segunda-feira, 20 de maio de 2013

Decadência

América Latina se saiu melhor que os EUA no combate à crise

 Cientista político que ganhou renome ao escrever sobre o "fim da história" diz que os americanos precisam prestar atenção nos sinais de decadência política que já aparecem
 CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULO Folha 20 de maio de 2013
Francis Fukuyama é um homem conhecido por suas ideias sobre o fim. Agora ele está às voltas com o início.
 O cientista político americano, que se tornou um intelectual de renome universal ao publicar um ensaio sobre o chamado "fim da história", em 1989, está investigando seus marcos zeros.
 Com o livro "As Origens da Ordem Política", publicado nos Estados Unidos em 2011 e agora lançado no Brasil (editora Rocco, 592 págs., R$ 69,50), Fukuyama faz uma minuciosa análise das primeiras instituições políticas.
 O pesquisador sênior da Universidade de Stanford (EUA) passa um pente fino nas mais variadas formas que o homem já encontrou para estruturar o poder, num arco cronológico que vai das primeiras sociedades tribais até a Revolução Francesa.
 A história não termina aí. Aos 60 anos, ele está prestes a concluir o segundo tomo da obra. "O tema central do novo livro, que virá até os dias de hoje, será a decadência política, assunto que mais me interessa", adianta à Folha, em entrevista por telefone.


Folha - O sr. passou anos pesquisando as origens históricas das instituições políticas. Qual ponto dessa pesquisa o surpreendeu mais?
 Francis Fukuyama - Um dos argumentos centrais do livro eu desenvolvi ao longo da pesquisa, o de que a China foi a precursora dos Estados modernos. Um dos temas nos quais estou trabalhando agora é o da decadência política.
 Todas as instituições políticas tendem a decair com o tempo, inclusive a China contemporânea. Os padrões da decadência são muito semelhantes entre China, Império Otomano ou o Antigo Regime na França.

Se tratamos da decadência, podemos falar também em apogeu político? O sr. acredita que seja possível estabelecer os picos da história política?
 Não acredito que exista um auge específico. Minha visão da decadência política é de que existem ciclos contínuos de decadência e de reforma.
 A decadência política é um problema constante, que todos os regimes enfrentam. As fontes desse problema são duas. A primeira é que instituições são difíceis de serem mudadas. As pessoas querem mantê-las a todo custo, mesmo que as condições externas mudem.
 A segunda é que, em qualquer sociedade, os ricos e poderosos vão acumular poder com o tempo e usarão seu acesso privilegiado ao sistema político para protegerem a si mesmos.

O sr. publicou esse livro em 2011. O que o sr. mudaria hoje em suas análises históricas com base no que aconteceu neste meio tempo?
 Uma observação que faço no segundo volume tem a ver com a continuidade das instituições políticas em diferentes partes do mundo, em particular nas origens da centralização política da China.
 Hoje temos mais evidências de uma decadência política em vários sentidos do Estado chinês e de instabilidades internas no país.

Com base nos ciclos históricos da Europa e dos EUA, qual previsão o sr. faz para a crise que ambos enfrentam?
 Existem verdadeiros problemas institucionais nos Estados Unidos e na Europa.
 Nos EUA, tivemos um grau elevado de polarização política que impediu que algumas decisões importantes fossem tomadas.
 Há problemas básicos no desenho e na construção da União Europeia, em sua composição e equilíbrio, que levaram diretamente à atual crise. Acho que os problemas são resolvíveis e a atual situação geral não é ruim.
 Não há uma crise generalizada de governabilidade, mas sobretudo nos Estados Unidos há traços de decadência política aos quais o país deveria prestar atenção.

