sexta-feira, 16 de julho de 2010

Catolicismo e casamento do mesmo sexo

Folha de São Paulo 16 de julho de 2010

ANÁLISE

Catolicismo não explica descompasso entre Brasil e Argentina
RONALDO VAINFAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Senado argentino acaba de aprovar uma lei que permite o casamento civil
entre pessoas do mesmo sexo. É caso pioneiro na América Latina. No Brasil
há apenas o reconhecimento da união estável, que legitima o direito de
herança para companheiros e companheiras, mas veda a adoção de crianças.
Por que a Argentina saiu na frente do Brasil no tema?
Buscar as origens históricas desse contraste, na longa duração, não é o
melhor caminho. É verdade que, no Brasil Colonial, a Inquisição perseguia
os amantes do mesmo sexo, sobretudo homens, chegando a processar centenas
pelo que chamavam de "pecado nefando da sodomia". Na Argentina, por sua
vez, a Inquisição espanhola atuou menos e, a exemplo dos tribunais
castelhanos, não tinha jurisdição sobre relações homoeróticas.
Mas isso não quer dizer grande coisa. No México colonial, também o Santo
Ofício não tinha essa competência, mas há registro de vários sodomitas
condenados à morte pela justiça do rei.

MEDICALIZAÇÃO
Nos dois países, sobretudo a partir do século 18, a Igreja Católica
adquiriu grande força, de modo que a condenação do homoerotismo seguiu
intacta. A medicalização da sexualidade na belle époque, a mesma que
construiu o conceito de homossexualidade enquanto patologia, ocorreu tanto
lá como cá.
É impossível atribuir a homofobia brasileira à herança católica e
portuguesa pois, desde maio último, Portugal aprovou o casamento entre
pessoas do mesmo sexo.
Na Espanha isto ocorreu ainda mais cedo, em 2005.
O primeiro país a aprovar o casamento gay foi a Holanda, em 2001, país
caracterizado pela tolerância religiosa desde o século 17. Amsterdã é,
desde o final do século passado, um paraíso das liberdades individuais.
Mas também ali houve perseguição a homossexuais no século 18, muito mais
do que nos países ibéricos.
Conclusão: a maior ou menor tendência à aprovação legal do casamento entre
pessoas do mesmo sexo pode ser melhor compreendida à luz da história do
tempo presente. A explicação deve passar pela maior ou menor força da
Igreja Católica e sobretudo das evangélicas, interesses políticos
variados, capacidade de pressão dos movimentos gays etc.
Como explicar que a África do Sul tenha já aprovado, em 2006, o casamento
gay, considerando o seu passado recente? Só estudando cada caso. As
tradições antigas pesam muito pouco.



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RONALDO VAINFAS é professor de história na Universidade Federal Fluminense

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