quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Paraguai, uma nova Honduras?

Fonte: Carta Maior

Há duas semanas, foi tornado público o conteúdo de um email de um pecuarista chileno de nome Avilés, residente no Paraguai há mais de 30 anos, que propõe a arrecadação de uma contribuição financeira entre seus pares empresariais para comprar armamentos, formar milícias e identificar e matar comunistas. Do mesmo modo que ocorreu em Honduras com as pequenas reformas de Manuel Zelaya, a rançosa elite paraguaia não suporta o ex-bispo como presidente. Só um parâmetro: fazer um simples cadastro das propriedades agrícolas já é uma medida revolucionária no Paraguai. O artigo é de Pablo Stefanoni.

Há pouco mais de um ano, o então bispo emérito Fernando Lugo conseguia a façanha: colocar fim a uma hegemonia de seis décadas do Partido Colorado, com uma aliança com os liberais e o apoio dos movimentos campesinos e populares de um país governado por máfias de todos os níveis, dedicadas a todo tipo de tráficos, contrabando e ilegalidades diversas, amparadas por um poder com o qual compartilhavam o botim. Ou simplesmente eram as máfias que exerciam, sem intermediários, o poder. O ditador Alfredo Stroessner foi o grande organizador deste modelo: fincou-se no trono nos anos 50 e lá ficou até ser afastado por seu genro, Andrés Rodríguez, um dos grandes narcotraficantes do país, em 1989. Os negócios precisavam continuar...mas em uma democracia. Os tempos tinham mudado.

Farto de continuísmo, não é casual que em um país onde a esquerda foi perseguida e quase exterminada, o anticomunismo tenha se tornado política de Estado (uma gigantesca estátua do líder chinês anticomunista Chiang Kai Chek repousa como recordação disso na avenida do mesmo nome em plena Assunção) e a moral pública permaneça como um imperioso objetivo a conquistar, os paraguaios tenham apostado em um bispo, de uma região popular, para tirar do fundo do poço a “ilha rodeada de terra, no dizer de seu principal escritor, Augusto Roa Bastos. Mas, para poder ganhar, Lugo se aliou com os liberais, um partido tradicional, que hoje controla o Parlamento com os colorados e os “colorados éticos” (uma contradição em todos os termos) do ex-golpista fascistóide Lino Oviedo.

Após chegar ao poder, a audácia do ex-clérigo para acabar com o velho Estado não foi exatamente sua principal qualidade. Mas, do mesmo modo que ocorreu em Honduras com as pequenas reformas de Manuel Zelaya, a rançosa elite paraguaia não suporta o ex-bispo como presidente. Só um parâmetro: fazer um simples cadastro das propriedades agrícolas já é uma medida revolucionária no Paraguai, onde latifundiários e brasiguaios (filhos de brasileiros nascidos no Paraguai) controlam suas fazendas na ponta de escopetas. Além disso, em setembro, Lugo anunciou o cancelamento de exercícios militares que seriam realizados por 500 militares dos Estados Unidos e efetivos do Paraguai, programados para 2010 sob o nome de “Novos Horizontes”.

“Não é prudente nem conveniente neste momento e poderia dar lugar a questionamentos entre os outros países irmãos do Mercosul e da Unasul”, disse então Lugo com um tom pastoral. “É uma decisão lamentável, mas a respeitamos. Esperamos que isso não seja um indício de rechaço ao resto de nossos programas”, reagiu a embaixadora dos Estados Unidos, Liliana Ayalde, com esse tom de sutil ameaça que o termo “esperamos” costuma ter na boca de diplomatas do país do Norte. E efetivamente, por enquanto, estão mantidos outros programas de cooperação, inclusive alguns na área militar. A política do “poncho yuru” (ficar ao centro, como a boca do poncho) não afastou, porém, os fantasmas da burguesia paraguaia sobre um trânsito do Paraguai para o “comunismo” de Chávez, Evo e Correa.

Há duas semanas, foi tornado público o conteúdo de um email de um pecuarista chileno de nome Avilés, residente no Paraguai há mais de 30 anos, que propõe a arrecadação de uma contribuição financeira entre seus pares empresariais para comprar armamentos, formar milícias e identificar e matar comunistas (ver mais abaixo). Essa proposta veio a público no momento em se colocava em marcha um plano para terminar com Lugo via terreno político. E na semana passada houve outra denúncia de um caso de paternidade não reconhecida: abundam os casos do ex-bispo que terminaram em gravidez de colaboradoras e empregadas. Como disse o jornalista Hinde Pomeraniec, “o celibato é imperfeito, o único perfeito é Deus”. Um pouco cínico, em todo caso.

