O Prof.Farlei Martins com base no jornal "New York Times" de 19 de novembro de 2008 estimula uma reflexão sobre o pluralismo jurídico e a religião
Tribunais islâmicos no Reino Unido não são novos, mas o furor é
A mulher vestida de preto queria um divórcio islâmico. Ela disse ao juiz
religioso que seu marido batia nela, a xingava e queria que ela morresse.
Mas seu marido era contrário, e o estudioso islâmico que julgava o caso
parecia determinado a manter o casal unido. Assim, ao pressentir a derrota,
ela trouxe sua arma secreta: seu pai.
Um homem barbado vestindo túnica longa entrou no recinto e descreveu seu
genro como sendo um homem colérico que enganou sua filha, fugiu da polícia e
humilhou sua família.
O juiz prontamente mudou sua posição e recomendou o divórcio.
Esta é a justiça islâmica, estilo britânico. Apesar do ruidoso debate
nacional em torno dos limites da tolerância religiosa e da preeminência da
lei britânica, os princípios da Shariah, ou lei islâmica, estão cada vez
mais sendo aplicados na vida cotidiana em cidades por todo o país.
A Igreja da Inglaterra possui seus próprios tribunais eclesiásticos. Os
judeus britânicos também contam com seus tribunais "beth din" há mais de um
século.
Mas desde que o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, pediu em fevereiro
para que aspectos da Shariah islâmica fossem abraçados ao lado do sistema
legal tradicional, o governo tem enfrentado um furor público em torno da
questão, aplacando os críticos ao mesmo tempo em que tenta tranqüilizar uma
desconfiada e às vezes insatisfeita população muçulmana de que suas
tradições têm um lugar na sociedade britânica.
Encaixotado entre os dois lados, o governo adotou uma posição tanto
cautelosa quanto confusa, um sinal de quão volátil pode se tornar quase toda
discussão sobre o papel dos quase 2 milhões de muçulmanos do Reino Unido.
"Não há nada na lei inglesa que impeça as pessoas de obedecerem os
princípios da Shariah se desejarem, desde que não entrem em conflito com a
lei inglesa", disse o ministro da Justiça, Jack Straw, em outubro. Mas ele
acrescentou que a lei britânica "sempre permanecerá suprema" e que
"independente da crença religiosa, nós todos somos iguais perante a lei".
Tanto conservadores quanto liberais - muitos deles alheios ao fato de que
tribunais islâmicos já estão em funcionamento há anos- têm repetidamente
condenado os tribunais como substitutos ruins para a jurisprudência
britânica. Eles argumentam que os procedimentos dos tribunais islâmicos são
sigilosos, sem responsabilidade e sem padrões para o treinamento ou decisões
dos juízes.
Os críticos também apontam para os casos de violência doméstica, nos quais
os estudiosos islâmicos tentaram manter os casais unidos ao ordenarem os
maridos a se submeterem a cursos de controle da raiva, deixando as esposas
tão intimidadas a ponto de retirarem suas queixas da polícia.
"Eles são reféns do acaso", disse Parvin Ali, diretora fundadora da Fatima
Womens's Network, um grupo de ajuda às mulheres com sede em Leicester.
Falando a respeito dos tribunais, ela disse que "não há monitoramento
externo, nenhuma proteção, nenhum registro é mantido, nenhuma garantia de
que a justiça prevalecerá".
Mas enquanto continua o alvoroço, a popularidade dos tribunais entre os
muçulmanos tem aumentado.
Alguns dos conselhos informais, como são conhecidos os tribunais, têm
aconselhado e julgado muçulmanos há mais de duas décadas. Mas os conselhos
cresceram significativamente em número e proeminência nos últimos anos, com
alguns estudiosos islâmicos informando um aumento de 50% dos casos desde
2005.
Quase todos os casos envolvem pedido de divórcio por mulheres, e por meio do
boca a boca e de um uso ambicioso da Internet, tribunais como o prédio
pequeno e sem adornos em Londres, onde o pai veio defender o caso de sua
filha, se tornaram ímãs para mulheres muçulmanas que buscam escapar de
casamentos sem amor - não apenas no Reino Unido, mas às vezes também na
Dinamarca, Irlanda, Holanda e Alemanha.
Outras causas envolvem disputas em torno de propriedades, trabalho, heranças
e lesões corporais. Os tribunais se abstêm de casos criminais que possam
exigir a imposição de punições como chicotadas ou apedrejamento.
De fato, a maioria das decisões dos tribunais não são sustentadas pela lei
civil britânica, mas para as partes que se apresentam perante eles, os
tribunais oferecem algo mais importante: a autoridade de Alá.
"Nós não queremos passar a impressão de que os muçulmanos são uma comunidade
isolada em busca de um sistema legal separado neste país", disse o dr.
Shahid Raza, que julga as disputas em um centro islâmico em Ealing, no oeste
de Londres. "Nós não estamos pedindo por uma lei Shariah criminal - para que
mãos sejam decepadas ou ocorram apedrejamentos até a morte. Divórcios
representam 90% de nossos casos, nos quais as mulheres procuram alívio. Nós
estamos ajudando as mulheres. Nós estamos prestando um serviço."
Ainda assim, há bastante espaço para disputas com o costume britânico. Há
três meses, por exemplo, uma rica família bengalesa pediu o conselho de Raza
para resolver uma disputa de herança. Ela foi resolvida segundo a Shariah,
ele disse. Isso fez com que os herdeiros do sexo masculino recebessem duas
vezes mais do que as herdeiras do sexo feminino.
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