspectiva humanista foi legítima em uma determinada época, se falarmos do humanismo da metade do século XIX até a metade do século XX, antes que os ecologistas tenham chamado nossa atenção para o problema ambiental. Mas hoje não há mais nenhum sentido falar em humanismo. Este tipo de humanismo não tem os elementos necessários para absorver as grandes questões políticas atuais. Não se pode, por exemplo, fazer uma teoria consciente do problema do clima com o pensamento moral de Kant. Precisamos pensar na composição na qual seres humanos e não-humanos se relacionam. O humanismo é uma versão ultrapassada dos problemas políticos que nos dizem respeito. Hoje, trata-se de ser inteiramente humanista, ou seja, incluir todos os seres que são necessários para a existência humana.
Valor: Um dos postulados da teoria ator-rede é que, quando uma pessoa age, mais alguém está agindo junto. O senhor poderia explicar como isso funciona?
Latour: Os humanos são envolvidos por muitos outros seres, e a ideia de que uma pessoa age autonomamente, com seus próprios objetivos, não funciona nem na economia, nem na religião, nem na psicologia nem em nenhuma outra situação. Portanto, a pergunta que a teoria ator-rede coloca é: quais são os outros seres ativos no momento em que alguém age? A antropologia e a sociologia que tento desenvolver se ocupa da pesquisa desses seres. Eu posso colocar a questão de um modo inverso: como, apesar das evidências de todos os numerosos seres que participam de uma ação, continua-se a pensar como se o único ator fosse o humano dotado de uma psicologia, ciente de si mesmo, calculador, autônomo, responsável? A antropologia no Brasil é particularmente capaz de entender que não há esse "eu", esse sujeito individual e autônomo que age no mundo, o que é uma visão muito estreita. Tenho muito contato com outros antropólogos brasileiros, como o Eduardo Viveiros de Castro (UFRJ).
Valor: O senhor veio ao Brasil para participar de um simpósio sobre novas tecnologias de comunicação. Qual é a grande afinidade entre a sua teoria ator-rede e as teorias da comunicação?
Latour: Elas são próximas porque a teoria ator-rede é essencialmente uma teoria da multiplicidade de mediações, e esses pesquisadores estão interessados em discutir o domínio da mídia e das mediações. Aqueles que se interessam por mediação - de modo positivo, e não negativamente - encontram conceitos e métodos para trabalhar com a teoria ator-rede.
Valor: Por que os jornalistas estão sempre mencionados entre os integrantes importantes da teoria ator-rede?
Latour: A formatação de informações desempenha um papel muito importante no espaço público, no qual se situa o espaço político. Não conheço muitos estudos sobre jornalismo que sejam feitos a partir da teoria ator-rede, porque essas pesquisas geralmente são feitas do ponto de vista crítico, e a teoria ator-rede não é uma crítica. Muito frequentemente, os jornalistas são simplesmente acusados de deturpar um ideal de verdade que, se não houvesse a mediação, chegaria ao público a partir de uma transmissão transparente e direta. Cientistas, políticos e economistas gostam de dizer que, se não houvesse os jornalistas, a informação seria mais transparente, mais direta, menos comprometida.
Valor: A teoria ator-rede se transformou em muitas outras coisas - cada um dos pesquisadores do grupo original seguiu por um lado, e houve uma diáspora. O senhor ainda se reconhece como um teórico da ator-rede?
Latour: O grupo original nunca foi muito unido, mas se reuniu em um momento em que a sociologia percebeu que havia negligenciado a técnica, a ciência, e os seres não-humanos. Foi uma tomada de consciência das ciências sociais de que o século XX nos legou uma série de questões - como a da dominação e a da exploração -, mas sempre com uma visão sociocentrada. A teoria ator-rede vem a ser a evidência de que é preciso se interessar pela vida secreta dos objetos.
Valor: Refaço ao senhor uma pergunta que está no livro "A Esperança de Pandora" (Edusc): de onde provém a oposição entre o campo da razão e o campo da força?
Latour: Fiz uma genealogia dessa oposição, que remonta à falsa disputa entre os sofistas e os filósofos e organizou o debate nos países ocidentais. Pretendi suspender essa separação e colocar a questão sobre qual é a força dos dispositivos racionais. Foi assim que comecei minha antropologia da ciência. E há uma segunda pergunta: quais são as razões da relação de força política, religiosa, econômica? A distinção entre força e razão faz parte de um conjunto de antigas dicotomias que não são mais capazes de nos orientar quando falamos da questão científica. Nessa dicotomia, supõe-se que a razão vai unificar a discussão. Mas, se a razão já teve esse poder, atualmente não tem mais, e precisamos encontrar outras ferramentas intelectuais para nos orientar nessa disputa. É o que eu chamo de cartografia da controvérsia. Essa é hoje uma grande questão para a democracia.
Valor: Afirmar que a ciência é social é uma forma de relativizar os resultados científicos?
Latour: Esse é um mal-entendido sobre o significado da palavra social. Evidentemente, dizer que os fatos são sociais não equivale a dizer que esse garfo é uma fabricação social - isso não faria sentido. Eu digo que esse garfo é resultado de um processo industrial que inclui uma legislação, empresas, indústrias - o que é totalmente diferente. A ciência faz parte de um coletivo - estou propositalmente evitando usar a palavra social - do mundo. Há quem acredite que a ciência, particularmente as ciências naturais, é absoluta. Mas esses são os religiosos da ciência, não os participantes da ciência. Não conheço um ator participante da ciência que não seja um relativista ou, melhor dizendo, um relacionista, porque ele sabe que conhecer é estabelecer relações dentro de um quadro de referências. A crítica aos relativistas, feita pelos absolutistas, é frequente, mas essa não é uma discussão produtiva. A discussão que me interessa é: como estabelecer as relações entre os quadros de referência, as culturas, os modos de existência, as formas de vida? Não conheço quem que, desse ponto de vista, critique o relativismo.
Valor: Pode-se resumir seu livro "Jamais Fomos Modernos" como uma crítica à modernidade. O senhor mantém as mesmas críticas em relação aos pós-modernos?
Latour: Sim. Os pós-modernos tiveram a sensibilidade de perceber que havia qualquer coisa de complicada na modernidade, mas é o mesmo movimento. Simplesmente há um retorno a alguns dos problemas que a modernidade não havia tratado, mas não há um retorno às raízes da modernidade.
Para antropólogo, a ideia do "eu" precisa dar lugar à de rede
Por Carla Rodrigues
Para o Valor, do RioPremiado por sua teoria ator-rede, o francês Bruno Latour discute a relação entre seres humanos e não-humanos.
Ele se autodefine como um antropólogo filosófico trabalhando sobre a sociologia. Na prática, o francês Bruno Latour, 65 anos, faz o que ele chama de "antropologia da modernidade", ao voltar seu olhar para os discursos e práticas desse período, principalmente as científicas.
Dessa pesquisa resultou um de seus livros mais famosos, "Jamais Fomos Modernos - Ensaios de Antropologia Simétrica", lançado no Brasil em 1994 (Editora 34).
Latour, que está no Brasil pela terceira vez, apresenta na quinta uma palestra gratuita em São Paulo, no Fronteiras do Pensamento, e acaba de participar do simpósio internacional "A Vida Secreta dos Objetos: Novos Cenários da Comunicação", realizado em São Paulo, Rio e Salvador e que acabou ontem.
Para ele, é aqui que se dará a disputa pelo debate ambiental no século XXI. Hoje empenhado na causa ecológica, Latour é conhecido e premiado por sua teoria ator-rede, uma forma de pensar a relação entre humanos e não-humanos.
Diretor científico da área de pesquisas do Instituto de Estudos Políticos de Paris, integrante de uma geração de franceses formados no pós-guerra, Latour é frequentemente acusado de ser um relativista, crítica que ele rebate com facilidade. "Eu não conheço um ator participante da ciência que não seja um relativista", afirma.
Valor: O senhor acredita que o Brasil ocupa um lugar especial no cenário mundial neste momento em que a Europa vive uma crise?
Bruno Latour: O Brasil faz parte de minha vida desde a minha infância, pois tive três irmãs que moraram no país, por razões diferentes. Acredito que a questão ecológica do século XXI vai ser decidida aqui. Há coisas que podem ser melhoradas na Europa, do ponto de vista ambiental, mas o verdadeiro cenário desse jogo será o Brasil, porque já é muito tarde para a Ásia e a África. A questão é saber se os intelectuais e os políticos brasileiros poderão ir além dos fundamentos da modernidade. Mas a grande questão ecológica se desenrolará aqui.
Valor: Sua teoria ator-rede se refere a seres humanos e não-humanos. É uma crítica ao humanismo? O que o legado humanista nos proporcionou de tão criticável?
Latour: O humanismo é uma forma limitada de pensar o grupo dos humanos, que vejo como dependentes de muitos outros seres que não são humanos. Uma definição que isole o humano dos seres que o fabricam - tanto as divindades religiosas quanto as coisas com as quais os humanos vivem, como as árvores, mas também o alumínio para fazer estes talheres - é uma visão estreia. A perspectiva humanista foi legítima em uma determinada época, se falarmos do humanismo da metade do século XIX até a metade do século XX, antes que os ecologistas tenham chamado nossa atenção para o problema ambiental. Mas hoje não há mais nenhum sentido falar em humanismo. Este tipo de humanismo não tem os elementos necessários para absorver as grandes questões políticas atuais. Não se pode, por exemplo, fazer uma teoria consciente do problema do clima com o pensamento moral de Kant. Precisamos pensar na composição na qual seres humanos e não-humanos se relacionam. O humanismo é uma versão ultrapassada dos problemas políticos que nos dizem respeito. Hoje, trata-se de ser inteiramente humanista, ou seja, incluir todos os seres que são necessários para a existência humana.
