domingo, 13 de setembro de 2009

Corrida armamentista na America Latina

Folha de São Paulo, domingo, 13 de setembro de 2009



Armas põem em questão relação Brasil-EUA
Especialistas sul-americanos especulam sobre posição da "potência emergente" ante as políticas americanas na região

Apesar de não verem ameaça nas aquisições brasileiras, vizinhos lembram que armas de dissuasão não servem para combater as drogas



As compras de armamento na América do Sul não chegam a configurar uma corrida armamentista clássica, porque não há situação de busca contínua por equilíbrio bélico na região. Nenhum país tem capacidade a longo prazo para competir com as aquisições recém-anunciadas pelo Brasil ou com a produção autônoma que o país quer desenvolver.
Mas é essa ausência de ameaças na vizinhança que ressalta a ambiguidade do plano de defesa brasileiro. Como fica a posição da "potência regional" diante das políticas dos EUA no subcontinente e como será no futuro a relação bilateral?
Essas foram questões levantadas por especialistas de Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela ouvidos pela Folha sobre o impacto regional do acordo com a França para a compra de submarinos convencionais e helicópteros e a construção de um submarino de propulsão nuclear.
Professor do Centro de Estudos Hemisféricos da Universidade Nacional de Defesa dos EUA, o consultor brasileiro Salvador Raza contou que há um mês, em conversa com autoridades americanas, ouviu "O que vocês querem?" várias vezes. "Eles não entendem. Dizem, "estamos aqui para trabalhar juntos, os EUA não invadirão a Amazônia"."
Para Raza, o Brasil deveria trabalhar com os EUA "num ambiente colaborativo-competitivo", como o existente dentro da Otan (aliança militar ocidental). Mas ele avalia que a política externa "não está preparada para isso" e que a política interna "com viés antiamericano" é empecilho. "No entorno brasileiro, está todo mundo esperando que a gente se posicione", avisa.
A Estratégia Nacional de Defesa, divulgada em dezembro último, justifica a renovação do arsenal brasileiro como um ajuste da capacidade militar do país à sua "estatura político-estratégica".
A compra de armas de "dissuasão", incluindo os 36 caças que também podem vir da França, é vinculada não a um inimigo específico, mas a um cenário futuro em que, na corrida global por recursos, será preciso proteger as reservas de água e energia, principalmente na Amazônia e no litoral.
Os caças e o submarino nuclear são projetos antigos, mas o fato de o pacote francês ter sido fechado num momento de tensão quanto a políticas dos EUA na América do Sul não passou despercebido.
O analista militar chileno Raúl Söhr e o argentino Juan Gabriel Toklatián, professor de relações internacionais da Universidade Di Tella, mencionaram a "inquietação" causada pela reativação da 4ª Frota, em 2008, e pelo acordo para o uso de sete bases na Colômbia -ambos vistos com desconfiança no Brasil.
"Há uma política pouco clara dos EUA. Não se entende por que eles precisam agora de uma patrulha ao redor da América Latina nem de presença militar reforçada na Colômbia, quando ela não mudou os problemas fundamentais colombianos", pondera Söhr.
Ele vê no Brasil uma "ambição latente" de ocupar o lugar dos EUA no subcontinente.
O coronel da reserva Jesús Alberto Mora, professor da Escola Superior de Guerra colombiana, considera "lógico" que o país "chegue a querer se pôr na vanguarda da região".
Mas Söhr acha risível supor que as novas armas estariam ligadas a uma hipotética ameaça americana. "Se os EUA decidirem invadir um país, não é isso que vai dissuadi-los", diz o chileno, um crítico do rearmamento conduzido pelos militares de seu país e o único de oito entrevistados a considerar as compras brasileiras "absolutamente desnecessárias".
Para ele, chamar de "estratégico" o acordo com a França é um "verniz político" para uma compra que só poderia vir da Europa, já que os EUA não têm submarinos convencionais.
Tokatlián, ao contrário, avalia que o acordo representa ao mesmo tempo "o fim da relação militar privilegiada" que o país teve com os EUA após a 2ª Guerra Mundial e uma opção "prudente" de não confrontação com a superpotência.
Como a maioria dos entrevistados, ele indicou que, se o Brasil quer dar lustro à sua liderança, vai ser cobrado pelos vizinhos. Disse esperar que o país use o acertado com a França para reforçar pacto nuclear assinado em 2008 com a Argentina. "Seria a demonstração de que procura uma autonomia compartilhada com a região."
O problema das drogas -para o qual não servem as armas dissuasivas compradas pelo Brasil- foi lembrado por muitos, como vetor da presença americana e principal fonte de instabilidade na região andina.
Tokatlián sugeriu que o Brasil lidere a convocação de uma cúpula sobre o tema. "Estamos numa "guerra às drogas" cada vez mais falida. Convocar uma reunião, com os EUA incluídos, me parece essencial."
De seis analistas de países vizinhos, nenhum considerou a compra brasileira uma ameaça, mas o coronel Mora mostrou-se atento ao risco da ambição nuclear -o "próximo grande debate", de acordo com Eurico de Lima Figueiredo, diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Mora fez questão de lembrar que o Brasil é signatário do Tratado de Tlatelolco, que declarou a América Latina e o Caribe livres de armas atômicas.

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