quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Paulo Bonavides e o retorno do Estado
A Folha de São Paulo publica, no dia 6 de novembro de 2008, artigo de Paulo Bonavides sobre o Estado neo-social.O texto sob o título "O Estado neoliberal e Estado neo-social" procura resgatar o papel do Estado em novas bases.DURANTE AS recentes celebrações dos 20 anos da Constituição de 1988, uma universidade do Rio Grande do Norte comemorou com um congresso internacional ali realizado o transcurso do cinqüentenário da publicação do nosso livro "Do Estado Liberal ao Estado Social".Estamos a referir o evento porque a questão posta naquela obra retoma inteira atualidade com a crise que ora devasta as finanças das economias globalizadas.Em verdade, o que poderia parecer ato póstumo de liturgia política para deplorar uma forma de Estado quase desaparecida depois de legar à democracia constitucional os direitos da segunda geração (a saber, os direitos sociais) veio a ser, no seu significado mais alto, a festa de uma ressurreição.Depois da queda das Bolsas no globo e das intervenções bilionárias dos Estados Unidos para salvar sua economia, o mundo vê desfazer-se em frangalhos a ilusão neoliberal que decretara o fim das ideologias, em um cenário em que todos os sistemas econômicos e financeiros jazem sob a égide da globalização.Isto importava desterrar do campo das idéias, o debate acerca da melhor forma de governar povos e nações. O Estado neoliberal cuidava haver alcançado a solidez e a eternidade que outrora os filósofos franceses da revolução buscavam com os códigos e as Constituições.Assim aconteceu a muitos adeptos do neoliberalismo. Arrogantes e passionais, nos traziam já à memória o constituinte jacobino que, professando o culto supremo da lei e da razão para destruir a sociedade feudal, cominava a pena de morte a quem ousasse propor emendas à Constituição; ou Napoleão, perplexo, estranhando a necessidade do comentário jurídico aos artigos do seu código.Em suma, o Estado neoliberal parece haver encerrado o efêmero ciclo de seu império e ascensão, assentados sobre a hegemonia da unipolaridade americana, que ficou enterrada nas areias da Mesopotâmia. Foi a pior vitória de Pirro que os anais da história já registraram.Em substituição do Estado neoliberal, renasce, portanto, numa alvorada de esperanças, o Estado social, que o neoliberalismo supunha desde muito extinto e sepultado no sarcófago das revoluções malogradas.Mas há primeiro um grave problema a resolver, sempre presente a toda reflexão acerca do Estado liberal e do Estado social, a saber, o potencial risco de radicalizar posições teóricas e pragmáticas.Com efeito, o erro histórico que fez despontar o neoliberalismo do Estado mínimo poderá, com a maré intervencionista desta crise, gerar também o Estado máximo, tão aparentado aos modelos autocráticos do passado.Que a medida provisória 443, ato normativo autoritário, não seja o primeiro passo nessa direção.Irmã gêmea e sucessora do decreto-lei da ditadura, a medida provisória, por seus freqüentes abusos e ofensas à Constituição, fere o espírito republicano do regime. É a negação do Estado de Direito. Se isso ocorrer, o Estado social da democracia terá perdido a grande ocasião de aprofundar as raízes de sua consolidação.O porvir da humanidade no mundo convulsivo de nossos dias há de pertencer a uma sociedade de inspiração emancipadora, volvida para concretizar valores postergados da justiça, da liberdade, da democracia, da fraternidade. Enfim, os valores resumidos na lição constitucional dos direitos fundamentais, acrescidos das dimensões novas em que democracia e paz emergem como direitos no pensamento jurídico da contemporaneidade.Visto a essa luz, o único regime vazado na suprema legitimidade daqueles princípios é o Estado social. Os pensadores da liberdade o hastearam na consciência dos povos como bandeira de justiça e democracia social.Urge fortalecê-lo e defini-lo por solução para prevenir novas catástrofes, novas recaídas em sistemas totalitários, novos retrocessos.Intentou o neoliberalismo fazer do começo deste século o túmulo da história; mas, em verdade, a história, o progresso, o direito e a civilização, na extensão de sua universalidade, unicamente agora estão a principiar.A primeira globalização, selvagem, menosprezou o Estado; a segunda globalização, civilizada, esta, sim, será obra do Estado neo-social que caminha para o futuro, e não para o passado.PAULO BONAVIDES, 83, doutor "honoris causa" da Universidade de Lisboa (Portugal), é professor emérito da Universidade Federal do Ceará, presidente emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, diretor da "Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais" e membro do comitê de que fundou a Associação Internacional de Direito Constitucional. É autor, entre outras obras, de "História Constitucional do Brasil
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