Valor: Um dos postulados da teoria ator-rede é que, quando uma pessoa age, mais alguém está agindo junto. O senhor poderia explicar como isso funciona?
Latour: Os humanos são envolvidos por muitos outros seres, e a ideia de que uma pessoa age autonomamente, com seus próprios objetivos, não funciona nem na economia, nem na religião, nem na psicologia nem em nenhuma outra situação. Portanto, a pergunta que a teoria ator-rede coloca é: quais são os outros seres ativos no momento em que alguém age? A antropologia e a sociologia que tento desenvolver se ocupa da pesquisa desses seres. Eu posso colocar a questão de um modo inverso: como, apesar das evidências de todos os numerosos seres que participam de uma ação, continua-se a pensar como se o único ator fosse o humano dotado de uma psicologia, ciente de si mesmo, calculador, autônomo, responsável? A antropologia no Brasil é particularmente capaz de entender que não há esse "eu", esse sujeito individual e autônomo que age no mundo, o que é uma visão muito estreita. Tenho muito contato com outros antropólogos brasileiros, como o Eduardo Viveiros de Castro (UFRJ).
Valor: O senhor veio ao Brasil para participar de um simpósio sobre novas tecnologias de comunicação. Qual é a grande afinidade entre a sua teoria ator-rede e as teorias da comunicação?
Latour: Elas são próximas porque a teoria ator-rede é essencialmente uma teoria da multiplicidade de mediações, e esses pesquisadores estão interessados em discutir o domínio da mídia e das mediações. Aqueles que se interessam por mediação - de modo positivo, e não negativamente - encontram conceitos e métodos para trabalhar com a teoria ator-rede.
Valor: Por que os jornalistas estão sempre mencionados entre os integrantes importantes da teoria ator-rede?
Latour: A formatação de informações desempenha um papel muito importante no espaço público, no qual se situa o espaço político. Não conheço muitos estudos sobre jornalismo que sejam feitos a partir da teoria ator-rede, porque essas pesquisas geralmente são feitas do ponto de vista crítico, e a teoria ator-rede não é uma crítica. Muito frequentemente, os jornalistas são simplesmente acusados de deturpar um ideal de verdade que, se não houvesse a mediação, chegaria ao público a partir de uma transmissão transparente e direta. Cientistas, políticos e economistas gostam de dizer que, se não houvesse os jornalistas, a informação seria mais transparente, mais direta, menos comprometida.
Valor: A teoria ator-rede se transformou em muitas outras coisas - cada um dos pesquisadores do grupo original seguiu por um lado, e houve uma diáspora. O senhor ainda se reconhece como um teórico da ator-rede?
Latour: O grupo original nunca foi muito unido, mas se reuniu em um momento em que a sociologia percebeu que havia negligenciado a técnica, a ciência, e os seres não-humanos. Foi uma tomada de consciência das ciências sociais de que o século XX nos legou uma série de questões - como a da dominação e a da exploração -, mas sempre com uma visão sociocentrada. A teoria ator-rede vem a ser a evidência de que é preciso se interessar pela vida secreta dos objetos.
Valor: Refaço ao senhor uma pergunta que está no livro "A Esperança de Pandora" (Edusc): de onde provém a oposição entre o campo da razão e o campo da força?
Latour: Fiz uma genealogia dessa oposição, que remonta à falsa disputa entre os sofistas e os filósofos e organizou o debate nos países ocidentais. Pretendi suspender essa separação e colocar a questão sobre qual é a força dos dispositivos racionais. Foi assim que comecei minha antropologia da ciência. E há uma segunda pergunta: quais são as razões da relação de força política, religiosa, econômica? A distinção entre força e razão faz parte de um conjunto de antigas dicotomias que não são mais capazes de nos orientar quando falamos da questão científica. Nessa dicotomia, supõe-se que a razão vai unificar a discussão. Mas, se a razão já teve esse poder, atualmente não tem mais, e precisamos encontrar outras ferramentas intelectuais para nos orientar nessa disputa. É o que eu chamo de cartografia da controvérsia. Essa é hoje uma grande questão para a democracia.
Valor: Afirmar que a ciência é social é uma forma de relativizar os resultados científicos?
Latour: Esse é um mal-entendido sobre o significado da palavra social. Evidentemente, dizer que os fatos são sociais não equivale a dizer que esse garfo é uma fabricação social - isso não faria sentido. Eu digo que esse garfo é resultado de um processo industrial que inclui uma legislação, empresas, indústrias - o que é totalmente diferente. A ciência faz parte de um coletivo - estou propositalmente evitando usar a palavra social - do mundo. Há quem acredite que a ciência, particularmente as ciências naturais, é absoluta. Mas esses são os religiosos da ciência, não os participantes da ciência. Não conheço um ator participante da ciência que não seja um relativista ou, melhor dizendo, um relacionista, porque ele sabe que conhecer é estabelecer relações dentro de um quadro de referências. A crítica aos relativistas, feita pelos absolutistas, é frequente, mas essa não é uma discussão produtiva. A discussão que me interessa é: como estabelecer as relações entre os quadros de referência, as culturas, os modos de existência, as formas de vida? Não conheço quem que, desse ponto de vista, critique o relativismo.
Valor: Pode-se resumir seu livro "Jamais Fomos Modernos" como uma crítica à modernidade. O senhor mantém as mesmas críticas em relação aos pós-modernos?
Latour: Sim. Os pós-modernos tiveram a sensibilidade de perceber que havia qualquer coisa de complicada na modernidade, mas é o mesmo movimento. Simplesmente há um retorno a alguns dos problemas que a modernidade não havia tratado, mas não há um retorno às raízes da modernidade.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Link sobre a Constituição boliviana
http://www.observatoriopycs.com/wp-content/uploads/2012/03/Texto_Miradas_NCPE.pdf#page=110
terça-feira, 17 de julho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Pensamento social latino americano
http://www.iesp.uerj.br/pos-graduacao/arquivos/ementas/2012/Teoria%20Social%20Latino-Americana.pdf
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Estado de exceção na Itália
http://www.ijpl.eu/assets/files/pdf/2011_volume_2/IJPL_volume%202_2011.pdf
sexta-feira, 22 de junho de 2012
Entrevista de Rafael Correa
===========================================================
“Estamos diante de uma guerra não convencional”Em uma entrevista especial
concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12, da Argentina, e La
Jornada, do México, o presidente do Equador, Rafael Correa analisa o que
considera ser um dos principais problemas do mundo hoje: o poder das
grandes corporações de mídia que agem como um verdadeiro partido político
contra governos que não rezam pela sua cartilha. “Essa é a luta, não há
luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas guerra, de
conspiração, desestabilização e desgaste”.
Carta Maior, La Jornada e Página/12
*Rio de Janeiro* - Representante de uma nova geração de líderes políticos
da esquerda latinoamericana, o presidente do Equador, Rafael Correa, foi
lançado para a linha de frente do cenário político mundial com o pedido de
asilo político feito, em Londres, pelo fundador do Wikileaks, Julian
Assange. Há poucas semanas, Assange entrevistou Correa e os dois
conversaram, entre coisas, sobre um tema de interesse de ambos: as
operações de manipulação conduzidas pelas grandes corporações midiáticas.
Agora, durante sua passagem pela Rio+20, Rafael Correa voltou com força ao
tema.
Em uma entrevista especial concedida à Carta Maior e aos jornais Página/12,
da Argentina, e La Jornada, do México, analisa este que considera ser um
dos principais problemas do mundo hoje: o poder das grandes corporações de
mídia que, na América Latina, agem como um verdadeiro partido político
contra governos que não rezam pela cartilha desses grupos. “Essa é a luta,
não há luta maior. Estamos diante de uma guerra não convencional, mas
guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste”.
Na entrevista, Correa fala sobre o pedido de asilo de Assange, relata o
debate sobre uma nova lei de comunicações no Equador e faz um balanço
pessimista sobre os resultados da Rio+20.
*Há um argumento segundo o qual a liberdade de imprensa é propriedade dos
meios de comunicação empresariais. Imagino que essa não seja a sua opinião.*
*Correa*: Não nos enganemos. Desde que se inventou a impressora a liberdade
de imprensa, entre aspas, responde à vontade, ao capricho e à má fé do dono
da impressora. Devemos lutar para inaugurar a verdadeira liberdade de
imprensa que é parte de um conceito maior e um direito de todos os
cidadãos, que é a liberdade de expressão, que defendemos radicalmente. No
entanto, o poder midiático que faz negócios com o objetivo de ter lucro,
até isso quer privatizar. Então, se eles têm tanta vocação para comunicar,
como dizem, que o façam sem finalidades lucrativas, porque para mim isso é
uma contradição.
Este é um grande problema na América Latina e também em nível planetário.
Tenho tomado conhecimento que existem posições semelhantes às nossas, mas
houve um tempo em que nos sentíamos muito sozinhos, quando fomos vítimas de
um ataque tremendo por não abaixar a cabeça diante de um negócio muitas
vezes corrupto e encoberto sob a capa da liberdade de expressão. Essa é a
luta, não há luta maior.
*Presidente, nestes dias foram divulgados telegramas pelo Wikileaks onde
apareceram jornalistas equatorianos que eram considerados informantes pela
embaixada dos Estados Unidos. Isso confirma as hipóteses levantadas quando
você foi vítima de um golpe de Estado.*
*Correa*: As mentiras deles sempre acabam sendo derrubadas. Entidades que
financiam esses empórios midiáticos, certas organizações que, em nome da
sociedade civil, nos denunciam ante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, a SIP, ante todos os lados. Agora vemos que esses senhores são
identificados via Wikileaks como informantes da embaixada (estadunidense).
