domingo, 10 de janeiro de 2010

Al Qaeda e o imperialismo

Folha de São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 2010


Al Qaeda é como McDonald's, diz analista
Para Olivier Roy, rede terrorista funciona como multinacional na qual comando é descentralizado por meio de franquias

Francês questiona novas medidas de segurança em aeroportos e alerta para aumento de ocidentais nas fileiras extremistas do islã

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Hoje fincada nos confins do Iêmen, a rede terrorista Al Qaeda funciona como uma multinacional cosmopolita na qual os integrantes têm ampla autonomia para executar as ordens da cúpula, ainda comandada pelos fundadores Osama bin Laden e Ayman Al Zawahiri.
A avaliação é do cientista político e filósofo francês Olivier Roy, especialista em terrorismo islâmico e professor no Instituto Universitário Europeu de Florença (Itália).
Roy disse à Folha, em entrevista por telefone, que as novas regras de segurança nos aeroportos só servem para acalmar a população.



FOLHA - Quem são as pessoas que integram a Al Qaeda no Iêmen?
OLIVIER ROY - As mesmas que estiveram no Paquistão, na Somália, na Bósnia etc. São pessoas de origem variada. Há ocidentais, africanos, argelinos. Eles não querem criar um Estado islâmico no Iêmen nem estão lá por causa da política iemenita. Estão lá porque acharam apoio local e um santuário para preparar seus planos.

FOLHA - As potências ocidentais podem ser consideradas culpadas, por não terem previsto que o Iêmen se tornaria um santuário terrorista?
ROY - Sofremos a herança dos anos Bush, nos quais a "guerra ao terror" era vista em termos territoriais. O Afeganistão e o Iraque foram invadidos, mas é um erro pensar o problema em termos de controle de território, pois trata-se de organizações não territoriais. O que funciona é a coleta de informações de inteligência. No caso do nigeriano, as autoridades tinham a informação, o problema foi o tratamento dos dados.

FOLHA - A Al Qaeda é uma organização com comando centralizado ou o nome é um carimbo adotado por vários grupos pelo mundo?
ROY - As duas coisas. A Al Qaeda é uma empresa moderna na qual há um núcleo de liderança e uma grande flexibilidade descentralizada na execução. A maioria dos terroristas tem vínculos, mesmo que só pela internet, com o centro de comando. A rede se parece mais com um sistema de franquia, uma espécie de McDonald's.
A Al Qaeda hoje tem menos capacidade de cometer grandes atentados. Por isso ela aposta em ações individuais.

FOLHA - Bin Laden e Al Zawahiri ainda estão no comando? Por que eles não foram capturados?
ROY - Parece que ainda estão no comando, sim. Eles não foram pegos porque atuam com maestria em dois níveis: o ultramodernismo das novas tecnologias e o tribalismo arcaico, no qual as relações interpessoais são muito importantes.
Enquanto Saddam Hussein foi vendido rapidamente, nas áreas tribais pashtuns não se tem o hábito de dedurar, nem mediante pagamento. É provável que ainda estejam na fronteira Paquistão-Afeganistão.

FOLHA - As medidas de segurança que estão sendo tomadas em aeroportos do Ocidente são eficientes?
ROY - Duvido. Essas medidas servem principalmente para satisfazer a opinião pública. Trata-se de gesticulação mais do que política concreta. E aí há uma contradição. Por um lado, a opinião pública quer mais segurança, do outro, ela quer mais facilidades para viajar.

FOLHA - O terrorismo islâmico é um produto da má integração dos muçulmanos no Ocidente?
ROY - Não. Os membros da Al Qaeda estão plenamente integrados às sociedades onde vivem. São pessoas que têm diplomas, empregos razoáveis. E ao menos 20% dos integrantes da Al Qaeda são ocidentais convertidos. Precisamos abrir os olhos para esse fenômeno maciço. Um americano branco da Carolina do Norte chamado Daniel Patrick Boyd acaba de ser julgado no Paquistão por tentativa de atentado.

FOLHA - Por que alguns ocidentais se sentem atraídos pela Al Qaeda?
ROY - Se deixarmos de lado o Corão e pensarmos em termos de anti-imperialismo, veremos que a Al Qaeda é a sucessora de Che Guevara e do Baader-Meinhof [grupo guerrilheiro alemão]. A mulher do terrorista jordaniano, que matou recentemente sete agentes da CIA no Afeganistão, acaba de compará-lo ao Che. Aos olhos da extrema esquerda romântica a comparação com o Che é uma blasfêmia, mas em termos estruturais são muito próximos.
Quem sustenta a ideia de que o maior problema do mundo é o imperialismo dos EUA? Bin Laden. Quem apela ao levante dos jovens e ao conflito de gerações? Bin Laden. A busca da morte em ação de um guerrilheiro romântico é o mesmo modelo do suicida da Al Qaeda.

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