Dando continuidade a postagem do problema de identidade cultural na Espanha revelado no caso do crucifixo, o jornal "El País" noticia em 29 de novembro de 2008 a respeito do hasteamento da bandeira espanhola no parlamento vasco. Sublinhem-se as contribuições de Rudolf Smend e, mais recentemente, de Peter Häberle (veja a entrevista dele postada no www.supremoemdebate.blogpsot.com sobre o tema) em obra abordando essa questão da identidade cultural publicada no Brasil.
El Supremo ordena que la bandera de España ondee en el Parlamento vasco
El tribunal cierra un contencioso que inició el delegado del Gobierno en 2002
La bandera de España deberá ondear diariamente en el exterior del Parlamento vasco y ocupar un lugar preferente en el interior, según ordena una sentencia del Tribunal Supremo que confirma otra anterior del Tribunal Superior de Justicia del País Vasco. La sentencia ratifica que la expresión "deberá ondear" pone de relieve la exigencia legal de que la bandera de España ondee "todos los días", como símbolo de que en los edificios de las Administraciones públicas del Estado "se ejerce, directa o delegadamente, la soberania”.
El Tribunal Supremo se remite a la ley 39/1981 que regula el uso de la bandera y demás enseñas y dice que ésta "no admite interpretaciones que excusen el cumplimiento del deber de hacer ondear diariamente la bandera de España en el exterior y en el lugar preferente en el interior del Parlamento vasco".
El recurso de la Cámara vasca alegaba que la bandera española llevaba 20 años sin ondear en el Parlamento de Vitoria y que el requerimiento se había presentado fuera de los plazos establecidos.
Frente a estos alegatos, el Supremo explica que la no aplicación de una norma no la lleva a su desuso, ya que, en modo alguno, la costumbre puede prevalecer sobre la ley. Además, aceptar que las leyes se derogan "por el simple transcurso del tiempo acompañado de su incumplimiento" implicaría una ruptura del principio de legalidad.
En definitiva, el Supremo reitera que la bandera de España deberá ondear en el edificio del Parlamento vasco, "diariamente", "con carácter de permanencia, no de coyuntura, no de excepcionalidad, sino de generalidad", y "en todo momento".
El alto tribunal concluye explicitando "la firmeza de la sentencia" y "la vigencia del criterio que se sostiene en ella". El fallo condena en costas al Parlamento vasco, aunque limita a 3.000 euros la cifra máxima de honorarios del letrado del Estado.
La sentencia del Supremo, de la que ha sido ponente el magistrado Octavio Juan Herrera, pone fin al contencioso iniciado en mayo de 2002, cuando el delegado del Gobierno en la comunidad autónoma vasca requirió el cumplimiento de la ley de banderas. El requerimiento no fue contestado por el Parlamento vasco, decisión que recurrió el abogado del Estado en representación de la Administración central.
La bandera de España, la ikurriña y la enseña de la UE lucen desde hace tiempo en la sala de recepciones del Parlamento vasco. Pero no en el exterior del edificio, donde no ondea bandera alguna.
sábado, 29 de novembro de 2008
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
O integrante do grupo de pesquisa sobre o Estado obteve primeiro lugar na Jornada Cientifíca do Ibmec
O bacharelando de Direito da UFRJ Rafael Barros Vieira, integrante do grupo de pesquisa sobre o Estado, obteve, de forma merecida, o primeiro lugar na premiação da ~"Jornada de Iniciação Cientifíca" na área de Direito promovida pelo Ibmec-rj. O seu trabalho apresentado na forma de "power point" mostrou os resultados de sua densa pesquisa sobre o estado de exceção nas perspectivas de G. Agamben e Carl Schmitt. Parabéns!
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
Faoro e o Estado brasileiro
Raimundo Faoro e o Estado brasileiro
A "Folha de São Paulo" de 27 de novembro de 2008 noticia os 50 anos de publicação da importante obra de Faoro para compreender o Estado brasileiro. O ex-presidente do Conselho Federal da OAB é autor, também, da obra Assembléia Constituinte revisitada. A obra com 50 anos de publicação só veio a ser descoberta com o Golpe Militar de 1964 que demonstrou o acerto da visão interpretiva de Faoro sobre a realidade brasileira e o seu estado patrimonialista.Clássico de Faoro completa 50 anos com nova edição"Os Donos do Poder", obra que analisa o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, será tema de debate, hoje à noite, na FGV Na época em que escreveu uma das mais importantes interpretações do país, Raymundo Faoro era jovem e obscuro advogado no RS. Do esforço e da erudição individual de um obscuro advogado gaúcho, uma espécie de "self-made man" da análise sociológica, nasceu, há 50 anos, uma das mais importantes interpretações sobre o Brasil. Leitura que dizia, justamente, que o Estado patrimonialista sufocava aventuras ou empreendimentos independentes, impedindo o surgimento de ideário e práticas modernas, liberais no país. O hoje clássico "Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro", de Raymundo Faoro (1925-2003), escrito à mão em 1954, só veio a ser editado em 1958, pela então gaúcha editora Globo. Ganhará agora uma nova edição, que chega às livrarias nesta semana, com comentário crítico do professor de ciência política da USP Gabriel Cohn e reprodução de manuscritos. Conta Cohn que "o livro talvez não tivesse vencido a muralha da indiferença" se não ocorresse a alguém na editora -"consta que Erico Verissimo"- sintetizar o argumento com um título novo, a partir do próprio texto de Faoro. E quem são esses celebrizados "donos do poder"? São representantes de um Estado que confunde coisa pública e privada, um "estamento" burocrático que não tira seu poder da representação de grupos ou interesses econômicos e sociais independentes da máquina estatal, mas, ao contrário, que constitui riquezas privadas e fortalece grupos a partir das posições que ocupam no Estado. Herança e mudançaPara o autor gaúcho, que viria a ser figura de frente na luta pela redemocratização do país durante a ditadura militar (1964-1985), o Brasil herdou de Portugal uma organização política pré-moderna, em que o Estado capitaneia os grandes empreendimentos comerciais, sufocando a existência de uma burguesia autônoma, limitando e canalizando todos os impulsos da sociedade. É verdade, no entanto, que o país mudou bastante desde a publicação da primeira edição do livro. A democracia ganhou força e representatividade. Como fica o patrimonialismo hoje no Brasil? Para o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., o argumento permanece atual. "O poder ainda emana daquele que tem a caneta", ele diz. "Segundo Faoro, o poder não estava no dinheiro, no empresariado, no poder social, mas na capacidade de nomear pessoas, alocar conhecidos e distribuir benesses. Isso continua valendo." Já Gabriel Cohn defende que a conclusão principal do livro de Faoro continua válida apenas se considerarmos que essa forma geral do Estado patrimonialista é extremamente "plástica", adaptando-se sempre a novas realidades. A leitura é possível, mas o advogado sugere rigidez maior em sua tese, como alerta o próprio Cohn. "O que não dá para sustentar é a idéia de uma asfixia total sobre a sociedade. Você tem uma sociedade tolhida na sua capacidade de constituir seus próprios dinamismos, mas a idéia de uma sociedade asfixiada [pelo Estado] não se mantém." Cohn e Reale Jr. participam hoje à noite, na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (r. Rocha, 233), de um debate sobre Faoro e "Os Donos do Poder". Também participarão da mesa o advogado e cientista político Oscar Vilhena e o historiador Carlos Guilherme Mota. O encontro acontece às 19h, e a entrada é gratuita.
domingo, 23 de novembro de 2008
A neomodernidade - a voltad do Estado?
O jornal "El Pais" de 23 de novembro de 2008 publica este importante texto sobre a volta do Estado. Complemente a leitura com o último número da revista Constellations com acesso no portal Capes de www.capes.gov.br.
¡Bienvenidos a la neomodernidad!
La posmodernidad ha muerto. Con la crisis termina el culto al caos, el individualismo y lo identitario. Vuelve el Estado, el mejor gestor del orden, la seguridad y la estabilidad, así como de la igualdad y la protección social
FERNANDO VALLESPÍN
Toda crisis, y ésta parece ser de las más profundas, introduce una importante cesura en el tiempo histórico. Nunca es un corte drástico, desde luego, siempre hay elementos de lo viejo que siguen perviviendo en lo nuevo. Pero sí sirven al menos para hablar de un antes y un después. Y creo que esto es lo que va a ocurrir con esta nueva crisis. La gran cuestión es si somos capaces de anticipar los rasgos básicos de la sociedad que viene, si podemos saber en qué se diferenciará de lo ya conocido. Tengo para mí que la sociedad del futuro inmediato abandonará algunos de los rasgos más conspicuos de eso que hemos venido calificando como posmodernidad para volver a muchos de los de la anterior fase moderna sin que ello signifique un pleno retorno a ella. Será una novedosa y curiosa síntesis de presupuestos modernos bajo las condiciones objetivas de una sociedad global y mucho más compleja, una neomodernidad. Especulemos.
En la nueva era, orden y seguridad, asociados a bien común y solidaridad, pueden tomar la delantera
Las políticas de izquierdas que propongan un nuevo contrato social tienen una gran oportunidad
El rasgo más marcado del cambio, ya lo estamos viendo, es el renovado protagonismo de la economía. Frente a la prioridad que en la anterior fase posmoderna acabó teniendo lo cultural -en un sentido lato-, se alza ahora lo económico como el factor central de la actividad humana. Por el momento, habrá que arrinconar tesis como la de Huntington, que creía ver en lo identitario-cultural la esencia del conflicto contemporáneo. Tanto en la dimensión política global como en la interna, los conflictos en torno a la distribución de los recursos pasarán al centro del interés y se postergarán los identitarios. La redistribución, la lucha contra la desigualdad, volverá a dominar el debate político después de haber sido durante décadas la gran cuestión olvidada. Regresarán los clásicos conflictos sociales con raíz de clase y es previsible imaginar una reverdecida presión para alcanzar una mayor equidad fiscal. ¿Cómo justificar ahora, por ejemplo, ante la nueva menesterosidad, el escapismo fiscal de que han venido disfrutando los más privilegiados? No deja de ser irónico que la elección de Obama, que representa un hito en las "luchas por el reconocimiento" posmodernas -de minorías étnicas en este caso-, acabe por significar la afirmación de políticas de igualdad frente a las de la "diferencia".
Valores como solidaridad, igualdad, autoridad, esfuerzo, responsabilidad, cotizarán al alza. Los clásicos valores densos de nuestra herencia moderna postergarán a los más ligeros -líquidos, en la jerga de Bauman- del "todo vale", la gratificación inmediata, el hiperconsumo, la autorrealización individual. No saldremos de eso que los sociólogos califican como "individualización", pero habrá una tendencia a moderar el individualismo y el privatismo radicalizado en aras de un mayor compromiso con los objetivos sociales generales. Todo ello en nombre del gran valor de la modernidad: el orden. Lo ambivalente, ambiguo, relativo, esos rasgos esenciales del pluralismo posmoderno, serán mirados con sospecha. Orden y seguridad, asociados a bien común y solidaridad, tienen garantizada buena prensa en momentos en los que acucia la necesidad y el miedo. El gran gestor del orden, la seguridad y la estabilidad, pero también de la protección social más general, ha sido siempre el Estado, el héroe de la modernidad clásica. Parece obvio que volverá a gozar de una renovada legitimidad. Un Estado al que seguramente se le exigirá mucho más de lo que está en condiciones de dar. Pero será el gran protagonista de los tiempos venideros.
A la vista del actual agotamiento de los procesos de integración regional y de la afirmación de los nuevos Estados emergentes, la política de la nueva sociedad global se sujetará más a la clásica pauta de la colaboración "inter-nacional" que a la gobernanza "transnacional" propiamente dicha. "Gobernanza entre Estados" y geopolítica clásica. Es un craso error en momentos en los que mandan las interdependencias y la solución de problemas pasa por poner en común importantes dimensiones de la soberanía (sovereignty pooling).
Ad intra el Estado garantizará también medidas que calmen la ansiedad ante la inmigración, más fronteras, mayores garantías de los intereses nacionales, menor predisposición a tolerar los mecanismos de autoorganización social. Vuelta al big government y a las certidumbres locales, a la tentación de reafirmar el egoísmo de país, la razón de Estado, el paternalismo burocratizado. Parece una demanda difícil de resistir si es reclamada por los ciudadanos y dentro de una competencia entre Estados por ver quién es capaz de resolver mejor sus problemas por sí mismo. Aunque, no nos equivoquemos, si emprendemos esta senda entraremos en una importante crisis de gobernabilidad. Necesitamos nuevos instrumentos políticos para resolver los acuciantes problemas sociales heredados.
Tanto la vuelta a los nuevos / antiguos valores densos como el protagonismo estatal ofrecerán una nueva oportunidad a las políticas de izquierdas. Habrán recuperado, por decirlo así, las palancas sobre las que se apoyaban para emprender reformas. Es hasta posible que los sindicatos recuperen una parte de su poder y prestigio perdido. Pero huérfanas de un claro sentido de la idea de progreso y en su énfasis por gestionar una política dirigida a evitar los grandes males -desempleo, pensiones, pérdida de competitividad- abandonarán gran parte de su dimensión utópica. Se tratará de izquierdas administradoras de la nueva escasez, un papel que ya hubieron de asumir en otros tiempos históricos. Sus programas los dictará más la conservación de lo ya alcanzado que lo que queda por conseguir; administrar las pérdidas más que anticipar las ganancias derivadas de emprender un nuevo camino.
Un liderazgo acertado podrá, en todo caso, aprovechar la ocasión para desprenderse de los modelos fracasados y reconducir el orden social hacia un nuevo contrato social, un pacto social-democrático de nuevo cuño que sea capaz de trasladar la parroquial política estatal hacia una más decidida política de colaboración sintonizada a las dos dimensiones ya imprescindibles: la esfera transnacional y la cooperación con la sociedad civil. La política del futuro deberá estar menos pendiente de la gestión directa que de la impulsión y galvanización de acuerdos, iniciativas, persuasión, movilización ciudadana. Y esto último parece absolutamente decisivo en unos momentos en los que el imprescindible retorno de la política sigue encontrando un inmenso escollo en la desconfianza que amplios sectores de la ciudadanía siguen sintiendo hacia lo político.
No es de excluir, sin embargo, una alternativa que recupere la esencia del ya conocido populismo de derechas, la tozuda vuelta al Estado de ley y orden alimentado por un nacionalismo revivido. Fronteras, xenofobia, reafirmación de las identidades nacionales. Sería la otra dimensión, mucho más siniestra, del conservacionismo rampante. Es un discurso que encuentra el terreno abonado en situaciones de crisis, sobre todo si es capaz de engarzarse con éxito a los nuevos temores y consigue dar con una fórmula retórica capaz de catalizar el descontento general.
Con todo, el triunfo de Obama nos ha ubicado ante una ruta más positiva. Y nos ha dado las claves para recordar que, a pesar de todo, hay una inmensa fuente de poder social creativo que puede ser movilizado políticamente si encontramos las claves necesarias para hacerlo realidad. En democracia no hay poderes que estén cristalizados de una vez por todas. El poder es energía social que fluye y que siempre podemos ser capaces de canalizar hacia aquellos fines que merezcan ser emprendidos. Hoy no podemos eludir una orientación realista que, pragmáticamente, tome en consideración lo dado. Pero el nuevo pensamiento único de la rígida defensa de lo que existe no será capaz siquiera de satisfacer este objetivo si se aferra a las viejas certidumbres y a los antiguos instrumentos de acción política. Se echa en falta imaginación, liderazgo y un claro proyecto de futuro. Menos "conservacionismo" y más sentido del progreso.
Lo decisivo de esta vuelta a la modernidad que se atisba en el horizonte es el contenido de que vayamos a dotar a lo nuevo de la neomodernidad, la forma en la que seamos capaces de extraer las consecuencias oportunas de la experiencia histórica y la aprovechemos para innovar social y políticamente. Si se recupera la política el futuro estará siempre abierto.
Fernando Vallespín es catedrático de Ciencia Política en la Universidad Autónoma de Madrid.
¡Bienvenidos a la neomodernidad!
La posmodernidad ha muerto. Con la crisis termina el culto al caos, el individualismo y lo identitario. Vuelve el Estado, el mejor gestor del orden, la seguridad y la estabilidad, así como de la igualdad y la protección social
FERNANDO VALLESPÍN
Toda crisis, y ésta parece ser de las más profundas, introduce una importante cesura en el tiempo histórico. Nunca es un corte drástico, desde luego, siempre hay elementos de lo viejo que siguen perviviendo en lo nuevo. Pero sí sirven al menos para hablar de un antes y un después. Y creo que esto es lo que va a ocurrir con esta nueva crisis. La gran cuestión es si somos capaces de anticipar los rasgos básicos de la sociedad que viene, si podemos saber en qué se diferenciará de lo ya conocido. Tengo para mí que la sociedad del futuro inmediato abandonará algunos de los rasgos más conspicuos de eso que hemos venido calificando como posmodernidad para volver a muchos de los de la anterior fase moderna sin que ello signifique un pleno retorno a ella. Será una novedosa y curiosa síntesis de presupuestos modernos bajo las condiciones objetivas de una sociedad global y mucho más compleja, una neomodernidad. Especulemos.
En la nueva era, orden y seguridad, asociados a bien común y solidaridad, pueden tomar la delantera
Las políticas de izquierdas que propongan un nuevo contrato social tienen una gran oportunidad
El rasgo más marcado del cambio, ya lo estamos viendo, es el renovado protagonismo de la economía. Frente a la prioridad que en la anterior fase posmoderna acabó teniendo lo cultural -en un sentido lato-, se alza ahora lo económico como el factor central de la actividad humana. Por el momento, habrá que arrinconar tesis como la de Huntington, que creía ver en lo identitario-cultural la esencia del conflicto contemporáneo. Tanto en la dimensión política global como en la interna, los conflictos en torno a la distribución de los recursos pasarán al centro del interés y se postergarán los identitarios. La redistribución, la lucha contra la desigualdad, volverá a dominar el debate político después de haber sido durante décadas la gran cuestión olvidada. Regresarán los clásicos conflictos sociales con raíz de clase y es previsible imaginar una reverdecida presión para alcanzar una mayor equidad fiscal. ¿Cómo justificar ahora, por ejemplo, ante la nueva menesterosidad, el escapismo fiscal de que han venido disfrutando los más privilegiados? No deja de ser irónico que la elección de Obama, que representa un hito en las "luchas por el reconocimiento" posmodernas -de minorías étnicas en este caso-, acabe por significar la afirmación de políticas de igualdad frente a las de la "diferencia".
Valores como solidaridad, igualdad, autoridad, esfuerzo, responsabilidad, cotizarán al alza. Los clásicos valores densos de nuestra herencia moderna postergarán a los más ligeros -líquidos, en la jerga de Bauman- del "todo vale", la gratificación inmediata, el hiperconsumo, la autorrealización individual. No saldremos de eso que los sociólogos califican como "individualización", pero habrá una tendencia a moderar el individualismo y el privatismo radicalizado en aras de un mayor compromiso con los objetivos sociales generales. Todo ello en nombre del gran valor de la modernidad: el orden. Lo ambivalente, ambiguo, relativo, esos rasgos esenciales del pluralismo posmoderno, serán mirados con sospecha. Orden y seguridad, asociados a bien común y solidaridad, tienen garantizada buena prensa en momentos en los que acucia la necesidad y el miedo. El gran gestor del orden, la seguridad y la estabilidad, pero también de la protección social más general, ha sido siempre el Estado, el héroe de la modernidad clásica. Parece obvio que volverá a gozar de una renovada legitimidad. Un Estado al que seguramente se le exigirá mucho más de lo que está en condiciones de dar. Pero será el gran protagonista de los tiempos venideros.
A la vista del actual agotamiento de los procesos de integración regional y de la afirmación de los nuevos Estados emergentes, la política de la nueva sociedad global se sujetará más a la clásica pauta de la colaboración "inter-nacional" que a la gobernanza "transnacional" propiamente dicha. "Gobernanza entre Estados" y geopolítica clásica. Es un craso error en momentos en los que mandan las interdependencias y la solución de problemas pasa por poner en común importantes dimensiones de la soberanía (sovereignty pooling).
Ad intra el Estado garantizará también medidas que calmen la ansiedad ante la inmigración, más fronteras, mayores garantías de los intereses nacionales, menor predisposición a tolerar los mecanismos de autoorganización social. Vuelta al big government y a las certidumbres locales, a la tentación de reafirmar el egoísmo de país, la razón de Estado, el paternalismo burocratizado. Parece una demanda difícil de resistir si es reclamada por los ciudadanos y dentro de una competencia entre Estados por ver quién es capaz de resolver mejor sus problemas por sí mismo. Aunque, no nos equivoquemos, si emprendemos esta senda entraremos en una importante crisis de gobernabilidad. Necesitamos nuevos instrumentos políticos para resolver los acuciantes problemas sociales heredados.