Wikileaks que nunca é publicado pela maioria da imprensa comercial. Não é
só isso. Essa gente é financiada pela USAID, que vocês conhecem. A USAID
financiou com 4,5 milhões de dólares a estes supostos defensores da
liberdade de expressão, supostamente para fortalecer a democracia e a ação
cívica. Na verdade, para fortalecer a oposição aos governos progressistas
da América Latina e os povos da região tem que reagir contra esse tipo de
prática.
Independentemente da solicitação do senhor Assange – ele solicitou asilo
político -, ele disse que quer vir para o Equador para seguir cumprindo sua
missão em defesa da liberdade de expressão sem limites, porque o Equador é
um território de paz comprometido com a justiça e a verdade. Isso que o
senhor Assange disse é mais próximo da realidade do Equador do que as
porcarias que o poder midiático publica todos os dias.
*Sabemos que o senhor ainda não tomou uma decisão sobre a situação que está
atravessando alguém que revelou informações secretas sobre conspirações dos
Estados Unidos e está pagando com a prisão por ter trabalhado pela
liberdade de imprensa.*
*Correa*: Se, no Equador, alguém tivesse passado a centésima parte do que
passou Assange, nós seríamos chamados de ditadores e repressores, mas como
o que Assange divulgou afeta as grandes potências e isso evidencia uma
moral dupla e como os Estados nos tratam por meio de suas embaixadas, então
é preciso aplicar todo o peso da lei contra Assange. E o chamam de violador.
Eu não quero antecipar minha decisão. Recebemos o pedido de asilo,
analisaremos as causas desse pedido e tomaremos uma decisão quando for
pertinente. Ele está em nossa em nossa embaixada em Londres sob a proteção
do Estado equatoriano.
É claro que há aqui uma dupla moral, uma para os poderosos e outra para os
débeis, uma para os que querem manter o status quo e para sua imprensa, e
outra para os governos que querem mudar esse status quo e para a imprensa
alternativa. Todos os dias há julgamentos em países desenvolvidos contra
jornais. Neste caso não há problema, porque isso é civilização, mas,
processar em nosso país um jornal ou um jornalista é qualificado como
barbárie. E não é verdade que nós criminalizamos a opinião, pois em nosso
país todos os dias publicam tudo, todos os dias publicam que há falta de
liberdade de expressão. Qualquer um pode dizer que o governo é bom ou mau,
que é competente ou incompetente. Mas o que não pode se dizer em um meio de
comunicação é que o presidente, ou qualquer cidadão, é um criminoso de lesa
humanidade e que ele disparou sem aviso prévio contra um hospital, porque
isso é difamação, isso é delito em qualquer país.
*O caso Assange pode dar origem a uma tensão diplomática entre Equador e
Grã-Bretanha?*
*Correa*: Isso é a última coisa que queremos, mas nós não vamos pedir
permissão a nenhum país para tomar decisões soberanas. O Equador não tem
mais alma de colônia nem alma de vassalo. Se dar asilo, refúgio ou
residência a fugitivos da justiça provocasse deterioração, a relação da
América Latina com os Estados Unidos estaria deterioradíssima. Porque,
provavelmente, Argentina, Brasil, México e outros países não devem estar de
acordo que qualquer fugitivo que viole a justiça. Esse não é o caso do
senhor Assange, mas sim de corruptos como os banqueiros que quebraram o
Equador em 99 e fugiram para os Estados Unidos, onde gozam hoje de uma vida
bastante cômoda.
*Vocês têm um Murdoch no Equador?*
*Correa*: No Equador, temos seis famílias que representam heranças
familiares, não é propriedade democrática, um capitalismo popular onde há
10 mil acionistas em um empório. Os meios de comunicação no Equador são
manejados por meia dúzia de famílias, que decidem o que os equatorianos
devem saber e conhecer. Vocês se dão conta da vulnerabilidade que temos
como sociedade? A informação depende dos interesses e dos caprichos de meia
dúzia de famílias. Mas se um governo soberano e digno não as chama para
consultar sobre o nome dos ministros ou sobre a indicação de embaixadores,
como ocorria antes, vão com tudo para cima desse governo porque ele não se
submete aos seus caprichos. É um problema mundial, mas em outros países é
atenuado com participação, profissionalismo muito profundo, uma ética muito
forte, tudo o que brilha por sua ausência aqui no Equador.
*Presidente, um funcionário da Usaid acaba de dizer que eles estão ajudando
as oposições a estes governos.*
*Correa*: Franqueza anglo-saxã.
*Impunidade?*
*Correa*: Impunidade e arrogância.
*Essa ideia nos fala de um tempo da informação como arma de guerra e a
América Latina sofre uma verdadeira invasão dessas fundações como a USAID,
a NED, o IRI. Isso não torna muito perigosa a nossa situação? A presença
das ONGs destas fundações não é perigosa para o Equador?*
*Correa*: Oxalá consigamos despertar os povos latino-americanos para essa
situação. As direitas, os grupos de poder, sabem que nas urnas não
conseguirão nos derrotar. Daí as campanhas contínuas de desgastes, de
propaganda, de difamação, de enfraquecimento e desestabilização. Nós
vivemos isso desde os primeiros dias de governo. Desde o primeiro dia de
governo. O mesmo ocorre na Venezuela, na Bolívia, na Argentina e em todos
os governos progressistas da região. Sofremos as campanhas desses meios que
são a vanguarda do capitalismo, do status quo dos partidos tradicionais de
direita que se afundaram por seus próprios erros, para difamar, para
distorcer a verdade com a cumplicidade de veículos da mídia internacional.
Essa é a contradição de que fala Ignacio Ramonet. Na Europa hoje há
desemprego, estagnação, resgate de milionários, resgate de bancos e não de
cidadãos, e os jornais dizem que isso é necessário, que é sério, técnico e
correto. Que as pessoas morram de fome, precisamos salvar o capital!
Enquanto isso, em países como o Equador, que é um dos que mais crescem na
América Latina, que reduziu a pobreza, gerou mais emprego, tem a taxa de
desemprego mais baixa da região e da história, todos os dias nos dizem que
isso é populismo e demagogia, que é preciso mudar de governo.
Estamos ante uma campanha propagandística para defender os poderes fáticos
que sempre dominaram nossos países. A direita perdeu as eleições nos
Estados Unidos e agora chegam essas organizações para financiar esses
grupos na América Latina. Estamos diante de uma guerra não convencional,
mas guerra, de conspiração, desestabilização e desgaste.
*Por isso pergunto sobre o tema da informação como arma de guerra, como a
arma letal antes do primeiro disparo.*
*Correa*: Estou convencido disso. Alguns ainda imaginam a imprensa,
sobretudo na América Latina, como o quarto poder nascente, que floresceu
quando chegaram as democracias, quando ocorreram avanços técnicos e se
multiplicaram as publicações, quando se avançou na alfabetização e as
grandes massas passaram a poder ler. Esse poder impediria que o poder
político, o poder do Estado, ultrapasse certos limites. Assim chegou a
desinformação. Lembremos, por exemplo, do affair Dreyfus na França, quando
por racismo e xenofobia se acusou um capitão judeu, como denunciou Emile
Zola em seu famoso editorial “Eu acuso”. Essa imprensa limitava os excessos
do poder político, mas esse vigoroso e ingênuo cachorrinho, bem
intencionado, que lutava pelos interesses dos cidadãos, converteu-se de
repente em um mastim feroz, com um poder ilimitado, raivoso, que não só
tenta encurralar o Estado como também os próprios cidadãos.
O poder midiático na América Latina, como ocorre no Equador, é
frequentemente superior ao poder político. Precisamos tirar certos
estereótipos de cena ou do ambiente de certa burocracia internacional como
alma de ONG, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que fala de
pobrezinhos jornalistas e de malvados políticos. Isso não é certo. Os
políticos são, muitas vezes, patrióticos. A antipatia que certos
jornalistas alimentam, desfiando seus ódios e amarguras, acaba fazendo com
que se metam inclusive em questões pessoais, com a família, etc. Então,
vejamos a realidade. Trata-se de tabus e nos ensinaram a ter medo de
criticar esses negócios, como se, criticando-os, estaríamos criticando a
liberdade de expressão. Esses são os negócios da má imprensa.
*Presidente, viremos a página e passemos à crise*
*Correa* – É que esse tema (da mídia) me apaixona. É um tema acadêmico que
me apaixona, ao qual dedicarei meu tempo quando sair da presidência.
Pretendo me dedicar a ele, investigar e escrever porque se trata de um
problema gravíssimo, porque estamos nas mãos de um poder midiático que
superou inclusive o poder financeiro e político, e domina o mundo.
*Você resumiu ontem em uma palavra o documento final da Rio+20,
classificando-o como “lírico”...*
*Correa* – É assim. Não há compromisso concreto. Podem verificar. Onde há
um compromisso em cifras, por exemplo, com o limite de emissões de gases,
compensações, acordos, acordos vinculantes como seria uma declaração de
direitos da natureza em um tribunal internacional do meio ambiente, como
propôs o Equador. Não há nada disso. Fala-se de cuidar melhor do planeta,
mas não há um compromisso concreto. O avanço é muito pequeno.
