domingo, 9 de janeiro de 2011

Jobim e Direitos Humanos

*O ministro da Defesa, Nelson Jobim, gesticula durante entrevista concedida
em Brasília*

* ELIANE CANTANHÊDE*
COLUNISTA DA *FOLHA DE SÃO PAULO de 9 janeiro de 2011

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, considerou "um equívoco" a declaração do
general José Elito, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), de
que "não é vergonha" a questão dos desaparecidos políticos. "Não pode haver
nem glorificação nem retaliação", disse Jobim.
O fato de o Brasil estar isolado na América do Sul, onde outros países
julgaram e condenaram torturadores, não o impressiona: "Não deu certo.
Você queima uma energia imensa para retaliar o passado. Não adianta nada".
Em entrevista à *Folha*, Jobim disse que a abertura do capital da Infraero
está decidida e que o controle do espaço aéreo seguirá militarizado. Leia
principais trechos:


*FOLHA - Como a Comissão da Verdade vai evoluir com Dilma Rousseff?*
Nelson Jobim - O projeto de lei está no Congresso e, tão logo seja aprovado,
a comissão será instalada e fará as pesquisas necessárias para consolidar e
sistematizar todas as informações que hoje estão pulverizadas. A comissão
terá competência para isso e poderá inclusive tomar depoimentos etc. Mas não
tem nada a ver com a Lei da Anistia.

*Após anos com o país pacificado, não é hora de investigar os crimes da
ditadura?*
Há um impedimento, que é justamente a Lei da Anistia. O Supremo Tribunal
Federal já decidiu que a lei anistiou bilateralmente, ou seja, tanto os atos
praticados pelas forças de repressão quanto os praticados pelos outros.

*A Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado
brasileiro pelos desaparecimentos.*
Aquela decisão não tem efeito nenhum, porque ela não pode examinar fatos
anteriores a 1998. Mesmo que pudesse, a Corte não tem nenhuma jurisdição
sobre as decisões do STF. Quanto à busca dos corpos do Araguaia, trabalhamos
nisso há pelo menos dois anos, fizemos o que tinha de ser feito, mas não
encontramos.

*Eles serão considerados desaparecidos para sempre?*
Depois do período das chuvas vamos retomar as buscas, mas há quem diga que
os corpos podem ter sido consumidos pela natureza do solo, pelo tipo de
sepultamento que tiveram. Então, não temos o que fazer.

*Como o sr. viu a fala do ministro do GSI, general José Elito, de que "não
temos que nos envergonhar ou nos vangloriar" dos desaparecimentos?*
Em primeiro lugar, foi um equívoco. Em segundo, a informação que ele me deu
é que não teria dito isso. Não vou entrar no detalhe se ele disse ou se não
disse. O fato é que não podemos considerar dessa forma. Temos de considerar
como um fato histórico que temos de assumir. Mas uma coisa é a recuperação
da memória para ensinar o futuro. Outra é a recuperação da memória para se
retaliar o passado. Nenhuma glorificação, nenhuma retaliação.

*Foi o sr. quem indicou o general Elito para o GSI?*
Não. Ele foi uma escolha da presidente. Eu fui perguntado, apenas isso.

*O que muda com o fato de a presidente ter sido militante, presa e
torturada?*
A conduta vai continuar a mesma, que nasceu no governo anterior, quando ela
era chefe da Casa Civil. Não vai alterar nada.

*No governo Lula, o sr. aprovou a Estratégia Nacional de Defesa, a
reestruturação das Forças Armadas e projetos de modernização da Marinha e da
Aeronáutica, principalmente. Qual o cronograma para o governo Dilma?*
Tive dois momentos no ministério. O primeiro eu chamo de freio de arrumação,
assumindo com clareza a subordinação dos militares ao poder político civil.
O segundo é de integração das operações das três Forças. É isso que vou
aprofundar.

*Foi também uma preparação gradativa para que Exército, Marinha e
Aeronáutica exercessem cada vez mais o papel de polícia, como no Rio?*
Sim, foi uma decisão estratégica.

*É um desdobramento do que o Exército aprendeu no Haiti?*
É no sentido de que o contingente foi composto com soldados que estiveram no
Haiti. No Haiti, não pode ser chamado de GLO (Garantia da Lei e da Ordem,
operação das Forças Armadas), mas é o mesmo mecanismo, só que em outro país.
É preciso cuidado porque um soldado de Infantaria, por exemplo, é treinado
para ter contato com o inimigo e tem a lógica de matar. Na GLO, ele está
tratando com o cidadão. São as ações assimétricas, em que o alvo está
misturado com a população.

*O Rio tem visibilidade, mas a situação em Recife, Salvador e outras
capitais não é a mesma? O Exército vai atuar como polícia país afora?*
Temos de ter o cuidado de não banalizar o papel do Exército. A ação de GLO é
numa situação extrema. Não podemos transformar tudo em GLO, porque
transformaríamos força militar em força policial, e ela não é.

*O caos no Rio não é efeito, a verdadeira causa está nas fronteiras, por
onde entram armas, drogas, contrabando?*
Quando aceitei o convite da presidente, discuti planos para a Defesa,
incluindo o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras). Ela
aprovou. Será um dos subsistemas do Sistema Espacial Brasileiro. Quais são
os clientes? Defesa, Agricultura, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário...

*E a motivação estritamente militar, de defesa nacional?*
Esse sistema não diz respeito à soberania, em termos de conflito com os
outros Estados, porque não temos conflito nenhum. Diz respeito à segurança
interna.

*Como obter recursos externos para o sistema de defesa?*
A gente não compra equipamento, nem avião, nem navio, nem satélite, a gente
compra pacote tecnológico. Pode ser financiamento externo, mas pode ser mais
conveniente lançar papéis, porque os papéis brasileiros estão valendo muito.
A decisão é da Fazenda.

*E os caças?*
O pedido que a gente fez é que a decisão saia neste semestre, porque temos o
problema dos Mirage 2000 e dos F-5 modernizados, que estarão completando seu
ciclo de vida útil. Um, acho, já em 2015, e os outros em 2020.

*Por que não saiu com Lula?*
O presidente não teve tempo de se dedicar ao assunto, por causa da campanha
da presidente Dilma.

*O controle do espaço aéreo será desmilitarizado?*
Vai ficar onde está: na Força Aérea. Não haverá desmilitarização, não há
necessidade. Funciona bem e nós tivemos um exemplo claro do que significa
ter o controle aéreo em mãos civis com a greve dos controladores na Espanha,
que paralisaram o espaço do país por 24 horas.

*E o futuro da Infraero?*
A abertura de capital é necessária e vai ocorrer, mas é preciso uma
reformulação completa da empresa, porque ela não vale nada do ponto de vista
de recursos. Qual é a empresa brasileira ou internacional que vai querer
comprar? Ela administra aeroportos que não são dela, são da União ou dos
Estados e até municipais.

*Onde se encaixa o deputado José Genoino na Defesa?*
Eu preciso estruturar civilmente o ministério, e ele pode me ajudar
bastante. Tem uma enorme capacidade de circulação e de negociação.

*Ele estar no processo do "mensalão" no Supremo não cria constrangimento?*
Nenhum. Todos são considerados inocentes até o trâmite em julgado

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