Tanto la vuelta a los nuevos / antiguos valores densos como el protagonismo estatal ofrecerán una nueva oportunidad a las políticas de izquierdas. Habrán recuperado, por decirlo así, las palancas sobre las que se apoyaban para emprender reformas. Es hasta posible que los sindicatos recuperen una parte de su poder y prestigio perdido. Pero huérfanas de un claro sentido de la idea de progreso y en su énfasis por gestionar una política dirigida a evitar los grandes males -desempleo, pensiones, pérdida de competitividad- abandonarán gran parte de su dimensión utópica. Se tratará de izquierdas administradoras de la nueva escasez, un papel que ya hubieron de asumir en otros tiempos históricos. Sus programas los dictará más la conservación de lo ya alcanzado que lo que queda por conseguir; administrar las pérdidas más que anticipar las ganancias derivadas de emprender un nuevo camino.
Un liderazgo acertado podrá, en todo caso, aprovechar la ocasión para desprenderse de los modelos fracasados y reconducir el orden social hacia un nuevo contrato social, un pacto social-democrático de nuevo cuño que sea capaz de trasladar la parroquial política estatal hacia una más decidida política de colaboración sintonizada a las dos dimensiones ya imprescindibles: la esfera transnacional y la cooperación con la sociedad civil. La política del futuro deberá estar menos pendiente de la gestión directa que de la impulsión y galvanización de acuerdos, iniciativas, persuasión, movilización ciudadana. Y esto último parece absolutamente decisivo en unos momentos en los que el imprescindible retorno de la política sigue encontrando un inmenso escollo en la desconfianza que amplios sectores de la ciudadanía siguen sintiendo hacia lo político.
No es de excluir, sin embargo, una alternativa que recupere la esencia del ya conocido populismo de derechas, la tozuda vuelta al Estado de ley y orden alimentado por un nacionalismo revivido. Fronteras, xenofobia, reafirmación de las identidades nacionales. Sería la otra dimensión, mucho más siniestra, del conservacionismo rampante. Es un discurso que encuentra el terreno abonado en situaciones de crisis, sobre todo si es capaz de engarzarse con éxito a los nuevos temores y consigue dar con una fórmula retórica capaz de catalizar el descontento general.
Con todo, el triunfo de Obama nos ha ubicado ante una ruta más positiva. Y nos ha dado las claves para recordar que, a pesar de todo, hay una inmensa fuente de poder social creativo que puede ser movilizado políticamente si encontramos las claves necesarias para hacerlo realidad. En democracia no hay poderes que estén cristalizados de una vez por todas. El poder es energía social que fluye y que siempre podemos ser capaces de canalizar hacia aquellos fines que merezcan ser emprendidos. Hoy no podemos eludir una orientación realista que, pragmáticamente, tome en consideración lo dado. Pero el nuevo pensamiento único de la rígida defensa de lo que existe no será capaz siquiera de satisfacer este objetivo si se aferra a las viejas certidumbres y a los antiguos instrumentos de acción política. Se echa en falta imaginación, liderazgo y un claro proyecto de futuro. Menos "conservacionismo" y más sentido del progreso.
Lo decisivo de esta vuelta a la modernidad que se atisba en el horizonte es el contenido de que vayamos a dotar a lo nuevo de la neomodernidad, la forma en la que seamos capaces de extraer las consecuencias oportunas de la experiencia histórica y la aprovechemos para innovar social y políticamente. Si se recupera la política el futuro estará siempre abierto.
Fernando Vallespín es catedrático de Ciencia Política en la Universidad Autónoma de Madrid.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
O pluralismo jurídico no contexto religioso
O Prof.Farlei Martins com base no jornal "New York Times" de 19 de novembro de 2008 estimula uma reflexão sobre o pluralismo jurídico e a religião
Tribunais islâmicos no Reino Unido não são novos, mas o furor é
A mulher vestida de preto queria um divórcio islâmico. Ela disse ao juiz
religioso que seu marido batia nela, a xingava e queria que ela morresse.
Mas seu marido era contrário, e o estudioso islâmico que julgava o caso
parecia determinado a manter o casal unido. Assim, ao pressentir a derrota,
ela trouxe sua arma secreta: seu pai.
Um homem barbado vestindo túnica longa entrou no recinto e descreveu seu
genro como sendo um homem colérico que enganou sua filha, fugiu da polícia e
humilhou sua família.
O juiz prontamente mudou sua posição e recomendou o divórcio.
Esta é a justiça islâmica, estilo britânico. Apesar do ruidoso debate
nacional em torno dos limites da tolerância religiosa e da preeminência da
lei britânica, os princípios da Shariah, ou lei islâmica, estão cada vez
mais sendo aplicados na vida cotidiana em cidades por todo o país.
A Igreja da Inglaterra possui seus próprios tribunais eclesiásticos. Os
judeus britânicos também contam com seus tribunais "beth din" há mais de um
século.
Mas desde que o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, pediu em fevereiro
para que aspectos da Shariah islâmica fossem abraçados ao lado do sistema
legal tradicional, o governo tem enfrentado um furor público em torno da
questão, aplacando os críticos ao mesmo tempo em que tenta tranqüilizar uma
desconfiada e às vezes insatisfeita população muçulmana de que suas
tradições têm um lugar na sociedade britânica.
Encaixotado entre os dois lados, o governo adotou uma posição tanto
cautelosa quanto confusa, um sinal de quão volátil pode se tornar quase toda
discussão sobre o papel dos quase 2 milhões de muçulmanos do Reino Unido.
"Não há nada na lei inglesa que impeça as pessoas de obedecerem os
princípios da Shariah se desejarem, desde que não entrem em conflito com a
lei inglesa", disse o ministro da Justiça, Jack Straw, em outubro. Mas ele
acrescentou que a lei britânica "sempre permanecerá suprema" e que
"independente da crença religiosa, nós todos somos iguais perante a lei".
Tanto conservadores quanto liberais - muitos deles alheios ao fato de que
tribunais islâmicos já estão em funcionamento há anos- têm repetidamente
condenado os tribunais como substitutos ruins para a jurisprudência
britânica. Eles argumentam que os procedimentos dos tribunais islâmicos são
sigilosos, sem responsabilidade e sem padrões para o treinamento ou decisões
dos juízes.
Os críticos também apontam para os casos de violência doméstica, nos quais
os estudiosos islâmicos tentaram manter os casais unidos ao ordenarem os
maridos a se submeterem a cursos de controle da raiva, deixando as esposas
tão intimidadas a ponto de retirarem suas queixas da polícia.
"Eles são reféns do acaso", disse Parvin Ali, diretora fundadora da Fatima
Womens's Network, um grupo de ajuda às mulheres com sede em Leicester.
Falando a respeito dos tribunais, ela disse que "não há monitoramento
externo, nenhuma proteção, nenhum registro é mantido, nenhuma garantia de
que a justiça prevalecerá".
Mas enquanto continua o alvoroço, a popularidade dos tribunais entre os
muçulmanos tem aumentado.
Alguns dos conselhos informais, como são conhecidos os tribunais, têm
aconselhado e julgado muçulmanos há mais de duas décadas. Mas os conselhos
cresceram significativamente em número e proeminência nos últimos anos, com
alguns estudiosos islâmicos informando um aumento de 50% dos casos desde
2005.
Quase todos os casos envolvem pedido de divórcio por mulheres, e por meio do
boca a boca e de um uso ambicioso da Internet, tribunais como o prédio
pequeno e sem adornos em Londres, onde o pai veio defender o caso de sua
filha, se tornaram ímãs para mulheres muçulmanas que buscam escapar de
casamentos sem amor - não apenas no Reino Unido, mas às vezes também na
Dinamarca, Irlanda, Holanda e Alemanha.
Outras causas envolvem disputas em torno de propriedades, trabalho, heranças
e lesões corporais. Os tribunais se abstêm de casos criminais que possam
exigir a imposição de punições como chicotadas ou apedrejamento.
De fato, a maioria das decisões dos tribunais não são sustentadas pela lei
civil britânica, mas para as partes que se apresentam perante eles, os
tribunais oferecem algo mais importante: a autoridade de Alá.
"Nós não queremos passar a impressão de que os muçulmanos são uma comunidade
isolada em busca de um sistema legal separado neste país", disse o dr.
Shahid Raza, que julga as disputas em um centro islâmico em Ealing, no oeste
de Londres. "Nós não estamos pedindo por uma lei Shariah criminal - para que
mãos sejam decepadas ou ocorram apedrejamentos até a morte. Divórcios
representam 90% de nossos casos, nos quais as mulheres procuram alívio. Nós
estamos ajudando as mulheres. Nós estamos prestando um serviço."
Ainda assim, há bastante espaço para disputas com o costume britânico. Há
três meses, por exemplo, uma rica família bengalesa pediu o conselho de Raza
para resolver uma disputa de herança. Ela foi resolvida segundo a Shariah,
ele disse. Isso fez com que os herdeiros do sexo masculino recebessem duas
vezes mais do que as herdeiras do sexo feminino.
Tribunais islâmicos no Reino Unido não são novos, mas o furor é
A mulher vestida de preto queria um divórcio islâmico. Ela disse ao juiz
religioso que seu marido batia nela, a xingava e queria que ela morresse.
Mas seu marido era contrário, e o estudioso islâmico que julgava o caso
parecia determinado a manter o casal unido. Assim, ao pressentir a derrota,
ela trouxe sua arma secreta: seu pai.
Um homem barbado vestindo túnica longa entrou no recinto e descreveu seu
genro como sendo um homem colérico que enganou sua filha, fugiu da polícia e
humilhou sua família.
O juiz prontamente mudou sua posição e recomendou o divórcio.
Esta é a justiça islâmica, estilo britânico. Apesar do ruidoso debate
nacional em torno dos limites da tolerância religiosa e da preeminência da
lei britânica, os princípios da Shariah, ou lei islâmica, estão cada vez
mais sendo aplicados na vida cotidiana em cidades por todo o país.
A Igreja da Inglaterra possui seus próprios tribunais eclesiásticos. Os
judeus britânicos também contam com seus tribunais "beth din" há mais de um
século.
Mas desde que o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, pediu em fevereiro
para que aspectos da Shariah islâmica fossem abraçados ao lado do sistema
legal tradicional, o governo tem enfrentado um furor público em torno da
questão, aplacando os críticos ao mesmo tempo em que tenta tranqüilizar uma
desconfiada e às vezes insatisfeita população muçulmana de que suas
tradições têm um lugar na sociedade britânica.
Encaixotado entre os dois lados, o governo adotou uma posição tanto
cautelosa quanto confusa, um sinal de quão volátil pode se tornar quase toda
discussão sobre o papel dos quase 2 milhões de muçulmanos do Reino Unido.
"Não há nada na lei inglesa que impeça as pessoas de obedecerem os
princípios da Shariah se desejarem, desde que não entrem em conflito com a
lei inglesa", disse o ministro da Justiça, Jack Straw, em outubro. Mas ele
acrescentou que a lei britânica "sempre permanecerá suprema" e que
"independente da crença religiosa, nós todos somos iguais perante a lei".
Tanto conservadores quanto liberais - muitos deles alheios ao fato de que
tribunais islâmicos já estão em funcionamento há anos- têm repetidamente
condenado os tribunais como substitutos ruins para a jurisprudência
britânica. Eles argumentam que os procedimentos dos tribunais islâmicos são
sigilosos, sem responsabilidade e sem padrões para o treinamento ou decisões
dos juízes.
Os críticos também apontam para os casos de violência doméstica, nos quais
os estudiosos islâmicos tentaram manter os casais unidos ao ordenarem os
maridos a se submeterem a cursos de controle da raiva, deixando as esposas
tão intimidadas a ponto de retirarem suas queixas da polícia.
"Eles são reféns do acaso", disse Parvin Ali, diretora fundadora da Fatima
Womens's Network, um grupo de ajuda às mulheres com sede em Leicester.
Falando a respeito dos tribunais, ela disse que "não há monitoramento
externo, nenhuma proteção, nenhum registro é mantido, nenhuma garantia de
que a justiça prevalecerá".
Mas enquanto continua o alvoroço, a popularidade dos tribunais entre os
muçulmanos tem aumentado.
Alguns dos conselhos informais, como são conhecidos os tribunais, têm
aconselhado e julgado muçulmanos há mais de duas décadas. Mas os conselhos
cresceram significativamente em número e proeminência nos últimos anos, com
alguns estudiosos islâmicos informando um aumento de 50% dos casos desde
2005.
Quase todos os casos envolvem pedido de divórcio por mulheres, e por meio do
boca a boca e de um uso ambicioso da Internet, tribunais como o prédio
pequeno e sem adornos em Londres, onde o pai veio defender o caso de sua
filha, se tornaram ímãs para mulheres muçulmanas que buscam escapar de
casamentos sem amor - não apenas no Reino Unido, mas às vezes também na
Dinamarca, Irlanda, Holanda e Alemanha.
Outras causas envolvem disputas em torno de propriedades, trabalho, heranças
e lesões corporais. Os tribunais se abstêm de casos criminais que possam
exigir a imposição de punições como chicotadas ou apedrejamento.
De fato, a maioria das decisões dos tribunais não são sustentadas pela lei
civil britânica, mas para as partes que se apresentam perante eles, os
tribunais oferecem algo mais importante: a autoridade de Alá.
"Nós não queremos passar a impressão de que os muçulmanos são uma comunidade
isolada em busca de um sistema legal separado neste país", disse o dr.
Shahid Raza, que julga as disputas em um centro islâmico em Ealing, no oeste
de Londres. "Nós não estamos pedindo por uma lei Shariah criminal - para que
mãos sejam decepadas ou ocorram apedrejamentos até a morte. Divórcios
representam 90% de nossos casos, nos quais as mulheres procuram alívio. Nós
estamos ajudando as mulheres. Nós estamos prestando um serviço."
Ainda assim, há bastante espaço para disputas com o costume britânico. Há
três meses, por exemplo, uma rica família bengalesa pediu o conselho de Raza
para resolver uma disputa de herança. Ela foi resolvida segundo a Shariah,
ele disse. Isso fez com que os herdeiros do sexo masculino recebessem duas
vezes mais do que as herdeiras do sexo feminino.
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Juízes: Deuses ou cidadãos?
O texto abaixo publicado pela Folha de São Paulo em 19 de novembro 2008 procura responder a reflexão do juiz De Santis que fundamentou a sua opinião em Carl Schmitt.
A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática
QUANDO INGRESSEI na magistratura, em janeiro de 1989, um magistrado que, na época, não aceitava bem a idéia de que mulheres pudessem fazer parte do Judiciário, disse em tom de chiste que não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino. Acrescentou, com o gesto de uma lactante: imaginem uma mamada entre um despacho e outro!Não sei o que mais me chocou, se a discriminação contra as mulheres, que eram em número reduzidíssimo, ou se o fato de, ainda que em tom de brincadeira, algum juiz pudesse se considerar um ser divino -portanto, com poderes absolutos e ilimitados.Essas lembranças vieram à tona ao ler na edição da Folha de 11/11 uma frase que teria sido dita por um juiz: "A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso ( ...) não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt". Teria ainda acrescentado que determinados delitos "obrigam à adoção de atitudes não-ortodoxas".A idéia de que cada juiz é a própria Constituição ou o verdadeiro soberano encarna o totalitarismo do qual a humanidade foi vítima recente.Valiosa a lição de Roberto Romano, que, referindo-se a Carl Schmitt, diz: "Escutemos nosso realista: "o führer defende o Direito contra os piores abusos quando, no instante do perigo e em virtude das atribuições de supremo juiz, as quais, enquanto führer, lhe competem, cria diretamente o Direito". O magistrado sublime decide: certos indivíduos, grupos, setores sociais, étnicos e religiosos são amigos ou inimigos. Dadas as premissas, conhecemos as conseqüências. É relativamente fácil recuar, horrorizados, diante do decisionismo jurídico. Suas mãos mostram excrementos de sangue" (prefácio de "Razão Jurídica e Dignidade Humana", de Marcio Sotelo Felippe).A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática. Os juízes e o Judiciário estão subordinados ao povo, nos termos do ordenamento jurídico democraticamente construído, e não podem se sobrepor a isso supondo-se eles mesmos o espírito do povo. É a "polis" que determinou, na Constituição e nos tratados internacionais, qual é a sociedade que almeja, sob quais princípios, fundamentos e patamares éticos. O juiz não substitui essas diretrizes pelas suas.No que tange à matéria penal e processual penal, inaceitável supor conduta "não-ortodoxa", pois são temas em que é intensa a intervenção do Estado no plano da liberdade. Os limites são rígidos e não podem ser ultrapassados, muito menos por um juiz que tem como função evitar que órgãos públicos ou privados, sob qualquer pretexto, os violem.Mas o bom combate contra tais concepções não pode servir de pretexto para uma investida contra a liberdade de expressão. Vislumbra-se esse risco em debates recentes no próprio Judiciário.A liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição. A Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão, que inclui a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteira.Reafirmando esse princípio, a corte interamericana sustentou (opinião consultiva número 5/85) que: "A liberdade de expressão é pedra angular da existência mesma de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também condição "sine qua non" para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e quem em geral deseje influir sobre a coletividade possam se desenvolver plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de fazer escolhas, esteja suficientemente informada. Assim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre".Os juízes, evidentemente, gozam dos mesmos atributos dos demais seres humanos. No 7º Congresso das Nações Unidas, o tema mereceu especial destaque, estabelecendo a organização dos princípios básicos relativos à independência judicial, dentre eles a normativa de que de juízes, assim como dos demais cidadãos, não podem ter subtraídos os direitos de liberdade de expressão, associação, crença e reunião, preservando a dignidade de suas funções e a imparcialidade e independência da judicatura.Magistrados, de qualquer instância, não são deuses, não criam nem destroem, devem garantir o sistema democrático.
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE é juíza de direito em São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.
A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática
QUANDO INGRESSEI na magistratura, em janeiro de 1989, um magistrado que, na época, não aceitava bem a idéia de que mulheres pudessem fazer parte do Judiciário, disse em tom de chiste que não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino. Acrescentou, com o gesto de uma lactante: imaginem uma mamada entre um despacho e outro!Não sei o que mais me chocou, se a discriminação contra as mulheres, que eram em número reduzidíssimo, ou se o fato de, ainda que em tom de brincadeira, algum juiz pudesse se considerar um ser divino -portanto, com poderes absolutos e ilimitados.Essas lembranças vieram à tona ao ler na edição da Folha de 11/11 uma frase que teria sido dita por um juiz: "A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso ( ...) não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt". Teria ainda acrescentado que determinados delitos "obrigam à adoção de atitudes não-ortodoxas".A idéia de que cada juiz é a própria Constituição ou o verdadeiro soberano encarna o totalitarismo do qual a humanidade foi vítima recente.Valiosa a lição de Roberto Romano, que, referindo-se a Carl Schmitt, diz: "Escutemos nosso realista: "o führer defende o Direito contra os piores abusos quando, no instante do perigo e em virtude das atribuições de supremo juiz, as quais, enquanto führer, lhe competem, cria diretamente o Direito". O magistrado sublime decide: certos indivíduos, grupos, setores sociais, étnicos e religiosos são amigos ou inimigos. Dadas as premissas, conhecemos as conseqüências. É relativamente fácil recuar, horrorizados, diante do decisionismo jurídico. Suas mãos mostram excrementos de sangue" (prefácio de "Razão Jurídica e Dignidade Humana", de Marcio Sotelo Felippe).A concepção adotada revela a visão absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz em uma ordem democrática. Os juízes e o Judiciário estão subordinados ao povo, nos termos do ordenamento jurídico democraticamente construído, e não podem se sobrepor a isso supondo-se eles mesmos o espírito do povo. É a "polis" que determinou, na Constituição e nos tratados internacionais, qual é a sociedade que almeja, sob quais princípios, fundamentos e patamares éticos. O juiz não substitui essas diretrizes pelas suas.No que tange à matéria penal e processual penal, inaceitável supor conduta "não-ortodoxa", pois são temas em que é intensa a intervenção do Estado no plano da liberdade. Os limites são rígidos e não podem ser ultrapassados, muito menos por um juiz que tem como função evitar que órgãos públicos ou privados, sob qualquer pretexto, os violem.Mas o bom combate contra tais concepções não pode servir de pretexto para uma investida contra a liberdade de expressão. Vislumbra-se esse risco em debates recentes no próprio Judiciário.A liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição. A Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão, que inclui a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteira.Reafirmando esse princípio, a corte interamericana sustentou (opinião consultiva número 5/85) que: "A liberdade de expressão é pedra angular da existência mesma de uma sociedade democrática. É indispensável para a formação da opinião pública. É também condição "sine qua non" para que os partidos políticos, os sindicatos, as sociedades científicas e culturais e quem em geral deseje influir sobre a coletividade possam se desenvolver plenamente. É, enfim, condição para que a comunidade, na hora de fazer escolhas, esteja suficientemente informada. Assim, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre".Os juízes, evidentemente, gozam dos mesmos atributos dos demais seres humanos. No 7º Congresso das Nações Unidas, o tema mereceu especial destaque, estabelecendo a organização dos princípios básicos relativos à independência judicial, dentre eles a normativa de que de juízes, assim como dos demais cidadãos, não podem ter subtraídos os direitos de liberdade de expressão, associação, crença e reunião, preservando a dignidade de suas funções e a imparcialidade e independência da judicatura.Magistrados, de qualquer instância, não são deuses, não criam nem destroem, devem garantir o sistema democrático.
KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE é juíza de direito em São Paulo, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.
terça-feira, 18 de novembro de 2008
O futuro da ordem internacional
A "Folha de São Paulo" de 17 de novembro publica o seguinte texto do economista Francisco de Oliveira.
TENDÊNCIAS/DEBATESO pré-ministério de Wall Street
FRANCISCO DE OLIVEIRA
Há uma contradição entre a mensagem de mudança de Obama e a nomeação de figurões de Wall Street para a equipe de transição
NA CONTRACORRENTE da euforia e do otimismo generalizados com a eleição de Barack Obama, cumpre pensar em algumas contradições entre o "sonho" e a realidade; peço antecipadas desculpas pela saturação da "obamania".Na cultura política norte-americana, forjada por uma simbiose do protestantismo calvinista com "afinidades eletivas" -Goethe "apud" Weber- com o êxito capitalista, no chão de uma nação de imigrantes, ser rico não é uma falta, mas até um sinal de salvação. Entre nós, como bem o sabia Sergio Buarque de Holanda, mesmo um catolicismo complacente não encontra muitas afinidades entre a salvação eterna e o desfrute das riquezas do mundo.Assim, talvez o anúncio da equipe de transição de Obama não ofenda seus milhões de eleitores. Mas há uma contradição flagrante entre sua mensagem de mudança e a nomeação de figurões de Wall Street para fazer a transição entre o (des)governo Bush e a esperança obamista. Até porque a periferia, ainda que a contragosto, -Lula: o problema não é só do Bush- terá parte nas soluções que o eleito presidente dos EUA vier a concretizar para resolver a crise -ou prolongá-la.Deve-se desconfiar dos ricos, que não podem morder o próprio rabo nem operar contra seus interesses? Isso é luta de classes de botequim, que os leitores desta Folha não merecem. A menos que exista entre os nomeados algum Keynes escondido -e a folha corrida deles não deixa a ver nenhuma ponta desse iceberg- e que Obama seja, de fato, uma reinvenção de Franklin Roosevelt, o aristocrata novaiorquino que enfrentou sua própria classe social para reerguer os EUA atolados na mais funda depressão da história do capitalismo e de sua própria história nacional; mas a lista divulgada promete mais do mesmo, pelos breves currículos publicados por esta Folha em 7/11.Dos 17 citados, 11 são diretamente ligados a grupos financeiros da linha de frente de Wall Street. Não estavam eles entre os barões ladrões que inflaram as bolhas até o recente estouro?Fica patente também que o Partido Democrata preparou-se para uma outra administração Clinton, sob a presidência da chata da Hillary; Obama foi um cavalo azarão. A tão propalada preparação do senador por Illinois pode ter sido um blefe: ele está inteiramente nas mãos dos clintonianos. Capacidade de ouvir não é capacidade de governar. Lembra o folclórico governador Valadares, de Minas, que dizia com bom humor ficar "rouco de tanto ouvir".O keynesianismo civil sozinho não conseguiu reerguer os EUA. Foi preciso o "keynesianismo de guerra", na forma das pesadas encomendas do governo rooseveltiano às indústrias bélicas, para a economia norte-americana levantar vôo e manter-se no ar durante os chamados "30 anos gloriosos" até os anos 70.Obama não dispõe de nada disso: ao contrário, o keynesianismo não funciona numa economia globalizada, porque o poder nacional, mesmo o dos EUA, é limitado pelos constrangimentos da globalização, tanto que os esforços agora são para uma concertação geral de políticas, sobretudo a monetária, entre os principais países capitalistas; e os EUA não estão saindo de uma guerra vitoriosa. Muito ao contrário, estão quase como no Vietnã: de rabo entre as pernas.E do brevíssimo período, uns dez anos se tanto, da arrogância unilateral da única potência que restou da Guerra Fria, caminhou-se para uma multipolaridade -a aposta de Togliatti, o velho líder comunista italiano- na qual emerge, com destaque, uma nova potência como a China. Para uma crise global, só uma saída global: mesmo o delírio de Bush e asseclas não conseguiu criar uma guerra global, que era na verdade seu projeto, o Armagedon, e ficou só na destruição do Iraque -então uma próspera economia- e na rematada destruição do já combalido -a ex-URSS havia feito sua parte- Afeganistão.Ninguém deseja uma guerra para resolver uma crise do capitalismo: o último clone de Hitler está saindo de cena. Melhor seria que o sistema se esvaísse sem a necessidade de um trauma global, mas nem Papai Noel sonha com isso. Assim, é preferível que Obama cumpra suas promessas, o que já seria um otimismo cauteloso ou um pessimismo melhorado (fórmula parecida com o "silêncio obsequioso" da mais que dialética Igreja Católica), que é o desejo quase geral do establishment para o futuro governo de Obama.A ausência de uma teoria sobre o capitalismo globalizado dá lugar apenas a tímidas perspectivas que não vão além de uma semana. Já vimos esse filme, muito recentemente: o de uma esperança que venceu o medo para depois entregar-se a ele. E, embora os atores possam ser competentes, os resultados das histórias, não dos filmes, que são ótimos, podem ser desastrosos: entre a abertura respeitosa, mas sem esperanças, de um "Linha de Passe" e a tragédia anunciada de "Última Parada 174".
TENDÊNCIAS/DEBATESO pré-ministério de Wall Street
FRANCISCO DE OLIVEIRA
Há uma contradição entre a mensagem de mudança de Obama e a nomeação de figurões de Wall Street para a equipe de transição
NA CONTRACORRENTE da euforia e do otimismo generalizados com a eleição de Barack Obama, cumpre pensar em algumas contradições entre o "sonho" e a realidade; peço antecipadas desculpas pela saturação da "obamania".Na cultura política norte-americana, forjada por uma simbiose do protestantismo calvinista com "afinidades eletivas" -Goethe "apud" Weber- com o êxito capitalista, no chão de uma nação de imigrantes, ser rico não é uma falta, mas até um sinal de salvação. Entre nós, como bem o sabia Sergio Buarque de Holanda, mesmo um catolicismo complacente não encontra muitas afinidades entre a salvação eterna e o desfrute das riquezas do mundo.Assim, talvez o anúncio da equipe de transição de Obama não ofenda seus milhões de eleitores. Mas há uma contradição flagrante entre sua mensagem de mudança e a nomeação de figurões de Wall Street para fazer a transição entre o (des)governo Bush e a esperança obamista. Até porque a periferia, ainda que a contragosto, -Lula: o problema não é só do Bush- terá parte nas soluções que o eleito presidente dos EUA vier a concretizar para resolver a crise -ou prolongá-la.Deve-se desconfiar dos ricos, que não podem morder o próprio rabo nem operar contra seus interesses? Isso é luta de classes de botequim, que os leitores desta Folha não merecem. A menos que exista entre os nomeados algum Keynes escondido -e a folha corrida deles não deixa a ver nenhuma ponta desse iceberg- e que Obama seja, de fato, uma reinvenção de Franklin Roosevelt, o aristocrata novaiorquino que enfrentou sua própria classe social para reerguer os EUA atolados na mais funda depressão da história do capitalismo e de sua própria história nacional; mas a lista divulgada promete mais do mesmo, pelos breves currículos publicados por esta Folha em 7/11.Dos 17 citados, 11 são diretamente ligados a grupos financeiros da linha de frente de Wall Street. Não estavam eles entre os barões ladrões que inflaram as bolhas até o recente estouro?Fica patente também que o Partido Democrata preparou-se para uma outra administração Clinton, sob a presidência da chata da Hillary; Obama foi um cavalo azarão. A tão propalada preparação do senador por Illinois pode ter sido um blefe: ele está inteiramente nas mãos dos clintonianos. Capacidade de ouvir não é capacidade de governar. Lembra o folclórico governador Valadares, de Minas, que dizia com bom humor ficar "rouco de tanto ouvir".O keynesianismo civil sozinho não conseguiu reerguer os EUA. Foi preciso o "keynesianismo de guerra", na forma das pesadas encomendas do governo rooseveltiano às indústrias bélicas, para a economia norte-americana levantar vôo e manter-se no ar durante os chamados "30 anos gloriosos" até os anos 70.Obama não dispõe de nada disso: ao contrário, o keynesianismo não funciona numa economia globalizada, porque o poder nacional, mesmo o dos EUA, é limitado pelos constrangimentos da globalização, tanto que os esforços agora são para uma concertação geral de políticas, sobretudo a monetária, entre os principais países capitalistas; e os EUA não estão saindo de uma guerra vitoriosa. Muito ao contrário, estão quase como no Vietnã: de rabo entre as pernas.E do brevíssimo período, uns dez anos se tanto, da arrogância unilateral da única potência que restou da Guerra Fria, caminhou-se para uma multipolaridade -a aposta de Togliatti, o velho líder comunista italiano- na qual emerge, com destaque, uma nova potência como a China. Para uma crise global, só uma saída global: mesmo o delírio de Bush e asseclas não conseguiu criar uma guerra global, que era na verdade seu projeto, o Armagedon, e ficou só na destruição do Iraque -então uma próspera economia- e na rematada destruição do já combalido -a ex-URSS havia feito sua parte- Afeganistão.Ninguém deseja uma guerra para resolver uma crise do capitalismo: o último clone de Hitler está saindo de cena. Melhor seria que o sistema se esvaísse sem a necessidade de um trauma global, mas nem Papai Noel sonha com isso. Assim, é preferível que Obama cumpra suas promessas, o que já seria um otimismo cauteloso ou um pessimismo melhorado (fórmula parecida com o "silêncio obsequioso" da mais que dialética Igreja Católica), que é o desejo quase geral do establishment para o futuro governo de Obama.A ausência de uma teoria sobre o capitalismo globalizado dá lugar apenas a tímidas perspectivas que não vão além de uma semana. Já vimos esse filme, muito recentemente: o de uma esperança que venceu o medo para depois entregar-se a ele. E, embora os atores possam ser competentes, os resultados das histórias, não dos filmes, que são ótimos, podem ser desastrosos: entre a abertura respeitosa, mas sem esperanças, de um "Linha de Passe" e a tragédia anunciada de "Última Parada 174".
domingo, 16 de novembro de 2008
David Held e Obama
"Folha de São Paulo" de 16 de novembro de 2008 publica a seguinte entrevista de Davild Held, especialista em Teoria da Democracia, sobre o futuro Governo Obama.
SUCESSÃO NOS EUA / OS DESAFIOS"Eleito deve evitar repetir Blair"
Para David Held, Obama deve priorizar agenda doméstica para que crise interna não sufoque a promessa de mudançaEspecialista britânico em globalização defende que sob o novo governo EUA exerçam liderança "dentro das regras" e voltem a ouvirPEDRO DIAS LEITEDE LONDRES Um dos mais respeitados estudiosos da globalização, o professor da LSE (London School of Economics and Political Science) David Held afirma que Barack Obama, 47, deve mirar seus pensamentos através do Atlântico, 11 anos no passado, e se lembrar de Tony Blair, para não cometer os mesmos erros.Em 1997, aos 43, o premiê britânico também se elegeu com a promessa de mudança, que acabou soterrada pelas premências da tarefa de governar. Co-diretor do Centro para Estudo da Governança Global da LSE, Held diz que o presidente eleito dos EUA deve manter a liderança americana global, mas agora dentro das regras. Pelo contraste, os oito áridos anos de George W. Bush dão a Obama uma força inédita nas últimas décadas.Para Held, entre as primeiras medidas do novo presidente deveria estar a desistência do escudo antimísseis perto da Rússia. Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista.
FOLHA - George W. Bush quase sempre colocou a opinião do resto do mundo em segundo plano. O que vai mudar com Barack Obama? DAVID HELD - Obama é claramente um político excepcional e uma pessoa especial, que, em muitos aspectos, encarna o "sonho americano". Não há dúvidas de que ele acredita na negociação e no multilateralismo, no diálogo. Definitivamente não é um unilateralista. Mas até agora tem sido um democrata bastante conservador, que [no Senado] votou com seu partido na maioria das questões. Precisamos ser cautelosos com essa visão de que ele é um novo radical norte-americano.Tivemos oito anos de uma política americana deprimente e triste. A presidência de Bush não só não se conectou com o mundo ocidental de igual para igual como perseguiu políticas que foram destrutivas do mundo multilateral e enfraqueceram o reinado da lei. Contra esse pano de fundo, Obama parece muito bom. Um recado importante: lembre-se de 1997.
FOLHA - Por quê? HELD - Um jovem político chegou ao poder no Reino Unido, após 18 anos de governo conservador. Era muito charmoso, radical, prometia mudança, era um internacionalista. E muitas das promessas progressistas que fez jamais foram mantidas. Esse político era Tony Blair. Obama tem todas as promessas, o peso da história a seu lado e possivelmente mais habilidade que qualquer um em muito tempo para mudar o mundo. Mas tem de se lembrar de Blair.
FOLHA - Ele herdará um mundo complicado para o qual Bush e Blair contribuíram. HELD - Seu espaço para manobra é muito limitado. Com uma enorme dívida pública e grandes problemas nas finanças americanas, a capacidade de investir na área social será muito limitada do lado doméstico. No lado internacional, está atolado em duas guerras e cercado de muitas áreas de extrema volatilidade: a fronteira Israel-Líbano, com o Hizbollah; Israel com o Hamas; o Irã; a Coréia do Norte; e o Paquistão, que está se desintegrando, com uma bomba nuclear, o que o torna ainda mais perigoso.
FOLHA - Em relação à Rússia, o que ele deve fazer? HELD - O que os EUA têm de entender é que nos últimos anos a Rússia se sentiu isolada e atacada pelo mundo ocidental, em situações das quais ela não era culpada. Em segundo lugar, a implantação do escudo antimísseis [pelos EUA] na porta da Rússia [a Polônia aceitou receber mísseis interceptores, e a República Tcheca, um radar] é uma enorme provocação, e Obama deveria desistir desses planos assim que possível.
FOLHA - Nesse mundo multipolar, onde ele deve focar? HELD - Ele deve focar, antes de tudo e com afinco, na agenda doméstica. Os EUA estão com graves problemas econômicos e, a menos que ele arrume isso, eles não vão estar em uma posição de fazer mais nada. Segundo, ele deve deixar claro que vai se comprometer com seus aliados, com uma ordem multilateral, e fortalecê-la. Deve mandar um sinal claro de que a América quer liderar, dentro das regras.
FOLHA - E o Irã? HELD - Obama é mais inclinado a confiar na diplomacia por mais tempo do que seus antecessores. É claro que não dá pra saber 100% o que ele fará numa situação extrema -há risco de ele ser pressionado para ultrapassar um ponto muito complicado. Espero que ele se lembre das lições de 1997 e dos limites do poder americano. Não importa quão grande seja seu poder militar, ele não produz resultados positivos num mundo complexo. Temos de nos ater à negociação com base na lei.
FOLHA - Se fosse explicar a Obama: por que os EUA precisam do mundo? HELD - A política externa americana dos últimos anos fracassou. Os EUA tentaram se impor ao resto do mundo e não funcionou. Iraque e Afeganistão estão longe de uma solução. Os erros do Iraque não devem ser repetidos no Afeganistão. Não pode haver vitória puramente militar, e é um erro pôr mais recursos militares lá. Os problemas mais complexos, de aquecimento global a negociações comerciais, só podem ser resolvidos por coordenação internacional.
FOLHA - E por que ficar fora da reunião do G20 neste fim de semana? HELD - Ele não tinha opção. Sua voz será ouvida pela porta dos fundos.
SUCESSÃO NOS EUA / OS DESAFIOS"Eleito deve evitar repetir Blair"
Para David Held, Obama deve priorizar agenda doméstica para que crise interna não sufoque a promessa de mudançaEspecialista britânico em globalização defende que sob o novo governo EUA exerçam liderança "dentro das regras" e voltem a ouvirPEDRO DIAS LEITEDE LONDRES Um dos mais respeitados estudiosos da globalização, o professor da LSE (London School of Economics and Political Science) David Held afirma que Barack Obama, 47, deve mirar seus pensamentos através do Atlântico, 11 anos no passado, e se lembrar de Tony Blair, para não cometer os mesmos erros.Em 1997, aos 43, o premiê britânico também se elegeu com a promessa de mudança, que acabou soterrada pelas premências da tarefa de governar. Co-diretor do Centro para Estudo da Governança Global da LSE, Held diz que o presidente eleito dos EUA deve manter a liderança americana global, mas agora dentro das regras. Pelo contraste, os oito áridos anos de George W. Bush dão a Obama uma força inédita nas últimas décadas.Para Held, entre as primeiras medidas do novo presidente deveria estar a desistência do escudo antimísseis perto da Rússia. Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista.
FOLHA - George W. Bush quase sempre colocou a opinião do resto do mundo em segundo plano. O que vai mudar com Barack Obama? DAVID HELD - Obama é claramente um político excepcional e uma pessoa especial, que, em muitos aspectos, encarna o "sonho americano". Não há dúvidas de que ele acredita na negociação e no multilateralismo, no diálogo. Definitivamente não é um unilateralista. Mas até agora tem sido um democrata bastante conservador, que [no Senado] votou com seu partido na maioria das questões. Precisamos ser cautelosos com essa visão de que ele é um novo radical norte-americano.Tivemos oito anos de uma política americana deprimente e triste. A presidência de Bush não só não se conectou com o mundo ocidental de igual para igual como perseguiu políticas que foram destrutivas do mundo multilateral e enfraqueceram o reinado da lei. Contra esse pano de fundo, Obama parece muito bom. Um recado importante: lembre-se de 1997.
FOLHA - Por quê? HELD - Um jovem político chegou ao poder no Reino Unido, após 18 anos de governo conservador. Era muito charmoso, radical, prometia mudança, era um internacionalista. E muitas das promessas progressistas que fez jamais foram mantidas. Esse político era Tony Blair. Obama tem todas as promessas, o peso da história a seu lado e possivelmente mais habilidade que qualquer um em muito tempo para mudar o mundo. Mas tem de se lembrar de Blair.
FOLHA - Ele herdará um mundo complicado para o qual Bush e Blair contribuíram. HELD - Seu espaço para manobra é muito limitado. Com uma enorme dívida pública e grandes problemas nas finanças americanas, a capacidade de investir na área social será muito limitada do lado doméstico. No lado internacional, está atolado em duas guerras e cercado de muitas áreas de extrema volatilidade: a fronteira Israel-Líbano, com o Hizbollah; Israel com o Hamas; o Irã; a Coréia do Norte; e o Paquistão, que está se desintegrando, com uma bomba nuclear, o que o torna ainda mais perigoso.
FOLHA - Em relação à Rússia, o que ele deve fazer? HELD - O que os EUA têm de entender é que nos últimos anos a Rússia se sentiu isolada e atacada pelo mundo ocidental, em situações das quais ela não era culpada. Em segundo lugar, a implantação do escudo antimísseis [pelos EUA] na porta da Rússia [a Polônia aceitou receber mísseis interceptores, e a República Tcheca, um radar] é uma enorme provocação, e Obama deveria desistir desses planos assim que possível.
FOLHA - Nesse mundo multipolar, onde ele deve focar? HELD - Ele deve focar, antes de tudo e com afinco, na agenda doméstica. Os EUA estão com graves problemas econômicos e, a menos que ele arrume isso, eles não vão estar em uma posição de fazer mais nada. Segundo, ele deve deixar claro que vai se comprometer com seus aliados, com uma ordem multilateral, e fortalecê-la. Deve mandar um sinal claro de que a América quer liderar, dentro das regras.
FOLHA - E o Irã? HELD - Obama é mais inclinado a confiar na diplomacia por mais tempo do que seus antecessores. É claro que não dá pra saber 100% o que ele fará numa situação extrema -há risco de ele ser pressionado para ultrapassar um ponto muito complicado. Espero que ele se lembre das lições de 1997 e dos limites do poder americano. Não importa quão grande seja seu poder militar, ele não produz resultados positivos num mundo complexo. Temos de nos ater à negociação com base na lei.
FOLHA - Se fosse explicar a Obama: por que os EUA precisam do mundo? HELD - A política externa americana dos últimos anos fracassou. Os EUA tentaram se impor ao resto do mundo e não funcionou. Iraque e Afeganistão estão longe de uma solução. Os erros do Iraque não devem ser repetidos no Afeganistão. Não pode haver vitória puramente militar, e é um erro pôr mais recursos militares lá. Os problemas mais complexos, de aquecimento global a negociações comerciais, só podem ser resolvidos por coordenação internacional.
FOLHA - E por que ficar fora da reunião do G20 neste fim de semana? HELD - Ele não tinha opção. Sua voz será ouvida pela porta dos fundos.