*A que atribui a ausência dos Estados Unidos e da Alemanha? Elas podem ter
contribuído para essa falta de compromissos concretos?*
*Correa* – Vai mais além. O problema não é técnico. Todo mundo sabe qual é
o problema, todo o mundo sabe quais são as respostas. O problema é
político. Quem gera os bens ambientais e quem consome esses bens
ambientais? Se os países ricos ou os países em desenvolvimento podem
consumir gratuitamente um bem que outros geram por que é que vão se
comprometer a compensar e cuidar. Não farão isso a não ser que esteja em
perigo evidente sua própria existência ou seus próprios interesses.
Então, o problema é político, é a relação de poder. Imagine que a situação
fosse a inversa, que a Floresta Amazônica, por exemplo, estivesse nos
Estados Unidos e que eles fossem geradores de bens ambientais e que nós dos
países em desenvolvimento fôssemos os consumidores. Já teriam nos invadido
em nome dos direitos humanos, da justiça, da liberdade, etc., para exigir
compensações. Então, esse é um problema de poder. Enquanto não mudarem as
relações de poder, muito pouco se irá avançar.
*Considera então que o saldo provisório da Rio+20 é um fracasso?*
*Correa* – Sim. Não se conseguiu avançar quase nada. Não há compromisso
concreto, nada concreto. Nem sequer dinheiro. Houve uma reunião do G-20 no
México e a maioria, 80% dos que estavam lá, regressaram para suas casas.
Não vieram para a Rio+20. Não interessa. Apenas alguns poucos vieram para a
Cúpula, sobretudo latino-americanos.
*Houve também a Cúpula dos Povos, um encontro muito interessante.*
*Correa* – Quisemos participar, mas não foi possível, estava muito longe.
Infelizmente foi um problema de logística. Mas vamos ter um evento de
direitos da natureza, paralelo à Cúpula, nos mesmos locais da Cúpula, para
o qual convidamos 400 dirigentes de organizações sociais alternativas,
progressistas de esquerda que buscam a justiça de nossa América e do mundo
inteiro. O presidente Evo Morales também participará dessa conferência.
*Eu queria perguntar-lhe sobre o que representam estas alianças como a do
Pacífico (Colômbia, Chile, Peru e México) e o anúncio feito pelo presidente
Felipe Calderón do Transpacífico, que é algo novo. Isso pode ser visto como
uma ameaça à integração e à unidade da América Latina?*
*Correa* – Bom, o maior problema em essência sobre o tema do cuidado com o
meio ambiente e que também está na base da crise da Europa e dos Estados
Unidos é que tudo foi mercantilizado. Eles não querem ver isso porque afeta
os interesses dominantes. O mercado é uma realidade econômica que não
podemos negar, mas o grande desafio da humanidade é que a sociedade deve
conseguir dominar o mercado. O que temos hoje é o mercado dominando a
sociedade e as pessoas, mercantilizando tudo. Como o mercado só se
interessa pelo que é mercadoria, pelo que tem preços explícitos, não
administra adequadamente bens públicos como o meio ambiente. Por isso pode
consumir irresponsavelmente bens ambientais, bens públicos globais,
depredar a natureza, etc., porque não têm preços explícitos, porque não são
mercadoria.
Então, quanto mais se ampliar essa lógica do mercado, mais esses problemas
se agravarão e os perigos serão ainda maiores para a conservação do
planeta. Eu diria que nós somos muito críticos destes tratados de livre
comércio, somos muito críticos da mercantilização da vida e da humanidade
em geral. Esse é um dos grandes desafios que enfrentamos. Insisto, o
mercado é um fenômeno econômico irrefutável, mas o grande desafio é fazer
com que as sociedades dominem o mercado e não o contrário.
*Senhor presidente, que medidas os países da América Latina deveriam tomar
para não perder o rumo da histórica na direção de uma integração regional
soberana e progressista. Como vê os avanços no Mercosul, na Unasul e na
Comunidade Andina de Nações (CAN)?*
*Correa* – Avançou-se como nunca antes. Isso não quer dizer que estejamos
bem. Teremos que avançar muito mais rápido. Creio que há uma vocação
concreta e uma posição integracionista sincera, não uma integração
mercantilista como havia antes. O Mercosul nasceu na noite neoliberal dos
anos 90. A CAN nasceu a todo vapor e depois diminuiu. A integração
mercantilista não quer fazer grandes sociedades de nações, mas sim grandes
mercados, não fazer cidadãos de nossa América, mas sim consumidores. A
concepção da Unasul é diferente. Nós temos uma concepção integral, onde uma
parte é comercial, que sempre é importante, mas não é o mais importante, e
as outras partes tem a ver com conectividade, nova arquitetura financeira
regional, harmonização de políticas, políticas de defesa. Oxalá consigamos
avançar também em políticas trabalhistas para que nunca mais caiamos na
América Latina na armadilha de competir para atrair investimentos,
deteriorando e precarizando as forças de trabalho. Ao invés de atrair
capitais na base do suor e das lágrimas de nossos trabalhadores, pensamos
em outro mundo. Como disse, creio que avançamos, mas precisamos ir muito
mais rápido.
*O senhor tocou de passagem o tema do Conselho de Defesa Sulamericano, que
está objetivamente estancado, e seu país sofreu um ataque estrangeiro em
2008. Na sua avaliação, com a chegada do presidente Santos na Colômbia, a
hipótese de tensões entre Colômbia e Equador está completamente dissipada?*
*Correa *- As relações bilaterais entre Equador e Colômbia gozam de um
extraordinário momento. Há uma grande coordenação com o governo do
presidente Santos. A Colômbia sempre foi o vizinho com o qual tivemos a
melhor relação em nossa história. Infelizmente, essa história, séculos de
irmandade, foi rompida pela traição de um presidente como Uribe. Mas,
graças a deus, com o governo do presidente Santos isso foi superado e creio
que ele também tem uma vocação integracionista muito profunda e apoia – de
fato, tem apoiado – a proposta do Conselho de Defesa.
*O Conselho de Defesa teve seus primeiros estremecimentos com o anúncio da
radicação de tropas dos Estados Unidos na Colômbia. Essa possível radicação
de tropas norte-americanas na Colômbia está definitivamente abortada?*
*Correa* – Não tenho maiores conhecimentos a respeito desse assunto. Até
onde sei há uma estreita colaboração norteamericana com o pretexto da luta
antidrogas e oxalá que a ajuda se concentre aí. Mas temos que fazer um
esforço de bastante ingenuidade para nos convencermos disso porque muitas
vezes se fazem outras coisas com essas supostas ajudas, sobretudo com
governos que não sigam a linha de Washington.
*A pergunta anterior está associada a outras situações graves como a
remilitarização com novas bases no Panamá e outros três centros
operacionais do comando Sul , uma base nova no Chile e nas Malvinas o
grande problema é a base britânica ali instalada. Toda esta expansão dos
Estados Unidos não é ameaçadora para a região?*
*Correa* - Nós queremos nos convencer que com Barack Obama, que acreditamos
ser uma boa pessoa, a política internacional dos EUA mudou, mas as
evidências nos mostram que não é assim, que tudo continua lamentavelmente
igual, sobretudo no que diz respeito à América Latina, cujos governos
comprometidos com justiça, dignidade e soberania passaram a ser vistos como
uma ameaça para seus interesses. Devemos estar muito atentos a essa
presença das forças armadas norte-americanas em nossa América e a esse
processo de rearmamentismo que está ocorrendo nesta época tão difícil e
complexa.
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20436
Anexados:
untitled-[2] 30 k [ text/html ] baixar
Ver
>
sábado, 2 de junho de 2012
OEA e Direitos Humanos
Folha de São Paulo 2 de junho de 2012
Na Bolívia, OEA discute direitos humanos
ONGs acusam países, Brasil incluído, de defender reformas para enfraquecer sistema
DE SÃO PAULO
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
Cochabamba, na Bolívia, recebe a partir de amanhã a anual Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), que terá como tema central a segurança alimentar no hemisfério.
Um debate mais sensível, porém, coopta atenções: uma possível reforma do sistema interamericano de direitos humanos, que inclui a Comissão de Direitos Humanos (CIDH) e a corte, autônoma.
Desde o ano passado, quando um grupo de trabalho foi criado sobre a questão no âmbito da OEA, ONGs do continente acusam governos da região como Venezuela, Colômbia, Equador e Peru -mas também o Brasil- de estimularem mudanças no sistema para enfraquecer os instrumentos em vigência.
Nesta semana, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, defendeu reformas, e o México propôs prazo de um ano para mais discussões.
O tema, porém, chega aberto a Cochabamba. Daí o barulho das ONGs que dizem temer que acordos de última para modificações em pontos caros, como as medidas cautelares, instrumentos de proteção a vítimas em situação de emergência em casos levados à CIDH. Outro foco sob ataque é a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da comissão, vista por Caracas e Quito como politicamente parcial.
O Itamaraty rebate as acusações. Diz que há ajustes a serem feitos para fortalecer o sistema interamericano, e não debilitá-lo, de modo a evitar que instâncias "extrapolem" seus mandatos.
A mensagem remete à medida cautelar aprovada pela CIDH em 2011 para barrar as obras da usina de Belo Monte. A decisão enfureceu o Brasil, que retirou Ruy Casaes, embaixador na OEA, do posto. Desde então, o país é representado no órgão por diplomatas de menor escalão.
"Não é só Belo Monte. O Brasil está incomodado com casos que chegam à Corte de Direitos Humanos. Está jogando o bebê e a água do banho fora", diz Beatriz Affonso, da ONG Cejil no Brasil.
--------------------------------------------------------------------------------
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação
Na Bolívia, OEA discute direitos humanos
ONGs acusam países, Brasil incluído, de defender reformas para enfraquecer sistema
DE SÃO PAULO
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
Cochabamba, na Bolívia, recebe a partir de amanhã a anual Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), que terá como tema central a segurança alimentar no hemisfério.
