domingo, 26 de dezembro de 2010

Uruguai e a anistia

Folha de São Paulo 26 de dezembro de 2010

Família faz Uruguai repensar anistias

Conquista jurídica de parentes de uma militante morta em 1974 abala perdão a crimes de militares na ditadura

Decisão já permitiu que um general da ativa e um coronel da reserva do Exército fossem processados e presos

Gustavo Hennemann/Folhapress

O uruguaio Juan Sabalsagaray com foto da irmã Nibia, morta em 74, em sua casa em Juan Lacaze, a 150 km de Montevidéu

GUSTAVO HENNEMANN
ENVIADO ESPECIAL A JUAN LACAZE (URUGUAI)

A família da uruguaia Nibia Sabalsagaray recorreu à Justiça só para mudar a versão oficial de sua morte. Queria que o Estado anulasse o atestado de suicídio e admitisse que ela foi torturada e assassinada aos 24 anos por agentes da ditadura cívico-militar do país (1973-1985).
No entanto, o caso da professora e militante comunista foi mais longe. Convenceu a Suprema Corte do Uruguai a declarar inconstitucional a Lei de Caducidade, que perdoa militares e policiais dos crimes cometidos na época.
A decisão inédita permitiu que um general da ativa e um coronel da reserva do Exército fossem processados e presos no último mês.
A conquista jurídica da família Sabalsagaray abriu caminho para que a Suprema Corte considerasse a Lei de Caducidade inconstitucional para outros 20 casos e também rendeu força política aos parlamentares que tentam derrubar a norma de forma definitiva no Legislativo.
"É ilógico que exista essa lei. Minha irmã morreu e eu quero saber o que aconteceu. Estamos cansados de ouvir a historinha do suicídio. Não há nada mais antidemocrático do que o Estado proibir a apuração de um crime", diz Juan, 58, irmão de Nibia que hoje vive em Juan Lacaze, a 150 km da capital uruguaia.
Por cinco anos, ele e duas irmãs lutaram contra as intimidações e as travas da legislação. Ligações anônimas mandavam a família "parar de incomodar", conta.
Segundo o Ministério Público e a família, tanto o general Miguel Dalmao, na época segundo-tenente, como o coronel José Chialanza, que comandava o quartel em que Nibia morreu, participaram do interrogatório e da sessão de tortura que provocou a morte da militante.
Em seguida, ambos trataram de forjar documentos e de montar uma cena de suicídio, segundo a Promotoria.
Nibia liderava reuniões políticas e pichava mensagens contra a ditadura. Foi presa e levada a um quartel em junho de 1974. No dia seguinte, militares levaram o corpo à família dizendo que ela havia se enforcado.
Segundo Adolfo Garcé, cientista político da Universidade da República, o caso foi um dos que mais indignou a sociedade uruguaia porque ela nunca pegou em armas.

OUTRO LADO
O advogado Miguel Langon, que defende o general Dalmao, afirma que o processo contra seu cliente não apresenta nenhuma prova. "São simples inferências, narrativas, que contam com a convicção pessoal das testemunhas, mas que não têm sustentação jurídica."
A reportagem não conseguiu falar com o advogado do coronel Chialanza.

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