Folha de São Paulo
São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Corrupção é o crime mais combatido por PF, diz estudo
De 600 operações analisadas, 22% tinham como objetivo atacar a prática
Prisão mais comum nas ações é de funcionários públicos que atuam na ponta do sistema, como servidores da Receita
Erich Macias -10.set.2010/Folhapress
Agentes da PF durante operação que prendeu governador do Amapá; segundo estudo, maioria das ações do órgão visa combater corrupção pública
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
O escândalo da Receita Federal revela o descontrole do Estado sobre os balcões de serviços e mostra como a corrupção está espalhada na franja do sistema, afirma Rogério Arantes, professor de ciência política da USP.
Autor do estudo "Corrupção e Instituições Políticas", apresentado no 7º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em agosto, Arantes diz que as notícias sobre venda de dados fiscais sigilosos de contribuintes não o surpreendem.
"Estamos habituados a pensar a corrupção no interior da classe política e olhamos pouco para o crime que se apropria do "balcão de serviço", justamente na ponta mais próxima do cidadão. O meu estudo chama a atenção para essa corrupção mais periférica, descentralizada."
Arantes analisou 600 operações da Polícia Federal realizadas de 2003 a 2008. Seu trabalho mostra que a prática criminosa mais combatida é a corrupção pública (22,7%).
A recente operação Mãos Limpas, que levou à prisão o governador do Amapá e outras 17 pessoas, é um dos frequentes exemplos.
Em segundo lugar no ranking das operações da PF aparece o tráfico de drogas (15,2%) e, em terceiro, os crimes de contrabando e descaminho (9,8%).
O estudo mostra também que as operações da PF prendem principalmente funcionários públicos que atuam na ponta do sistema ("street level bureaucracy").
Os servidores federais, como os funcionários da Receita e do INSS, estavam envolvidos em 34% das operações que resultaram na prisão de agentes públicos (de um total de 238 nas quais foi possível identificar o agente preso).
Depois vêm policiais civis e militares (22,3%) e, em terceiro lugar, servidores públicos estaduais (12,6%). A primeira categoria de políticos aparece em sexto lugar: prefeitos (3,8% das operações).
"Esses dados mostram que há muita gente interessada em fazer dinheiro ilegalmente. Quando se diz, por exemplo, que informações protegidas por sigilo "vazam por todos os lados facilmente", é porque tem gente miúda tentando fazer dinheiro miúdo com isso", diz Arantes.
Segundo ele, essa difusão da corrupção explica a dificuldade de enquadramento dos crimes cometidos no escândalo da Receita, como o acesso a dados sigilosos de pessoas ligadas ao PSDB.
"Ora o crime aparece como eleitoral, ora como político, ora como crime comum. Essa disputa em torno da qualificação do caso talvez seja inevitável neste momento, mas não ajuda na sua elucidação. Agora cabe à PF investigar e esclarecer."
A pesquisa de Arantes sugere ainda que as interpretações sociológicas sobre o caráter endêmico da corrupção estatal no Brasil encontram, até hoje, respaldo nos dados.
Além das operações que flagraram a corrupção pública como crime principal, outras direcionadas a crimes comuns, como contrabando, tráfico de drogas ou crime ambiental, também revelaram a coparticipação de funcionários do Estado.
"Concessão de benefícios, emissão de documentos e fiscalização de atividades são tarefas suscetíveis à corrupção, e as operações da PF têm flagrado pessoas dispostas a vendê-las e a comprá-las -nos dois lados do balcão do Estado", afirma Arantes.
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