Relatório da ONU acusa Israel de ter usado criança como escudo em Gaza
O Estado de São Paulo
24/03/2009
The Guardian e Reuters
Investigação e vídeos denunciam ataques a médicos e bombardeios contra civis; Exército israelense nega acusações
As provas reunidas por investigadores sobre supostos crimes de guerra cometidos por Israel durante os 23 dias da ofensiva contra Gaza, encerrada em janeiro, envolvem o emprego de crianças palestinas como escudos humanos, ataques contra médicos e hospitais e disparos indiscriminados feitos contra civis por aeronaves não tripuladas. A conclusão de uma comissão das Nações Unidas, composta de nove membros, é a de que o Exército de Israel incorreu em uma longa lista de violações.
Três vídeos feitos pelo jornal britânico The Guardian, após um mês de investigações, engrossam o coro dos que pedem uma investigação mais completa dos eventos que envolveram a Operação Chumbo Grosso, dirigida contra o Hamas - que deixou, segundo a ONU, 1.440 palestinos mortos, incluindo 431 crianças e 114 mulheres.
O Exército israelense rejeita as acusações e insiste que a legislação internacional foi respeitada. Militares de Israel admitem "incidentes" que custaram a vida de civis palestinos, mas asseguram que as mortes não foram parte de uma campanha sistemática.
"Se querem saber se eu acho que (ao invadir Gaza) matamos inocentes, a resposta é, sem dúvida, ?sim?", disse o brigadeiro da reserva Tzvika Fogel, acrescentando, porém, que esses casos foram excepcionais. Na semana passada, o Exército israelense anunciou que investigaria a ação de seus soldados.
''AMEAÇA TERRORISTA''
O relatório para o Conselho de Direitos Humanos da ONU foi também duramente criticado pelo embaixador israelense Aharon Leshno Yar. Para ele, o documento de 43 páginas "obedece ao padrão" de demonizar Israel. "Ele (o relatório) subestima o terrorismo e outras ameaças que enfrentamos, além do uso, pelo Hamas, de mulheres e crianças como escudos humanos."
O embaixador lembrou que, no domingo, um carro-bomba foi desativado pelos soldados israelenses nas proximidades de um grande shopping center na cidade israelense de Haifa, evitando o que poderia ser um dos mais mortíferos atentados contra Israel nos últimos anos.
A ONU recebeu, também ontem, outro relatório - feito pelo acadêmico americano e professor de direito em Princeton Richard Falk - que mostrou resultados parecidos com o da comissão das Nações Unidas. O Departamento de Estado dos EUA, no entanto, classificou o relatório de Falk como "parcial".
A investigação do Guardian apurou os fatos citados nos depoimentos de soldados publicados pela imprensa israelense a respeito do assassinato de civis palestinos e queixas feitas por testemunhas de que as regras do combate implicaram num descaso excessivo.
A Anistia Internacional, que critica a força excessiva de Israel, disse que o Hamas também deveria ser investigado por executar pelo menos duas dúzias de palestinos num aparente acerto de contas com rivais e supostos colaboracionistas enquanto a Operação Chumbo Grosso estava em curso.
RESPOSTA DESPROPORCIONAL
Grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que a grande maioria das violações foi cometida por Israel, e definiram a ofensiva em Gaza como uma resposta desproporcional aos ataques com foguetes do Hamas contra território israelense. Desde 2002, 21 israelenses foram mortos pelos foguetes disparados da Faixa de Gaza.
"Somente uma investigação com o aval do Conselho de Segurança da ONU poderia garantir a cooperação de Israel. Trata-se da única instituição capaz de garantir algum tipo de responsabilidade legal", disse Donatella Rovera, da Anistia Internacional, que passou duas semanas em Gaza investigando as denúncias de crimes de guerra. "Na ausência disso, a mensagem permanece a mesma: ?Não há problema em cometer atrocidades, não haverá consequências reais?."
ACUSAÇÕES
Menino é usado como escudo humano (Testemunho à investigação da ONU): Exército israelense teria usado um garoto de 11 anos como escudo humano durante a ofensiva de 22 dias contra o grupo militante islâmico Hamas na Faixa de Gaza. De acordo com especialistas de direitos humanos da ONU, que compilaram um relatório de 43 páginas sobre violações durante a ofensiva, o Exército de Israel teria ordenado ao menino que andasse na frente de soldados que eram alvo de combatentes no bairro de Tel al-Hawa. O menino também teria recebido ordens de entrar em prédios antes dos soldados israelenses, além de ter recebido instruções para abrir malas e sacolas de palestinos - presumivelmente para proteger os militares de possíveis explosivos. Depois de realizar as tarefas para o Exército de Israel, o garoto teria sido liberado na entrada de um hospital. Integrantes da ONU afirmaram que também receberam denúncias de que o Hamas teria utilizado escudos humanos. O governo israelense qualificou o relatório da ONU de "incapaz e relutante" em tratar dos ataques de foguete do Hamas contra Israel e da ameaça de terrorismo.
Ataque a equipes médicas pelo Exército israelense (Relatório de entidade do setor): A organização Médicos pelos Direitos Humanos de Israel (PHR) afirmou que militares israelenses violaram os códigos de ética médica durante a ofensiva contra o Hamas em Gaza, entre 27 de dezembro e 18 de janeiro. Dados da Organização Mundial da Saúde, citados no relatório do PHR, indicam que 16 palestinos de equipes médicas morreram durante os ataques na região, enquanto outros 25 ficaram feridos. A entidade afirmou, ainda, que Israel atacou 34 instalações médicas, incluindo 8 hospitais. Segundo o PHR, o Exército não retirou do território famílias em risco e não permitiu que equipes médicas palestinas se aproximassem dos feridos. A organização também acusou o Exército israelense de deixar civis palestinos sem comida e água por "períodos consideráveis". Os militares israelenses responderam afirmando que muitas vezes os combatentes do Hamas usam veículos médicos para realizar atentados terroristas.
Ataque contra civis (Testemunho de soldados israelenses): Um atirador de elite do Exército de Israel teria disparado contra uma mulher e seus dois filhos após eles não entenderem a ordem de um outro soldado e seguirem para o caminho errado. Sem saber que as vítimas tinham sido liberadas por outro militar, o atirador abriu fogo contra a família. Uma outra mulher mais idosa teria sido morta só por estar caminhando na rua, sem ficar estabelecido se ela era uma ameaça ou não. De acordo com um soldado, identificado apenas como Aviv, orientações superiores estabeleciam que todas as pessoas que tivessem permanecido em Gaza depois do início da ofensiva israelense deveriam ser consideradas terroristas.
Vandalismo contra propriedades em Gaza (Testemunho de soldados israelenses): Segundo testemunhos de militares envolvidos na ofensiva, havia um sentimento geral entre os soldados de que em Gaza tudo era permitido. "(Os militares) escreviam ?morte aos árabes? nas paredes, pegavam fotos de famílias e cuspiam nelas só porque podiam", afirmou um dos soldados. As declarações não foram comentadas pelo Exército de Israel.
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