Folha de São Paulo 17 de janeiro de 2011
Bancos suíços devolverão dinheiro sujo
Haiti será o primeiro país a se beneficiar de lei para repatriar a nações pobres recursos desviados por políticos
Nova legislação entra em vigor em fevereiro, após pressão política de vizinhos; Suíça tem US$ 3 trilhões em depósitos
MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL À SUÍÇA
A Suíça quer sepultar de vez a imagem de que seus bancos lavam mais branco.
Uma lei inédita no mundo entra em vigor no dia 1º de fevereiro com o objetivo de ajudar os países pobres a receber de volta dinheiro desviado por políticos corruptos que foram depositados em bancos suíços.
O primeiro país beneficiado pela nova legislação é o Haiti. O país receberá US$ 5,7 milhões que pertencem ao ex-ditador Jean-Claude Duvalier e estão nos bancos suíços desde 1986. "Baby Doc", como era conhecido, viveu 25 anos exilado em Paris (leia texto nesta página) e ofereceu doar o dinheiro bloqueado na Suíça assim que o terremoto que completou um ano devastou aquele país.
As autoridades suíças recusaram a oferta. Alegam que o dinheiro não pertence à família Duvalier, mas sim à população do Haiti, de quem os recursos foram desviados.
A Suíça quer limpar seus bancos de dinheiro sujo por uma estratégia de sobrevivência -a Comunidade Europeia não aceita mais a antiga liberalidade dos bancos suíços nem a clientela quer saber de dinheiro de corrupto ou de traficante no mesmo banco em que ela tem conta.
Os bancos suíços têm hoje depósitos que somam cerca de US$ 3 trilhões (o dobro da riqueza produzida no Brasil em um ano) e recebem um terço das fortunas que são depositadas fora do país de quem a detém.
Devolver dinheiro de ditadores corruptos não é uma novidade na Suíça.
Desde 1986, quando Ferdinando Marcos deixou o poder nas Filipinas após uma ditadura de 21 anos, o país tenta se livrar da pecha de porto seguro para dinheiro sujo de políticos. No caso de Marcos, um processo que durou 17 anos terminou com a devolução de US$ 684 milhões às Filipinas em 2003.
As Filipinas puxaram lista de países que hoje inclui Nigéria, Angola, Peru e Cazaquistão. A Nigéria é o número um da lista em volume de dinheiro: recebeu US$ 700 milhões de volta da Suíça, dos cerca de US$ 4 bilhões que foram saqueados pelo general Sani Abacha, considerado um cleptomaníaco mesmo entre ditadores africanos.
Abacha retirava valores do Banco Central da Nigéria em carros-fortes, enchia um avião e enviava-o à Suíça.
O total de recursos desviados que voltou ao país de origem já alcança US$ 1,7 bilhão -a Suíça é o país que mais devolveu dinheiro, segundo o Banco Mundial.
O Haiti será o primeiro beneficiado por uma razão humanitária: o país não tem um Ministério da Justiça operante nem condições de contratar um escritório na Suíça para acompanhar o processo.
A nova lei visa esse tipo de país -os "falidos", termo que o Banco Mundial aplica a 17 nações pobres. A lei será usada também para os casos em que o dono do dinheiro sujo na Suíça tem força política em seu país para que a remessa não seja investigada.
Uma figura jurídica relativamente nova foi usada para facilitar a volta do dinheiro. É a chamada inversão do ônus da prova. Quem tem de provar que o dinheiro tem origem legal é o político investigado, e não a Suíça.
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