quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

General da ativa ataca criação da comissão da memória

Folha de São Paulo, quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Plano cria "comissão da calúnia", diz general
Militar da ativa afirma que comissão da verdade, criada pelo governo para investigar crimes na ditadura, seria formada por "fanáticos"

Comando do Exército diz que declarações, que circulam na internet, estão em "carta pessoal a um amigo" e não refletem a posição da Força

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O general da ativa Maynard Marques de Santa Rosa, chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército, diz em nota que a comissão da verdade, criada pelo governo para investigar crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985), seria formada por "fanáticos" e viraria uma "comissão da calúnia".
Segundo ele, que é general de quatro estrelas (maior patente militar) e parte do Alto Comando do Exército, os integrantes da comissão seriam os "mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos como meio de combate ao regime, para alcançar o poder".
Na nota que circula na internet, Santa Rosa diz: "Confiar a fanáticos a busca da verdade é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa. A história da inquisição espanhola espelha o perigo do poder concedido a fanáticos. Quando os sicários de Tomás de Torquemada [1420-1498] viram-se livres para investigar a vida alheia, a sanha persecutória conseguiu flagelar 30 mil vítimas por ano."
Consultado pela Folha, o Comando do Exército disse que o texto do general é uma "carta pessoal a um amigo" e não traduz a posição da Força, pois quem fala pelo Exército é o comandante, general Enzo Martins Peri". A "carta ao amigo", porém, é tão formal que contém a patente, o nome completo e o cargo de Santa Rosa.
Considerado um dos remanescentes e o atual "porta-voz" da "linha dura" da ativa, o general Santa Rosa já se envolveu em pelo menos dois outros conflitos com autoridades civis no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ele deve ir para a reserva, por tempo, neste ano.
Um dos conflitos foi em 2007, quando discordou das negociações para a reserva indígena Raposa/Serra do Sol e foi afastado pelo ministro Nelson Jobim da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais da Defesa e devolvido ao Exército.
O outro foi em 2009, quando assinou nota com dois outros generais, então da ativa, criticando a Estratégia Nacional de Defesa e o novo organograma das Forças Armadas, por afastarem ainda mais os militares do poder.

"Hierarquia e disciplina"
Falando em tese, já que disse desconhecer o teor da nota, o ministro Carlos Alberto Soares, do STM (Superior Tribunal Militar), disse à Folha que esse tipo de manifestação "não é normal de militar da ativa e que, ao circular pela internet, deve obedecer todos os princípios de hierarquia e disciplina".
O "Regulamento Disciplinar do Exército" relaciona pelo menos duas transgressões que se encaixam no caso de Santa Rosa: "Manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária"; e "censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis".
A nota do general que circula na internet não tem data. Os seis integrantes da comissão foram designados pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), no dia 6 de janeiro. São ligados aos direitos humanos e às famílias dos mortos e desaparecidos políticos na ditadura.
Entre eles, está o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, principal responsável pelo decreto presidencial que mandou criar a comissão e que atraiu críticas da área militar, da Igreja Católica, do setor ruralista e acabou sofrendo alterações semânticas justamente na parte que previa a investigação de tortura e mortes na ditadura.

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