Folha de São Paulo, segunda-feira, 07 de setembro de 2009
"Historiadores já não querem discutir culpas da 2ª Guerra"
Britânico Martin Conway diz que, 70 anos após conflito, vale mais debater implicações
Algumas das coisas que os políticos atuais dizem sobre a guerra "soam muito simplistas e, às vezes, estúpidas", afirma professor
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
A troca de acusações entre a Rússia e a Polônia sobre a Segunda Guerra Mundial que deu o tom nas celebrações dos 70 anos do início do conflito, na semana passada, serve bem ao discurso político. Mas não mais aos historiadores.
"Algumas vezes historiadores e políticos falam a mesma língua. No momento, acho que os historiadores estão interessados em coisas diferentes do que os políticos sobre a guerra", diz em entrevista à Folha Martin Conway, professor de história na Universidade de Oxford.
Conway é parte de uma geração que tem se debruçado sobre o conflito moldador da Europa contemporânea com os olhos de quem nasceu após seu término e, portanto, está menos impregnado das ideologias em voga na época. Para eles, estudar as consequências da Segunda Guerra é mais revelador do que apontar culpados.
FOLHA - O sr. disse que historiadores e políticos no momento estão interessados em coisas diferentes sobre a guerra. Em qual sentido?
MARTIN CONWAY - Muito do que foi escrito em história nos últimos dez anos deixou essa esfera de culpa, inocência e de segredos ocultos. Nesta semana tivemos a propaganda política sobre a Polônia e a responsabilidade da União Soviética. Essa não é uma questão que interesse mais aos historiadores.
FOLHA - Por quê? Os historiadores passaram a se interessar mais pelas consequências do que pelas causas?
CONWAY - Pelo menos na Europa, a Segunda Guerra não tem mais muitos segredos a serem contados, e as pessoas agora estão olhando para a frente, em direção às suas consequências. Muitos dos historiadores de hoje não estiveram envolvidos de modo nenhum na guerra, nem tinham nascido e não sentem que tenham uma responsabilidade cívica de assumir uma determinada posição. A Segunda Guerra, para os historiadores, pela primeira vez se tornou "história".
FOLHA - Por outro lado vê-se os políticos indo na direção oposta, como o governo russo falando em revisar a história. Os políticos ainda usam a guerra ao moldar seu discurso?
CONWAY - Sim. Especialmente no Leste Europeu, porque esses assuntos só puderam começar a ser tratados de fato em 1989. Para muitos políticos, a guerra continua um assunto muito imediato, muito óbvio. Não os julgo, mas algumas das coisas que dizem, para os historiadores, soam muito simplistas e, às vezes, estúpidas.
FOLHA - E o sr. crê que o público em geral fique onde nessa dissonância?
CONWAY - Acho que a França é um bom exemplo de como o imediatismo da Segunda Guerra recuou. Os políticos não citam mais a guerra com frequência, e também não tenho a impressão de que a população esteja maciçamente engajada em questões como o envolvimento da França como há 20 anos. Já a Bélgica é uma sociedade que vive voltando para a guerra, não só no discurso político como no debate da sociedade. Isso ocorre porque é o momento, acham eles, em que o país começou a ruir como Estado-nação, então a guerra segue sendo o ponto de referência. Não tenho certeza de que esse seja mais o caso na França ou mesmo na Alemanha.
FOLHA - Em que medida estamos passando para um período no qual a guerra tenha seu peso, mas não seja mais o fator essencial a moldar a política e a mentalidade da sociedade?
CONWAY - Acho que o público em geral na Europa, quando pensa no século 20, pensa ainda na Segunda Guerra como o evento central. Mas para os historiadores já é verdade isso que você diz. A guerra já não é vista mais como o evento mais importante do século 20. Os historiadores estão mais interessados na continuidade entre o antes, o durante e o pós-guerra.
FOLHA - A importância dos anos 60 e 70 e seus levantes populares parece ter ficado mais clara para os historiadores nesta década. Isso é resultado do distanciamento temporal?
CONWAY - Em parte é a passagem do tempo, em parte é o fato de novos documentos terem vindo à tona, e em parte por haver livros ainda a serem escritos sobre os anos 60 e 70 -talvez não haja mais sobre a Segunda Guerra. Os assuntos que interessam aos historiadores são sempre as origens do presente, por que vivemos na sociedade como é hoje. E na hora de responder essa pergunta, a resposta não é tanto a Segunda Guerra, mas os anos 60 e 70.
FOLHA - Mas como as consequências da Segunda Guerra ainda influenciam as coisas hoje, ao seu ver?
CONWAY - As estruturas dos Estados-nações e as fronteiras foram criadas após a guerra. Vivemos numa Europa que no mapa é quase igual à definida nos acordos de Yalta. E com o relativo declínio da integração europeia nos últimos cinco ou dez anos, os Estados-nação seguirão sendo os principais tomadores de decisão, apesar de toda a força da globalização. Outra consequência, na Europa, é o estabelecimento de um certo modelo de democracia moderada. Há um tabu forte contra qualquer regime que saia dessa definição de democracia, para a direita ou a esquerda. Há um consenso quase intimidador sobre democracia.
FOLHA - Organizações como a Otan, criadas no pós-Guerra, ainda têm seu papel?
CONWAY - Acho que em relação à Otan, o mais impressionante é que ela ainda exista. Nenhuma aliança militar durou 60 anos. Talvez ela deixe de existir no futuro, mas acredito que os historiadores estão mais interessados em entender por que ela durou tanto tempo, e por que, em alguns Estados, ser membro da Otan ainda é mais interessante do que uma relação com a União Europeia.
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