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
A wilkipédia e a informação
A "Folha de São Paulo" de 14 de novembro de 2008 traz matéria para discutir informação e o fenômeno da wikipédia.
SABATINA FOLHAJIMMY WALES"Informação é um direito fundamental"
O fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, disse, em sabatina da Folha realizada na quarta, acreditar que a enciclopédia que pode ser editada por qualquer pessoa será lembrada daqui a 500 anos. "As pessoas dirão: "[A criação da Wikipédia] foi uma coisa maravilhosa, gente de toda parte trabalhou duro para compartilhar conhecimento, e isso ajudou a educar outros, a construir o que temos"". Questionado sobre erros e uso promocional de verbetes, Wales afirma que os participantes tentam resolvê-los mas alerta que os leitores devem ser criteriosos. Wales foi entrevistado por Ana Lucia Busch, diretora-executiva da Folha Online, Vinicius Mota, editor de Opinião, Rodolfo Lucena, editor de Informática, e Carlos Kauffmann, gerente do Banco de Dados da Folha. Também respondeu a questões da platéia.
Wales acredita que a maior parte do conteúdo da Wikipédia é adequada aos padrões de qualidade do site. "A comunidade [de voluntários] costuma resolver em menos de dez minutos uma entrada mal-intencionada". Mas admite que alguns verbetes podem ter problemas.Entre os piores erros da enciclopédia, cita um que mudou o paradigma para escrever biografias de pessoas vivas.No site de idioma inglês, "foi escrito sobre um jornalista famoso que trabalhou na administração Kennedy que, durante um breve espaço de tempo, ele foi suspeito de ter participado do assassinato do ex-presidente norte-americano".Como a mentira estava em um verbete isolado, perdurou no site por quatro meses. "Foi uma coisa horrível."O fato causou uma discussão entre a comunidade que participa da construção do serviço. Acabaram determinando que, "para pessoas vivas, qualquer acusação deve ser baseada em fonte confiável e confirmada ou será retirada".Blogs sem credibilidadeWales desdenhou de blogs e páginas pessoais como fornecedores de dados confiáveis. "É uma página pessoal, com opinião de uma pessoa."O mesmo motivo o leva a colocar "virtualmente, tudo o que há no YouTube" na categoria de fonte não-confiável."Mas existem exceções. Se um político faz um discurso e o coloca no seu canal no YouTube", isso pode ser uma referência adequada.PesquisaEle afirma que a comunidade procura tomar providências para evitar o uso indevido do serviço, mas alerta que os leitores precisam ser criteriosos sobre a forma como aproveitam as informações, que podem ser ponto de partida em uma pesquisa. Para Wales, o site que projetou é excelente para saber o contexto acerca de um tema."Você está lendo um texto sobre a Segunda Guerra Mundial que cita a Batalha de Bulge. Você vai à Wikipédia ler sobre a batalha, encontra um verbete com boa informação, e volta a ler a história com contexto, com um entendimento mais profundo.""É muito diferente de estar escrevendo a obra-prima sobre a batalha e ler na Wikipédia sobre isso. Não faz sentido, assim como não faz sentido ler na [enciclopédia] "Britannica'".Grande mudançaPara Wales, é importante as pessoas conhecerem "qual forma certa e qual a forma errada de usar a Wikipédia".Ele diz que o site conta com "advertências que levamos muito a sério. Dizemos para o leitor quando existe algum problema ou algo cuja imparcialidade está sendo colocada em dúvida.""Estamos testando algumas ferramentas na Wikipédia em idioma alemão, para que a comunidade tenha mais controle sobre o que é mostrado para o público em geral. Continuaremos permitindo que todo mundo edite. De fato, nós queremos abrir a edição, mas também sabemos que temos alguns problemas de vandalismo.""Normalmente, a comunidade resolve os problemas em poucos minutos, mas pensamos que, mesmo durante esses poucos minutos, nós devemos mostrar ao público em geral uma versão que foi aprovada pela comunidade. Por isso, está em teste uma grande mudança, que eu espero que venha a ser muito efetiva."Uso indevidoQuestionado sobre casos de edição da enciclopédia por pessoas ligadas a empresas e a políticos, Wales rechaçou a possibilidade de uso da enciclopédia como instrumento de propaganda. Reconhece que muitas vezes uma parte interessada edita determinado verbete -ele mesmo diz ter feito modificações em sua biografia- mas diz que "a Wikipédia é formada por pessoas comuns, que estão no controle do conteúdo. É muito difícil alguém manipulá-la para que ela seja útil para fazer propaganda".Para Wales, é lícito e útil que uma empresa edite verbetes e interaja com a comunidade. "Dizer que Wikipédia é uma ferramenta de propaganda é como dizer que a democracia é uma ferramenta de propaganda. É um diálogo aberto."China e censuraWales lembrou que, depois de estar bloqueada por três anos na China, a Wikipédia agora pode ser acessada naquele país, ainda que com restrições. "Há um filtro que bloqueia algumas páginas, mas é melhor estar lá do que ficar totalmente bloqueado."Ele espera que a enciclopédia no idioma chinês torne-se a segunda maior do mundo em cinco anos. E diz que, apesar das limitações que sofre, a enciclopédia -que ele considera uma espécie de "Cruz Vermelha da informação"- "nunca vai colaborar com a censura". "O acesso a informação é um direito humano fundamental".DoaçõesWales afirmou que a principal fonte de receita da Wikipédia -cuja fundação mantenedora possui 22 funcionários pagos- são as "pequenas doações, que chegam de 55 países." "Algumas pessoas ricas, que eu conheço nas viagens, também doam", diz Wales. Além disso, ele diz que a enciclopédia começa a fazer parcerias com empresas interessadas em usar o nome do serviço.Wales disse que "colocar publicidade no site está fora de cogitação". Mas que a enciclopédia nunca sairia do ar por falta de financiamento. "Caso colocássemos publicidade, isso renderia rapidamente alguns milhões de dólares."
SABATINA FOLHAJIMMY WALES"Informação é um direito fundamental"
O fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, disse, em sabatina da Folha realizada na quarta, acreditar que a enciclopédia que pode ser editada por qualquer pessoa será lembrada daqui a 500 anos. "As pessoas dirão: "[A criação da Wikipédia] foi uma coisa maravilhosa, gente de toda parte trabalhou duro para compartilhar conhecimento, e isso ajudou a educar outros, a construir o que temos"". Questionado sobre erros e uso promocional de verbetes, Wales afirma que os participantes tentam resolvê-los mas alerta que os leitores devem ser criteriosos. Wales foi entrevistado por Ana Lucia Busch, diretora-executiva da Folha Online, Vinicius Mota, editor de Opinião, Rodolfo Lucena, editor de Informática, e Carlos Kauffmann, gerente do Banco de Dados da Folha. Também respondeu a questões da platéia.
Wales acredita que a maior parte do conteúdo da Wikipédia é adequada aos padrões de qualidade do site. "A comunidade [de voluntários] costuma resolver em menos de dez minutos uma entrada mal-intencionada". Mas admite que alguns verbetes podem ter problemas.Entre os piores erros da enciclopédia, cita um que mudou o paradigma para escrever biografias de pessoas vivas.No site de idioma inglês, "foi escrito sobre um jornalista famoso que trabalhou na administração Kennedy que, durante um breve espaço de tempo, ele foi suspeito de ter participado do assassinato do ex-presidente norte-americano".Como a mentira estava em um verbete isolado, perdurou no site por quatro meses. "Foi uma coisa horrível."O fato causou uma discussão entre a comunidade que participa da construção do serviço. Acabaram determinando que, "para pessoas vivas, qualquer acusação deve ser baseada em fonte confiável e confirmada ou será retirada".Blogs sem credibilidadeWales desdenhou de blogs e páginas pessoais como fornecedores de dados confiáveis. "É uma página pessoal, com opinião de uma pessoa."O mesmo motivo o leva a colocar "virtualmente, tudo o que há no YouTube" na categoria de fonte não-confiável."Mas existem exceções. Se um político faz um discurso e o coloca no seu canal no YouTube", isso pode ser uma referência adequada.PesquisaEle afirma que a comunidade procura tomar providências para evitar o uso indevido do serviço, mas alerta que os leitores precisam ser criteriosos sobre a forma como aproveitam as informações, que podem ser ponto de partida em uma pesquisa. Para Wales, o site que projetou é excelente para saber o contexto acerca de um tema."Você está lendo um texto sobre a Segunda Guerra Mundial que cita a Batalha de Bulge. Você vai à Wikipédia ler sobre a batalha, encontra um verbete com boa informação, e volta a ler a história com contexto, com um entendimento mais profundo.""É muito diferente de estar escrevendo a obra-prima sobre a batalha e ler na Wikipédia sobre isso. Não faz sentido, assim como não faz sentido ler na [enciclopédia] "Britannica'".Grande mudançaPara Wales, é importante as pessoas conhecerem "qual forma certa e qual a forma errada de usar a Wikipédia".Ele diz que o site conta com "advertências que levamos muito a sério. Dizemos para o leitor quando existe algum problema ou algo cuja imparcialidade está sendo colocada em dúvida.""Estamos testando algumas ferramentas na Wikipédia em idioma alemão, para que a comunidade tenha mais controle sobre o que é mostrado para o público em geral. Continuaremos permitindo que todo mundo edite. De fato, nós queremos abrir a edição, mas também sabemos que temos alguns problemas de vandalismo.""Normalmente, a comunidade resolve os problemas em poucos minutos, mas pensamos que, mesmo durante esses poucos minutos, nós devemos mostrar ao público em geral uma versão que foi aprovada pela comunidade. Por isso, está em teste uma grande mudança, que eu espero que venha a ser muito efetiva."Uso indevidoQuestionado sobre casos de edição da enciclopédia por pessoas ligadas a empresas e a políticos, Wales rechaçou a possibilidade de uso da enciclopédia como instrumento de propaganda. Reconhece que muitas vezes uma parte interessada edita determinado verbete -ele mesmo diz ter feito modificações em sua biografia- mas diz que "a Wikipédia é formada por pessoas comuns, que estão no controle do conteúdo. É muito difícil alguém manipulá-la para que ela seja útil para fazer propaganda".Para Wales, é lícito e útil que uma empresa edite verbetes e interaja com a comunidade. "Dizer que Wikipédia é uma ferramenta de propaganda é como dizer que a democracia é uma ferramenta de propaganda. É um diálogo aberto."China e censuraWales lembrou que, depois de estar bloqueada por três anos na China, a Wikipédia agora pode ser acessada naquele país, ainda que com restrições. "Há um filtro que bloqueia algumas páginas, mas é melhor estar lá do que ficar totalmente bloqueado."Ele espera que a enciclopédia no idioma chinês torne-se a segunda maior do mundo em cinco anos. E diz que, apesar das limitações que sofre, a enciclopédia -que ele considera uma espécie de "Cruz Vermelha da informação"- "nunca vai colaborar com a censura". "O acesso a informação é um direito humano fundamental".DoaçõesWales afirmou que a principal fonte de receita da Wikipédia -cuja fundação mantenedora possui 22 funcionários pagos- são as "pequenas doações, que chegam de 55 países." "Algumas pessoas ricas, que eu conheço nas viagens, também doam", diz Wales. Além disso, ele diz que a enciclopédia começa a fazer parcerias com empresas interessadas em usar o nome do serviço.Wales disse que "colocar publicidade no site está fora de cogitação". Mas que a enciclopédia nunca sairia do ar por falta de financiamento. "Caso colocássemos publicidade, isso renderia rapidamente alguns milhões de dólares."
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
O sistema intergovernamental e a sociedade de risco
O monitor da disciplina Teorias do Estado da Univ. Federal Fluminense Renan Cardoso envia a seguinte matéria para ser postada:
O Valor Econômico do dia 13 de novembro de 2008 publica artigo sobre o fracasso do sistema intergovernamental em uma sociedade de risco.Quem comandará o mundo?Ann FloriniA eleição de Barack Obama ocorre no momento em que começa a cristalizar-se um novo matiz para o pensamento vigente. O fim do domínio mundial americano. Certamente, o capitalismo sem impedimentos no estilo americano não se comportou com louvor ultimamente. E a superioridade militar da América não mostrou ser tão útil na obtenção dos fins americanos. Mas quem poderá preencher a lacuna e proporcionar uma liderança global? A incômoda resposta com a qual Obama deverá confrontar-se é esta: ninguém. A América pode estar avariada, mas não há substituto à disposição. A Europa está centrada em si mesma, focada em criar seja lá que tipo de instituição acabe decidindo criar. A resposta-padrão da China a qualquer sugestão de que exerça uma liderança mundial é esconder-se embaixo de sua vasta agenda interna e alegar pobreza. Nenhum outro país chega perto de ter tal capacidade ou a ambição. Ante a litania familiar de problemas mundiais exasperantes - não apenas a instabilidade financeira, mas também as mudanças climáticas, a insegurança energética, as possíveis pandemias, o terrorismo e a disseminação de armas de destruição em massa -, a perspectiva de um mundo sem leme é mais do que alarmante. O que deve ser feito? E por quem? Como os EUA não estão desempenhando um papel de liderança em muitas dessas questões recentemente, vale a pena dar uma olhada no que ocorre quando nenhum país exerce uma liderança efetiva. Algumas das respostas podem parecer evidentes com o colapso das negociações sobre comércio internacional e o desmanche do sistema internacional de controle da disseminação de armamentos nucleares. A situação certamente poderia ficar sombria. Mas essa não é toda a história. Para saber por que, vejamos as mudanças climáticas. Agora está claro que para evitar mudanças climáticas catastróficas serão necessárias reduções rápidas e drásticas nas emissões de gases causadores do efeito estufa, cortes que até 2050 diminuam as emissões anuais para 80% abaixo dos níveis vistos em 1990. Ainda assim, as emissões não apenas estão subindo, mas subindo em um ritmo cada vez maior. A recessão que se aproxima poderia obstruir de forma temporária seu crescimento, mas apenas ligeiramente. As reduções necessárias implicam em uma transformação rápida e radical dos sistemas industriais, energéticos e de uso de terras por todo o mundo. O que os governos fazem sobre isso? Supostamente, em dezembro de 2009, acertarão um novo tratado para criar limites às emissões. Entretanto, as perspectivas de que um acerto seja alcançado em Copenhague nessa data são quase nulas. O novo governo Obama terá apenas alguns meses para desenvolver propostas significativas que possam ganhar apoio interno e estará preocupado com as conseqüências da atual débâcle financeira e da guerra contra o Iraque. A Europa pressiona a favor de metas ambiciosas, mas está tendo problemas com seus próprios interesses. Os maiores países emergentes, apesar de que sofrerão desproporcionalmente com a piora no clima e a elevação do nível dos mares, mostram pouco interesse. Observadores das negociações apelidaram de pacto suicida a atual dança sino-americana de acusações mútuas. Em resumo, o processo é uma bagunça. Não é de surpreender. Um sistema intergovernamental que se desmorona sob os desafios das negociações comerciais e a proliferação de ameaças dificilmente conseguirá dominar a profunda complexidade e os inúmeros interesses próprios envolvidos na questão da mudança climática. A diplomacia tradicional, na melhor hipótese, elaborará no próximo ano algum acordo para livrar a cara, mas de influência insignificante. Em muitas aéreas, a frustração com a intransigência e incompetência intergovernamental desencadeou inovações extraordinárias de organizações não-governamentais (ONGs), empresas e indivíduos comuns. Organizações privadas como o Forest Stewardship Council e o Marine Stewardship Council proporcionam e, cada vez mais, executam padrões ambientais onde a ação intergovernamental fracassou. Atores privados, desde fundações e laboratórios farmacêuticos até as ONGs, experimentam ativamente formas alternativas de derrubar os desafios transnacionais de saúde. Freqüentemente, os governos fazem parte desses experimentos - mas não são necessariamente os propulsores e seu progresso não fica na dependência de tratados. De fato, há muitas formas de colocar as questões na agenda global, como mostrado pelas campanhas de Bono para o desenvolvimento da África e de Al Gore sobre as mudanças climáticas. Acordos para melhorar a situação já incluem freqüentemente ONGs e empresas de várias capacidades - e algumas vezes excluem completamente os governos. Grupos privados usam de tudo, desde imagens por satélite (como na silvicultura) até o equivalente informal de inspeções no local (como no caso dos direitos humanos) para monitorar quem cumpre - ou viola - determinado padrão de comportamento. Embora a imposição do cumprimento, no sentido coercitivo, continue domínio dos Estados, a imposição coercitiva é rara até no que se refere a acordos intergovernamentais. Se os países cumprem os acordos ou não têm muito mais a ver com processos internacionais de persuasão, socialização e capacidade de criação - e estes podem ser feitos por qualquer um com bons argumentos. A grande questão hoje é se todas essas abordagens alternativas podem agregar algo além de soluções marginais. O pensamento tradicional das relações internacionais nem mesmo cogita a questão e essas formas convencionais de ver o mundo nos impedem de ver esta questão crucial. Como resultado, ainda não sabemos a resposta. Os dados continuam escassos. Há centenas de parcerias público-privadas mundiais trabalhando em vários males mundiais - mas poucas foram examinadas para avaliar que benefícios trazem. A desorganização de iniciativas, participantes, campanhas e apelos cria oportunidades para importantes progressos - e confusão maciça. Para que haja progresso verdadeiro em direção a uma governança mundial eficiente que possa abordar os desafios inéditos representados pela mudança climática e o resto da agenda global, precisamos fazer muito mais do que procurar um fácil substituto para a hegemonia americana. Precisamos descobrir como fazer com que esta enorme diversidade de formas de salvar o mundo faça sentido. Ann Florini é diretora do Centro sobre Ásia e Globalização, da Lee Kuan Yew School of Public Policy, e pesquisadora sênior da Brookings Institution.
O Valor Econômico do dia 13 de novembro de 2008 publica artigo sobre o fracasso do sistema intergovernamental em uma sociedade de risco.Quem comandará o mundo?Ann FloriniA eleição de Barack Obama ocorre no momento em que começa a cristalizar-se um novo matiz para o pensamento vigente. O fim do domínio mundial americano. Certamente, o capitalismo sem impedimentos no estilo americano não se comportou com louvor ultimamente. E a superioridade militar da América não mostrou ser tão útil na obtenção dos fins americanos. Mas quem poderá preencher a lacuna e proporcionar uma liderança global? A incômoda resposta com a qual Obama deverá confrontar-se é esta: ninguém. A América pode estar avariada, mas não há substituto à disposição. A Europa está centrada em si mesma, focada em criar seja lá que tipo de instituição acabe decidindo criar. A resposta-padrão da China a qualquer sugestão de que exerça uma liderança mundial é esconder-se embaixo de sua vasta agenda interna e alegar pobreza. Nenhum outro país chega perto de ter tal capacidade ou a ambição. Ante a litania familiar de problemas mundiais exasperantes - não apenas a instabilidade financeira, mas também as mudanças climáticas, a insegurança energética, as possíveis pandemias, o terrorismo e a disseminação de armas de destruição em massa -, a perspectiva de um mundo sem leme é mais do que alarmante. O que deve ser feito? E por quem? Como os EUA não estão desempenhando um papel de liderança em muitas dessas questões recentemente, vale a pena dar uma olhada no que ocorre quando nenhum país exerce uma liderança efetiva. Algumas das respostas podem parecer evidentes com o colapso das negociações sobre comércio internacional e o desmanche do sistema internacional de controle da disseminação de armamentos nucleares. A situação certamente poderia ficar sombria. Mas essa não é toda a história. Para saber por que, vejamos as mudanças climáticas. Agora está claro que para evitar mudanças climáticas catastróficas serão necessárias reduções rápidas e drásticas nas emissões de gases causadores do efeito estufa, cortes que até 2050 diminuam as emissões anuais para 80% abaixo dos níveis vistos em 1990. Ainda assim, as emissões não apenas estão subindo, mas subindo em um ritmo cada vez maior. A recessão que se aproxima poderia obstruir de forma temporária seu crescimento, mas apenas ligeiramente. As reduções necessárias implicam em uma transformação rápida e radical dos sistemas industriais, energéticos e de uso de terras por todo o mundo. O que os governos fazem sobre isso? Supostamente, em dezembro de 2009, acertarão um novo tratado para criar limites às emissões. Entretanto, as perspectivas de que um acerto seja alcançado em Copenhague nessa data são quase nulas. O novo governo Obama terá apenas alguns meses para desenvolver propostas significativas que possam ganhar apoio interno e estará preocupado com as conseqüências da atual débâcle financeira e da guerra contra o Iraque. A Europa pressiona a favor de metas ambiciosas, mas está tendo problemas com seus próprios interesses. Os maiores países emergentes, apesar de que sofrerão desproporcionalmente com a piora no clima e a elevação do nível dos mares, mostram pouco interesse. Observadores das negociações apelidaram de pacto suicida a atual dança sino-americana de acusações mútuas. Em resumo, o processo é uma bagunça. Não é de surpreender. Um sistema intergovernamental que se desmorona sob os desafios das negociações comerciais e a proliferação de ameaças dificilmente conseguirá dominar a profunda complexidade e os inúmeros interesses próprios envolvidos na questão da mudança climática. A diplomacia tradicional, na melhor hipótese, elaborará no próximo ano algum acordo para livrar a cara, mas de influência insignificante. Em muitas aéreas, a frustração com a intransigência e incompetência intergovernamental desencadeou inovações extraordinárias de organizações não-governamentais (ONGs), empresas e indivíduos comuns. Organizações privadas como o Forest Stewardship Council e o Marine Stewardship Council proporcionam e, cada vez mais, executam padrões ambientais onde a ação intergovernamental fracassou. Atores privados, desde fundações e laboratórios farmacêuticos até as ONGs, experimentam ativamente formas alternativas de derrubar os desafios transnacionais de saúde. Freqüentemente, os governos fazem parte desses experimentos - mas não são necessariamente os propulsores e seu progresso não fica na dependência de tratados. De fato, há muitas formas de colocar as questões na agenda global, como mostrado pelas campanhas de Bono para o desenvolvimento da África e de Al Gore sobre as mudanças climáticas. Acordos para melhorar a situação já incluem freqüentemente ONGs e empresas de várias capacidades - e algumas vezes excluem completamente os governos. Grupos privados usam de tudo, desde imagens por satélite (como na silvicultura) até o equivalente informal de inspeções no local (como no caso dos direitos humanos) para monitorar quem cumpre - ou viola - determinado padrão de comportamento. Embora a imposição do cumprimento, no sentido coercitivo, continue domínio dos Estados, a imposição coercitiva é rara até no que se refere a acordos intergovernamentais. Se os países cumprem os acordos ou não têm muito mais a ver com processos internacionais de persuasão, socialização e capacidade de criação - e estes podem ser feitos por qualquer um com bons argumentos. A grande questão hoje é se todas essas abordagens alternativas podem agregar algo além de soluções marginais. O pensamento tradicional das relações internacionais nem mesmo cogita a questão e essas formas convencionais de ver o mundo nos impedem de ver esta questão crucial. Como resultado, ainda não sabemos a resposta. Os dados continuam escassos. Há centenas de parcerias público-privadas mundiais trabalhando em vários males mundiais - mas poucas foram examinadas para avaliar que benefícios trazem. A desorganização de iniciativas, participantes, campanhas e apelos cria oportunidades para importantes progressos - e confusão maciça. Para que haja progresso verdadeiro em direção a uma governança mundial eficiente que possa abordar os desafios inéditos representados pela mudança climática e o resto da agenda global, precisamos fazer muito mais do que procurar um fácil substituto para a hegemonia americana. Precisamos descobrir como fazer com que esta enorme diversidade de formas de salvar o mundo faça sentido. Ann Florini é diretora do Centro sobre Ásia e Globalização, da Lee Kuan Yew School of Public Policy, e pesquisadora sênior da Brookings Institution.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
O caso dos pneus e a sociedade de risco
"Consultor Jurídico" de 12 de novembro de 2008 traz a seguinte matéria sobre o caso dos pneus importante para compreender a sociedade de risco no Brasil.