O analista e dirigente político Hugo Richer explicou ao Pulso que Lugo tratou de se manter em sua postura de “poncho yuru”, com um discurso político progressista, uma política econômica com componentes neoliberais (projeto de privatização de estradas, por exemplo) e uma política social assistencialista. No entanto, acrescenta, Lugo não renunciou a implementar a reforma agrária, as mudanças no Poder Judiciário e outros pontos importantes de seu programa. E é por isso que a oligarquia e os partidos da direita iniciaram uma forte ofensiva, onde certos meios de comunicação desempenham um papel fundamental. Não toleram a presença de Lugo no governo e estão dispostos a tirá-lo de lá pela via que for. Identificam-no com o socialismo do século XXI e com Chávez e Evo Morales.

Para além do fato de que isso não é bem assim, o que não suportam é seu relativo distanciamento da política do império. Eles sabem que Lugo não dará uma orientação socialista ao governo, mas o grande temor é que o cenário político aberto permita o crescimento da esquerda, em seu amplo espectro. Não deixa de ser tragicômico a razão pela qual a direita fundamenta o pedido de afastamento político de Lugo: o fato dele ter afirmado em um bairro popular que os ricos se opõem ao processo de mudança. “Os que genuinamente querem mudar o país são os que não têm contas bancárias, são os que não saem todos os dias nas páginas sociais da imprensa, os que querem seguir olhando o passado em seus privilégios (...) em defesa de suas poupanças em bancos internacionais; isso eles não querem mudar.”

Discurso inofensivo? Pode ser, mas não no Paraguai das mansões insultuosas rodedas de miséria, moscas e cheiro de laranjas. O ex-candidato presidencial Pedro Fadul, do partido Pátria Querida, quarta força parlamentar, classificou de “criminoso” o conteúdo do discurso de “confrontação”, que “fere a alma e o espírito”...É curiosa, em qualquer caso, a capacidade de indignação do “espírito” desta burguesia mafiosa.

Possivelmente, a direita paraguaia tenha aprendido com os gorilas hondurenhos que não é bom tirar Lugo do poder, vestido de pijamas, de madrugada, e enviá-lo a algum país vizinho em um “avião pirata”, mas isso não significa necessariamente que ela tenha deixado de lado suas ambições desestabilizadoras, mas sim, simplesmente, que decidiu ser mais cuidadosa.

Para isso, controla o Congresso, onde poderia destituí-lo legalmente. O Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), do vice-presidente Federico Franco, que passaria a ocupar a presidência em caso de triunfo deste “golpe light”, praticamente deixou de ser um partido de governo: uma boa parte de sua cúpula, de seus senadores e deputados se jogaram abertamente no julgamento político das últimas semanas. Somente o grupo daqueles que ocupam cargos ministeriais podem ser contados, no momento, entre os supostamente leais ao governo.

Por isso, há uma semana, Lugo chamou a todos os partidos de esquerda (incluindo os social democratas) para coordenar um novo bloco político de sustentação de seu governo. Destas reuniões saiu uma inédita aliança no Paraguai, onde a esquerda nunca se uniu, menos ainda com as frações social democratas. É uma iniciativa que conta, além disso, com o apoio de organizações campesinas, as de maior capacidade de mobilização no país. O objetivo é organizar a resistência à tentativa de processo político e de uma possível destituição do presidente. Como demonstra a consolidação no poder dos golpistas hondurenhos, o rechaço da “comunidade internacional” não é suficiente para repor a democracia se não há uma real base de mobilização interna como ocorreu em 2002, na Venezuela.

“Por enquanto, a estratégia do julgamento político se debilitou”, explica Richer. E na semana passada Lugo afastou a cúpula militar logo após denunciar a existência de bolsões golpistas no âmbito das Forças Armadas. Enquanto isso, a direita trata de identificar Lugo com as ações do suposto grupo guerrilheiro acusado de sequestrar o pecuarista Fidel Zavala (é o quarto seqüestro atribuído a este grupo). O ministro do Interior, Rafael Filizzola responsabilizou de fato um suposto grupo subversivo de esquerda vinculado às FARC da Colômbia, denominado Exército Paraguaio do Povo (EPP), cuja existência efetiva nunca foi demonstrada.

