Valor Economico 15.09.2010
Por que o 15/9, a quebra do Lehman Brothers, mudou o mundo mais que o 11/9
Gideon Rachman | Financial Times
Os EUA comemoram dois aniversários amargos neste mês: 11/9 e 15/9. Passaram-se dez anos desde que aviões sequestrados se chocaram contra as torres gêmeas, matando quase 3 mil pessoas e transformando as relações do país com o mundo. Passaram-se dois anos desde que o colapso do Lehman Brothers desencadeou uma crise financeira global e gerou o temor de uma nova Grande Depressão.
Os dois incidentes aconteceram a poucos quilômetros de distância, em Manhattan. Cada um deles mudou o mundo profundamente. Mas, quando os livros de história forem escritos, qual será visto como o mais importante?
Meu palpite é que a crise financeira acabará parecendo mais relevante. Isso pode parecer uma opinião estranha. Para muitos americanos, o 11 de setembro marcou definitivamente o fim de uma era. Foi uma década de bons tempos e ostentação à la Gatsby, delimitada entre o colapso da União Soviética e o ataque aos EUA, que teve um fim terrível. Duas guerras, no Afeganistão e no Iraque, foram decorrência direta do 11 de setembro. Os EUA se lançaram numa luta contra o islamismo militante e na "guerra contra o terror" que continua até hoje.
Em contraste, os piores temores provocados pela quebra do Lehman Brothers não se concretizaram. Não houve uma nova Grande Depressão. A economia voltou a crescer. A globalização - a megatendência dos últimos 30 anos - não entrou em marcha à ré. De qualquer forma, acredito que a crise financeira acabará se revelando um ponto de inflexão maior, e não apenas em termos econômicos, mas também geopolíticos. Isso porque foi o 15 de setembro, e não o 11 de setembro, a data que realmente marcou o fim de um "momento unipolar".
Os ataques contra Nova York e Washington em 2001, mesmo terríveis como foram, não sacudiram o domínio dos EUA sobre o sistema econômico e político mundial. Ao contrário, levaram a uma reafirmação dramática do poder americano. Dois governos do outro lado do mundo foram derrubados em pouco tempo. Na esteira imediata das guerras contra o Iraque e Afeganistão, a Casa Branca de George W. Bush e seus defensores sentiram-se mais confiantes do que nunca quanto ao poder dos EUA. Charles Krauthammer, o colunista conservador que cunhou a expressão "o momento unipolar", recebeu a vitória no Iraque saudando um "mundo dominado por uma única superpotência não limitada por nenhum rival".
Em 2008, ficou claro que as vitórias militares iniciais no Iraque e no Afeganistão haviam dado lugar a algo bem mais frustrante e inconclusivo. Mas o poderio econômico dos EUA ainda parecia proporcionar uma base confiável para a posição política global do país.
A crise financeira mudou essa suposição, possivelmente para sempre. Após as consequências da crise, os EUA estão muito mais conscientes dos limites de seu próprio poder. O presidente dos EUA, Barack Obama, mesmo quando anunciou o envio de mais soldados ao Afeganistão, já procurava ressaltar: "Simplesmente não podemos nos permitir ignorar o preço dessas guerras". Cortes no setor de defesa estão por vir.
Os EUA não estão apenas mais conscientes dos limites de seu próprio poder. Também estão muito mais conscientes das forças de seus possíveis rivais. Nos primeiros meses da crise econômica, a visão convencional era de que o mundo deslizaria em uma retração econômica sincronizada. No entanto, a China e a Ásia emergente se recupe-raram com muito mais rapidez do que os EUA e o mundo ocidental.
A crise financeira fez os americanos perceberem que o "desafio da China" não é algo para o futuro distante; está ocorrendo aqui e agora. Embora ainda faltem 15 anos ou mais para a economia chinesa superar a dos EUA, em alguns aspectos importantes a China já se sobressai. Possui as maiores reservas internacionais do mundo. É o maior exportador do mundo. É o maior produtor de aço e gases causadores do efeito estufa. Possui o maior mercado de veículos a motor. É o maior parceiro comercial de outras economias emergentes importantes, como a Índia e o Brasil.
Por enquanto, os EUA continuam sendo a potência dominante, mesmo no "quintal" da China, no Pacífico. Mas nos próximos anos provavelmente surgirão contestações da China à hegemonia dos EUA no Pacífico. Essa nova percepção de rivalidade já aumenta as tensões entre EUA e China - basta ver os atuais esforços para aprovar leis protecionistas no Congresso.
As convulsões provocadas pelo 11 de setembro e pelo 15 de setembro revelaram tipos diferentes de desafios à potência americana.
A militância islâmica violenta ainda tem potencial para provocar danos enormes. Mas a ideia de que a grande tendência geopolítica dos próximos cem anos será a criação de um califado islâmico global é uma fantasia, mesmo que isso seja uma noção popular no Waziristão e nos programas de rádio americanos. É difícil imaginar uma filosofia que seja mais mal adaptada para lidar com a modernidade que o fundamentalismo de Osama bin Laden. Na verdade, uma consequência irônica do 11 de setembro é que pode ter persuadido os EUA a passar uma década vital despejando recursos para combater a ameaça errada.
Em contraste, parece inteiramente plausível que, assim como o século XX foi o século americano, o século XXI seja o século asiático. A transformação econômica que sustenta essa mudança de poder estava mais do que encaminhada antes da crise financeira mundial. A crise, porém, deverá ficar na história tanto como o momento que revelou como o que acelerou a erosão do domínio ocidental. É por isso que o 15 de setembro, no fim das contas, deverá importar mais que o 11 de setembro.
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