> 2013 -Folha 3 de maio de 2013
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> Boaventura de Sousa Santos: O "Diktat" alemão
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> Provar que há alternativas ao "Diktat" alemão do nacional-austeritarismo
> (austeridade em vez de crescimento econômico) é o maior desafio que as
> sociedades europeias hoje defrontam.
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> A história europeia mostra de maneira muito trágica que não é um desafio
> fácil. A razão alemã tem um lastro de predestinação divina que o filósofo
> Fichte definiu bem em 1807, quando contrapôs o alemão ao estrangeiro desta
> forma: o alemão está para o estrangeiro como o espírito está para a
> matéria, como o bem está para o mal.
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> Perante isso, qualquer transigência é sinal de fraqueza. O próprio direito
> tem de ceder à força para que esta não enfraqueça.
> Quando a Alemanha invadiu e destruiu a Bélgica (1914), sob o pretexto de
> se defender da França, violou o direito internacional, dada a
> neutralidade daquele pequeno país.
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> Sem qualquer escrúpulo, o chanceler alemão declarou no Parlamento: "A
> ilegalidade que praticamos havemos de procurar reparar logo que tivermos
> atingido o nosso escopo militar. Quando se é ameaçado e se luta por um bem
> supremo, cada qual governa-se como pode".
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> Essa arrogância não exclui alguma magnanimidade, desde que as vítimas se
> portem bem. Da nota que a chancelaria alemã enviou à chancelaria belga em
> 2 de agosto de 1914 --documento que ficará na história como um monumento
> de mentira e felonia internacionais-- constam duas condições que rezam
> assim:
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> "3) Se a Bélgica observar uma atitude benévola, a Alemanha obriga-se, de
> acordo com as autoridades do governo belga, a comprar contra dinheiro
> contado tudo quanto for necessário à suas tropas e a indenizar quaisquer
> danos causados na Bélgica pela tropas alemãs";
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> "4. Se a Bélgica se comportar de modo hostil às tropas alemãs e se,
> especialmente, levantar dificuldades à sua marcha ... a Alemanha será
> obrigada, com grande desgosto, a reputar a Bélgica como inimiga."
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> Ou seja, se os belgas se deixassem instrumentalizar pelos interesses
> alemães, o seu sacrifício receberia uma hipotética recompensa. Caso
> contrário, sofreriam sem dó nem piedade. A Bélgica decidiu não ser boa
> aluna e pagou elevado preço: uma agressão tão vil que ficou conhecida como
> a "violação da Bélgica".
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> Dada essa superioridade "über alles", humilhar a arrogância alemã tem
> sempre envolvido muita destruição material e humana, tanto dos povos
> vítimas dessa arrogância como do povo alemão.
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> Claro que a história nunca se repete e que a Alemanha é hoje um país sem
> poder militar e governado por uma vibrante democracia. Mas três fatos
> perturbadores obrigam os restantes países europeus a tomar em conta a
> história.
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> Primeiro, é perturbador verificar que o poder econômico alemão está hoje
> convertido em fonte de uma ortodoxia europeia que beneficia
> unilateralmente a Alemanha, ao contrário do que esta quer fazer crer.
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> Também em 1914 o governo imperial pretendia convencer os belgas de que a
> invasão alemã do seu país era para seu bem e que "o governo alemão
> sentiria vivamente que a Bélgica reputasse [a invasão] como um ato de
> hostilidade".
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> Segundo, são perturbadoras as manifestações de preconceito racial em
> relação aos países latinos na opinião pública alemã. Vem à memória o
> antropólogo racista alemão Ludwig Woltmann (1871-1907), que, inconformado
> com a genialidade de alguns latinos (Dante, Da Vinci, Galileu, etc.),
> procurou germanizá-los.
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> Conta-se, por exemplo, que escreveu a Benedetto Croce para lhe perguntar
> se Giambattista Vico era alto e de olhos azuis. Perante a negativa, não se
> desconcertou e replicou: "Seja como for, Vico deriva evidentemente do
> alemão Wieck".
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> Isso tudo soa hoje ridículo, mas vem à memória sobretudo tendo em mente o
> terceiro fato perturbador.
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> Um inquérito recente aos alunos das escolas secundárias alemãs revelou que
> um terço não sabia quem fora Hitler e que 40% estava convencido de que os
> direitos humanos tinham sido sempre respeitados pelos governos alemães
> desde 1933
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