quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Divisão de poder e orgãos globais

Folha de São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2010




Divisão de poder esvazia órgãos globais
Ascensão de potências médias exige reforma na governança mundial, o que será difícil, apontam relatórios

Inteligência americana inclui Brasil entre os sete mais poderosos em 2025; EUA seguiriam como os mais fortes

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

A crise financeira e a ascensão de potências médias tornaram os países mais "individualistas" na defesa dos interesses nacionais e menos dispostos à cooperação nas instituições multilaterais existentes, que sofreram um esvaziamento.
Mas o parto de uma ordem internacional que reflita a nova distribuição de poder será lento e difícil.
O diagnóstico está em dois relatórios sobre o cenário geopolítico recém-divulgados: a "Pesquisa Estratégica 2010", do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres, e o "Governança Global 2025", do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA e o Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia.
"A mudança para um mundo multipolar está complicando as perspectivas de uma governança global efetiva nos próximos dez anos", diz o último.
Os relatórios apontam a corrosão da legitimidade tanto do sistema da ONU criado sob a hegemonia dos EUA no século passado -Conselho de Segurança, FMI, Banco Mundial, OMC etc- quanto de grupos e alianças regionais, como UE e Otan (aliança militar ocidental).
Ambos destacam a tendência de que grandes temas sejam tratados em fóruns "informais" ou "ad hoc" (para fins específicos) -como o G20, no caso da crise financeira, e o Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), na conferência do clima.
"Países pequenos, médios e grandes estão apostando mais na própria iniciativa estratégica do que em alianças formais ou relações institucionais para defender seus interesses e alcançar seus objetivos", diz o IISS.
O instituto londrino dá como exemplos a crescente resistência europeia à guerra no Afeganistão, a coalizão de Brasil e Turquia contra sanções ao Irã.

VANTAGEM AMERICANA
Os estudos partem de evidências do aumento do peso econômico dos emergentes e da queda proporcional das potências do velho G7.
O IISS menciona a permanência da "insuperável" vantagem militar americana. Mas o editor do relatório, Alexander Nicoll, diz que a "força real" desse poderio foi posta em xeque pelas "aventuras" da última década (Iraque e Afeganistão).
O relatório americano-europeu projeta que, em 2025, os EUA manterão o maior poder relativo, seguido de perto por China, UE e Índia e, em menor grau, por Japão, Rússia e Brasil.
O documento defende que é preciso tornar as instituições multilaterais "inclusivas", mas nota que os emergentes relutam em assumir o papel das potências tradicionais, sobretudo quando conflitos internos ou Estados falidos requerem "intervenção política direta ou ameaça do uso da força".
A queixa ecoa discurso recente da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, em que exortou as "potências do século 21" a dividirem os "custos" da solução de problemas globais e aceitarem as "regras do caminho, dos direitos de propriedade intelectual às liberdades fundamentais". Para o britânico Andrew Hurrell, diretor do Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Oxford, a questão é que os EUA veem "que não podem governar o mundo sozinhos" e falam em parcerias, mas querem determinar as regras do jogo. "A pluralidade de visões e pontos de vista é um fato da vida, que tem de ser enfrentado."
"Todo mundo vai ter uma ideia do que é certo, considerando seus interesses", concorda Nicoll.

Nenhum comentário: