Folha de São Paulo 04 de junho de 2009
OEA anula suspensão de Cuba após 47 anos
Bloco bolivariano cede na exigência de que entidade pedisse desculpas a país; decisão não implica reintegração automática de Havana
Representante dos EUA, que também teve que ceder em negociação, diz ter agido em nome "do espírito de diálogo da Casa Branca de Obama"
Enrique de la Osa/Reuters
Militares cubanos agitam bandeiras dos países em ato para receber o presidente paraguaio em Havana
Numa decisão chamada de histórica por representantes de todos os seus 34 países, dos Estados Unidos à Venezuela, a OEA (Organização dos Estados Americanos) anulou ontem o ato que suspendeu o governo socialista de Cuba em 1962, durante a Guerra Fria, encerrada há 20 anos com a queda do Muro de Berlim.
A resolução, aprovada por consenso, não implica a volta automática dos cubanos à OEA. Ela estabelece que um eventual retorno dependerá de um processo de diálogo aberto a pedido do país caribenho e de acordo com os "princípios e propósitos" da organização.
"O resultado prático para Cuba não virá amanhã ou no dia seguinte. O importante era tirar da OEA um pedaço de sucata", disse o secretário-geral da entidade, José Miguel Insulza.
O texto aprovado na Assembleia Geral de chanceleres encerrada ontem em San Pedro Sula, Honduras, tenta conciliar duas ideias: o reconhecimento do anacronismo da decisão de 1962, que expulsou o governo cubano sob a acusação de receber ajuda militar de "potências comunistas extracontinentais" (a extinta União Soviética), e a reafirmação dos atuais documentos da OEA, entre eles a Carta Democrática aprovada em 2001, que prega "a defesa e a promoção da democracia representativa". Cuba é uma ditadura de partido único.
Para que se chegasse a esse resultado, dois blocos minoritários tiveram que ceder em suas posições iniciais.
De um lado, os EUA até a semana passada não admitiam a anulação do ato de 1962, propondo que antes se abrisse um diálogo para a eventual reintegração cubana à OEA. De outro, os países da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), liderados pela Venezuela, queriam não só a revogação, mas que se pedissem desculpas a Cuba por ter sido violado seu direito à autodeterminação e que ficasse a critério exclusivo dos cubanos seu retorno à OEA ou não.
A proposta de solução conciliatória em duas etapas partiu de um grupo de 11 países, incluindo o Brasil. A resolução, embora cite princípios de democracia e direitos humanos, não menciona textualmente a Carta Democrática. Seus termos prenunciam certa elasticidade se chegarem a ocorrer negociações para a retomada da participação cubana no órgão.
"O bom senso continua vivo. A OEA está viva, e a resolução de 1962, morta, sem pompa nem vintém", disse à Folha por telefone o chanceler brasileiro Celso Amorim, que participou das negociações antes de partir ontem cedo de volta a Brasília.
Thomas Shannon, secretário de Estado assistente dos EUA para a América Latina, disse que buscou dar continuidade ao "relançamento" das relações com a região proposto por Obama na Cúpula das Américas, em abril: "A resolução afirma nosso compromisso de construir uma relação com nossos vizinhos baseada no diálogo".
Shannon disse que os EUA continuam "comprometidos com os princípios da democracia e dos direitos humanos" e que esperam uma "Cuba democrática", mas que "mudaram a abordagem" -no domingo, o governo cubano concordou em iniciar conversas com os EUA sobre imigração.
Na plenária de quase três horas que aprovou a resolução, houve elogios à Casa Branca. O chanceler argentino, Jorge Taiana, saudou "o renovado espírito de multilateralismo" americano. Para Amorim, "a visão dos EUA sobre a América Latina mudou".
Mas a tensão com os países da Alba, os últimos a aderirem à resolução, se manteve. O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, fez uma extensa enumeração de todas as intervenções dos EUA na América Latina no século 20.
Maduro elogiou a "cordialidade" da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, mas cobrou o fim do embargo econômico a Cuba. "Vamos usar os avanços desta reunião para restabelecer a justiça em nosso continente. O primeiro passo tem que ser a suspensão do bloqueio."
Ruy Casaes, embaixador do Brasil na OEA, disse que sanções como as sofridas por Cuba não funcionam e, sobre a democracia, citou frase de San Tiago Dantas, que era chanceler em 1962 e na época recorreu ao princípio da não intervenção para se abster na votação: "Onde quer que tenha sido deixada aberta uma porta para o sistema democrático, esse sistema vai se impor mais cedo ou mais tarde".
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