Folha de São Paulo 21 de abril de 2010
Justiça argentina condena ex-ditador
Reynaldo Bignone, 82, recebe sentença de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade cometidos em centro de tortura clandestino
Tribunal determina ainda que militar não pode cumprir a pena em prisão domiciliar; revogação de leis de anistia possibilitou o julgamento
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
Reynaldo Bignone, último general a presidir a Argentina durante a mais recente ditadura militar do país (1976-1983), foi condenado ontem a 25 anos de prisão, por crimes contra a humanidade cometidos no Campo de Maio, centro clandestino de tortura do regime.
O tribunal federal que julgou Bignone, 82, determinou que ele cumpra a pena em prisão comum, revogando a prisão domiciliar à qual estava submetido por outros crimes pelos quais já havia sido condenado.
A decisão foi saudada pelo secretário de Direitos Humanos do governo Cristina Kirchner, Eduardo Luis Duhalde, como "exemplar" e demonstrativa de "um novo avanço na luta contra a impunidade".
A punição dos responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura é uma bandeira do casal Kirchner -no governo de Néstor, antecessor de Cristina, foram revogadas as leis de anistia promulgadas durante a gestão de Raúl Alfonsín, primeiro presidente eleito após a ditadura. Desde a revogação, em 2005, já foram reabertos mais de mil processos contra repressores.
A leitura da sentença contra Bignone, transmitida ao vivo por rádios e TVs, foi acompanhada por diversos representantes de associações que reivindicam a punição dos responsáveis pelos crimes da ditadura, como as Avós da Praça de Maio, que festejaram a decisão.
Em seu depoimento, Bignone classificou o período da ditadura como uma "guerra irregular" na qual as Forças Armadas "tiveram que intervir, para derrotar o terrorismo".
Ele denominou como "legítimas" as ordens de repressão que deu durante o período, negando tratar-se de crimes.
O ex-ditador questionou as cifras que apontam 30 mil civis argentinos desaparecidos pelo regime militar e 500 bebês de militantes políticos nascidos sob a guarda do Estado e apropriados ilegalmente pelas Forças Armadas.
Bignone afirmou que "nunca se demonstrou [ter havido] mais de 8.000 desaparecidos" pelo regime e disse que a apropriação de bebês "não chegou a 30, nenhuma delas cometida por contingente militar".
Diversas vezes vaiado pela plateia, o ex-ditador rechaçou o tratamento de genocida. "Rotulam-nos de repressores e genocidas. Em princípio, o termo repressão não é uma desqualificação. A autoridade tem o dever de reprimir delitos de qualquer natureza. [O termo] genocida não resiste à menor análise, porque o que houve em nosso país não se enquadra minimamente na definição internacional de delito de genocídio. Somente porta-vozes do ódio podem defender isso", afirmou.
Além de Bignone, também receberam a pena de 25 anos de prisão, por crimes cometidos entre 1976 e 1978 no Campo de Maio, os militares Santiago Riveros e Fernando Verplaetsen. O processo condenou ainda os repressores Carlos Alberto Tepedino (a 20 anos de detenção), Jorge García (18 anos) e Eugenio Guañabens (17 anos).
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