Líbia pagou consultoria para polir imagem Folha de São Paulo 7 de março de 2011
Por ao menos 4 anos, Monitor Group foi contratado por Gaddafi, que ensaiava reaproximação com Ocidente
Firma baseada nos EUA empregou acadêmicos de prestígio, entre 2006 e 2008, para conversar com a ditadura líbia
LUCIANA COELHO
EM CAMBRIDGE (EUA)
Uma consultoria norte-americana com sede em Cambridge, Massachusetts, confirmou ter sido paga por mais de quatro anos pelo regime de Muammar Gaddafi para ajudá-lo a polir a imagem do país -e a sua própria- perante o mundo.
O trabalho do Monitor Group foi intenso entre 2006 e 2008, quando acadêmicos prestigiados como Joseph Nye (da Universidade Harvard) e Anthony Giddens (da London School of Economics), entre outros, foram enviados para reuniões com o ditador, diz o grupo.
Nessa época, Gaddafi -antes ostracizado por seus supostos laços com o terrorismo e por suas ambições nucleares- ensaiava uma reaproximação com o Ocidente, de olho no gás natural e no petróleo do país.
Mas o Monitor manteve laços com Trípoli até setembro último, trabalhando com o Fundo de Investimentos da Previdência Líbia, grupo ligado ao regime que busca investidores para o país.
Representantes do Monitor não quiseram dar entrevista. Mas em texto enviado à Folha, confirmam o trabalho e afirmam ter cometido "um erro grave" de avaliação.
"O Monitor acredita que a maior parte de seu trabalho na Líbia foi apropriada e responsável, mas nós cometemos erros", diz o grupo, que atua em 18 países, inclusive no Brasil.
A consultoria não revelou o valor recebido de Trípoli por seus serviços. O jornal "Boston Globe", citando fontes líbias, fala em US$ 250 mil (R$ 415 mil) mensais.
TREINANDO GADDAFI
De 2006 a 2008, os préstimos do Monitor focaram duas frentes.
A primeira foi uma análise detalhada da economia local com vistas a atrair investimentos e comércio para o pais após anos de sanções da ONU (suspensas quando o regime disse abdicar de seus planos nucleares, em 2003).
O segundo foi o treinamento de "líderes em potencial", que o grupo disse ter abraçado dado o "clima de otimismo com o futuro do país". O treinamento incluiu o próprio Gaddafi.
Nye relatou brevemente suas visitas em e-mail à Folha e ao jornal britânico "The Guardian", mas não quis dar entrevista.
"Fui convidado pelo Monitor para ir à Líbia me encontrar com o Gaddafi em fevereiro de 2007. Eles ofereceram pagar o que eu normalmente cobro pelo trabalho de consultoria mais as despesas de viagem", disse, sem explicitar valor.
"Como alguém que escreve sobre líderes e política internacional, fiquei curioso para saber como ele era", afirmou o professor, que cunhou o conceito "soft power" na política internacional (poder de persuadir e influencia ao invés de coagir).
Nye descreveria suas impressões dez meses depois em um artigo na revista "New Republic" no qual chama o encontro de "bizarro" e questiona as intenções de Gaddafi de que queria a "democracia direta". Ele também escreveu então que a atitude do ditador ante o mundo, ao seu ver, mudara.
"Mas em nenhum momento eu apoiei o regime de Gaddafi", escreveu Nye, "e digo abertamente que espero por sua rápida deposição".
O professor relatou uma segunda visita pelo Monitor, em 2008, com um grupo de acadêmicos que explicaria a crise mundial ao ditador. "Foi um encontro de poucas horas, que eu duvido que tenha tido sucesso."
Já Giddens, um condecorado sociólogo britânico e ex-diretor da LSE, escreveu no "Guardian" após suas visita que o sistema líbio precisava mudar urgentemente, mas que acreditava ser possível haver avanços com "Gaddafi em cena".
Em comunicado, ele negou ter tido contato com o regime quando dirigiu a LSE, alvo de um escândalo por ter recebido financiamento do regime.
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