Estado de São Paulo Julgamento do último ditador da Argentina lembra que
por lá a autoanistia não funcionou
24 de abril de 2010
Anthony W. Pereira*
*Pessoa segura cartaz de Enrique Juarez Diaz Ramos, que desapareceu durante
regime militar, durante julgamento de Reynaldo Bignone Na
última terça-feira, Reynaldo Benito Bignone, o último presidente do regime
militar que governou a Argentina de 1976 a 1983, foi sentenciado por um
tribunal especial a 25 anos de prisão. Bignone esteve encarregado do Campo
de Mayo, nos arredores de Buenos Aires, onde milhares de prisioneiros
políticos foram torturados e mortos. Sob sua presidência ainda se tentou a
fracassada autoanistia da liderança militar. Apesar da condenação, Bignone
não se arrependeu de sua participação na ditadura, declarando que aquilo foi
"uma guerra irregular na qual as Forças Armadas tiverem de intervir para
derrotar o terrorismo".
O julgamento de Bignone é um forte lembrete das diferenças entre o último
regime militar argentino e a ditadura brasileira. Em 1976, os militares
argentinos derrubaram um governo eleito com considerável apoio e enfrentaram
uma esquerda armada, provavelmente a mais forte da América Latina na época.
Sua repressão contra a esquerda, que começou antes do golpe, foi um dos
capítulos mais sangrentos da história recente da Argentina, reclamando
estimadas 20 mil a 30 mil vidas. As vítimas eram geralmente arrancadas de
casa por membros à paisana da polícia e das forças militares, levadas para
lugares secretos como o Campo de Mayo, torturadas e "desaparecidas", mortas
sem explicação oficial. Os tribunais não representaram nenhum papel exceto
negar pedidos de habeas-corpus e servir de camuflagem para a "guerra suja".
A margem para os visados se protegerem era mínima. Em termos institucionais,
o regime militar argentino foi mais inovador e certamente mais letal que seu
congênere mais conservador brasileiro.
Uma segunda diferença importante em relação ao Brasil foi que a tentativa de
autoanistia dos militares argentinos fracassou. Os militares argentinos, que
haviam iniciado a Guerra das Malvinas e decretado uma reforma econômica que
resultou em severa recessão, saíram do poder em desgraça, sem o controle da
transição para o regime civil. Isso contrasta com a persistência da anistia
no Brasil e o controle considerável que os militares tiveram sobre a
liberalização que conduziu a um presidente civil em 1985.
Uma terceira diferença é que, após a anistia ser anulada, os julgamentos dos
perpetradores de violência sob o regime militar foram uma marca da
democracia argentina. Isso pôde ser visto nos primeiros dois anos da
presidência de Alfonsín, quando o Grande Julgamento levou à prisão de cinco
dos nove ex-líderes do regime militar em 1985. Embora esses criminosos
condenados tivessem sido perdoados posteriormente por Menem, os julgamentos
de outros perpetradores, entre os quais Bignone, foram uma característica
das presidências dos Kirchners. Apesar das controvérsias, esses julgamentos
receberam apoio de alguns argentinos como garantia contra a impunidade de
crimes sancionados pelo Estado e a amnésia sobre abusos dos direitos
humanos. Os julgamentos também tiveram repercussão internacional. Um dos
promotores do Grande Julgamento, Luis Moreno-Ocampo, é hoje promotor do
Tribunal Penal Internacional em Haia. No Brasil, porém, não foi reportado
nenhum julgamento de perpetradores de violência durante o regime, embora
pelo menos uma ação civil contra um alegado torturador tenha sido movida em
São Paulo.
A comparação entre Argentina e Brasil não abarca apenas as diferenças. Os
regimes foram ambos ditatoriais no sentido constitucional clássico definido
pelo cientista político Carl Friedrich. Cada um teve um "direito do Estado"
e não um "Estado de Direito", significando que o governante supremo podia
isentar-se das regras anteriores e exercer o poder por intermédio da força
direta.
A falta de arrependimento de Bignone pelas violações dos direitos humanos
pelo regime militar se repete no Brasil. Em entrevista recente, o general
Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no governo de José Sarney,
admitiu que o regime militar brasileiro praticou a tortura, mas defendeu a
prática como "pontual", declarou que ninguém foi preso injustamente sob o
regime militar e defendeu a emboscada e massacre dos líderes do PC do B
pelas forças de segurança em 1976 com a frase "Guerra é guerra... Na guerra
não há nada bonito, a não ser a vitória" (Eugênio Bucci, O Passado como
Cárcere, O Estado, 22 de abril de 2010).
Finalmente, uma reconciliação após a violência da ditadura foi tão ilusória
no Brasil como na Argentina. A filósofa Hannah Arendt escreveu que a
"possibilidade de redenção (de violências passadas) é a faculdade de
perdoar". Embora não se peça às vítimas que perdoem, um espírito de
abertura, honestidade e busca da verdade pode criar condições nas quais o
perdão ao menos se torne possível.
TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
domingo, 25 de abril de 2010
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