Folha de São Paulo, sexta-feira, 24 de julho de 2009
Por uma nova arquitetura global
FLÁVIA PIOVESAN
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Em uma arena cada vez mais complexa, fundamental é avançar na afirmação da justiça global nos campos social, econômico e político
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O S PAÍSES ricos decidiram expandir a cúpula do G8 (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá e Rússia) para incluir as economias emergentes, transformando-o em G14 (com a adição de Brasil, Índia, China, África do Sul, México e Egito), com vistas a fortalecer a "governança global".
No dizer de Sarkozy: "Parece pouco razoável tratar das mais importantes questões internacionais sem a África, a América Latina e a China". Para Obama, é inadmissível enfrentar os desafios globais "sem a representação adequada de continentes inteiros como a África e a América Latina nos fóruns internacionais". Atualmente, cerca de 80% da população mundial vive em países em desenvolvimento. Dois deles -Índia e China- totalizam quase um um terço da população mundial.
Contudo, os 15% mais ricos concentram 85% da renda mundial, enquanto os 85% mais pobres detêm apenas 15%, sendo a pobreza a principal causa mortis do mundo. O próprio FMI, na voz de Michel Camdessus, já advertiu que "a pobreza é uma ameaça sistêmica fundamental à estabilidade em um mundo que se globaliza".
Instaura-se um círculo vicioso em que a desigualdade econômica fomenta a desigualdade política no exercício do poder no plano internacional e vice-versa. Atente-se para o fato de que 48% do poder de voto no FMI concentra-se em sete Estados (EUA, Japão, França, Reino Unido, Arábia Saudita, China e Rússia) e, no Banco Mundial, 46% do poder de voto concentra-se nesses mesmos Estados.
Há que fortalecer a democratização, a transparência e a "accountability" dessas instituições, ecoando a voz dos países em desenvolvimento. Esse mesmo imperativo é lançado à ONU, criada em 1945, na geopolítica do pós-guerra, da qual participavam em média 60 Estados -hoje a ordem internacional conta com quase 200.
Daí a necessidade de revitalizar o papel das Nações Unidas e assegurar aos seus órgãos (principalmente ao Conselho de Segurança) maiores legitimidade e representatividade.
Além de ter de assegurar espaços decisórios mais democráticos, a agenda internacional enfrenta um desafio central: garantir o direito ao desenvolvimento, em sua dimensão nacional e internacional, o que envolve: a) a proteção às necessidades básicas de justiça social; b) o componente democrático na formulação e implementação de políticas públicas; e c) a adoção de políticas nacionais, bem como de cooperação internacional.
Observa Thomas Pogge que, "em 2000, os países ricos gastaram cerca de US$ 4,650 bilhões em assistência ao desenvolvimento aos países pobres. Contudo, venderam aos países em desenvolvimento aproximadamente US$ 25,438 bilhões em armamentos -o que representa 69% do total do comércio internacional de armas. Os maiores vendedores de armas são: EUA (com mais de 50% das vendas), Rússia, França, Alemanha e Reino Unido".
No mesmo sentido, afirma Amartya Sen: "Os principais vendedores de armamentos no mercado global são os países do G8, responsáveis por 84% da venda de armas no período de 1998 a 2003. (...) Os EUA, sozinhos, foram responsáveis pela venda de metade das armas comercializadas no mercado global, e dois terços dessas exportações foram direcionadas aos países em desenvolvimento".
Esses desafios se inserem em um momento estratégico, marcado não apenas pela reinvenção da arquitetura internacional mas também por uma política renovada no campo das relações internacionais por parte da única superpotência mundial.
Se a era Bush adotou como vértice uma política internacional guiada pelo unilateralismo extremo, pelo direito da força e pelo "hard power", a era Obama aponta a uma política internacional guiada pelo "clever power", a propiciar o multilateralismo e o diálogo intercultural, transitando da ideia do "choque civilizatório" para a ideia do "diálogo civilizatório".
Desenvolvimento, segurança, democracia e direitos humanos são termos inderdependentes e inter-relacionados. Em uma arena cada vez mais complexa, fundamental é avançar na afirmação da justiça global nos campos social, econômico e político, a compor uma nova arquitetura capaz de responder aos desafios da agenda contemporânea, da nova dinâmica de poder no âmbito internacional e da necessária transformação das organizações internacionais, em um crescente quadro de responsabilidades compartilhadas.
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