Folha de São Paulo, sábado, 13 de fevereiro de 2010
Morales ganha poder de nomear juízes
Por projeto aprovado na Câmara, presidente da Bolívia escolherá magistrados interinos para completar quadro de cortes Projeto está no Senado, onde governo também tem maioria; oposição critica medida e prisões arbitrárias antes de eleições de abril
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente da Bolívia, Evo Morales, terá poder para escolher juízes para os postos vagos nos tribunais superiores do país. Os nomeados atuarão até dezembro quando, como previsto na nova Constituição, todas as autoridades máximas do Judiciário serão eleitas, de maneira inédita, pelo voto direto.
A norma de transição, batizada de "lei curta", foi aprovada nesta semana pela Câmara dos Deputados e deve passar em breve pelo Senado, onde o governo também conquistou maioria no pleito de dezembro.
A estreia do "rolo compressor" de Morales no Legislativo provocou duras críticas da enfraquecida oposição, para quem a medida é um mecanismo direto de controle do Executivo sobre a Justiça.
Desde meados de 2007, os tribunais superiores da Bolívia têm quadros de juízes incompletos. O impasse entre governo e oposição no Congresso, que tinha até então a prerrogativa das nomeações, foi responsável pelo não preenchimento de algumas das vagas. No período, magistrados renunciaram alegando pressão do governo, e La Paz promoveu a suspensão de uma juíza acusando-a de falta de decoro no cargo.
Com a nova norma, Morales deve nomear até 18 nomes para as cortes: todos os dez magistrados (cinco titulares e cinco suplentes) do Tribunal Constitucional (TC); três integrantes do Conselho da Magistratura (órgão disciplinar); e cinco ministros da Corte Suprema, de um total de 12 nomes.
Em resposta às críticas, o presidente boliviano disse nesta semana que há "total independência de Poderes" na Bolívia. Ele argumentou que as nomeações são necessárias para aliviar o acúmulo de processos.
"Morales vai nomear pessoas do seu partido, e o governo vai continuar o que já está fazendo: processar os opositores", critica o ex-vice-presidente Víctor Hugo Cárdenas (1993-1997).
Na quinta-feira, o candidato da oposição ao governo do departamento de Chuquisaca (centro), John Cava, teve ordem de prisão decretada. A Promotoria diz que ele faltou a uma audiência do processo no qual é acusado de tentativa de extorsão. Cava nega e se diz um "perseguido político".
Os governadores opositores de Santa Cruz, Beni e Tarija também respondem a ações na Justiça, acusados de diferentes delitos -todos negam e veem intenção política nos processos, enquanto o Ministério Público diz ter provas dos crimes.
A lista inclui ainda o ex-candidato à Presidência Manfred Reyes Villa. Respondendo a mais de 20 ações, ele fugiu para Miami no mês passado.
A fase de transição na Justiça acabará em 5 de dezembro, quando a população elegerá os juízes superiores, a partir de uma lista sugerida por um órgão regulador do Judiciário submetida ao Congresso.
O governo diz que, dessa forma, haverá democratização da Justiça, que estará sintonizada com os desejos dos bolivianos, e não alinhada aos partidos políticos que lhes indicaram.
Mas a modalidade é criticada por juristas e opositores que temem a total politização da Justiça. "O remédio será pior do que a doença", diz Cárdenas.
No novo desenho do Judiciário, também haverá cota para a representação indígena direta nos tribunais superiores.
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