“As Forças Armadas não merecem um comandante em chefe como Lugo”, disparou o ex comandante das Forças Armadas e atual dirigente colorado, Bernardino Soto Estigarribia, que descartou, por outro lado, que algum militar vá se envolver em um possível processo político para fazer um golpe. Segundo ele, os militares, após muito esforço, estão alinhados ao regime institucional e sabem que o delito por golpismo não prescreve. Mas, outra vez, ouve-se: não é nenhum delito destituir “democraticamente” ao presidente mediante um processo político. “É uma distorção maliciosa falar de golpe de Estado, mas não é um disparate falar de um processo político”, disse o analista político Gonzalo Quintana ao jornal La Nación, de Buenos Aires. O titular do Parlamento paraguaio, senador Miguel Carrizosa, confirmou que “existiu um diálogo informal” entre as distintas forças políticas para avaliar a possibilidade de um processo político, ainda que, no momento, “não tenha os votos suficientes”.

Mas em um país onde muitas coisas se compram e se vendem, talvez esse número de votos possa ser obtido amanhã. “Lugo fez um discurso incendiário incentivando a luta de classes e a oposição não pode ficar calada”, disse o analista Carlos Redil, - cujo espírito também parece indignado. Ele acredita que, por enquanto, não estão dadas as condições para um afastamento, apesar de o presidente “estar demonstrando uma real incapacidade para governar”.

Afinal de contas, qual é então o tema central do que se passa no Paraguai – pergunta-se Richer. “A tremenda crise dos partidos tradicionais e o desespero de uma oligarquia ultraconservadora. Essa crise nos leva a profundas contradições internas, agravadas pela falta de um funcionamento institucional. Não há possibilidade de acordar um consenso que consolide um novo modelo de acumulação. A junção de latifundiários (de terras mal havidas) empresários que enriqueceram com a influência do velho poder, e vinculações com a máfia de todo tipo, impedem uma reação rumo a uma proposta de consolidação da democracia e de produção de certas mudanças que a cidadania espera. Amplos setores seguem esperando que Lugo caminhe nesta direção”.

Não faltam problemas no governo Lugo, mas nenhuma de suas falências está ausente em seus opositores (pelo contrário, multiplicam-se aos milhares), os quais substituíram faz tempo suas biografias por verdadeiros prontuários. É possível que, com todos seus limites, Lugo seja somente um dique de contenção para que o infortúnio não volte a tomar as rédeas (Roa Bastos, outras vez) neste castigado país sulamericano.

Correio eletrônico apreendido de um pecuarista

Assunto: Comandos anticomunistas

Estimados amigos:

Já é hora de colocarmos as bombachas. Até quando teremos que esperar para combater estes comunistas filhos da puta que estão querendo destruir nosso querido Paraguai, como fizeram os Allendistas no Chile, desde 1968, até o 11 de setembro de 1974, ou então nos convertermos em uma Nova Colômbia.

Quantos pais, irmãos e filhos teremos que enterrar para poder reagir. Quanto luto e dor terão que suportar nossas mães, esposas ou filhas antes de liquidar esta peste representada pelos subversivos comunistas.
Todos sabemos que este governo não somente os esconde os ajuda, dá dinheiro e alimentos a eles, fecha os olhos ante o avanço da guerrilha, em vez de ordenar imediatamente a saída das tropas para a zona em questão, para cercar com pinças de fogo, capturar esses bandidos e executa-os no lugar onde forem encontrados. Os verdadeiros responsáveis de tudo isso são Fernando Lugo, Lopez Perito, Marcial Congo, Camilo Suarez (os intelectuais), Pakoba Ledesma, Elvio Benites e outros (os idiotas úteis), Magda Meza, Cetrine, etc., etc. (os executores).

É hora de despertar:

1. Juntar dinheiro para libertar o amigo Fidel Zabala

2. Juntar dinheiro para nos organizar, como eles, mas em sentido contrário (no Chile, nos anos 1970, deu resultado)

3. Juntar dinheiro para que tenhamos os AR-15, AK-47, etc.

4. Perseguir, capturar e liquidar fisicamente a todos os comunistas que atentam contra nossas vidas e posses.

5. Comunicar publicamente ao governo do Sr. Lugo, que sua festa está acabando, que seu idílio com Chávez, Morales, Correa, Castro e outros, tem os dias contados. Que Filizzola saiba que, ou faz algo para terminar com tudo isso, ou que esteja pronto para sair do país.

Eu pessoalmente já vivi e passei por tudo isso e não permitirei que volte a ocorrer com meu novo e querido país, muito menos com minha família e amigos. Nestas situações, devemos nos unir, estar dispostos a matar e a morrer, mas nunca a esmorecer, ou senão seremos vítimas como foram os salvadorenhos, os cubanos, os colombianos e os bolivianos.

Pela formação do Comando Anticomunista Paraguaio (CAP)

Eduardo Avilés L.


Tradução: Katarina Peixoto

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