Folha de São Paulo 28 de fevereiro de 2010
TENDÊNCIAS/DEBATES
Reconciliar-se com o passado
NAVI PILLAY
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As sociedades não podem desfrutar plenamente de paz, do desenvolvimento e da reconciliação sem abordar abusos dos direitos humanos
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AO VOLTAR recentemente do Brasil, observei com interesse e satisfação que o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) do governo do Brasil pretende criar uma comissão da verdade como um passo importante para atingir a verdade sobre as violações dos direitos humanos do passado e facilitar a reconciliação. Esse é um fato bem-vindo, que demonstra o compromisso do Brasil em promover os direitos humanos em nível nacional, bem como no resto do mundo.
O compromisso de implementar planos de ação em direitos humanos é uma recomendação que os Estados fizeram na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realizada em Viena (Áustria), em 23 de junho de 1993. Hoje o Brasil é um dos poucos Estados da região que está cumprindo essa recomendação.
Fazer realidade um plano de ação é muito mais do que um exercício de relações públicas. Envolve um profundo processo de consulta entre o Estado, suas instituições e amplos setores da sociedade brasileira sobre as principais questões que afetam a implementação dos direitos humanos.
Também envolve uma programação articulada de ações concretas que visem superar os obstáculos que impedem a realização dos direitos humanos da população. Ao longo dos anos, as Nações Unidas têm prestado assistência a Estados saindo de conflitos ou de governos repressivos a restabelecer o Estado de Direito e exercer a justiça de transição. A experiência tem mostrado frequentemente que as sociedades não podem desfrutar plenamente de paz sustentável, do desenvolvimento e da reconciliação sem abordar abusos dos direitos humanos.
As Nações Unidas têm promovido uma abordagem global da justiça de transição, em conformidade com as obrigações e normas legais internacionais. Vários instrumentos internacionais, dos quais o Brasil faz parte em sua maioria, consagram a obrigação do Estado de iniciar investigações e processos em torno das graves violações de direitos humanos e violações do direito internacional humanitário.
Os instrumentos internacionais também reconhecem o direito à reparação para as vítimas e o direito das vítimas e da sociedade de saber a verdade sobre as violações, além de buscar garantias de que tais violações não se repitam.
Esses padrões internacionais estabelecem limites normativos para as Nações Unidas. Por exemplo, as Nações Unidas não apoiam anistias para os culpados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou violações massivas dos direitos humanos -incluindo tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, desaparecimentos forçados, violação ou outras formas de violência sexual de gravidade comparável.
Levando em consideração essas normas e baseando-se na experiência adquirida através dos anos, a ONU evita fórmulas únicas. Ao contrário, procura que todos os programas de justiça estejam baseados numa análise pormenorizada das necessidades e capacidades nacionais.
Consultas extensivas com vítimas e outras comunidades afetadas têm sido passos importantes para garantir que o programa resultante leve em conta experiências e necessidades particulares do contexto nacional.
Por meio de um planejamento cuidadoso e de amplas consultas com atores nacionais relevantes, o governo do Brasil vai avançar no estabelecimento de um mecanismo eficiente para a verdade e a reconciliação como parte de uma abordagem mais ampla da justiça transicional, que integre uma gama completa de processos e medidas judiciais e não judiciais, incluindo processos, reparações e a reforma institucional.
É encorajador ver a vontade do Brasil em defender os direitos humanos no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, o Brasil tem reconhecido que a única forma que esses esforços vão dar frutos é na medida em que o país possa demonstrar um verdadeiro compromisso de defender esses direitos em nível nacional.
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NAVANETHEM PILLAY, mestre e doutora em direito pela Universidade Harvard, é a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
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