Folha de São Paulo, sábado, 17 de outubro de 2009
Nova lei da Espanha limita aplicação de jurisdição universal
Evocado para apurar denúncias em Gaza e no Tibete, princípio só valerá em casos que envolvam espanhóis
O Parlamento da Espanha aprovou anteontem uma emenda de lei que limita a aplicação do princípio da justiça universal -evocado pelo país para emitir, em 1998, mandado de prisão contra o ditador chileno Augusto Pinochet (1973-90) e abrir investigações sobre violações aos direitos humanos em locais como Guatemala, Tibete, Gaza e Guantánamo.
Segundo a nova norma -aprovada na Câmara por 319 votos a favor e 5 contra, após aval do Senado-, a Justiça espanhola só poderá intervir em casos fora do país se houver espanhóis entre as vítimas ou se os suspeitos dos crimes estiverem na Espanha.
A medida não é retroativa -não afeta investigações em curso. Mas é alvo de críticas de grupos de direitos humanos e alguns juristas. "É um retrocesso lamentável", disse à Folha Manuel Ollé Sesé, advogado de acusação em casos da Audiência Nacional espanhola, inclusive o de Pinochet.
Ele opina que "a decisão obedece a pressões políticas e diplomáticas", em referência a reações de países como China e Israel à intervenção da Justiça espanhola em casos em territórios sob sua jurisdição -uma investigação sobre abusos em Gaza foi recentemente arquivada na Espanha.
Anteontem, Shimon Peres, presidente israelense, agradeceu o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero "pela posição adotada para que líderes israelenses não sejam levados ao tribunal por defender seu povo".
A justificativa do Parlamento espanhol é que a mudança fará a Justiça mais eficiente. Mas alguns congressistas admitiram o viés político da decisão -capaz de forjar uma improvável aliança entre o Partido Popular (direita, oposição) e o PSOE (esquerda, governista).
"[A lei anterior] afetava nossas relações internacionais, gerando conflitos diplomáticos", dissera ao jornal "El País" Dolors Montserrat, do PP, em junho, quando a emenda passou pela primeira vez na Câmara.
Vácuo
A partir de convenções internacionais sobre tortura e genocídio, países como a Espanha criaram leis internas para processar crimes contra os direitos humanos. A Espanha se diferenciou ao aceitar denúncias de "ação popular" -qualquer pessoa, organismo ou associação que tivesse interesse legítimo podia formular uma denúncia.
Com a mudança da lei, o país perde outro diferencial: o de não exigir que o delito tivesse relação com o Estado que o julga. Até então, diz Ollé Sesé, a limitação era só que o crime de lesa-humanidade não tivesse sido julgado em seu país.
Para Oscar Vilhena, professor de direito da FGV-SP, o vácuo na justiça universal deixado pela nova lei espanhola deveria ser ocupado pelo Tribunal Penal Internacional. "Mas o sistema internacional de direitos humanos tem poucas ferramentas de implementação, que é o que havia criado a Espanha", aponta. Um exemplo: o TPI não pode julgar crimes anteriores a 2002, ano em que foi criado, pelo Tratado de Roma.
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