segunda-feira, 6 de julho de 2009

Obama e a crise de Honduras sob a perspectiva brasileira

Folha de São Paulo de 06 de julho de 2009

Governo Lula teme que crise atrapalhe Obama


A grande inquietação do governo brasileiro com a crise em Honduras, além do golpe em si e da instabilidade decorrente, é com os presumíveis prejuízos para a política norte-americana na América Latina.
Pode parecer que uma coisa nada tem a ver com a outra, mas o teorema que se esboça na diplomacia brasileira é bastante claro e faz sentido:
1 - Quando a Assembleia Geral da OEA discutia, no início de junho, a revogação da punição a Cuba (que acabou aprovada), o presidente Barack Obama ligou para seu colega Luiz Inácio Lula da Silva para informar-se melhor da posição brasileira.
No meio da conversa, disse que pretendia deixar as relações EUA-Cuba plenamente normalizadas até o final de seu mandato dentro de três anos e meio. Já então soou como uma ideia excessivamente otimista.
2 - Agora, o governo brasileiro sente que Obama ficará sob pressão para não normalizar as relações com Cuba, a partir do paradigma hondurenho: se o americano for duro com Honduras, como o Itamaraty acha que vem sendo, a direita nos EUA exigirá a mesma dureza em relação a Cuba.
Ou, em termos formais, fica difícil para Obama apoiar a suspensão de Honduras, com base na Carta Democrática da OEA, e não exigir de Cuba respeito idêntico a esse mecanismo.
3 - A reintegração de Cuba, como ficou evidente nas recentes cúpulas latino-americanas, é considerada a pedra de toque para a mudança nas relações América Latina-Washington, prometida por Obama.
O que agrava o incômodo do Brasil com a situação em Honduras é que não está à mão um instrumento, além da punição já anunciada pela OEA, para restabelecer a normalidade no país centro-americano.
Calcula-se na diplomacia brasileira que o único caminho que pode conduzir a uma saída seria a realização das eleições presidenciais, marcadas para novembro antes do golpe e mantidas pelo menos verbalmente depois dele.
Dependendo das condições em que se realizar o pleito, seria em tese uma maneira de zerar o quadro institucional, se os organismos internacionais que monitoram eleições na região lhe aplicarem o rótulo de "livre e justa", que é o selo de qualidade exigido internacionalmente.
No momento, o Brasil teme que não haja normalidade suficiente para uma eleição saneadora da anomalia institucional.
Ainda mais que Zelaya não terá representante na disputa, mantido o quadro atual.

Economia
Além da eleição, outro fator que pode modificar o quadro e até dobrar a resistência dos golpistas é o sufoco econômico. Honduras é um dos países mais pobres do subcontinente e pode facilmente ser asfixiado por sanções econômicas. Especialmente se a Venezuela deixar de enviar o petróleo subsidiado.
Nos primeiros momentos do golpe, o presidente Hugo Chávez mostrou-se muito agitado. Chegou a telefonar para seus amigos no governo Lula, pedindo que este comparecesse à reunião em Manágua da Alba (Alternativa Boliviariana para as Américas) em que se discutiria o golpe.
Lula não podia ir porque era o convidado de honra da cúpula da União Africana na Líbia. Mesmo que pudesse, dificilmente iria porque está empenhado em não criar problema algum para Obama, o que poderia acontecer em Manágua devido à retórica incendiária dos presidentes da Alba.
Depois, Chávez parece ter se controlado mais e deixado que a OEA se tornasse o eixo em torno do qual giram as gestões sobre a crise. O governo brasileiro também atua via OEA, tanto que foi em um avião da FAB que o secretário-geral José Miguel Insulza viajou a Tegucigalpa.
Fracassada sua missão, o eixo terá de ser recomposto.

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