sexta-feira, 13 de março de 2009

Entrevista com Sociólogo Atilio Boron

Entrevista publicada na folha de São Paulo com o sociólogo Atilio Boron, que retrata alguns pontos de sua recente visita à Fidel Castro.

Fidel teme guinada direitista na região, diz sociólogo

O argentino Atilio Boron, que esteve com cubano, diz que ele crê que crise pode reverter ganho social e não espera muito de Obama

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Fidel Castro, 82, escreveu que o sociólogo argentino Atilio Boron é autor de uma "pequena Bíblia" sobre a crise econômica mundial e alguém com quem "vale a pena reunir-se". Foi por isso que o ex-ditador chamou o marxista a sua casa em Havana, em 7 de março, em uma deferência que o convalescente em geral só destina aos presidentes que visitam a ilha.
Na qualidade de estudioso de esquerda que mais perto chegou de Fidel recentemente, ele transmite as preocupações dele: o cubano teme que a crise econômica transforme a conjuntura da América Latina, provocando a direitização dos governos de centro-esquerda que se aproximaram como nunca do regime.
Quanto à demissão, sob acusações de "ambiciosos", do ex-chanceler cubano Felipe Pérez Roque e do ex-"premiê" Carlos Lage, Boron foi menos detalhista: apenas assegurou que na visão de Fidel eles não "traíram" o governo cubano. O argentino disse que o ex-ditador está bem de saúde e se exercita regularmente.

FOLHA - Fidel endossou sua análise da crise econômica e vocês conversaram sobre o efeitos políticos dela. O que ele teme?
ATILIO BORON - Ele está imensamente preocupado porque teme que os governos de centro-esquerda ou esquerda comecem a ceder posições e isso implique um novo descolamento do pêndulo político para posições mais de centro, mais de direita. Tomemos o caso chileno: o fato de a Concertação ter escolhido como sucessor Eduardo Frei [do Partido Democrata Cristão, centrista] e de que a direita tenha um candidato como Sebastián Piñera está mostrando que o próximo governo não vai ser da mesma orientação [da socialista Michelle Bachelet]. Em geral, há muito temor de que se imponham candidaturas que são de direita em países que vão ter eleições em breve. No Uruguai, Danilo Astoria [ministro da Fazenda] é à direita do governo Tabaré Vázquez. Na Argentina, os candidatos que estão se moldando no próprio peronismo são versões que estão à direita da presidente Cristina. Mesmo no Brasil o panorama parece complicado.

FOLHA - Vocês falaram da aliada principal da ilha, a Venezuela?
BORON - Ele não falou diretamente do caso da Venezuela. Mas, sem dúvida, ele sabe tanto quanto eu ou você que essa crise vai ter um impacto grande em todos os países. A oposição venezuelana pode capitalizar isso. Até agora não tem sido assim, mas um dado preocupante é que a direita, no último referendo venezuelano, conseguiu um pouco mais 5 milhões de votos. Esses 5 milhões pertencem a candidaturas que dificilmente se juntariam, mas são cinco milhões de votos... Sintetizaria a preocupação dizendo que, na época de bonança econômica, esses governos de centro-esquerda não introduziram as reformas de fundo que teriam de ter feito para garantir que certas conquistas sociais e trabalhistas não possam ser revisadas ou abolidas por governos que possam vir.

FOLHA - O sr. faz referência a programas de transferência de renda e a "missões" na Venezuela?
BORON - Claro. Num contexto de economia internacional tão desfavorável, é compreensível a preocupação de Fidel.

FOLHA - O que ele comentou sobre a saída de Carlos Lage e Felipe Pérez Roque?
BORON - Foi ele quem puxou o tema. Ele defendeu um pouco o que estava em seu texto. Havia ocorrido alguns erros na execução de políticas, parece que neste ponto ele estava se referindo a projetos sobretudo econômicos. Disse que havia surgido ambição em algumas pessoas, certo personalismo, que punha em risco a obra da revolução num momento delicado.

FOLHA - Ele sugeriu contato deles com "o inimigo externo", algum aceno não-autorizado aos EUA?
BORON - Não. O que disse é que certos erros ou certos vícios poderiam objetivamente favorecer os planos dos inimigos, mas não falou que houve traição.

FOLHA - Que sentido ele deu para as mudanças, os expurgos deles?
BORON - Ele foi muito claro em dizer: "Quem governa hoje é meu irmão". Falou: "Por que apareci para fazer essa reflexão [o texto em que atacou Lage e Pérez Roque]? Para evitar um debate estéril entre gente que dizia que havia fidelistas e raulistas. Não há nada desse tipo". Não falaria expurgo, seria um absurdo. Chama atenção essa acusação. Se isso se deu, algum tipo de problema concreto deve ter havido e seguramente vamos conhecê-lo nas próximas semanas. Isso não foi capricho.

FOLHA - Fidel espera algo de Barack Obama?
BORON - Creio que sim. Mas o que disse é que é preciso esperar para ver qual vai ser a iniciativa de Obama. Disse uma frase: que Obama muito em breve vai se dar conta de que uma coisa é a Presidência, outra é o império. E que as leis do império vão fazer enorme pressão sobre ele.

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