No seu livro, o sr. relata como é difícil que um país imponha instituições em outras sociedades. O sr. chegou a apoiar a invasão do Iraque e depois criticou a maneira como ela foi feita. Como o sr. recebeu a recente declaração de George W. Bush de que "ele se sente confortável com seu legado" nesse tema?
 Fico muito desapontado que nenhum dos principais líderes da Guerra do Iraque tenha admitido até hoje sequer um de seus erros.
 Isso vale para [Donald] Rumsfeld, Condoleezza Rice, [Dick] Cheney e Bush. Todos eles insistem muito na ideia de que fizeram o que tinha de ser feito. Seria muito importante que, tal como Robert McNamara fez com relação ao Vietnã, admitissem seus erros, porque suas decisões foram desastrosas para os Estados Unidos e, obviamente, para o Iraque.

Qual a opinião do sr. sobre as chamadas intervenções humanitárias? O sr. defende a intervenção na Síria?
 É difícil estabelecer regras gerais porque cada caso é muito distinto. Fui favorável ao tipo de intervenção que ocorreu na Líbia. A Síria também precisa de algum tipo de controle. Você não pode se negar, do ponto de vista da comunidade internacional, a se envolver. Esses conflitos envolvem o interesse de muitos países vizinhos.
 Mas, de maneira geral, as intervenções nas quais os Estados Unidos invadem e ocupam um país inteiro já não acontecerão, e isso é positivo.

O sr. trata da recorrência histórica de alguns problemas na América Latina, como os períodos de inflação elevada. O sr. acredita que a região voltará a esse padrão?
 A América Latina tem se saído muito bem nas últimas gerações e, em muitos sentidos, vem quebrando padrões estabelecidos para a região.
 Durante a última crise financeira mundial, a região se saiu muito melhor do que os Estados Unidos.
 As crises de endividamento da América Latina no início dos anos 1980 deixaram um legado de reformas. As políticas monetária e fiscal são gerenciadas hoje com muito mais competência.
 A região também se beneficiou com avanços importantes no combate das desigualdades, a começar pela redução do coeficiente Gini [que mede a desigualdade] que aconteceu aí no Brasil.
 Nesse sentido, houve progresso. Obviamente a região como um todo mantém seu problema estrutural de ser a mais desigual do mundo, com enormes diferenças entre ricos e pobres, mas, pela primeira vez, essa questão vem sendo atacada.

Qual o papel de Dilma nisso?
 Ela tem feito um bom trabalho. Eu me preocupo com as pressões políticas no Brasil para usar instituições governamentais para manter o nível de emprego. Isso tem levado ao medo de aumento da inflação no país. Mas, de maneira geral, ela tem conseguido navegar bem entre estas pressões.

O sr. acreditava na eleição de Nicolás Maduro? Qual o destino do chavismo pós-Chávez?
 A eleição era possível, mas não imaginava que Maduro fosse ter um resultado muito bom, como não teve.
 A Venezuela vai enfrentar muita instabilidade nesta situação de chavismo sem o carisma de Hugo Chávez. Eles têm um sistema econômico não sustentável e o preço do petróleo tende a cair nas próximas décadas, o que será um golpe duro para o país.

O thatcherismo sobreviverá após a morte de Margaret Thatcher?
 Ela foi extremamente importante para a época dela. Nos anos 1970, quando ela chegou ao poder, o mundo sofria com a inflação alta, com Estados inchados, estagnação e baixa produtividade. As políticas liberais implementadas por ela eram necessárias. O que aconteceu depois é que alguns Estados levaram essas políticas ao extremo nos anos 1990 e 2000.
 Uma das consequências disso foram as crises financeiras, porque os mercados se liberalizaram tanto que ficaram desestabilizados.

Ela continuará uma figura presente politicamente?
 O pensamento dela não sobrevive de maneira pura em nenhum lugar, com exceção talvez do Partido Republicano, nos Estados Unidos.

Desde que formulou a sua teoria do "fim da história", o sr. conseguiu dar alguma entrevista na qual não tenha sido questionado sobre ela?
 Não lembro de isso ter acontecido muitas vezes.
Recentemente o sr. postou no Twitter uma brincadeira com este tema. O sr. fica chateado com esta obsessão por uma de suas ideias?
 Fico, mas isso já acontece há tanto tempo que estou acostumado. Não há nada que possa fazer a respeito.

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