domingo, 4 de julho de 2010

Sr. Dr. Delegado conciliador

A experiência de um novo formato de delegacia materializado em Lins, Estado de São Paulo aproxima-se, na prática, da tese de doutorado de Luciano de Oliveira nos anos 80 do século passado. Lá esse estudioso mostrava o delegado de polícia em Recife como importante ator social para os conflitos da comunidade.
Folha de São Paulo de 4 de julho de 2010
Polícia que concilia abre polêmica em SP
Experiência em Lins coloca delegado como conciliador para tentar evitar que crimes leves cheguem à Justiça

Para Ministério Público, iniciativa é ilegal, mas Polícia Civil já prepara expansão para outros municípios do interior

JOSÉ BENEDITO DA SILVA
ENVIADO ESPECIAL A LINS

Selma Moraes Peres, 58, vive em rua tradicionalmente ocupada por repúblicas estudantis em Lins (431 km de SP) e daí vinha a sua maior agonia: as festas universitárias.
Em 12 anos, diz ter feito "mais de 10" boletins de ocorrência para tentar valer seu direito ao sono (professora, acorda às 6h), mas nunca foi chamada pelo Judiciário.
Em abril, ao registrar nova ocorrência, se surpreendeu: em dez dias, foi chamada a uma audiência, mas na Polícia Civil. Sentou-se com quatro estudantes, assinaram um acordo e voltou a dormir.
O caso de Selma é um dos 57 acordos firmados num lugar inusual: uma unidade policial que tenta a conciliação em casos de crimes leves e que já é alvo de polêmica.
Criado em 11 de março, o Necrim (Núcleo Especial Criminal) de Lins é uma experiência que a Polícia Civil vai expandir este ano para cidades como Bauru, Jaú, Marília, Tupã, Ourinhos e Assis.
Em três meses, só cinco das 62 audiências acabaram em impasse. Houve acordos em ocorrências como ameaças, lesões corporais leves, dano e acidentes de trânsito.

CRIMES LEVES
O espírito é dar agilidade aos crimes de menor potencial ofensivo: aqueles com pena inferior a dois anos e cujo andamento judicial dependa de vontade da vítima.
Firmado o acordo -que pode incluir o pagamento da dívida, a reparação do dano ou o compromisso de não reincidir-, a vítima renuncia expressamente à ação penal.
O documento é submetido à Justiça, que tem dado o aval. Em todos os casos, no entanto, a Promotoria ignorou o acordo e recomendou que o arquivamento esperasse seis meses, prazo legal para que a vítima faça a representação penal -os juízes ignoraram a recomendação.
"A lei tem previsão expressa de que essa fase de conciliação deve ser feita em juízo, com a interveniência do Ministério Público", diz a promotora Luciene Angélica Mendes, da Procuradoria-Geral de Justiça, órgão que emitiu um parecer defendendo a ilegalidade do Necrim.
Para a polícia, a iniciativa é legal, dá solução rápida a pequenos crimes, desafoga a Justiça e elimina a reincidência. "Você dá aos colegas dos distritos a oportunidade de investigar crimes mais relevantes", diz o delegado do Necrim, Orildo Nogueira.

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