Um debate mais sensível, porém, coopta atenções: uma possível reforma do sistema interamericano de direitos humanos, que inclui a Comissão de Direitos Humanos (CIDH) e a corte, autônoma.
Desde o ano passado, quando um grupo de trabalho foi criado sobre a questão no âmbito da OEA, ONGs do continente acusam governos da região como Venezuela, Colômbia, Equador e Peru -mas também o Brasil- de estimularem mudanças no sistema para enfraquecer os instrumentos em vigência.
Nesta semana, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, defendeu reformas, e o México propôs prazo de um ano para mais discussões.
O tema, porém, chega aberto a Cochabamba. Daí o barulho das ONGs que dizem temer que acordos de última para modificações em pontos caros, como as medidas cautelares, instrumentos de proteção a vítimas em situação de emergência em casos levados à CIDH. Outro foco sob ataque é a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da comissão, vista por Caracas e Quito como politicamente parcial.
O Itamaraty rebate as acusações. Diz que há ajustes a serem feitos para fortalecer o sistema interamericano, e não debilitá-lo, de modo a evitar que instâncias "extrapolem" seus mandatos.
A mensagem remete à medida cautelar aprovada pela CIDH em 2011 para barrar as obras da usina de Belo Monte. A decisão enfureceu o Brasil, que retirou Ruy Casaes, embaixador na OEA, do posto. Desde então, o país é representado no órgão por diplomatas de menor escalão.
"Não é só Belo Monte. O Brasil está incomodado com casos que chegam à Corte de Direitos Humanos. Está jogando o bebê e a água do banho fora", diz Beatriz Affonso, da ONG Cejil no Brasil.
--------------------------------------------------------------------------------
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Texto de Habermas
Los dilemas de Europa y de la democracia
jürgen habermas - 9 de mayo de 2012
En un reciente ensayoi, el filósofo Jürgen Habermas reflexiona sobre la crisis política de la Unión Europea y los dilemas de la democracia actual, prolongando así los trabajos recogidos en su libro La constitución de Europa, que ahora publica Editorial Trotta. Ofrecemos aquí la primera parte de este texto inédito, que en breve será seguida por su segunda entrega.
Durante las cuatro, ya casi cinco décadas de su carrera académica activa, Claus Offe ha abordado con sistemática dedicación la teoría democrática desde el punto de vista del Estado, esto es, tomando en consideración a los encargados de formular la política nacional en las democracias capitalistas. Su interés se dirige principalmente a los límites estructurales del campo de acción de estos responsables políticos: a la manera como consiguen evitar choques deslegitimadores entre los requisitos sistémicos del crecimiento económico y las reivindicaciones de los ciudadanos democráticos. Planteado el problema de este modo, Offe parte de dos supuestos básicos: primero, que los gobiernos liberales dependen de los impuestos tanto como de los votos y que, en consecuencia, deben satisfacer tanto los requisitos legales, infraestructurales y fiscales, a fin de realizar inversiones rentables, como también las reivindicaciones ciudadanas de libertades iguales, justicia social, seguridad de estatus y prestación de servicios necesarios y bienes públicos; segundo, que no existe un mecanismo para lograr el equilibrio entre estas exigencias, que se hallan en mutua competencia e incluso resultan incompatibles en tiempos de crisis.
Valga como ejemplo la crisis presente de la Unión Económica y Monetaria europea (UEM), que Offe ha analizado en términos de un triángulo de constricciones: por un lado, está la necesidad de salir al rescate de instituciones financieras en quiebra cuyos clientes preferenciales son, a su vez, los mismos gobiernos que salvan a los bancos; por otro lado, está la imposibilidad de subir los impuestos —con la consiguiente carga para los inversores de la economía «real», productora de valor— recortando al mismo tiempo el gasto público a costa de la seguridad social o de los bienes y servicios públicos. Contrariamente a un modelo marxiano de funcionalismo, este enfoque no prejuzga la dirección de los flujos causales. Para las democracias capitalistas es una cuestión empírica la de saber si y hasta qué punto la política o bien puede determinar las condiciones marco del sistema económico o bien tiene que adaptarse a sus imperativos funcionales.
Los gestores políticos ocupan una posición especial en el sistema político, aparte de las posiciones de otros actores diversos. Pero solo en contadas ocasiones pueden actuar en el papel diferente y más inclusivo de exponentes del sistema político como un todo, por ejemplo, cuando buscan extender el alcance del poder político dentro de la sociedad más amplia. Un caso relevante son los fallidos intentos por regular los mercados globales financieros con el fin de volver a poner bajo control las operaciones destructivas del sistema bancario (por ejemplo, la introducción de un impuesto europeo sobre las transacciones financieras). El mayor obstáculo para tales intentos es la fragmentación política, esto es, la competición entre los Estados nacionales. Los Estados, que guardan celosamente sus prerrogativas, se resisten a construir nuevas competencias supranacionales para la acción política a costa de una transferencia de derechos soberanos.
Este hecho tiene un impacto inmediato en los dilemas de la democracia, puesto que solo el poder político, y no los mercados, puede ser sometido al control democrático. Sin embargo, no cualquier acumulación de poder en los niveles superiores de un sistema político sirve a la democracia. En la primera parte de este texto quisiera recordar los pasos dados recientemente por el Consejo Europeo hacia una cooperación más estrecha entre los Estados miembros, pasos que conducen a un aumento del poder ejecutivo europeo al servicio de un régimen de la Unión Europea conformador de los mercados y a expensas de la autonomía de los parlamentos nacionales. En la segunda parte, quisiera discutir la viabilidad de una improbable alternativa democrática, que requeriría superar el obstáculo de un ulterior proceso constitucional.
Numerosos expertos coinciden en las causas económicas de la presente crisis fiscal. Dado que la devaluación de la moneda no es una opción viable, y debido a la falta de mecanismos compensatorios tales como la movilidad de la fuerza de trabajo a través de las fronteras nacionales o un régimen común en la política social, la diferencia en los niveles de competitividad entre los Estados miembros ha generado en el pasado desequilibrios económicos a lo largo y ancho de la Eurozona, y continuará haciéndolo de forma creciente en el futuro. Estos desequilibrios solo pueden eliminarse mediante una armonización diferenciada de las políticas económica, fiscal y social de cada nación. En una respuesta tangencial a esta necesidad, el gobierno alemán ha presionado con éxito para lograr un acuerdo sobre los esfuerzos conjuntos en la aplicación de políticas de austeridad nacional, sobre los procedimientos para una supervisión conjunta de su implementación y sobre los mecanismos sancionadores en caso de violaciones. Sin entrar en los detalles de los numerosos y más bien redundantes acuerdos alcanzados desde marzo de 2011, me permito simplemente resumir tres errores de importancia:
— La imposición de políticas de austeridad repite el error estratégico de apostar ante todo por la estabilidad fiscal. Este tipo de coordinación política está cortada a la medida para lograr un traslado más efectivo de imperativos sistémicos a los canales de la política nacional. La estrategia no solo es errónea por razones económicas, al par que desastrosa a la vista de sus consecuencias sociales; es, además, contraproducente cuando se trata del objetivo de tener de nuevo el control político sobre los desenfrenados mercados financieros.
— El paso en la dirección de una gobernanza supranacional por medio de la coordinación de la gestión política nacional conforme a las mismas reglas no es capaz de eliminar las causas estructurales de los ciclos económicos destructivos. La idea de que «un sistema de reglas vale para todo» no responde a la necesidad de programas públicos diferenciados en niveles diferentes de desarrollo económico y en el contexto de culturas económicas diferentes. La Ordnungspolitik (política de orden) no es un sustituto de las intervenciones flexibles por parte de un gobierno económico europeo que ha de obtener la libertad de acción para disponer de un presupuesto propio, por limitado que este sea.
— El pacto fiscal sella definitivamente el modo intergubernamental de regular y supervisar políticas nacionales paralelas. La arquitectura tecnocrática de un modo de gobernanza ejercido informalmente por los dirigentes de los Estados miembros de la Unión Monetaria ya fue introducida por el Pacto del Euro Plus el 25 de marzo de 2011 (y no es un daño colateral de la posterior carrera en solitario británica). Con este documento el Consejo Europeo se arroga el derecho, primero, de determinar objetivos específicos para todo el campo de las políticas que afectan a la competitividad de una economía nacional (medida en costes laborales unitarios); y segundo, de supervisar cómo la Comisión controla su implementación temporal. La retórica no puede disimular la práctica que se pretende: basándose en acuerdos informales, los dirigentes de los gobiernos implicados —valiéndose de un claroscuro de presiones y de una sumisión quiérase o no— imponen su voluntad sobre cada uno de los parlamentos nacionales.
En caso de que logre evitarse el crac, deberemos probablemente esperar que la política europea continúe en la dirección posdemocrática de un federalismo ejecutivoii . Si mi análisis se sostiene, este curso de los acontecimientos agravará más bien que aliviará los desequilibrios económicos dentro de la Eurozona, mientras sirva al miope interés de las élites dirigentes consistente en desvincular los acuerdos europeos complejos y de largo alcance de los sospechosos públicos domésticos. Hoy día Europa parece estar atrapada en el dilema de la simultánea necesidad e imposibilidad de una profundización democrática de sus institucionesiii.