Lixo importado
PGR dá parecer contra a importação de pneus usados
Importar para o país pneus usados para serem reformados compromete o equilíbrio do meio ambiente e a proteção à saúde. Por isso, viola a Constituição Federal. Isso é o que afirma o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, em parecer na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que discute a importação de pneus usados.
Na ADPF, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pede que o Supremo Tribunal Federal casse as decisões judiciais que permitem a importação e confirme as restrições feitas pelo governo. O caso está em julgamento no Supremo Tribunal Federal e a ministra Cármem Lúcia é a relatora.
No parecer, a PGR afirma que o país deve defender o equilíbrio do meio ambiente. Antônio Fernando ressalta que, em 1989, o Brasil aderiu à Convenção da Basiléia, que estabelece que o “Estado tem o direito soberano de proibir a entrada de resíduos perigosos e outros resíduos estrangeiros em seu território”.
A ministra Carmem Lúcia já ouviu especialistas sobre o tema em audiência pública e reuniu informações para o julgamento do caso. Ela deve analisar o parecer do MPF e elaborar o voto para submeter o caso aos demais membros da corte.
ADPF 101
Lixo importado
PGR dá parecer contra a importação de pneus usados
Importar para o país pneus usados para serem reformados compromete o equilíbrio do meio ambiente e a proteção à saúde. Por isso, viola a Constituição Federal. Isso é o que afirma o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, em parecer na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que discute a importação de pneus usados.
Na ADPF, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pede que o Supremo Tribunal Federal casse as decisões judiciais que permitem a importação e confirme as restrições feitas pelo governo. O caso está em julgamento no Supremo Tribunal Federal e a ministra Cármem Lúcia é a relatora.
No parecer, a PGR afirma que o país deve defender o equilíbrio do meio ambiente. Antônio Fernando ressalta que, em 1989, o Brasil aderiu à Convenção da Basiléia, que estabelece que o “Estado tem o direito soberano de proibir a entrada de resíduos perigosos e outros resíduos estrangeiros em seu território”.
A ministra Carmem Lúcia já ouviu especialistas sobre o tema em audiência pública e reuniu informações para o julgamento do caso. Ela deve analisar o parecer do MPF e elaborar o voto para submeter o caso aos demais membros da corte.
ADPF 101
domingo, 9 de novembro de 2008
Walzer e o futuro de Obama
A revista eletrônica Dissent de 05 de novembro de 2008 traz as primeiras impressões do pensador americano Michael Walzer sobre o futuro de Obama.
NOW WE need to know what kind of a president he will be. Watching returns with my wife, younger daughter and grandchildren in a Greenwich Village apartment, I wept with relief when it became clear that Obama had won—because of the high hopes riding on his candidacy and the sense of desolation and demoralization that would have followed on his defeat. Though the community-organizing style of his campaign suggested to many people that we were watching the birth of a social movement, I suspect that what we have seen is very different: a charismatic candidacy whose charisma would not have survived electoral defeat. How will it fare after victory?
Once Obama starts to govern, charisma will not be enough; he will need the support of organized and mobilized constituencies. So we may see the development of movement politics, as we did in the 1930s and ‘60s, not during but after the election campaign. Obama will need political mobilization outside the Beltway—in the fight for national health care, for a more egalitarian (realistically, a less regressive) tax system, and for new policies on energy, education, immigration, and international trade. One of the first tests of his presidency will be his readiness and ability to stimulate a movement politics that doesn’t depend on the charisma of one man, but is grounded on a coherent program for social change.
He will be, I think (and hope), a more radical president than he wants to be. He has run, smartly, from the center; he has spoken well against the bitter partisanship of Washington politics these last eight years; he aspires to unite a racially divided nation. But the deepening recession will push him (as it pushed Roosevelt, another centrist) to adopt policies that will be fiercely opposed on the right.
Even his proposal on health care will encounter fierce opposition, despite the fact that it falls far short of a single payer plan—remember the losing fight for the Clintons’ proposal, which was intended as a compromise with the insurance companies (but they weren’t ready for compromise). Perhaps policy debates will be conducted on a higher plane under President Obama than they have been under President Bush, but we will not be free of partisanship.
There will be difficult battles, which Obama will have to fight and win, and in those battles he will need the help of partisans. A revitalized Democratic party would be a big help; so would stronger labor unions, able once again to organize large numbers of workers; so would a resurgent civil rights movement and, despite (or because of) Hillary’s defeat, a newly energized feminism. And here at Dissent, we too have a role to play. In these potentially “transformational” moments, ginger groups on the left, full of high spirits and new ideas, can make a difference. Obama’s victory is hugely important, but it remains an opportunity that has to be seized.
As perspectivas mundiais do Governo Obama
O Prof. Farlei Martins envia a seguinte entrevista de Hardt publicada no jornal "O Globo" de 09 de novembro de 2008.
Michael Hardt, autor junto com Antonio Negri, de “Império”, que, durante alguns anos, foi uma espécie de bíblia antiimperialista para os movimentos sociais de esquerda, diz que, com eleição de Obama, os pacifistas e os grupos de defesa dos direitos humanos poderão, a partir de agora, ser mais ambiciosos em suas campanhas, porque não precisarão desperdiçar energia lutando por causas básicas como a proibição da tortura e o fechamento de Guantánamo, em Cuba.
O GLOBO: Houve uma grande mobilização para eleger Obama, especialmente entre os jovens.
O senhor acha que uma nova geração foi conquistada pela política? MICHAEL HARDT: Esta é a pergunta que estou me fazendo: como vai ser a relação de Obama com os jovens, os movimentos sociais. Todas essas pessoas que se mobilizaram na eleição vão voltar para a casa ou vão ter representantes no governo ou mesmo continuarão ativas e, eventualmente, vão protestar contra Obama? Muito desse movimento internacional a favor de Obama foi criado pelos grupos pacifistas, pelos grupos contra a globalização capitalista. Penso que pode acontecer uma situação similar à dos governos de esquerda na América Latina, com uma relação questionável entre governo e movimentos sociais, como vem acontecendo no Brasil, na Bolívia, no Equador.
O discurso de Obama é de pragmatismo político, entendimento racial…
HARDT: De um lado, é importante não acreditar neste discurso de que acabaram os conflitos raciais e as tensões por causa da luta contra a guerra. De outro lado, é importante ter uma nova plataforma com a qual os movimentos sociais podem se conectar. Ou, dito de outra maneira, os movimentos sociais vão poder ser muito mais inteligentes e produtivos do que no período Bush. Nos últimos anos, tivemos de nos concentrar em temas óbvios, em assuntos que não deveriam estar mais em questão, como tortura, fechamento de Guantánamo, guerra do Iraque. Claro que não se pode torturar e que Guantánamo tem de ser fechada. Esses assuntos agora deixarão de ser motivo de polêmica e poderemos lutar por coisas mais importantes. Agora, os movimentos sociais poderão ser mais produtivos e terão novas oportunidades de pensar os desafios do mundo atual.
O maciço apoio a Obama foi visto como uma derrota dos conservadores, mas, ao mesmo tempo, o casamento gay e até uniões
heterossexuais não formalizadas foram rechaçadas em alguns lugares. O que pensa disso?
HARDT: A eleição de Obama não significa o fim da política. As forças conservadoras não deixaram de ser poderosas nos Estados Unidos. Essa população afro-americana e hispânica que apoiou Obama é contra o casamento gay, são grupos socialmente conservadores. A luta contra as forças conservadoras têm que continuar no país.
O senhor não acha que a crise econômica vai limitar as possibilidades políticas do governo Obama?
HARDT: Acho, claro. O governo vai ser limitado pela crise econômica e pelas duas guerras em curso, a do Iraque e a do Afeganistão. Não vai ser possível tirar as tropas imediatamente. A crise econômica provavelmente vai piorar muito no próximo ano e, portanto, vai ser praticamente impossível colocar em prática todos os projetos econômicos de Obama. De qualquer jeito, é muito melhor para os Estados Unidos e para o mundo ter a equipe de Obama administrando essa crise do que ter os técnicos de John McCain ou Bush. Não podemos esperar que Obama cumpra todas as expectativas criadas ou as promessas feitas.
O senhor acha que a crise econômica e financeira atual é a pior enfrentada pelo mundo capitalista recentemente?
HARDT: É certamente uma crise importante, mas não significará o fim do capitalismo ou do controle financeiro, nem do FMI ou do Banco Mundial, e nem mesmo o fim da importância dos EUA no mundo. A crise financeira é importante, mas o sistema global está se reorganizando e não vai desmontar.
O senhor acha que a crise está provocando uma reorganização do poder global?
HARDT: Acho que, com Obama no governo, voltamos à questão que eu e Toni (Antonio Negri) tentamos enfrentar no livro “Império”: se os EUA são capazes de governar o mundo unilateralmente ou se os EUA não são mais um país com poder imperialista. Bush tentou governar o mundo de forma unilateral e fracassou do ponto de vista econômico, político e militar. Nós voltamos à questão, agora, para saber qual será a forma deste império global: eu acho que será com os Estados Unidos, junto com outras nações dominantes, trabalhando com as corporações capitalistas e com as instituições supranacionais — como FMI e Banco Mundial — para criar uma espécie de network da ordem global. Eu acho que os EUA, como poder imperialista, morreram e foram enterrados. Mas entender a organização global, a forma que o capitalismo global tomará, continua sendo um desafio.
Michael Hardt, autor junto com Antonio Negri, de “Império”, que, durante alguns anos, foi uma espécie de bíblia antiimperialista para os movimentos sociais de esquerda, diz que, com eleição de Obama, os pacifistas e os grupos de defesa dos direitos humanos poderão, a partir de agora, ser mais ambiciosos em suas campanhas, porque não precisarão desperdiçar energia lutando por causas básicas como a proibição da tortura e o fechamento de Guantánamo, em Cuba.
O GLOBO: Houve uma grande mobilização para eleger Obama, especialmente entre os jovens.
O senhor acha que uma nova geração foi conquistada pela política? MICHAEL HARDT: Esta é a pergunta que estou me fazendo: como vai ser a relação de Obama com os jovens, os movimentos sociais. Todas essas pessoas que se mobilizaram na eleição vão voltar para a casa ou vão ter representantes no governo ou mesmo continuarão ativas e, eventualmente, vão protestar contra Obama? Muito desse movimento internacional a favor de Obama foi criado pelos grupos pacifistas, pelos grupos contra a globalização capitalista. Penso que pode acontecer uma situação similar à dos governos de esquerda na América Latina, com uma relação questionável entre governo e movimentos sociais, como vem acontecendo no Brasil, na Bolívia, no Equador.
O discurso de Obama é de pragmatismo político, entendimento racial…
HARDT: De um lado, é importante não acreditar neste discurso de que acabaram os conflitos raciais e as tensões por causa da luta contra a guerra. De outro lado, é importante ter uma nova plataforma com a qual os movimentos sociais podem se conectar. Ou, dito de outra maneira, os movimentos sociais vão poder ser muito mais inteligentes e produtivos do que no período Bush. Nos últimos anos, tivemos de nos concentrar em temas óbvios, em assuntos que não deveriam estar mais em questão, como tortura, fechamento de Guantánamo, guerra do Iraque. Claro que não se pode torturar e que Guantánamo tem de ser fechada. Esses assuntos agora deixarão de ser motivo de polêmica e poderemos lutar por coisas mais importantes. Agora, os movimentos sociais poderão ser mais produtivos e terão novas oportunidades de pensar os desafios do mundo atual.
O maciço apoio a Obama foi visto como uma derrota dos conservadores, mas, ao mesmo tempo, o casamento gay e até uniões
heterossexuais não formalizadas foram rechaçadas em alguns lugares. O que pensa disso?
HARDT: A eleição de Obama não significa o fim da política. As forças conservadoras não deixaram de ser poderosas nos Estados Unidos. Essa população afro-americana e hispânica que apoiou Obama é contra o casamento gay, são grupos socialmente conservadores. A luta contra as forças conservadoras têm que continuar no país.
O senhor não acha que a crise econômica vai limitar as possibilidades políticas do governo Obama?
HARDT: Acho, claro. O governo vai ser limitado pela crise econômica e pelas duas guerras em curso, a do Iraque e a do Afeganistão. Não vai ser possível tirar as tropas imediatamente. A crise econômica provavelmente vai piorar muito no próximo ano e, portanto, vai ser praticamente impossível colocar em prática todos os projetos econômicos de Obama. De qualquer jeito, é muito melhor para os Estados Unidos e para o mundo ter a equipe de Obama administrando essa crise do que ter os técnicos de John McCain ou Bush. Não podemos esperar que Obama cumpra todas as expectativas criadas ou as promessas feitas.
O senhor acha que a crise econômica e financeira atual é a pior enfrentada pelo mundo capitalista recentemente?
HARDT: É certamente uma crise importante, mas não significará o fim do capitalismo ou do controle financeiro, nem do FMI ou do Banco Mundial, e nem mesmo o fim da importância dos EUA no mundo. A crise financeira é importante, mas o sistema global está se reorganizando e não vai desmontar.
O senhor acha que a crise está provocando uma reorganização do poder global?
HARDT: Acho que, com Obama no governo, voltamos à questão que eu e Toni (Antonio Negri) tentamos enfrentar no livro “Império”: se os EUA são capazes de governar o mundo unilateralmente ou se os EUA não são mais um país com poder imperialista. Bush tentou governar o mundo de forma unilateral e fracassou do ponto de vista econômico, político e militar. Nós voltamos à questão, agora, para saber qual será a forma deste império global: eu acho que será com os Estados Unidos, junto com outras nações dominantes, trabalhando com as corporações capitalistas e com as instituições supranacionais — como FMI e Banco Mundial — para criar uma espécie de network da ordem global. Eu acho que os EUA, como poder imperialista, morreram e foram enterrados. Mas entender a organização global, a forma que o capitalismo global tomará, continua sendo um desafio.
Habermas e a Crise Mundial
O "Caderno Mais" da "Folha de São Paulo" de 09 de novembro de 2008 publica a seguinte entrevista de Habermas:
AINDA POTÊNCIA
PARA O FILÓSOFO ALEMÃO JÜRGEN HABERMAS, FUTURO POLÍTICO DO PLANETA DEPENDERÁ DA POSIÇÃO QUE OS EUA ADOTAREM NOS PRÓXIMOS ANOS O novo presidente precisa se impor contra as elites dependentes de Wall Street e se afastar dos reflexos de um novo protecionismo.
Um dos mais importantes filósofos vivos, o alemão Jürgen Habermas fala nesta entrevista sobre os efeitos da atual crise financeira sobre o futuro dos Estados nacionais. Para ele, as mudanças que o sistema político mundial sofrerá nos próximos anos irá depender necessariamente das posições que os EUA -e seu novo presidente- irão adotar. Habermas defende que os EUA, mesmo enfraquecidos, ainda permanecerão como a superpotência liberal.
PERGUNTA - O sr. deve estar decepcionado com os EUA, que, em sua opinião, foram o cavalo de tração da nova ordem mundial. JÜRGEN HABERMAS - O que nos resta a não ser apostar nesse cavalo de tração? Os Estados Unidos sairão enfraquecidos da dupla crise atual. Mas permanecerão por enquanto a superpotência liberal. A exportação mundial da própria forma de vida correspondeu ao universalismo falso, centralizado, dos velhos ricos. Em contraposição, a modernidade se alimenta do universalismo descentralizado do respeito igual por cada um. É do próprio interesse dos EUA não somente deixar de lado seu posicionamento contraproducente em relação à ONU, mas também colocar-se no topo do movimento reformista. Do ponto de vista histórico, a combinação de quatro fatores oferece uma constelação extraordinária: superpotência, mais antiga democracia na terra, a posse de um presidente liberal e visionário e uma cultura política na qual orientações normativas encontram um notável solo de ressonância. Os EUA sentem-se hoje profundamente inseguros devido ao fracasso da aventura unilateral, à autodestruição do neoliberalismo e também ao mau uso de uma consciência de excepcionalidade. Por que essa nação não poderia, como fez com tanta freqüência, recompor-se de novo e tentar integrar a tempo as grandes potências concorrentes de hoje -e potências mundiais de amanhã- em uma ordem internacional que prescinda de uma superpotência? Por que um presidente -que, saído de uma eleição decisiva, irá encontrar somente um espaço mínimo de ação- não desejaria, pelo menos na política externa, agarrar essa oportunidade razoável, essa oportunidade da razão?
PERGUNTA - Falando assim, o sr. não arrancaria mais do que um riso cansado dos chamados "realistas"...HABERMAS - O novo presidente americano precisa se impor contra as elites dependentes de Wall Street no próprio partido; ele também deveria ser afastado dos reflexos evidentes de um novo protecionismo. E os EUA precisariam, para uma meia-volta tão radical, do impulso amigável de um aliado leal, mas autoconsciente. Só pode existir um Ocidente "bipolar", no sentido criativo, se a União Européia aprender a falar para fora com uma só voz. Em épocas de crise, talvez seja necessária uma perspectiva que tenha um alcance mais longo do que o conselho do "mainstream" embonecado do sucesso a qualquer custo.
PERGUNTA - O sistema financeiro internacional entrou em colapso, e há a ameaça de uma crise econômica mundial. O que mais o inquieta?HABERMAS - O que mais me inquieta é a injustiça social, que consiste no fato de que os custos socializados oriundos da pane do sistema atingem da forma mais dura os grupos sociais mais vulneráveis. Assim, solicita-se da massa composta por aqueles que, de qualquer modo, não pertencem aos que lucram com a globalização que ela de novo pague pelas conseqüências, em termos da economia real, de uma falha funcional previsível do sistema financeiro. Também em escala mundial, esse destino punitivo efetua-se nos países mais fracos economicamente. Esse é o escândalo político. Mas apontar agora bodes expiatórios, isso, sem dúvida, considero hipocrisia. Também os especuladores comportaram-se de forma conseqüente, nos limites da lei, de acordo com a lógica, aceita socialmente, da maximização dos ganhos. A política se torna ridícula quando moraliza, em vez de se apoiar no direito coativo do legislador democrático. Ela, e não o capitalismo, é responsável pela orientação voltada ao bem comum.
