Folha de São Paulo 4 de abril de 2010
Preso enfrenta até 57ºC dentro de cadeia no Rio
Carceragem em São Gonçalo tem 578 detentos em espaço planejado para 140 pessoas
Governo estadual é notificado pela OEA para melhorar condições de vida de presidiários na carceragem de Neves
O calor já atingiu 57º C, em uma cela de 25 metros quadrados, que chegou a abrigar 112 pessoas -ou seja, 4,5 presos por metro quadrado durante dia e noite. Coceiras, sarna, furúnculos, pneumonia, sujeira, ausência de luz do sol. Nas camisetas e cartazes, está escrito: "carceragem cidadã", uma utopia que soa como deboche a seis centenas de presos que suam na maior das 17 unidades da Polícia Civil que ainda hoje abrigam cerca de 3.000 presos no Estado do Rio de Janeiro.
Quase um ano antes de a situação prisional do Espírito Santo ser denunciada à ONU, no último dia 15, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) notificou o governo do Rio sobre a carceragem de Neves, em São Gonçalo, a 25 km do Rio. O Fórum de Luta pelos Direitos Humanos fez manifestação na semana passada, pelo fechamento das carceragens.
Desde 2009, a situação está menos ruim, mas, na definição do delegado Orlando Zaccone, responsável pelas unidades de presos da Polícia Civil, "aqui para ficar "uma merda" precisa melhorar muito".
Em visita à carceragem, a Folha viu 578 presos no local, que comporta 140. As carceragens são usadas para a guarda de presos enquanto não há vagas no sistema penitenciário. Eles deveriam ficar em casas de custódia, mas não se inaugura nenhuma no Rio desde 2005.
No ambiente abafado, pouco atenuado por inúmeros ventiladores amarrados às grades das galerias -entre roupas, poeira e sujeira nas barras- os detentos de sorte se espremem com um colega nas 14 "comarcas" (camas de alvenaria em forma de beliches) por cela, todas sem janelas. Os mais antigos têm prioridade. "Todo mundo é bandido da mesma forma", disse Antônio, liderança do Comando Vermelho.
O ar é pesado. Rapidamente a pele fica suada e grudenta. Nas celas lotadas é ainda mais sufocante. "Já chegou a 57C neste verão", contou o chefe de custódia, Sidnei Santos.
A superpopulação é de quatro vezes o número de vagas nas dez celas de 25 m2. "Está "ótimo" e vazio hoje [em comparação com o normal]. Já chegou a ter 112 por cela: a ginástica era um ficar em um pé só enquanto o outro dormia embaixo", disse o francês Pierre Yves, voluntário da ONG Rio de Paz, que elogia a melhora.
As doenças mais comuns são as de pele. Há relatos de duas mortes por pneumonia em 2008. Nesse ambiente, exposto a infecções, um preso tinha aparelho ortopédico metálico atrelado a uma perna.
As distrações são baralho, dominó e artesanato -vasos e enfeites de papel e cola.
Projeto
Apesar dos problemas, a carceragem já foi pior, relatam policiais, presos e voluntários. Como resultado da notificação da OEA, o governo fez mudanças. Uma é a construção de área murada aberta no teto, para banho de sol. Atualmente, eles ficam 24 horas na área interna -"é torturante", diz Zaccone-, sem luz do sol. "É maquiagem, mas já melhora", reconhece o delegado. Estuda-se usar exaustores.
Os presos dizem que acabou o "esculacho" na gestão de Zaccone, premiado por implantar biblioteca e cineclube na carceragem. Hoje a fachada e camisetas em Neves têm o slogan "carceragem cidadã". Ainda um desejo. Os presos podem circular na galeria, as celas ficam abertas o dia inteiro.
As carceragens -sem assistência médica ou defensoria no local- contrastam com o sistema penitenciário, que não tem superlotação, segundo o secretário César Rubens Carvalho -22.610 presos para 20 mil vagas. Carvalho admite que faltam na polícia "características próprias ou estrutura para se cumprir pena" e prevê inaugurar três cadeias públicas até o fim do ano. Em 2009, prometeu resolver o problema no meio de 2010. Pouco mudou.
Carvalho disse aceitar absorver presos das carceragens. "O sistema pode ficar superlotado e o preso terá de dormir no chão, em colchão." Para Zaccone, já seria uma melhora.
"A Seap mantém e controla isso dizendo quantos presos vai receber. Aqui só é ruim para garantir o bom funcionamento de lá. Mas o Estado está disposto a abrir mão da segurança por direitos individuais dos presos?", questiona o delegado. "Só tem um jeito: é acabar com as carceragens da polícia, fechar tudo", disse o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que acompanha a situação prisional há 20 anos.
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