--------------------------------------------------------------------------------
i Presentado en el «Symposium for Claus Offe», Hertie School of Governance, el 22 de marzo de 2012, bajo el título «Dilemmas of Democracy — The Example of the Present EU Crisis».
ii El resultado bien podría ser la diferenciación institucional entre miembros y no-miembros de la UEM, dado que pueden invocarse diversas opciones para una «cooperación más intensa» con vistas a desarrollar una «Unión de dos velocidades» dentro del marco legal establecido por los tratados europeos existentes. Véase Jean Claude Piris, The Future of Europe, Cambridge UP, Cambridge (RU), 2012, pp. 61-105.
iii Véase el diagnóstico de Mark Leonhard (Four Scenarios for the Reinvention of Europe, European Council on Foreign Relations (ecfr.eu): «Los líderes europeos han venido avanzando hacia un acuerdo siguiendo los pasos necesarios para salvar el euro. Pero, mientras que reconocen la necesidad de ‘más Europa’, no saben cómo persuadir a sus ciudadanos, parlamentos o tribunales para aceptar esto. Esta es la raíz de la crisis política de Europa: la necesidad y la imposibilidad de integración».
jürgen habermas - 9 de mayo de 2012
En un reciente ensayoi, el filósofo Jürgen Habermas reflexiona sobre la crisis política de la Unión Europea y los dilemas de la democracia actual, prolongando así los trabajos recogidos en su libro La constitución de Europa, que ahora publica Editorial Trotta. Ofrecemos aquí la primera parte de este texto inédito, que en breve será seguida por su segunda entrega.
Durante las cuatro, ya casi cinco décadas de su carrera académica activa, Claus Offe ha abordado con sistemática dedicación la teoría democrática desde el punto de vista del Estado, esto es, tomando en consideración a los encargados de formular la política nacional en las democracias capitalistas. Su interés se dirige principalmente a los límites estructurales del campo de acción de estos responsables políticos: a la manera como consiguen evitar choques deslegitimadores entre los requisitos sistémicos del crecimiento económico y las reivindicaciones de los ciudadanos democráticos. Planteado el problema de este modo, Offe parte de dos supuestos básicos: primero, que los gobiernos liberales dependen de los impuestos tanto como de los votos y que, en consecuencia, deben satisfacer tanto los requisitos legales, infraestructurales y fiscales, a fin de realizar inversiones rentables, como también las reivindicaciones ciudadanas de libertades iguales, justicia social, seguridad de estatus y prestación de servicios necesarios y bienes públicos; segundo, que no existe un mecanismo para lograr el equilibrio entre estas exigencias, que se hallan en mutua competencia e incluso resultan incompatibles en tiempos de crisis.
Valga como ejemplo la crisis presente de la Unión Económica y Monetaria europea (UEM), que Offe ha analizado en términos de un triángulo de constricciones: por un lado, está la necesidad de salir al rescate de instituciones financieras en quiebra cuyos clientes preferenciales son, a su vez, los mismos gobiernos que salvan a los bancos; por otro lado, está la imposibilidad de subir los impuestos —con la consiguiente carga para los inversores de la economía «real», productora de valor— recortando al mismo tiempo el gasto público a costa de la seguridad social o de los bienes y servicios públicos. Contrariamente a un modelo marxiano de funcionalismo, este enfoque no prejuzga la dirección de los flujos causales. Para las democracias capitalistas es una cuestión empírica la de saber si y hasta qué punto la política o bien puede determinar las condiciones marco del sistema económico o bien tiene que adaptarse a sus imperativos funcionales.
Los gestores políticos ocupan una posición especial en el sistema político, aparte de las posiciones de otros actores diversos. Pero solo en contadas ocasiones pueden actuar en el papel diferente y más inclusivo de exponentes del sistema político como un todo, por ejemplo, cuando buscan extender el alcance del poder político dentro de la sociedad más amplia. Un caso relevante son los fallidos intentos por regular los mercados globales financieros con el fin de volver a poner bajo control las operaciones destructivas del sistema bancario (por ejemplo, la introducción de un impuesto europeo sobre las transacciones financieras). El mayor obstáculo para tales intentos es la fragmentación política, esto es, la competición entre los Estados nacionales. Los Estados, que guardan celosamente sus prerrogativas, se resisten a construir nuevas competencias supranacionales para la acción política a costa de una transferencia de derechos soberanos.
Este hecho tiene un impacto inmediato en los dilemas de la democracia, puesto que solo el poder político, y no los mercados, puede ser sometido al control democrático. Sin embargo, no cualquier acumulación de poder en los niveles superiores de un sistema político sirve a la democracia. En la primera parte de este texto quisiera recordar los pasos dados recientemente por el Consejo Europeo hacia una cooperación más estrecha entre los Estados miembros, pasos que conducen a un aumento del poder ejecutivo europeo al servicio de un régimen de la Unión Europea conformador de los mercados y a expensas de la autonomía de los parlamentos nacionales. En la segunda parte, quisiera discutir la viabilidad de una improbable alternativa democrática, que requeriría superar el obstáculo de un ulterior proceso constitucional.
Numerosos expertos coinciden en las causas económicas de la presente crisis fiscal. Dado que la devaluación de la moneda no es una opción viable, y debido a la falta de mecanismos compensatorios tales como la movilidad de la fuerza de trabajo a través de las fronteras nacionales o un régimen común en la política social, la diferencia en los niveles de competitividad entre los Estados miembros ha generado en el pasado desequilibrios económicos a lo largo y ancho de la Eurozona, y continuará haciéndolo de forma creciente en el futuro. Estos desequilibrios solo pueden eliminarse mediante una armonización diferenciada de las políticas económica, fiscal y social de cada nación. En una respuesta tangencial a esta necesidad, el gobierno alemán ha presionado con éxito para lograr un acuerdo sobre los esfuerzos conjuntos en la aplicación de políticas de austeridad nacional, sobre los procedimientos para una supervisión conjunta de su implementación y sobre los mecanismos sancionadores en caso de violaciones. Sin entrar en los detalles de los numerosos y más bien redundantes acuerdos alcanzados desde marzo de 2011, me permito simplemente resumir tres errores de importancia:
— La imposición de políticas de austeridad repite el error estratégico de apostar ante todo por la estabilidad fiscal. Este tipo de coordinación política está cortada a la medida para lograr un traslado más efectivo de imperativos sistémicos a los canales de la política nacional. La estrategia no solo es errónea por razones económicas, al par que desastrosa a la vista de sus consecuencias sociales; es, además, contraproducente cuando se trata del objetivo de tener de nuevo el control político sobre los desenfrenados mercados financieros.
— El paso en la dirección de una gobernanza supranacional por medio de la coordinación de la gestión política nacional conforme a las mismas reglas no es capaz de eliminar las causas estructurales de los ciclos económicos destructivos. La idea de que «un sistema de reglas vale para todo» no responde a la necesidad de programas públicos diferenciados en niveles diferentes de desarrollo económico y en el contexto de culturas económicas diferentes. La Ordnungspolitik (política de orden) no es un sustituto de las intervenciones flexibles por parte de un gobierno económico europeo que ha de obtener la libertad de acción para disponer de un presupuesto propio, por limitado que este sea.
— El pacto fiscal sella definitivamente el modo intergubernamental de regular y supervisar políticas nacionales paralelas. La arquitectura tecnocrática de un modo de gobernanza ejercido informalmente por los dirigentes de los Estados miembros de la Unión Monetaria ya fue introducida por el Pacto del Euro Plus el 25 de marzo de 2011 (y no es un daño colateral de la posterior carrera en solitario británica). Con este documento el Consejo Europeo se arroga el derecho, primero, de determinar objetivos específicos para todo el campo de las políticas que afectan a la competitividad de una economía nacional (medida en costes laborales unitarios); y segundo, de supervisar cómo la Comisión controla su implementación temporal. La retórica no puede disimular la práctica que se pretende: basándose en acuerdos informales, los dirigentes de los gobiernos implicados —valiéndose de un claroscuro de presiones y de una sumisión quiérase o no— imponen su voluntad sobre cada uno de los parlamentos nacionales.
En caso de que logre evitarse el crac, deberemos probablemente esperar que la política europea continúe en la dirección posdemocrática de un federalismo ejecutivoii . Si mi análisis se sostiene, este curso de los acontecimientos agravará más bien que aliviará los desequilibrios económicos dentro de la Eurozona, mientras sirva al miope interés de las élites dirigentes consistente en desvincular los acuerdos europeos complejos y de largo alcance de los sospechosos públicos domésticos. Hoy día Europa parece estar atrapada en el dilema de la simultánea necesidad e imposibilidad de una profundización democrática de sus institucionesiii.
--------------------------------------------------------------------------------
i Presentado en el «Symposium for Claus Offe», Hertie School of Governance, el 22 de marzo de 2012, bajo el título «Dilemmas of Democracy — The Example of the Present EU Crisis».
ii El resultado bien podría ser la diferenciación institucional entre miembros y no-miembros de la UEM, dado que pueden invocarse diversas opciones para una «cooperación más intensa» con vistas a desarrollar una «Unión de dos velocidades» dentro del marco legal establecido por los tratados europeos existentes. Véase Jean Claude Piris, The Future of Europe, Cambridge UP, Cambridge (RU), 2012, pp. 61-105.
iii Véase el diagnóstico de Mark Leonhard (Four Scenarios for the Reinvention of Europe, European Council on Foreign Relations (ecfr.eu): «Los líderes europeos han venido avanzando hacia un acuerdo siguiendo los pasos necesarios para salvar el euro. Pero, mientras que reconocen la necesidad de ‘más Europa’, no saben cómo persuadir a sus ciudadanos, parlamentos o tribunales para aceptar esto. Esta es la raíz de la crisis política de Europa: la necesidad y la imposibilidad de integración».