PERGUNTA - Para os neoliberais, o Estado é somente um parceiro no campo econômico e precisa se apequenar. Agora esse pensamento não tem mais crédito? HABERMAS - Isso dependerá do desenrolar da crise, da capacidade de percepção, por parte dos partidos políticos, dos temas públicos.
PERGUNTA - Por que o bem-estar é hoje distribuído de forma tão desigual? O fim da ameaça comunista desinibiu o capitalismo ocidental? HABERMAS - O capitalismo contido no âmbito dos Estados nacionais, cercado por políticas econômicas keynesianas, marcado por um bem-estar incomparável -do ponto de vista histórico-, já havia acabado logo após o abandono do câmbio fixo e do choque do petróleo. De fato, a ruína da União Soviética desencadeou um triunfalismo fatal no Ocidente. A sensação de ter razão, em termos da história mundial, tem um efeito sedutor. Neste caso, inchou uma doutrina político-econômica e a tornou uma visão de mundo que penetra em todas as esferas da vida.
PERGUNTA - De que o mundo sentiu falta depois de 1989? O capital simplesmente se tornou poderoso demais diante da política? HABERMAS - Ficou claro para mim, ao longo dos anos 1990, que as capacidades políticas de ação precisavam crescer atrás dos mercados, no plano supranacional. À globalização econômica deveria ter seguido uma coordenação política mundial e a legitimação adicional das relações internacionais. Mas as primeiras peças adicionais já ficaram atoladas no governo de Bill Clinton. Desde o início da modernidade, o mercado e a política sempre precisaram se contrabalançar de forma que a rede de relações solidárias entre os membros de uma comunidade política não se rompesse. Uma tensão entre capitalismo e democracia sempre existe porque mercado e política repousam sobre princípios opostos.
PERGUNTA - Mas o sr. insiste no cosmopolitismo de Kant e acolhe a idéia de uma política interna mundial, introduzida por Carl Friedrich von Weizsäcker. Isso soa bastante ilusório -basta que se observe o estado atual das Nações Unidas. HABERMAS - Mesmo uma reforma basilar das instituições centrais das Nações Unidas não seria suficiente. De fato, o Conselho de Segurança, o Secretariado, as cortes de Justiça precisariam urgentemente entrar em forma para uma imposição global dos direitos humanos e da proibição da violência -em si já uma tarefa imensa. Nesse plano transnacional, há problemas de distribuição que não podem ser decididos do mesmo modo que infrações contra os direitos humanos ou violações de segurança internacional, mas precisam ser negociados de forma política.
PERGUNTA - Mas para isso já existe uma organização experimentada, que é o G-8. HABERMAS - Isso é um clube exclusivo, no qual algumas dessas questões são discutidas de forma descomprometida. Entre as expectativas exageradas que se ligam a essas encenações e o resultado medíocre do espetáculo midiático sem conseqüências, existe uma desproporção traiçoeira.
PERGUNTA - O discurso sobre a "política interna mundial" soa antes como os sonhos de um vidente. HABERMAS - Ainda ontem a maioria consideraria não realista aquilo que ocorre hoje: os governos europeus e asiáticos superam-se mutuamente em sugestões de regulamentações em vista da institucionalização insuficiente dos mercados financeiros.
PERGUNTA - Mesmo que novas competências fossem atribuídas ao Fundo Monetário Internacional, isso ainda não seria uma política interna mundial. HABERMAS - Não quero fazer previsões; em vista dos problemas atuais, o que podemos fazer, na melhor das hipóteses, são considerações construtivas. Os Estados nacionais deveriam, de forma crescente e, com efeito, em seu próprio interesse, se perceber membros da comunidade internacional. Quando hoje falamos de "política", estamos amiúde falando da ação de governos que herdaram uma autoconcepção como atores coletivos, que decidem de forma soberana. Mas essa autoconcepção de um Leviatã, que, desde o século 17, se desenvolveu junto com o sistema de Estados europeu, hoje já não é mais vigorosa. O que chamávamos ontem de "política" muda diariamente seu estado.
PERGUNTA - Mas como isso se coaduna com o darwinismo social, que, como o sr. diz, se expande novamente na política internacional desde o 11 de Setembro? HABERMAS - Talvez se devesse dar um passo atrás e observar uma conjuntura maior. Desde o final do século 18, o direito e a lei permearam o poder do governo, constituído politicamente, e lhe negaram, na circulação interior, o caráter substancial de um simples "poder". Mas ele guardou para si uma quantidade suficiente dessa substância, apesar da rede de organizações internacionais e da força de coesão crescente do direito internacional. Ainda assim, o conceito de "político", cunhado no âmbito do Estado nacional, está se liquefazendo. Na União Européia, por exemplo, os Estados-membros, no passado e no presente, guardam o monopólio da força e também transpõem, mais ou menos sem reclamações, o direito que é determinado na esfera supranacional. Essa mudança de forma do direito e da política também se relaciona a uma dinâmica capitalista que pode ser descrita como interação entre abertura forçada funcionalmente e fechamento sociointegrativo em níveis cada vez mais elevados.
PERGUNTA - O mercado arromba a sociedade, e o Estado social a fecha novamente? HABERMAS - O Estado social é uma proeza tardia e frágil. Os mercados e as redes de comunicação sempre em expansão já tiveram uma força de arrombamento, que, para o cidadão individual, é, ao mesmo tempo, individualizante e libertadora. A isso, porém, sempre seguiu uma reorganização das velhas relações de solidariedade numa moldura institucional expandida. Esse processo iniciou-se no início da modernidade, quando os estamentos dirigentes da Alta Idade Média se tornaram, passo a passo, parlamentares -como na Inglaterra- ou foram subjugados por reis absolutistas -como na França. Essa domesticação jurídica do Leviatã e do antagonismo entre as classes não foi simples. Mas, pelas mesmas razões, a bem-sucedida constitucionalização do Estado e da sociedade aponta hoje, após um surto de globalização econômica, para uma constitucionalização do direito internacional e da esfacelada sociedade mundial.
AINDA POTÊNCIA
PARA O FILÓSOFO ALEMÃO JÜRGEN HABERMAS, FUTURO POLÍTICO DO PLANETA DEPENDERÁ DA POSIÇÃO QUE OS EUA ADOTAREM NOS PRÓXIMOS ANOS O novo presidente precisa se impor contra as elites dependentes de Wall Street e se afastar dos reflexos de um novo protecionismo.
Um dos mais importantes filósofos vivos, o alemão Jürgen Habermas fala nesta entrevista sobre os efeitos da atual crise financeira sobre o futuro dos Estados nacionais. Para ele, as mudanças que o sistema político mundial sofrerá nos próximos anos irá depender necessariamente das posições que os EUA -e seu novo presidente- irão adotar. Habermas defende que os EUA, mesmo enfraquecidos, ainda permanecerão como a superpotência liberal.
PERGUNTA - O sr. deve estar decepcionado com os EUA, que, em sua opinião, foram o cavalo de tração da nova ordem mundial. JÜRGEN HABERMAS - O que nos resta a não ser apostar nesse cavalo de tração? Os Estados Unidos sairão enfraquecidos da dupla crise atual. Mas permanecerão por enquanto a superpotência liberal. A exportação mundial da própria forma de vida correspondeu ao universalismo falso, centralizado, dos velhos ricos. Em contraposição, a modernidade se alimenta do universalismo descentralizado do respeito igual por cada um. É do próprio interesse dos EUA não somente deixar de lado seu posicionamento contraproducente em relação à ONU, mas também colocar-se no topo do movimento reformista. Do ponto de vista histórico, a combinação de quatro fatores oferece uma constelação extraordinária: superpotência, mais antiga democracia na terra, a posse de um presidente liberal e visionário e uma cultura política na qual orientações normativas encontram um notável solo de ressonância. Os EUA sentem-se hoje profundamente inseguros devido ao fracasso da aventura unilateral, à autodestruição do neoliberalismo e também ao mau uso de uma consciência de excepcionalidade. Por que essa nação não poderia, como fez com tanta freqüência, recompor-se de novo e tentar integrar a tempo as grandes potências concorrentes de hoje -e potências mundiais de amanhã- em uma ordem internacional que prescinda de uma superpotência? Por que um presidente -que, saído de uma eleição decisiva, irá encontrar somente um espaço mínimo de ação- não desejaria, pelo menos na política externa, agarrar essa oportunidade razoável, essa oportunidade da razão?
PERGUNTA - Falando assim, o sr. não arrancaria mais do que um riso cansado dos chamados "realistas"...HABERMAS - O novo presidente americano precisa se impor contra as elites dependentes de Wall Street no próprio partido; ele também deveria ser afastado dos reflexos evidentes de um novo protecionismo. E os EUA precisariam, para uma meia-volta tão radical, do impulso amigável de um aliado leal, mas autoconsciente. Só pode existir um Ocidente "bipolar", no sentido criativo, se a União Européia aprender a falar para fora com uma só voz. Em épocas de crise, talvez seja necessária uma perspectiva que tenha um alcance mais longo do que o conselho do "mainstream" embonecado do sucesso a qualquer custo.
PERGUNTA - O sistema financeiro internacional entrou em colapso, e há a ameaça de uma crise econômica mundial. O que mais o inquieta?HABERMAS - O que mais me inquieta é a injustiça social, que consiste no fato de que os custos socializados oriundos da pane do sistema atingem da forma mais dura os grupos sociais mais vulneráveis. Assim, solicita-se da massa composta por aqueles que, de qualquer modo, não pertencem aos que lucram com a globalização que ela de novo pague pelas conseqüências, em termos da economia real, de uma falha funcional previsível do sistema financeiro. Também em escala mundial, esse destino punitivo efetua-se nos países mais fracos economicamente. Esse é o escândalo político. Mas apontar agora bodes expiatórios, isso, sem dúvida, considero hipocrisia. Também os especuladores comportaram-se de forma conseqüente, nos limites da lei, de acordo com a lógica, aceita socialmente, da maximização dos ganhos. A política se torna ridícula quando moraliza, em vez de se apoiar no direito coativo do legislador democrático. Ela, e não o capitalismo, é responsável pela orientação voltada ao bem comum.
PERGUNTA - Para os neoliberais, o Estado é somente um parceiro no campo econômico e precisa se apequenar. Agora esse pensamento não tem mais crédito? HABERMAS - Isso dependerá do desenrolar da crise, da capacidade de percepção, por parte dos partidos políticos, dos temas públicos.
PERGUNTA - Por que o bem-estar é hoje distribuído de forma tão desigual? O fim da ameaça comunista desinibiu o capitalismo ocidental? HABERMAS - O capitalismo contido no âmbito dos Estados nacionais, cercado por políticas econômicas keynesianas, marcado por um bem-estar incomparável -do ponto de vista histórico-, já havia acabado logo após o abandono do câmbio fixo e do choque do petróleo. De fato, a ruína da União Soviética desencadeou um triunfalismo fatal no Ocidente. A sensação de ter razão, em termos da história mundial, tem um efeito sedutor. Neste caso, inchou uma doutrina político-econômica e a tornou uma visão de mundo que penetra em todas as esferas da vida.
PERGUNTA - De que o mundo sentiu falta depois de 1989? O capital simplesmente se tornou poderoso demais diante da política? HABERMAS - Ficou claro para mim, ao longo dos anos 1990, que as capacidades políticas de ação precisavam crescer atrás dos mercados, no plano supranacional. À globalização econômica deveria ter seguido uma coordenação política mundial e a legitimação adicional das relações internacionais. Mas as primeiras peças adicionais já ficaram atoladas no governo de Bill Clinton. Desde o início da modernidade, o mercado e a política sempre precisaram se contrabalançar de forma que a rede de relações solidárias entre os membros de uma comunidade política não se rompesse. Uma tensão entre capitalismo e democracia sempre existe porque mercado e política repousam sobre princípios opostos.
PERGUNTA - Mas o sr. insiste no cosmopolitismo de Kant e acolhe a idéia de uma política interna mundial, introduzida por Carl Friedrich von Weizsäcker. Isso soa bastante ilusório -basta que se observe o estado atual das Nações Unidas. HABERMAS - Mesmo uma reforma basilar das instituições centrais das Nações Unidas não seria suficiente. De fato, o Conselho de Segurança, o Secretariado, as cortes de Justiça precisariam urgentemente entrar em forma para uma imposição global dos direitos humanos e da proibição da violência -em si já uma tarefa imensa. Nesse plano transnacional, há problemas de distribuição que não podem ser decididos do mesmo modo que infrações contra os direitos humanos ou violações de segurança internacional, mas precisam ser negociados de forma política.
PERGUNTA - Mas para isso já existe uma organização experimentada, que é o G-8. HABERMAS - Isso é um clube exclusivo, no qual algumas dessas questões são discutidas de forma descomprometida. Entre as expectativas exageradas que se ligam a essas encenações e o resultado medíocre do espetáculo midiático sem conseqüências, existe uma desproporção traiçoeira.
PERGUNTA - O discurso sobre a "política interna mundial" soa antes como os sonhos de um vidente. HABERMAS - Ainda ontem a maioria consideraria não realista aquilo que ocorre hoje: os governos europeus e asiáticos superam-se mutuamente em sugestões de regulamentações em vista da institucionalização insuficiente dos mercados financeiros.
PERGUNTA - Mesmo que novas competências fossem atribuídas ao Fundo Monetário Internacional, isso ainda não seria uma política interna mundial. HABERMAS - Não quero fazer previsões; em vista dos problemas atuais, o que podemos fazer, na melhor das hipóteses, são considerações construtivas. Os Estados nacionais deveriam, de forma crescente e, com efeito, em seu próprio interesse, se perceber membros da comunidade internacional. Quando hoje falamos de "política", estamos amiúde falando da ação de governos que herdaram uma autoconcepção como atores coletivos, que decidem de forma soberana. Mas essa autoconcepção de um Leviatã, que, desde o século 17, se desenvolveu junto com o sistema de Estados europeu, hoje já não é mais vigorosa. O que chamávamos ontem de "política" muda diariamente seu estado.
PERGUNTA - Mas como isso se coaduna com o darwinismo social, que, como o sr. diz, se expande novamente na política internacional desde o 11 de Setembro? HABERMAS - Talvez se devesse dar um passo atrás e observar uma conjuntura maior. Desde o final do século 18, o direito e a lei permearam o poder do governo, constituído politicamente, e lhe negaram, na circulação interior, o caráter substancial de um simples "poder". Mas ele guardou para si uma quantidade suficiente dessa substância, apesar da rede de organizações internacionais e da força de coesão crescente do direito internacional. Ainda assim, o conceito de "político", cunhado no âmbito do Estado nacional, está se liquefazendo. Na União Européia, por exemplo, os Estados-membros, no passado e no presente, guardam o monopólio da força e também transpõem, mais ou menos sem reclamações, o direito que é determinado na esfera supranacional. Essa mudança de forma do direito e da política também se relaciona a uma dinâmica capitalista que pode ser descrita como interação entre abertura forçada funcionalmente e fechamento sociointegrativo em níveis cada vez mais elevados.
PERGUNTA - O mercado arromba a sociedade, e o Estado social a fecha novamente? HABERMAS - O Estado social é uma proeza tardia e frágil. Os mercados e as redes de comunicação sempre em expansão já tiveram uma força de arrombamento, que, para o cidadão individual, é, ao mesmo tempo, individualizante e libertadora. A isso, porém, sempre seguiu uma reorganização das velhas relações de solidariedade numa moldura institucional expandida. Esse processo iniciou-se no início da modernidade, quando os estamentos dirigentes da Alta Idade Média se tornaram, passo a passo, parlamentares -como na Inglaterra- ou foram subjugados por reis absolutistas -como na França. Essa domesticação jurídica do Leviatã e do antagonismo entre as classes não foi simples. Mas, pelas mesmas razões, a bem-sucedida constitucionalização do Estado e da sociedade aponta hoje, após um surto de globalização econômica, para uma constitucionalização do direito internacional e da esfacelada sociedade mundial.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Paulo Bonavides e o retorno do Estado
A Folha de São Paulo publica, no dia 6 de novembro de 2008, artigo de Paulo Bonavides sobre o Estado neo-social.O texto sob o título "O Estado neoliberal e Estado neo-social" procura resgatar o papel do Estado em novas bases.DURANTE AS recentes celebrações dos 20 anos da Constituição de 1988, uma universidade do Rio Grande do Norte comemorou com um congresso internacional ali realizado o transcurso do cinqüentenário da publicação do nosso livro "Do Estado Liberal ao Estado Social".Estamos a referir o evento porque a questão posta naquela obra retoma inteira atualidade com a crise que ora devasta as finanças das economias globalizadas.Em verdade, o que poderia parecer ato póstumo de liturgia política para deplorar uma forma de Estado quase desaparecida depois de legar à democracia constitucional os direitos da segunda geração (a saber, os direitos sociais) veio a ser, no seu significado mais alto, a festa de uma ressurreição.Depois da queda das Bolsas no globo e das intervenções bilionárias dos Estados Unidos para salvar sua economia, o mundo vê desfazer-se em frangalhos a ilusão neoliberal que decretara o fim das ideologias, em um cenário em que todos os sistemas econômicos e financeiros jazem sob a égide da globalização.Isto importava desterrar do campo das idéias, o debate acerca da melhor forma de governar povos e nações. O Estado neoliberal cuidava haver alcançado a solidez e a eternidade que outrora os filósofos franceses da revolução buscavam com os códigos e as Constituições.Assim aconteceu a muitos adeptos do neoliberalismo. Arrogantes e passionais, nos traziam já à memória o constituinte jacobino que, professando o culto supremo da lei e da razão para destruir a sociedade feudal, cominava a pena de morte a quem ousasse propor emendas à Constituição; ou Napoleão, perplexo, estranhando a necessidade do comentário jurídico aos artigos do seu código.Em suma, o Estado neoliberal parece haver encerrado o efêmero ciclo de seu império e ascensão, assentados sobre a hegemonia da unipolaridade americana, que ficou enterrada nas areias da Mesopotâmia. Foi a pior vitória de Pirro que os anais da história já registraram.Em substituição do Estado neoliberal, renasce, portanto, numa alvorada de esperanças, o Estado social, que o neoliberalismo supunha desde muito extinto e sepultado no sarcófago das revoluções malogradas.Mas há primeiro um grave problema a resolver, sempre presente a toda reflexão acerca do Estado liberal e do Estado social, a saber, o potencial risco de radicalizar posições teóricas e pragmáticas.Com efeito, o erro histórico que fez despontar o neoliberalismo do Estado mínimo poderá, com a maré intervencionista desta crise, gerar também o Estado máximo, tão aparentado aos modelos autocráticos do passado.Que a medida provisória 443, ato normativo autoritário, não seja o primeiro passo nessa direção.Irmã gêmea e sucessora do decreto-lei da ditadura, a medida provisória, por seus freqüentes abusos e ofensas à Constituição, fere o espírito republicano do regime. É a negação do Estado de Direito. Se isso ocorrer, o Estado social da democracia terá perdido a grande ocasião de aprofundar as raízes de sua consolidação.O porvir da humanidade no mundo convulsivo de nossos dias há de pertencer a uma sociedade de inspiração emancipadora, volvida para concretizar valores postergados da justiça, da liberdade, da democracia, da fraternidade. Enfim, os valores resumidos na lição constitucional dos direitos fundamentais, acrescidos das dimensões novas em que democracia e paz emergem como direitos no pensamento jurídico da contemporaneidade.Visto a essa luz, o único regime vazado na suprema legitimidade daqueles princípios é o Estado social. Os pensadores da liberdade o hastearam na consciência dos povos como bandeira de justiça e democracia social.Urge fortalecê-lo e defini-lo por solução para prevenir novas catástrofes, novas recaídas em sistemas totalitários, novos retrocessos.Intentou o neoliberalismo fazer do começo deste século o túmulo da história; mas, em verdade, a história, o progresso, o direito e a civilização, na extensão de sua universalidade, unicamente agora estão a principiar.A primeira globalização, selvagem, menosprezou o Estado; a segunda globalização, civilizada, esta, sim, será obra do Estado neo-social que caminha para o futuro, e não para o passado.PAULO BONAVIDES, 83, doutor "honoris causa" da Universidade de Lisboa (Portugal), é professor emérito da Universidade Federal do Ceará, presidente emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, diretor da "Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais" e membro do comitê de que fundou a Associação Internacional de Direito Constitucional. É autor, entre outras obras, de "História Constitucional do Brasil
terça-feira, 4 de novembro de 2008
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes e os Direitos Humanos
O jornal "O Globo" de 4 de novembro de 2008 publica a opinião do Min. Gilmar Ferreira Mendes nas discussões ocorridas a partir da defesa pela AGU do coronel Ustra e da ADPF do Conselho Federal da OAB contra a Lei da Anistia. Esta tem como relator o Min. Eros Grau
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pediu nesta segunda-feira cautela na discussão sobre a prescrição dos crimes de tortura, cometidos durante o regime militar. Ao responder sobre a declaração da ministra Dilma, o ministro afirmou que o tema referente aos direitos humanos se presta a ideologizações e politizações e, por isso, trata-se de uma questão de "dupla face".
