domingo, 12 de julho de 2009

Constitucionalismo Latino-americano

Folha de São Paulo de 12 de julho de 2009
Honduras ilustra paradoxo de nova Carta
Recurso a democracia direta em prol das mudanças constitucionais na região pode ensejar ditadura plebiscitária, apontam críticos

Para ideólogo bolivariano, consulta tentada por Zelaya era correta; futuro chefe da diplomacia dos EUA na região vê risco a minorias no modelo

A crise em Honduras expõe embate no hemisfério entre o "novo constitucionalismo", a corrente que guiou as novas Constituições de Venezuela, Bolívia e Equador e prega cada vez maior aplicação da democracia direta, e seus críticos, que veem nele o embrião de "ditaduras plebiscitárias".
O presidente hondurenho Manuel Zelaya foi deposto pelos militares quando tentou fazer uma pesquisa de opinião que lhe daria, segundo argumentou, legitimidade para enviar ao Congresso um projeto de lei para fazer um referendo de convocação da Constituinte.
Sem apoio no próprio partido, com a Corte Suprema em franca oposição (leia texto abaixo), foi essa a manobra que bolou para arregimentar lastro social ao projeto. Ele tentava seguir o script de seus novos aliados de Venezuela, Bolívia e Equador, mas num contexto bastante distinto em termos de base política e apoio popular.
Aí começaram as acusações de ilegalidade. Os demais Poderes o tacharam de golpista ao propor nova Carta. Mas, de acordo com analistas ouvidos pela reportagem, os processos constituintes estão justamente na fronteira da legalidade.
Poucas Constituições no mundo preveem mecanismos para convocar uma instância que fará a nova lei fundamental do país. São instaladas em momento de crise, de ruptura, ou de novo acordo entre as forças políticas, econômicas e sociais.
Para o constitucionalista espanhol, Rubén Dalmau, do Ceps, grupo que assessorou as Cartas de Venezuela, em 1999, Bolívia e Equador, em 2008, o instrumento proposto por Zelaya era o mais apropriado.
Dalmau lembra que o referendo foi usado como forma de ativar o Poder Constituinte na Colômbia, em 1991, na Venezuela, em 1999, e no Equador, em 2007. "Em todos esses lugares os referendos se realizaram sem que estivessem previstos na Constituição, pelo princípio da democracia e da soberania", disse, em entrevista por e-mail.

Plebiscitos
Os críticos de Zelaya também dizem que não poderia haver outro interesse do neoesquerdista do que o de conseguir a reeleição, já que a quase totalidade da Carta hondurenha pode ser modificada pelo Congresso. Entre as cláusula pétreas está justamente a que veta um segundo mandato presidencial, consecutivo ou não.
O espanhol vai além na defesa do projeto e da necessidade de ampliar as consultas diretas à população. Afirma que os Congressos não deveriam ter poder para reformar Cartas. "Hoje, no marco do novo constitucionalismo, não se pode defender que o poder constituído possa modificar a vontade soberana do povo plasmada na Constituição."
Mas a profusão de consultas preocupa um grande grupo de constitucionalistas e cientistas políticos, que veem no instrumento uma ameaça aos direito das minorias políticas, à diferença do que idealmente acontece nos Parlamentos. Essa é uma preocupação dos EUA.
Nesta semana, em sabatina na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, o futuro chefe da diplomacia para a América Latina, Arturo Valenzuela, fez uma referência clara ao tema e à Venezuela.
"Estou preocupado com a difusão da noção de que democracia é equivalente à simples lei da maioria e que, por meio das maiorias, pode-se alterar instituições e práticas constitucionais em proveito dos que estão no poder", disse o acadêmico de origem chilena.
Dalmau rebate: "As democracias são o governo da maioria com o respeito das minorias. Esse respeito não implica, logicamente, a manutenção de privilégios, mas o respeito dos direitos constitucionais".

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