Folha de São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009
Honduras expõe novo status do Brasil
Papel durante crise, conquista olímpica e fortalecimento do G20 são vistos por analistas como sinais de que país está virando potência
Atuação maior na América Latina pode crescer com vácuo de Washington na região, mas há dúvidas sobre peso em relação a EUA
A frase estava em artigo publicado na quarta-feira na versão online da "Time". "Em anos recentes, a usina geradora sul-americana vem sendo reconhecida como o primeiro contrapeso real aos EUA no Hemisfério Ocidental." A maior e mais prestigiosa revista semanal dos EUA se referia ao caso hondurenho, em que a presença do presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada do país em Tegucigalpa empurrou o Brasil para um papel de protagonismo na crise, para usar expressão cara ao Itamaraty.
Mas raciocínio semelhante seria repetido nos dias seguintes na imprensa americana, citando também a decisão dos países mais ricos de ampliar o fórum econômico global para acomodar as economias emergentes do G20, na semana retrasada, e a vitória do Rio de Janeiro como cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, anteontem, em Copenhague.
O fato "cristaliza o Brasil como potência emergente", escreveu o diário econômico "Wall Street Journal" de ontem, e "parece coroar a atrasada chegada do país ao palco internacional", ecoou a semanal "Newsweek". "Em resumo, os Jogos Olímpicos vão reafirmar a reputação internacional do governo como líder entre as nações emergentes", concluiu a mensal "Foreign Policy".
Ao longo do dia de sexta-feira, a Folha conversou com analistas da América Latina, do Brasil e da relação do país com o EUA e pediu a opinião deles sobre a proposição inicial desse texto. A conclusão unânime é que, sim, o momento é brasileiro e que nunca na história do país o protagonismo, vá lá, esteve tão claro e evidente. Mas há ressalvas a serem feitas.
Para Peter Hakim, presidente do centro de pensamento centrista Diálogo Interamericano, "o Brasil claramente ganhou influência, prestígio e autoridade, tanto regional como globalmente, e pode vir a ser um contrapeso aos EUA em algumas ocasiões e em algumas questões". Mas os recursos financeiros, o poderio militar e a influência política, combinados às expectativas de outros países, "dão aos EUA um papel muito maior na maior parte das situações", conclui.
A palavra "contrapeso" incomoda também Julia Sweig, especialista nas relações entre os EUA e a América Latina do influente Council on Foreign Relations. É errado pensar nisso, diz ela, "porque sugere que os EUA continuam sendo o peso predominante, o que é verdade só na esfera da América Central, mais México e Colômbia."
Ela acredita que isso vá mudar nos próximos anos. "Arriscaria dizer que, com exceção do México, os EUA vão cada vez mais dividir -e mesmo desejar essa divisão- de domínio, por assim dizer, com o Brasil. Honduras é só o começo." Para Sweig, o Brasil ocupou o vácuo americano. "E ofereceu substância e estilo alternativos em sua diplomacia."
É o que pensa um diplomata brasileiro envolvido em assuntos latino-americanos, que pede para não ser identificado. Para ele, a ação mais pró-ativa do Brasil decorre antes da redução do papel geopolítico dos EUA na região, uma vez que as maiores preocupações de Washington em termos de política externa não se encontram atualmente nas Américas. Essa limitação, diz, abre possibilidades de ação diplomática para o Brasil, como no caso do Haiti e, agora, Honduras.
Pode ser, afirma Mark Weisbrot, codiretor do instituto progressista Center for Economic and Policy Research. "De fato, o Brasil tem uma política externa na maior parte independente dos EUA, mais do que a da Europa, por exemplo. Mas é fato também que o Brasil tem sido muito tímido em relação a Honduras, procurando evitar enfrentamento com Washington enquanto a gestão de Barack Obama permite que o regime golpista viole os direitos internacionais da embaixada brasileira e os direitos humanos dos hondurenhos."
Se quisessem, diz Weisbrot, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ministros poderiam ser mais agressivos e brecar Washington. Como? "Simplesmente falando mais duro e angariando o apoio de outros países da América do Sul -ou seja, exercendo liderança."
Um colega progressista de Weisbrot, Larry Birns, diretor do Council on Hemispheric Affairs, discorda em parte. Para ele, o Brasil do começo do século 21 é o que foram os EUA no começo do século 20.
"Assim como os EUA entraram no século passado relativamente intocados pelas dinâmicas das guerras europeias, o Brasil entra neste século não atingido pelas marcas pesadas que mancham os EUA hoje, depois de guerras impopulares como o Afeganistão e o Iraque." Para Birns, "o Brasil é a celebridade, o novo garoto do pedaço".
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