" Direitos humanos valem para todos: presos, presidiários, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade para determinadas pessoas que tenham determinada atuação política "
- Porque o texto constitucional diz que o crime de terrorismo também é imprescritível - disse ele, durante um debate sobre democracia e estado de Direito, em seminário organizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas e Instituto Fernando Henrique Cardoso. - Eu repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente os casos de direitos humanos. Direitos humanos valem para todos: presos, presidiários, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade para determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não pode ser ideologizado - completou ele.
Gilmar Mendes também se manifestou sobre o documento da AGU.
-Eu não conheço todos os dados postos (pela AGU). Mas é claro que não é dado ao advogado geral da União fazer escolhas quando imputam responsabilidade nas ações à própria União. Tem que fazer a defesa do ato, a não ser que seja evidente a responsabilidade da União ou a responsabilidade de quem é acusado. Embora considere legítimo o protesto de diferentes categorias, ele disse que o país precisaria "evoluir para um padrão civilizatório". Eros Grau pede informações a Executivo e Legislativo
Também nesta segunda, o ministro Eros Grau, do STF, determinou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Congresso, Garibaldi Alves Filho, prestem informações sobre a punição para as autoridades militares que torturaram e mataram presos políticos durante a ditadura (1964-1985).
Ouvir a autoridade responsável pelo ato questionado em até cinco dias - no caso a Presidência da República e o Congresso Nacional, é o procedimento habitual, previsto na legislação, nos processos que tramitam na Corte. Na seqüência, o processo deve seguir para a Procuradoria Geral da República, que tem o mesmo prazo de cinco dias para emitir parecer, como é usual, também, nas ações que chegam ao STF.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pediu nesta segunda-feira cautela na discussão sobre a prescrição dos crimes de tortura, cometidos durante o regime militar. Ao responder sobre a declaração da ministra Dilma, o ministro afirmou que o tema referente aos direitos humanos se presta a ideologizações e politizações e, por isso, trata-se de uma questão de "dupla face".
" Direitos humanos valem para todos: presos, presidiários, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade para determinadas pessoas que tenham determinada atuação política "
- Porque o texto constitucional diz que o crime de terrorismo também é imprescritível - disse ele, durante um debate sobre democracia e estado de Direito, em seminário organizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas e Instituto Fernando Henrique Cardoso. - Eu repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente os casos de direitos humanos. Direitos humanos valem para todos: presos, presidiários, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade para determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não pode ser ideologizado - completou ele.
Gilmar Mendes também se manifestou sobre o documento da AGU.
-Eu não conheço todos os dados postos (pela AGU). Mas é claro que não é dado ao advogado geral da União fazer escolhas quando imputam responsabilidade nas ações à própria União. Tem que fazer a defesa do ato, a não ser que seja evidente a responsabilidade da União ou a responsabilidade de quem é acusado. Embora considere legítimo o protesto de diferentes categorias, ele disse que o país precisaria "evoluir para um padrão civilizatório". Eros Grau pede informações a Executivo e Legislativo
Também nesta segunda, o ministro Eros Grau, do STF, determinou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Congresso, Garibaldi Alves Filho, prestem informações sobre a punição para as autoridades militares que torturaram e mataram presos políticos durante a ditadura (1964-1985).
Ouvir a autoridade responsável pelo ato questionado em até cinco dias - no caso a Presidência da República e o Congresso Nacional, é o procedimento habitual, previsto na legislação, nos processos que tramitam na Corte. Na seqüência, o processo deve seguir para a Procuradoria Geral da República, que tem o mesmo prazo de cinco dias para emitir parecer, como é usual, também, nas ações que chegam ao STF.
domingo, 2 de novembro de 2008
O multiculturalismo e o direito à diferença
A Folha de São Paulo traz a seguinte entre entrevista de um dos maiores estudiosos do multiculturalismo e é importante para refletirmos sobre o direito à diferença. Direito este que a teoria constitucional como é esboçada pelo constitucionalista alemão E. Denniger. A matéria foi publicada em 2 de novembro de 2008."Multiculturalismo erra ao focar apenas respeito à diferença"
Opinião é de um dos principais estudiosos do assunto, Tariq Modood, pesquisador da Universidade de BristolO ideal de preservação das culturas minoritárias, que, por décadas, orientou as políticas públicas em países como a Holanda, não bastou para integrar os imigrantes na Europa. A crítica não vem da direita européia, mas de Tariq Modood, pesquisador da Universidade de Bristol (Reino Unido) e um dos principais teóricos do multiculturalismo. "Erramos ao focar no respeito à diferença sem, ao mesmo tempo, enfatizar o que temos em comum", diz o paquistanês, que esteve no Brasil na semana passada, como conferencista do Fronteiras Braskem do Pensamento. Mas ressalva: "Tudo o que deu errado é identificado com o multiculturalismo.O que deu certo é chamado de diversidade". Em entrevista à Folha, Modood falou sobre a reação cristã à presença muçulmana e os desafios da integração na Europa e nos EUA.
FOLHA - A ênfase na preservação da identidade dos imigrantes, presente no multiculturalismo, pode pôr em risco a coesão social?TARIQ MODOOD - Depende da forma de multiculturalismo. A maioria dos multiculturalistas está preocupada em criar uma sociedade com algum grau de solidariedade cívica. Mas nós erramos ao focar no respeito às diferenças culturais sem, ao mesmo tempo, enfatizar o que temos em comum. Isso aconteceu em alguma medida na Europa, nem tanto em países como Canadá e Austrália.
FOLHA - A Holanda foi, por muitos anos, a principal vitrine do multiculturalismo. Mas, desde o assassinato de Theo van Gogh [cineasta morto por um muçulmano holandês em 2004], o país vem repensando o modelo de integração.MODOOD - Os holandeses eram muito bons em políticas de acomodação cultural, mas não foram tão eficientes em garantir oportunidades de sucesso na sociedade holandesa. O Estado de bem-estar social holandês era muito generoso, de modo que havia pouco incentivo à integração econômica. Acho que as políticas holandesas sofreram com esse desequilíbrio.
FOLHA - Qual o impacto disso para as políticas de integração dos imigrantes na Europa?MODOOD - Em termos de retórica política, o termo multiculturalismo se tornou muito impopular. Tudo o que deu errado é identificado com o multiculturalismo. O que deu certo, como a redução da desigualdade entre raças no Reino Unido e a aceitação das diferenças religiosas, é chamado de diversidade. Mas, em termos de políticas públicas, não houve grandes mudanças, só uma ênfase maior na necessidade de conhecer o idioma, por exemplo.
FOLHA - Nos EUA, as tensões entre imigrantes e nativos raramente resultam em conflito aberto, como ocorreu nos subúrbios franceses e mais recentemente na Itália. A integração é mais fácil nos EUA?MODOOD - Os EUA não têm as mesmas questões com relação aos muçulmanos, porque eles têm pouquíssimos imigrantes islâmicos, quase todos trabalhadores especializados, dispersos pelo território. Mas a situação dos latinos nos EUA é muito parecida à dos imigrantes do norte da África na Europa: concentração demográfica, trabalhos de baixa remuneração, alto desemprego, imigração ilegal... Há uma sensação semelhante de que eles ameaçam a cultura dominante. Mas, sem dúvida, os EUA são mais hospitaleiros à imigração. Há mais mobilidade social e menos preocupação com a concentração demográfica. Na Europa, as pessoas se preocupam se muita gente morena começa a ser vista na vizinhança. Os EUA também são mais tolerantes com a expressão religiosa das minorias. Até porque são um país onde se espera que as pessoas tenham uma religião, ao contrário da Europa.
FOLHA - Mas o secularismo institucional não é uma precondição para acomodar diferentes religiões?MODOOD - O secularismo europeu é, em geral, uma posição conciliadora. Busca criar uma distinção entre política e religião, mas, ao mesmo tempo, acomodar as diferentes religiões de modo pacífico. Na maior parte do continente, prioriza-se a liberdade de religião. Apenas na França, a prioridade foi, historicamente, libertar-se da religião. Infelizmente, essa interpretação extrema tem ganhado força na Europa, porque muita gente teme que os muçulmanos estejam trazendo religião demais para a esfera pública. Mas banir religião da vida pública apenas torna a integração dos muçulmanos mais difícil.
FOLHA - Seus trabalhos falam sobre o fortalecimento de uma identidade cultural cristã na Europa, apesar do declínio da religião. É possível dissociar essa identidade cristã do sentimento antiimigrante?MODOOD - São indissociáveis. Há um declínio muito acentuado da freqüência a cultos religiosos na Europa e da influência da religião na vida das pessoas. Mas o que notamos, em pesquisas recentes, é que as pessoas optam por firmar uma identidade cultural cristã.Suspeito que seja uma reação à presença de pessoas identificadas como não-cristãs. Nem todos os muçulmanos são praticantes, e muitos priorizam outras formas identitárias, como nacionalidade ou profissão. Mas, como grupo demográfico, os muçulmanos enfatizam muito mais a religião como identidade primária do que as pessoas na Europa ocidental. Quando as pessoas enfatizam uma determinada identidade, os outros reagem a isso.
Opinião é de um dos principais estudiosos do assunto, Tariq Modood, pesquisador da Universidade de BristolO ideal de preservação das culturas minoritárias, que, por décadas, orientou as políticas públicas em países como a Holanda, não bastou para integrar os imigrantes na Europa. A crítica não vem da direita européia, mas de Tariq Modood, pesquisador da Universidade de Bristol (Reino Unido) e um dos principais teóricos do multiculturalismo. "Erramos ao focar no respeito à diferença sem, ao mesmo tempo, enfatizar o que temos em comum", diz o paquistanês, que esteve no Brasil na semana passada, como conferencista do Fronteiras Braskem do Pensamento. Mas ressalva: "Tudo o que deu errado é identificado com o multiculturalismo.O que deu certo é chamado de diversidade". Em entrevista à Folha, Modood falou sobre a reação cristã à presença muçulmana e os desafios da integração na Europa e nos EUA.
FOLHA - A ênfase na preservação da identidade dos imigrantes, presente no multiculturalismo, pode pôr em risco a coesão social?TARIQ MODOOD - Depende da forma de multiculturalismo. A maioria dos multiculturalistas está preocupada em criar uma sociedade com algum grau de solidariedade cívica. Mas nós erramos ao focar no respeito às diferenças culturais sem, ao mesmo tempo, enfatizar o que temos em comum. Isso aconteceu em alguma medida na Europa, nem tanto em países como Canadá e Austrália.
FOLHA - A Holanda foi, por muitos anos, a principal vitrine do multiculturalismo. Mas, desde o assassinato de Theo van Gogh [cineasta morto por um muçulmano holandês em 2004], o país vem repensando o modelo de integração.MODOOD - Os holandeses eram muito bons em políticas de acomodação cultural, mas não foram tão eficientes em garantir oportunidades de sucesso na sociedade holandesa. O Estado de bem-estar social holandês era muito generoso, de modo que havia pouco incentivo à integração econômica. Acho que as políticas holandesas sofreram com esse desequilíbrio.
FOLHA - Qual o impacto disso para as políticas de integração dos imigrantes na Europa?MODOOD - Em termos de retórica política, o termo multiculturalismo se tornou muito impopular. Tudo o que deu errado é identificado com o multiculturalismo. O que deu certo, como a redução da desigualdade entre raças no Reino Unido e a aceitação das diferenças religiosas, é chamado de diversidade. Mas, em termos de políticas públicas, não houve grandes mudanças, só uma ênfase maior na necessidade de conhecer o idioma, por exemplo.
FOLHA - Nos EUA, as tensões entre imigrantes e nativos raramente resultam em conflito aberto, como ocorreu nos subúrbios franceses e mais recentemente na Itália. A integração é mais fácil nos EUA?MODOOD - Os EUA não têm as mesmas questões com relação aos muçulmanos, porque eles têm pouquíssimos imigrantes islâmicos, quase todos trabalhadores especializados, dispersos pelo território. Mas a situação dos latinos nos EUA é muito parecida à dos imigrantes do norte da África na Europa: concentração demográfica, trabalhos de baixa remuneração, alto desemprego, imigração ilegal... Há uma sensação semelhante de que eles ameaçam a cultura dominante. Mas, sem dúvida, os EUA são mais hospitaleiros à imigração. Há mais mobilidade social e menos preocupação com a concentração demográfica. Na Europa, as pessoas se preocupam se muita gente morena começa a ser vista na vizinhança. Os EUA também são mais tolerantes com a expressão religiosa das minorias. Até porque são um país onde se espera que as pessoas tenham uma religião, ao contrário da Europa.
FOLHA - Mas o secularismo institucional não é uma precondição para acomodar diferentes religiões?MODOOD - O secularismo europeu é, em geral, uma posição conciliadora. Busca criar uma distinção entre política e religião, mas, ao mesmo tempo, acomodar as diferentes religiões de modo pacífico. Na maior parte do continente, prioriza-se a liberdade de religião. Apenas na França, a prioridade foi, historicamente, libertar-se da religião. Infelizmente, essa interpretação extrema tem ganhado força na Europa, porque muita gente teme que os muçulmanos estejam trazendo religião demais para a esfera pública. Mas banir religião da vida pública apenas torna a integração dos muçulmanos mais difícil.
FOLHA - Seus trabalhos falam sobre o fortalecimento de uma identidade cultural cristã na Europa, apesar do declínio da religião. É possível dissociar essa identidade cristã do sentimento antiimigrante?MODOOD - São indissociáveis. Há um declínio muito acentuado da freqüência a cultos religiosos na Europa e da influência da religião na vida das pessoas. Mas o que notamos, em pesquisas recentes, é que as pessoas optam por firmar uma identidade cultural cristã.Suspeito que seja uma reação à presença de pessoas identificadas como não-cristãs. Nem todos os muçulmanos são praticantes, e muitos priorizam outras formas identitárias, como nacionalidade ou profissão. Mas, como grupo demográfico, os muçulmanos enfatizam muito mais a religião como identidade primária do que as pessoas na Europa ocidental. Quando as pessoas enfatizam uma determinada identidade, os outros reagem a isso.
sábado, 1 de novembro de 2008
Agamben política, economia e direito
O Prof. Farlei Martins envia a matéria de Agamben sobre economia,política e direito.
Leia abaixo trecho do livro publicado na revista ADN Cultura do jornal La Nación em primeiro de novembro de 2008.
El Reino y la Gloria
Por Giorgio Agamben
La función política esencial de la gloria, de las aclamaciones y de las doxologías parece hoy en decadencia. Ceremonias, protocolos y liturgias existen aún por todas partes, y no sólo donde sobreviven las instituciones monárquicas. En los recibimientos y en las ceremonias solemnes, el presidente de la república continúa siguiendo reglas protocolares [...]; el pontífice romano todavía se sienta sobre la cathedra Petri o sobre la silla gestatoria y viste ornamentos y tiaras, de cuyo significado los fieles generalmente han perdido la memoria.
Sin embargo, en líneas generales, ceremonias y liturgias tienden hoy a simplificarse; las insignias del poder se reducen al mínimo exponente; las coronas, los tronos y los cetros se conservan en las vitrinas de los museos o de los tesoros; y las aclamaciones, que tanta importancia han tenido para la función gloriosa del poder, parecen estar desapareciendo en todas partes. Pero en definitiva no están tan lejos los tiempos en que, en el ámbito de lo que Kantorowicz llamaba the emotionalism (el emocionalismo) de los regímenes fascistas, las aclamaciones desarrollaban una función decisiva en la vida política de algunos grandes Estados europeos; quizá nunca una aclamación en sentido técnico fue pronunciada con tanta fuerza y eficacia como Heil Hitler en la Alemania nazi o Duce duce en la Italia fascista. Sin embargo esos gritos fragorosos y unánimes que resonaban ayer en las plazas de nuestras ciudades parecen hoy parte de un pasado lejano e irrevocable.
¿Pero es realmente así? En 1928, cuando retoma en su Teoría de la Constitución el tema del ensayo Referendo y propuesta de ley por iniciativa popular, escrito el año anterior, Schmitt precisa el significado constitutivo de las aclamaciones en el derecho público y lo hace precisamente en el capítulo dedicado al análisis de la “doctrina de la democracia”. [...]
El aporte específico de Schmitt no consiste [...] sólo en que vincula indisolublemente la aclamación con la democracia y con la esfera pública, sino también en que individualiza las formas en que ella puede existir en las democracias contemporáneas, en las cuales “la asamblea del pueblo presente y toda clase de aclamación se han vuelto imposibles”. En las democracias contemporáneas, la aclamación sobrevive, según Schmitt, en la esfera de la opinión pública; y únicamente partiendo del nexo constitutivo pueblo-aclamación-opinión pública es posible restituir sus derechos al concepto de publicidad, hoy “tan desdibujado, pero esencial para toda la vida política y en particular para la democracia moderna”:
La opinión pública es la forma moderna de la aclamación. Ella es, quizás, una forma difusa y su problema no está resuelto ni desde el punto de vista sociológico ni desde el punto de vista del derecho público. Pero su esencia y su significado político se encuentran precisamente en el hecho de que ella puede ser entendida como aclamación. No hay ninguna democracia y ningún Estado sin opinión pública, como no hay ningún Estado sin aclamación.
Por cierto, Schmitt es consciente de que, desde esta perspectiva, la manipulación de la opinión pública podría ocasionar riesgos esenciales para la democracia. Pero según el principio por el cual el criterio último de la existencia política de un pueblo es su capacidad de distinguir al amigo del enemigo, cree que mientras aquella capacidad exista, tales riesgos no son decisivos:
En toda democracia hay siempre partidos, oradores y demagogos –desde los próstatai de la democracia ateniense hasta los bosses de la democracia americana–, además de prensa, filmes y otros métodos de manipulación psicotécnica de las grandes masas, que no se dejan someter a una disciplina completa. Existe por lo tanto siempre el peligro de que fuerzas sociales invisibles e irresponsables dirijan la opinión pública y la voluntad del pueblo.
La clave aquí no es tanto la particular adscripción de la aclamación –un elemento que parece pertenecer sobre todo a la tradición del autoritarismo– a la tradición genuinamente democrática: esto ya estaba presente en el ensayo de 1927. Más interesante aun es la indicación según la cual la esfera de la gloria –cuyo significado y cuya arqueología hemos intentado reconstruir– no desaparece en las democracias modernas, sino que simplemente se desplaza hacia otro ámbito, el de la opinión pública. Si esto es cierto, el problema hoy tan debatido de la función política de los medios masivos en las sociedades contemporáneas adquiere un nuevo significado y una nueva urgencia.
En 1967, con un diagnóstico cuya precisión hoy nos parece por demás evidente, Guy Debord constataba la transformación a escala planetaria de la política y de la economía capitalista en “una inmensa acumulación de espectáculos”, en los que la mercancía y el capital mismo asumen la forma mediática de la imagen. Si conjugamos los análisis de Debord con la tesis schmittiana de la opinión pública como forma moderna de la aclamación, todo el problema del actual dominio espectacular de los medios masivos sobre todo aspecto de la vida social aparece en una dimensión nueva. Aquí está en cuestión nada menos que una nueva e inaudita concentración, multiplicación y diseminación de la función de la gloria como centro del sistema político. Lo que en una época estaba confinado a las esferas de la liturgia y los ceremoniales se concentra en los medios masivos y, a la vez, a través de ellos, se difunde y penetra a cada instante y en cada ámbito de la sociedad, tanto público como privado. La democracia contemporánea es una democracia basada integralmente en la gloria, es decir, en la eficacia de la aclamación, multiplicada y diseminada por los medios masivos más allá de toda imaginación (que el término griego para gloria –dóxa– sea el mismo que designa hoy la opinión pública es, desde este punto de vista, algo más que una coincidencia). Como ocurría ya en las liturgias profanas y eclesiásticas, este supuesto “fenómeno democrático originario” es una vez más capturado, orientado y manipulado bajo las formas, y según las estrategias, del poder espectacular.
Comenzamos ahora a entender mejor el sentido de las actuales definiciones de la democracia como government by consent (gobierno por consentimiento) o consensus democracy (democracia consensual) y la transformación decisiva de las instituciones democráticas que ellas implican. En 1994, con motivo de la sentencia del Tribunal Federal alemán que rechazaba un recurso de inconstitucionalidad contra la ratificación del Tratado de Maastricht, tuvo lugar en Alemania un debate entre un ilustre constitucionalista, Dieter Grimm, y Jürgen Habermas. En un breve ensayo (con un título significativamente interrogativo Braucht Europa eine Verfassung ?, “¿Necesita Europa una Constitución?”) que intervenía en la discusión –entonces particularmente viva en Alemania– entre quienes creían que los tratados que habían llegado a la integración europea ya tenían valor de constitución formal y quienes sostenían, en cambio, la necesidad de un documento constitucional en sentido propio, el jurista subrayaba la heterogeneidad insalvable entre los tratados internacionales, que tienen su fundamento jurídico en los acuerdos entre Estados, y la constitución, que presupone un acto constituyente del pueblo. Grimm escribe:
Una constitución en el sentido pleno del término debe necesariamente provenir de un acto del pueblo o al menos atribuido al pueblo, a través del cual este se autoconfiere la capacidad de actuar políticamente. Esta fuente le falta por completo al derecho comunitario primario, que no proviene de un pueblo europeo, sino de los singulares Estados miembros y depende de estos incluso para su entrada en vigencia.