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Entrevista com o vice presidente da Bolivia
http://www.outraspalavras.net/2012/04/13/a-bolivia-pelos-olhos-do-vice/
domingo, 8 de abril de 2012
A esquerda hoje
Folha de S.Paulo 8 de abril de 2012
Na defensiva
A esquerda após a crise de 2008
RESUMO Para o sociólogo Göran Therborn, que vem ao Brasil para lançar "Do Marxismo ao Pós-Marxismo?", movimentos como o Occupy e os indignados espanhóis se caracterizam como defensivos, sem virar o jogo político. Aqui, ele analisa economia e política na Europa e nos EUA. Leia a íntegra em folha.com/ilustrissima.
ELEONORA DE LUCENA
A crise financeira não tirou a esquerda da defensiva; a direita derrotou a social-democracia na Europa. Mas a falta de saídas neoliberais deve fazer o pêndulo do ciclo eleitoral mudar de tendência. A avaliação é do sociólogo marxista Göran Therborn, professor emérito aposentado da universidade de Cambridge. Nesta entrevista, concedida por e-mail, Therborn, 70, fala das principais eleições no mundo neste ano, do declínio dos EUA e do individualismo.
Ele estará no Brasil nesta semana para o lançamento de seu livro "Do Marxismo ao Pós-Marxismo?" [trad. Rodrigo Nobile, Boitempo, 160 págs., R$ 39]: na terça (10), fala no Tucarena, em São Paulo; na quarta (11), em Porto Alegre, e na sexta (13) em Belém.
Folha - No seu livro "Do Marxismo ao Pós-Marxismo", de 2008, o sr. diz que a esquerda está na defensiva. Ainda está?
Göran Therborn - No conjunto, sim. O crash financeiro e a aceleração da desigualdade econômica não colocaram a esquerda na ofensiva social em lugar nenhum. Existiram, e ainda existem, alguns movimentos inovadores, como a Democracia Real Ya! e o 15-M, na Espanha, e o Occupy Wall Street. Mas eles não foram capazes de mudar os parâmetros básicos do jogo político nacional. Os grandes protestos na Grécia têm sido claramente lutas defensivas. O movimento estudantil chileno, contra a mercantilização do ensino superior, é uma exceção. Ele foi capaz de se conectar com outras forças sociais e empurrou o arrogante governo Piñera para a defensiva.
Muita coisa mudou de 2008 para 2012: a crise financeira global, a Primavera Árabe. As mudanças o surpreenderam? O seu livro ficou desatualizado por causa delas?
Crises em economias capitalistas não surpreendem um cientista social ou um historiador social, embora prever as datas dos seus surtos seja tão difícil como prever as datas dos verões europeus. Os problemas sociais estavam se acumulando sob as envelhecidas ditaduras e oligarquias árabes, como indico em meu livro. Os incipientes movimentos de protestos foram colocados em um livro que publiquei depois, em dezembro de 2010 - "The World" (ed. Polity). Mas eu não esperava a primavera de revoltas.
É possível dizer que, com essas mudanças, o neoliberalismo está perdendo a hegemonia?
Muitas mudanças estão acontecendo sem uma causa em comum. O crash financeiro do Atlântico Norte não estava conectado com a Primavera Árabe, por exemplo. O crash sacudiu as próprias bases do sistema bancário anglo-saxônico. A crise de 2011 na Eurozona mostrou a capacidade de autodestruição das bolhas de fluxo de capital.
A Primavera Árabe também destacou que a liberalização das economias árabes nada havia conseguido de significativo em relação ao desemprego e às perspectivas sociais dos grandes grupos de jovens. Por enquanto, nenhuma força política está argumentando que a única via para um futuro melhor são mais privatizações e desregulamentações. Por outro lado, nos países mais ricos nenhuma alternativa articulada apareceu.
Alguns pensam que a crise põe a democracia em perigo, como nos anos 1930. O sr. concorda?
A democracia, no seu sentido mais limitado, de eleições livres e competitivas, não está em perigo. O amplo e diversificado estabelecimento do Estado de bem-estar social capitalista significa que os efeitos sociais dos choques econômicos hoje são incomparáveis com a miséria e o desespero criados pela depressão dos anos 1930.
Na Europa Ocidental não há movimentos fascistas com algum significado. O que há são xenófobos, principalmente islamofóbicos. Mas eles não ameaçam a democracia. Na Europa Ocidental, a ameaça à democracia vem da tecnocracia. A crise na Eurozona levou à suspensão de governos democráticos, eleitos, na Grécia e na Itália. Na Europa Oriental a situação é mais incerta.
A social-democracia perdeu credibilidade ao ser parceira do neoliberalismo europeu?
Sim, foi claramente o que aconteceu nas derrotas social-democratas na Grã-Bretanha, na Hungria, em Portugal e na Espanha. Mas, como não há solução liberal, o pêndulo do ciclo eleitoral tende a mudar. A social-democracia alemã está crescendo em pesquisas e nas eleições provinciais, e a vitória do socialista François Hollande na França é ainda uma boa aposta.
Como o sr. analisa as eleições na França, na Grécia e no México?
Hollande está à frente em questões sociais e econômicas. A guerra na Líbia não impulsionou a posição precária de Sarkozy, mas ele agora está ganhando força entre a direita xenófoba. A França é o único grande país capitalista com significativas correntes de extrema esquerda, que ganham entre 10% e 20% dos votos.
A Grécia tem uma esquerda com organização bem mais forte do que a Espanha. Tem chance de se tornar a maior força eleitoral no país. Mas está dividida entre três partidos e outras correntes que não convivem bem entre si. O conservador Nova Democracia pode ganhar por causa da divisão da esquerda. Os social-democratas, que se renderam às pressões da crise, serão os grandes perdedores.
O México tem um habilidoso porta-bandeira da esquerda, López Obrador, que organizou um vasto movimento com raízes nacionais. Mas tem a oposição da mídia e das máquinas do clientelismo. Não é provável que vença.
Qual sua previsão para os EUA?
Obama se revelou um presidente fraco, moderadamente conservador, completamente subserviente aos interesses imperiais dos EUA, o que eu esperava. Está enfrentando uma notável reação da direita. O movimento Tea Party logrou explorar a crise financeira com uma linha de extrema direita, que habilmente deixou de lado questões da crise e da desigualdade econômica. Comparativamente, o movimento Occupy Wall Street é pequeno e pobre. Como as primárias têm demonstrado, o Tea Party e os cristãos fundamentalistas moveram o Partido Republicano de volta para uma era [Barry] Goldwater. Com a incipiente recuperação econômica, é provável que Obama vença, mas certamente não de forma esmagadora como a de Lyndon Johnson em 1964.
Por que o sr. considera a influência dos EUA decadente?
Não considero "decadente", que é um termo moralista, mas em declínio, enfraquecida. O declínio é óbvio. No Egito, os EUA nada puderam fazer para preservar o seu segundo cliente mais caro do mundo (depois de Israel), nem foram capazes de impor um novo regime satélite. Em dezembro, Hugo Chávez lançou uma nova organização latino-americana fora da influência dos EUA, a Celac. Antes de 2000, isso seria impensável.
O declínio da influência norte-americana é acima de tudo geopolítico e ideológico. Suas bases são a ascensão de novos e grandes agentes econômicos (China, Índia, Brasil). Há perda de significado da liderança ideológica dos EUA após o fim da Guerra Fria e a óbvia incapacidade das receitas neoliberais anglo-saxônicas para a nova economia mundial.
A tentativa de substituir a Guerra Fria por uma caçada em grande escala, a guerra ao Terror, nunca foi levada a sério por ninguém fora dos EUA. Cada vez menos pessoas e políticos enxergam os seus interesses como coincidentes com os dos EUA. O risco de ignorar os interesses norte-americanos também diminuiu.
É preciso enfatizar onde não há declínio ou onde ele é muito pequeno. Enquanto a relativa predominância econômica dos EUA decai significativamente, não se deve esquecer que boa parte da vanguarda da economia mundial ainda é norte-americana: Apple, Microsoft, Facebook, Amazon, Boeing. Os EUA ainda são o centro do entretenimento de massa e da pesquisa científica. São a única superpotência militar, e seus gastos militares são mais do que o dobro dos gastos de China, Reino Unido, França, Rússia e Japão juntos.
Como analisa o marxismo hoje?
O marxismo é uma original unidade entre filosofia, análise social e política. Muito dessa unidade foi quebrada. Os políticos comunistas se desvincularam de Marx. Foi decisiva a transformação do capitalismo, com desindustrialização, revolução eletrônica e emergência do capital financeiro.
Tudo isso parou e inverteu a tendência de longo prazo anterior: propriedade coletiva, regulação pública e fortalecimento da classe trabalhadora. A queda da URSS foi um propulsor político, mas, sob uma perspectiva histórica de longo prazo, os impasses do socialismo soviético e da social democracia europeia tiveram as mesmas raízes. O marxismo como identidade coletiva foi seriamente enfraquecido e é improvável que torne a ter a sua força anterior.
Como o sr. analisa a questão do individualismo hoje?
É crucial distinguir entre o individualismo egoísta, fundamentado, do individualismo econômico, do solidário, essencialmente um individualismo existencial. O individualismo egoísta econômico existe no Tea Party. Exemplo. Uma apresentadora de TV protesta contra uma abordagem coletiva para a crise: por que ela deveria pagar a hipoteca do vizinho?
É um individualismo burguês na sua forma extrema, e tanto hoje como historicamente é coabitado com familismo patriarcal. O polo oposto está em movimentos juvenis mais progressistas. É um individualismo existencial, que afirma o direito a um estilo de vida individual, ter cabelo verde, ser bissexual, vegan, punk etc. Mas é capaz de ter empatia com os outros, dando apoio e solidariedade.
