> Valor Econômico 24 de fevereiro de 2010
Bloco regional sem EUA e Canadá é incógnita
Reunidos no México, numa cúpula de forte conotação política e poucas decisões práticas, 34 países americanos decidiram criar a Comunidade dos Países da América Latina e do Caribe. Saudada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "fato histórico de grande dimensão", capaz de dar "personalidade à região", a decisão contrasta com manifestações recentes de acadêmicos ligados ao governo, que nos últimos meses classificavam a América Latina como um termo ultrapassado e defendiam prioridade à América do Sul.
A decisão foi tomada menos de dois anos depois da crise financeira que abalou os mercados internacionais e os países desenvolvidos, ainda não superada totalmente. A nova organismo regional, ainda sem funções e estrutura bem definidas, reproduz a composição da Organização dos Estados Americanos (OEA) com duas diferenças fundamentais: estão excluídos Canadá e EUA, e Cuba está incluída.
Enquanto os governos da Alba (aliança bolivariana), iniciativa do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, defendem que foi criada uma espécie de "OEA do B", em contraposição a EUA e Canadá, o governo brasileiro tenta caracterizar a iniciativa como mais um foro regional de cooperação. "Servirá para a troca de experiências e coordenação de posições comuns entre os países da região", disse, na segunda-feira, ao Valor, o secretário-executivo do ministério de Relações Exteriores, Antônio Patriota.
Segundo ele, a nova entidade não tem a ambição da Unasul (que reúne os países da América do Sul), com planos de integração energética, comercial, viária e de telecomunicações. A Unasul seria uma integração "mais profunda" e buscaria de maneira racional o máximo de benefícios para os países sul-americanos. A nova organização seria o desdobramento natural da primeira cúpula da América Latina e Caribe, realizada no Brasil, e visaria discutir com maior frequência os problemas comuns aos países abaixo do Rio Grande.
Em textos diversos, em 2008 e no ano passado, intelectuais identificados com o governo Lula defenderam que o Brasil abandonasse o conceito de América Latina, acusado de "muito genérico" por Luiz Alberto Moniz Bandeira, um dos intelectuais de maior influência na cúpula do Itamaraty.
O repúdio ao termo foi assumido pelo ex-secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães. O atual diretor do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista, em texto na "Revista de Economia Política", em abril de 2008, antes da crise econômica, mencionou os EUA entre as razões para evitar a América Latina como referência.
"México e a América Central parecem ter caído irremediavelmente na órbita dos Estados Unidos", argumentou. "Não se pode contar com os mexicanos e centro-americanos para a construção de um projeto de integração que se pretenda autônomo e soberano."
Há divergências sobre o papel da nova "comunidade", que ameaça tornar-se mais um palco presidencial para discursos e manifestações de cunho político, como a declaração unânime dos governos ontem contra a exploração de petróleo pelos britânicos nas ilhas Malvinas, que descumpre determinação da ONU. Lula aproveitou a oportunidade para criticar o Reino Unido e a ONU pela afronta à Argentina. "Será o fato de a Inglaterra participar como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas a razão para que eles podem tudo e os outros não podem nada?", perguntou.
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