Grimm no sentía ninguna nostalgia por el modelo del Estado nacional o por una comunidad nacional cuya unidad se presupone de algún modo de manera sustancial o “radicada en una etnia”. Pero él no podía no hacer notar que la falta de opinión pública europea y de una lengua común hacía, al menos por el momento, imposible la formación de algo así como una cultura política común.
Esta tesis, que reflejaba de modo coherente los principios del derecho público moderno, coincidía sustancialmente con la posición de aquellos sociólogos como Lepsius que, más o menos en los mismos años, incluso distinguiendo entre ethnos (la colectividad nacional basada en la descendencia y la homogeneidad) y demos (el pueblo como “nación de los ciudadanos”), habían afirmado que Europa no posee todavía un demos común y no puede por lo tanto constituir un poder europeo políticamente legítimo.
A esta concepción de la relación necesaria entre pueblo y constitución, Habermas opone la tesis de una soberanía popular completamente emancipada de un sujeto-pueblo sustancial (constituido por “miembros de una colectividad físicamente presentes, participantes e implicados”) y resuelta integralmente en las formas comunicativas privadas de sujeto que, según su idea de la publicidad, “regulan el flujo de la formación política de la opinión y de la voluntad”. Una vez que la soberanía popular se disuelve y licua en tales procedimientos comunicativos, no sólo el lugar simbólico del poder no puede ser ocupado por nuevos símbolos identitarios, sino que disminuyen también las objeciones de los constitucionalistas a la posibilidad de que algo así como un “pueblo europeo” –entendido de manera correcta, es decir, comunicativa– pueda existir.
Es sabido cómo, en los años siguientes, se procedió efectivamente a la redacción de una “constitución europea”, con la inesperada consecuencia –que debería haberse previsto– de que fue rechazada por el “pueblo de los ciudadanos” que habría tenido que ratificarla y de cuyo poder constituyente ella no era ciertamente expresión. El hecho es que, si a Grimm y a los teóricos del nexo pueblo-constitución, se les podía objetar que ellos todavía remitían a presupuestos comunes (la lengua, la opinión pública), a Habermas y a los teóricos del pueblo-comunicación se les podía objetar, no sin buenos argumentos, que ellos terminaban por depositar el poder político en las manos de los expertos y de los medios masivos.
Lo que nuestra investigación nos ha mostrado es que el Estado holístico basado en la presencia inmediata del pueblo aclamante y el Estado neutralizado resuelto en las formas comunicativas sin sujeto se oponen sólo en apariencia. Ellos no son más que las dos caras del mismo dispositivo glorioso en sus dos formas: la gloria inmediata y subjetiva del pueblo aclamante y la gloria mediática y objetiva de la comunicación social. Como debería ser evidente hoy, pueblo-nación y pueblo-comunicación, incluso en la diversidad de sus comportamientos y de sus figuras, son los dos rostros de la dóxa, que, como tales, se entrelazan y se separan continuamente en las sociedades contemporáneas. En este entrecruzamiento, los teóricos “democráticos” y laicos de la acción comunicativa corren el riesgo de encontrarse al lado de los pensadores conservadores de la aclamación, como Schmitt y Peterson. Pero este es, precisamente, el precio que deben pagar las elaboraciones teóricas que creen poder prescindir de las precauciones arqueológicas.
Una investigación genealógica sumaria es también capaz de demostrar que el government by consent y la comunicación social sobre la que en última instancia descansa el consenso remiten, en realidad, a las aclamaciones. La primera vez que el concepto de consensus aparece en un contexto técnico de derecho público es un pasaje crucial de las Res gestae Augusti, donde Augusto resume brevemente la concentración de los poderes constitucionales en su persona: “In consulatu sexto et septimo, postquam bella civilia extinxeram, per consensum universorum potitus rerum omnium (En mis consulados sexto y séptimo, después de haber aplacado las guerras civiles, a través del consenso de todos, asumí todo el poder)”. Los historiadores del derecho romano se han interrogado sobre el fundamento iuspublicístico de esta extraordinaria concentración de poderes; Mommsen y Kornemann, por ejemplo, creen que ella no se fundaba tanto en la función de triunviro, sino sobre una especie de estado de excepción [...]. Sin embargo, es singular que Augusto no sólo la funda inequívocamente sobre el consenso, sino que inmediatamente antes precisa de qué manera ese consenso se había manifestado: ” Bis ovans triumphavi, tris egi curulis triumphos et appellatus sum vicies et semel imperator (Dos veces recibí el honor de la ovación, tres veces celebré el triunfo curul y veintiuna veces he sido aclamado emperador)”. Para un historiador como Mommsen, que nunca había escuchado hablar de “acción comunicativa”, no era fácil, por cierto, remitir la noción de consenso a un fundamento iuspublicístico; pero si se entiende el nexo esencial que lo liga a la aclamación, el consenso puede ser definido sin dificultad, parafraseando la tesis schmittiana sobre la opinión pública, como “la forma moderna de la aclamación” (poco importa que la aclamación sea expresada por una multitud físicamente presente, como en Schmitt, o por el flujo de los procedimientos comunicativos, como en Habermas). En todo caso, la democracia consensual, que Debord llamaba “sociedad del espectáculo” y que es tan apreciada por los teóricos de la acción comunicativa, es una democracia gloriosa, en la cual la oikonomía se resuelve integralmente en la gloria, y la función doxológica, emancipándose de la liturgia y de los ceremoniales, se absolutiza en una medida inaudita y penetra en todo ámbito de la vida social.
La filosofía y la ciencia de la política han omitido plantear las preguntas que aparecen como decisivas cada vez que se analizan, en una perspectiva genealógica y funcional, las técnicas y las estrategias del gobierno y del poder: ¿de dónde extrae nuestra cultura –mitológica y fácticamente– el criterio de la politicidad? ¿Cuál es la sustancia –o el procedimiento, o el umbral– que permite otorgarle a algo un carácter propiamente político? La respuesta que nuestra investigación sugiere es: la gloria, en su doble aspecto, divino y humano, ontológico y económico, del Padre y del Hijo, del pueblo-sustancia o del pueblo-comunicación. El pueblo –real o comunicacional– al que de algún modo el government by consent y la oikonomía de las democracias contemporáneas deben remitir inevitablemente es, en esencia, aclamación y dóxa . Si luego, como hemos tratado de mostrar in limine, la gloria recubre y captura como “vida eterna” aquella praxis particular del hombre viviente que hemos definido inoperosidad; y si es posible, como se anunciaba al final de Homo sacer I, pensar la política –más allá de la economía y de la gloria– a partir de una desarticulación inoperosa tanto del bíos como de la zoé, esto es lo que queda como tarea para una investigación futura.
Leia abaixo trecho do livro publicado na revista ADN Cultura do jornal La Nación em primeiro de novembro de 2008.
El Reino y la Gloria
Por Giorgio Agamben
La función política esencial de la gloria, de las aclamaciones y de las doxologías parece hoy en decadencia. Ceremonias, protocolos y liturgias existen aún por todas partes, y no sólo donde sobreviven las instituciones monárquicas. En los recibimientos y en las ceremonias solemnes, el presidente de la república continúa siguiendo reglas protocolares [...]; el pontífice romano todavía se sienta sobre la cathedra Petri o sobre la silla gestatoria y viste ornamentos y tiaras, de cuyo significado los fieles generalmente han perdido la memoria.
Sin embargo, en líneas generales, ceremonias y liturgias tienden hoy a simplificarse; las insignias del poder se reducen al mínimo exponente; las coronas, los tronos y los cetros se conservan en las vitrinas de los museos o de los tesoros; y las aclamaciones, que tanta importancia han tenido para la función gloriosa del poder, parecen estar desapareciendo en todas partes. Pero en definitiva no están tan lejos los tiempos en que, en el ámbito de lo que Kantorowicz llamaba the emotionalism (el emocionalismo) de los regímenes fascistas, las aclamaciones desarrollaban una función decisiva en la vida política de algunos grandes Estados europeos; quizá nunca una aclamación en sentido técnico fue pronunciada con tanta fuerza y eficacia como Heil Hitler en la Alemania nazi o Duce duce en la Italia fascista. Sin embargo esos gritos fragorosos y unánimes que resonaban ayer en las plazas de nuestras ciudades parecen hoy parte de un pasado lejano e irrevocable.
¿Pero es realmente así? En 1928, cuando retoma en su Teoría de la Constitución el tema del ensayo Referendo y propuesta de ley por iniciativa popular, escrito el año anterior, Schmitt precisa el significado constitutivo de las aclamaciones en el derecho público y lo hace precisamente en el capítulo dedicado al análisis de la “doctrina de la democracia”. [...]
El aporte específico de Schmitt no consiste [...] sólo en que vincula indisolublemente la aclamación con la democracia y con la esfera pública, sino también en que individualiza las formas en que ella puede existir en las democracias contemporáneas, en las cuales “la asamblea del pueblo presente y toda clase de aclamación se han vuelto imposibles”. En las democracias contemporáneas, la aclamación sobrevive, según Schmitt, en la esfera de la opinión pública; y únicamente partiendo del nexo constitutivo pueblo-aclamación-opinión pública es posible restituir sus derechos al concepto de publicidad, hoy “tan desdibujado, pero esencial para toda la vida política y en particular para la democracia moderna”:
La opinión pública es la forma moderna de la aclamación. Ella es, quizás, una forma difusa y su problema no está resuelto ni desde el punto de vista sociológico ni desde el punto de vista del derecho público. Pero su esencia y su significado político se encuentran precisamente en el hecho de que ella puede ser entendida como aclamación. No hay ninguna democracia y ningún Estado sin opinión pública, como no hay ningún Estado sin aclamación.
Por cierto, Schmitt es consciente de que, desde esta perspectiva, la manipulación de la opinión pública podría ocasionar riesgos esenciales para la democracia. Pero según el principio por el cual el criterio último de la existencia política de un pueblo es su capacidad de distinguir al amigo del enemigo, cree que mientras aquella capacidad exista, tales riesgos no son decisivos:
En toda democracia hay siempre partidos, oradores y demagogos –desde los próstatai de la democracia ateniense hasta los bosses de la democracia americana–, además de prensa, filmes y otros métodos de manipulación psicotécnica de las grandes masas, que no se dejan someter a una disciplina completa. Existe por lo tanto siempre el peligro de que fuerzas sociales invisibles e irresponsables dirijan la opinión pública y la voluntad del pueblo.
La clave aquí no es tanto la particular adscripción de la aclamación –un elemento que parece pertenecer sobre todo a la tradición del autoritarismo– a la tradición genuinamente democrática: esto ya estaba presente en el ensayo de 1927. Más interesante aun es la indicación según la cual la esfera de la gloria –cuyo significado y cuya arqueología hemos intentado reconstruir– no desaparece en las democracias modernas, sino que simplemente se desplaza hacia otro ámbito, el de la opinión pública. Si esto es cierto, el problema hoy tan debatido de la función política de los medios masivos en las sociedades contemporáneas adquiere un nuevo significado y una nueva urgencia.
En 1967, con un diagnóstico cuya precisión hoy nos parece por demás evidente, Guy Debord constataba la transformación a escala planetaria de la política y de la economía capitalista en “una inmensa acumulación de espectáculos”, en los que la mercancía y el capital mismo asumen la forma mediática de la imagen. Si conjugamos los análisis de Debord con la tesis schmittiana de la opinión pública como forma moderna de la aclamación, todo el problema del actual dominio espectacular de los medios masivos sobre todo aspecto de la vida social aparece en una dimensión nueva. Aquí está en cuestión nada menos que una nueva e inaudita concentración, multiplicación y diseminación de la función de la gloria como centro del sistema político. Lo que en una época estaba confinado a las esferas de la liturgia y los ceremoniales se concentra en los medios masivos y, a la vez, a través de ellos, se difunde y penetra a cada instante y en cada ámbito de la sociedad, tanto público como privado. La democracia contemporánea es una democracia basada integralmente en la gloria, es decir, en la eficacia de la aclamación, multiplicada y diseminada por los medios masivos más allá de toda imaginación (que el término griego para gloria –dóxa– sea el mismo que designa hoy la opinión pública es, desde este punto de vista, algo más que una coincidencia). Como ocurría ya en las liturgias profanas y eclesiásticas, este supuesto “fenómeno democrático originario” es una vez más capturado, orientado y manipulado bajo las formas, y según las estrategias, del poder espectacular.
Comenzamos ahora a entender mejor el sentido de las actuales definiciones de la democracia como government by consent (gobierno por consentimiento) o consensus democracy (democracia consensual) y la transformación decisiva de las instituciones democráticas que ellas implican. En 1994, con motivo de la sentencia del Tribunal Federal alemán que rechazaba un recurso de inconstitucionalidad contra la ratificación del Tratado de Maastricht, tuvo lugar en Alemania un debate entre un ilustre constitucionalista, Dieter Grimm, y Jürgen Habermas. En un breve ensayo (con un título significativamente interrogativo Braucht Europa eine Verfassung ?, “¿Necesita Europa una Constitución?”) que intervenía en la discusión –entonces particularmente viva en Alemania– entre quienes creían que los tratados que habían llegado a la integración europea ya tenían valor de constitución formal y quienes sostenían, en cambio, la necesidad de un documento constitucional en sentido propio, el jurista subrayaba la heterogeneidad insalvable entre los tratados internacionales, que tienen su fundamento jurídico en los acuerdos entre Estados, y la constitución, que presupone un acto constituyente del pueblo. Grimm escribe:
Una constitución en el sentido pleno del término debe necesariamente provenir de un acto del pueblo o al menos atribuido al pueblo, a través del cual este se autoconfiere la capacidad de actuar políticamente. Esta fuente le falta por completo al derecho comunitario primario, que no proviene de un pueblo europeo, sino de los singulares Estados miembros y depende de estos incluso para su entrada en vigencia.
Grimm no sentía ninguna nostalgia por el modelo del Estado nacional o por una comunidad nacional cuya unidad se presupone de algún modo de manera sustancial o “radicada en una etnia”. Pero él no podía no hacer notar que la falta de opinión pública europea y de una lengua común hacía, al menos por el momento, imposible la formación de algo así como una cultura política común.
Esta tesis, que reflejaba de modo coherente los principios del derecho público moderno, coincidía sustancialmente con la posición de aquellos sociólogos como Lepsius que, más o menos en los mismos años, incluso distinguiendo entre ethnos (la colectividad nacional basada en la descendencia y la homogeneidad) y demos (el pueblo como “nación de los ciudadanos”), habían afirmado que Europa no posee todavía un demos común y no puede por lo tanto constituir un poder europeo políticamente legítimo.
A esta concepción de la relación necesaria entre pueblo y constitución, Habermas opone la tesis de una soberanía popular completamente emancipada de un sujeto-pueblo sustancial (constituido por “miembros de una colectividad físicamente presentes, participantes e implicados”) y resuelta integralmente en las formas comunicativas privadas de sujeto que, según su idea de la publicidad, “regulan el flujo de la formación política de la opinión y de la voluntad”. Una vez que la soberanía popular se disuelve y licua en tales procedimientos comunicativos, no sólo el lugar simbólico del poder no puede ser ocupado por nuevos símbolos identitarios, sino que disminuyen también las objeciones de los constitucionalistas a la posibilidad de que algo así como un “pueblo europeo” –entendido de manera correcta, es decir, comunicativa– pueda existir.
Es sabido cómo, en los años siguientes, se procedió efectivamente a la redacción de una “constitución europea”, con la inesperada consecuencia –que debería haberse previsto– de que fue rechazada por el “pueblo de los ciudadanos” que habría tenido que ratificarla y de cuyo poder constituyente ella no era ciertamente expresión. El hecho es que, si a Grimm y a los teóricos del nexo pueblo-constitución, se les podía objetar que ellos todavía remitían a presupuestos comunes (la lengua, la opinión pública), a Habermas y a los teóricos del pueblo-comunicación se les podía objetar, no sin buenos argumentos, que ellos terminaban por depositar el poder político en las manos de los expertos y de los medios masivos.
Lo que nuestra investigación nos ha mostrado es que el Estado holístico basado en la presencia inmediata del pueblo aclamante y el Estado neutralizado resuelto en las formas comunicativas sin sujeto se oponen sólo en apariencia. Ellos no son más que las dos caras del mismo dispositivo glorioso en sus dos formas: la gloria inmediata y subjetiva del pueblo aclamante y la gloria mediática y objetiva de la comunicación social. Como debería ser evidente hoy, pueblo-nación y pueblo-comunicación, incluso en la diversidad de sus comportamientos y de sus figuras, son los dos rostros de la dóxa, que, como tales, se entrelazan y se separan continuamente en las sociedades contemporáneas. En este entrecruzamiento, los teóricos “democráticos” y laicos de la acción comunicativa corren el riesgo de encontrarse al lado de los pensadores conservadores de la aclamación, como Schmitt y Peterson. Pero este es, precisamente, el precio que deben pagar las elaboraciones teóricas que creen poder prescindir de las precauciones arqueológicas.
Una investigación genealógica sumaria es también capaz de demostrar que el government by consent y la comunicación social sobre la que en última instancia descansa el consenso remiten, en realidad, a las aclamaciones. La primera vez que el concepto de consensus aparece en un contexto técnico de derecho público es un pasaje crucial de las Res gestae Augusti, donde Augusto resume brevemente la concentración de los poderes constitucionales en su persona: “In consulatu sexto et septimo, postquam bella civilia extinxeram, per consensum universorum potitus rerum omnium (En mis consulados sexto y séptimo, después de haber aplacado las guerras civiles, a través del consenso de todos, asumí todo el poder)”. Los historiadores del derecho romano se han interrogado sobre el fundamento iuspublicístico de esta extraordinaria concentración de poderes; Mommsen y Kornemann, por ejemplo, creen que ella no se fundaba tanto en la función de triunviro, sino sobre una especie de estado de excepción [...]. Sin embargo, es singular que Augusto no sólo la funda inequívocamente sobre el consenso, sino que inmediatamente antes precisa de qué manera ese consenso se había manifestado: ” Bis ovans triumphavi, tris egi curulis triumphos et appellatus sum vicies et semel imperator (Dos veces recibí el honor de la ovación, tres veces celebré el triunfo curul y veintiuna veces he sido aclamado emperador)”. Para un historiador como Mommsen, que nunca había escuchado hablar de “acción comunicativa”, no era fácil, por cierto, remitir la noción de consenso a un fundamento iuspublicístico; pero si se entiende el nexo esencial que lo liga a la aclamación, el consenso puede ser definido sin dificultad, parafraseando la tesis schmittiana sobre la opinión pública, como “la forma moderna de la aclamación” (poco importa que la aclamación sea expresada por una multitud físicamente presente, como en Schmitt, o por el flujo de los procedimientos comunicativos, como en Habermas). En todo caso, la democracia consensual, que Debord llamaba “sociedad del espectáculo” y que es tan apreciada por los teóricos de la acción comunicativa, es una democracia gloriosa, en la cual la oikonomía se resuelve integralmente en la gloria, y la función doxológica, emancipándose de la liturgia y de los ceremoniales, se absolutiza en una medida inaudita y penetra en todo ámbito de la vida social.
La filosofía y la ciencia de la política han omitido plantear las preguntas que aparecen como decisivas cada vez que se analizan, en una perspectiva genealógica y funcional, las técnicas y las estrategias del gobierno y del poder: ¿de dónde extrae nuestra cultura –mitológica y fácticamente– el criterio de la politicidad? ¿Cuál es la sustancia –o el procedimiento, o el umbral– que permite otorgarle a algo un carácter propiamente político? La respuesta que nuestra investigación sugiere es: la gloria, en su doble aspecto, divino y humano, ontológico y económico, del Padre y del Hijo, del pueblo-sustancia o del pueblo-comunicación. El pueblo –real o comunicacional– al que de algún modo el government by consent y la oikonomía de las democracias contemporáneas deben remitir inevitablemente es, en esencia, aclamación y dóxa . Si luego, como hemos tratado de mostrar in limine, la gloria recubre y captura como “vida eterna” aquella praxis particular del hombre viviente que hemos definido inoperosidad; y si es posible, como se anunciaba al final de Homo sacer I, pensar la política –más allá de la economía y de la gloria– a partir de una desarticulación inoperosa tanto del bíos como de la zoé, esto es lo que queda como tarea para una investigación futura.
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