Na defensiva
A esquerda após a crise de 2008
RESUMO Para o sociólogo Göran Therborn, que vem ao Brasil para lançar "Do Marxismo ao Pós-Marxismo?", movimentos como o Occupy e os indignados espanhóis se caracterizam como defensivos, sem virar o jogo político. Aqui, ele analisa economia e política na Europa e nos EUA. Leia a íntegra em folha.com/ilustrissima.
ELEONORA DE LUCENA
A crise financeira não tirou a esquerda da defensiva; a direita derrotou a social-democracia na Europa. Mas a falta de saídas neoliberais deve fazer o pêndulo do ciclo eleitoral mudar de tendência. A avaliação é do sociólogo marxista Göran Therborn, professor emérito aposentado da universidade de Cambridge. Nesta entrevista, concedida por e-mail, Therborn, 70, fala das principais eleições no mundo neste ano, do declínio dos EUA e do individualismo.
Ele estará no Brasil nesta semana para o lançamento de seu livro "Do Marxismo ao Pós-Marxismo?" [trad. Rodrigo Nobile, Boitempo, 160 págs., R$ 39]: na terça (10), fala no Tucarena, em São Paulo; na quarta (11), em Porto Alegre, e na sexta (13) em Belém.
Folha - No seu livro "Do Marxismo ao Pós-Marxismo", de 2008, o sr. diz que a esquerda está na defensiva. Ainda está?
Göran Therborn - No conjunto, sim. O crash financeiro e a aceleração da desigualdade econômica não colocaram a esquerda na ofensiva social em lugar nenhum. Existiram, e ainda existem, alguns movimentos inovadores, como a Democracia Real Ya! e o 15-M, na Espanha, e o Occupy Wall Street. Mas eles não foram capazes de mudar os parâmetros básicos do jogo político nacional. Os grandes protestos na Grécia têm sido claramente lutas defensivas. O movimento estudantil chileno, contra a mercantilização do ensino superior, é uma exceção. Ele foi capaz de se conectar com outras forças sociais e empurrou o arrogante governo Piñera para a defensiva.
Muita coisa mudou de 2008 para 2012: a crise financeira global, a Primavera Árabe. As mudanças o surpreenderam? O seu livro ficou desatualizado por causa delas?
Crises em economias capitalistas não surpreendem um cientista social ou um historiador social, embora prever as datas dos seus surtos seja tão difícil como prever as datas dos verões europeus. Os problemas sociais estavam se acumulando sob as envelhecidas ditaduras e oligarquias árabes, como indico em meu livro. Os incipientes movimentos de protestos foram colocados em um livro que publiquei depois, em dezembro de 2010 - "The World" (ed. Polity). Mas eu não esperava a primavera de revoltas.
É possível dizer que, com essas mudanças, o neoliberalismo está perdendo a hegemonia?
Muitas mudanças estão acontecendo sem uma causa em comum. O crash financeiro do Atlântico Norte não estava conectado com a Primavera Árabe, por exemplo. O crash sacudiu as próprias bases do sistema bancário anglo-saxônico. A crise de 2011 na Eurozona mostrou a capacidade de autodestruição das bolhas de fluxo de capital.
A Primavera Árabe também destacou que a liberalização das economias árabes nada havia conseguido de significativo em relação ao desemprego e às perspectivas sociais dos grandes grupos de jovens. Por enquanto, nenhuma força política está argumentando que a única via para um futuro melhor são mais privatizações e desregulamentações. Por outro lado, nos países mais ricos nenhuma alternativa articulada apareceu.
Alguns pensam que a crise põe a democracia em perigo, como nos anos 1930. O sr. concorda?
A democracia, no seu sentido mais limitado, de eleições livres e competitivas, não está em perigo. O amplo e diversificado estabelecimento do Estado de bem-estar social capitalista significa que os efeitos sociais dos choques econômicos hoje são incomparáveis com a miséria e o desespero criados pela depressão dos anos 1930.
Na Europa Ocidental não há movimentos fascistas com algum significado. O que há são xenófobos, principalmente islamofóbicos. Mas eles não ameaçam a democracia. Na Europa Ocidental, a ameaça à democracia vem da tecnocracia. A crise na Eurozona levou à suspensão de governos democráticos, eleitos, na Grécia e na Itália. Na Europa Oriental a situação é mais incerta.
A social-democracia perdeu credibilidade ao ser parceira do neoliberalismo europeu?
Sim, foi claramente o que aconteceu nas derrotas social-democratas na Grã-Bretanha, na Hungria, em Portugal e na Espanha. Mas, como não há solução liberal, o pêndulo do ciclo eleitoral tende a mudar. A social-democracia alemã está crescendo em pesquisas e nas eleições provinciais, e a vitória do socialista François Hollande na França é ainda uma boa aposta.
Como o sr. analisa as eleições na França, na Grécia e no México?
Hollande está à frente em questões sociais e econômicas. A guerra na Líbia não impulsionou a posição precária de Sarkozy, mas ele agora está ganhando força entre a direita xenófoba. A França é o único grande país capitalista com significativas correntes de extrema esquerda, que ganham entre 10% e 20% dos votos.
A Grécia tem uma esquerda com organização bem mais forte do que a Espanha. Tem chance de se tornar a maior força eleitoral no país. Mas está dividida entre três partidos e outras correntes que não convivem bem entre si. O conservador Nova Democracia pode ganhar por causa da divisão da esquerda. Os social-democratas, que se renderam às pressões da crise, serão os grandes perdedores.
O México tem um habilidoso porta-bandeira da esquerda, López Obrador, que organizou um vasto movimento com raízes nacionais. Mas tem a oposição da mídia e das máquinas do clientelismo. Não é provável que vença.
Qual sua previsão para os EUA?
Obama se revelou um presidente fraco, moderadamente conservador, completamente subserviente aos interesses imperiais dos EUA, o que eu esperava. Está enfrentando uma notável reação da direita. O movimento Tea Party logrou explorar a crise financeira com uma linha de extrema direita, que habilmente deixou de lado questões da crise e da desigualdade econômica. Comparativamente, o movimento Occupy Wall Street é pequeno e pobre. Como as primárias têm demonstrado, o Tea Party e os cristãos fundamentalistas moveram o Partido Republicano de volta para uma era [Barry] Goldwater. Com a incipiente recuperação econômica, é provável que Obama vença, mas certamente não de forma esmagadora como a de Lyndon Johnson em 1964.
Por que o sr. considera a influência dos EUA decadente?
Não considero "decadente", que é um termo moralista, mas em declínio, enfraquecida. O declínio é óbvio. No Egito, os EUA nada puderam fazer para preservar o seu segundo cliente mais caro do mundo (depois de Israel), nem foram capazes de impor um novo regime satélite. Em dezembro, Hugo Chávez lançou uma nova organização latino-americana fora da influência dos EUA, a Celac. Antes de 2000, isso seria impensável.
O declínio da influência norte-americana é acima de tudo geopolítico e ideológico. Suas bases são a ascensão de novos e grandes agentes econômicos (China, Índia, Brasil). Há perda de significado da liderança ideológica dos EUA após o fim da Guerra Fria e a óbvia incapacidade das receitas neoliberais anglo-saxônicas para a nova economia mundial.
A tentativa de substituir a Guerra Fria por uma caçada em grande escala, a guerra ao Terror, nunca foi levada a sério por ninguém fora dos EUA. Cada vez menos pessoas e políticos enxergam os seus interesses como coincidentes com os dos EUA. O risco de ignorar os interesses norte-americanos também diminuiu.
É preciso enfatizar onde não há declínio ou onde ele é muito pequeno. Enquanto a relativa predominância econômica dos EUA decai significativamente, não se deve esquecer que boa parte da vanguarda da economia mundial ainda é norte-americana: Apple, Microsoft, Facebook, Amazon, Boeing. Os EUA ainda são o centro do entretenimento de massa e da pesquisa científica. São a única superpotência militar, e seus gastos militares são mais do que o dobro dos gastos de China, Reino Unido, França, Rússia e Japão juntos.
Como analisa o marxismo hoje?
O marxismo é uma original unidade entre filosofia, análise social e política. Muito dessa unidade foi quebrada. Os políticos comunistas se desvincularam de Marx. Foi decisiva a transformação do capitalismo, com desindustrialização, revolução eletrônica e emergência do capital financeiro.
Tudo isso parou e inverteu a tendência de longo prazo anterior: propriedade coletiva, regulação pública e fortalecimento da classe trabalhadora. A queda da URSS foi um propulsor político, mas, sob uma perspectiva histórica de longo prazo, os impasses do socialismo soviético e da social democracia europeia tiveram as mesmas raízes. O marxismo como identidade coletiva foi seriamente enfraquecido e é improvável que torne a ter a sua força anterior.
Como o sr. analisa a questão do individualismo hoje?
É crucial distinguir entre o individualismo egoísta, fundamentado, do individualismo econômico, do solidário, essencialmente um individualismo existencial. O individualismo egoísta econômico existe no Tea Party. Exemplo. Uma apresentadora de TV protesta contra uma abordagem coletiva para a crise: por que ela deveria pagar a hipoteca do vizinho?
É um individualismo burguês na sua forma extrema, e tanto hoje como historicamente é coabitado com familismo patriarcal. O polo oposto está em movimentos juvenis mais progressistas. É um individualismo existencial, que afirma o direito a um estilo de vida individual, ter cabelo verde, ser bissexual, vegan, punk etc. Mas é capaz de ter empatia com os outros, dando apoio e solidariedade.
Assinar:
Postagens (Atom)