quinta-feira, 5 de março de 2009

Sudão e o TPI

Folha de São Paulo de 5 de março de 2009

Tribunal manda prender ditador do Sudão
Primeiro mandado do Tribunal Penal Internacional contra um chefe de Estado em exercício tem forte impacto político

Omar al Bashir é acusado de 7 crimes de guerra e contra a humanidade no conflito de Darfur; corte rejeita, porém, acusação de "genocídio"



O Tribunal Penal Internacional (TPI) expediu ontem um mandado de prisão contra o ditador do Sudão, Omar Hassan al Bashir, o primeiro contra um chefe de Estado ainda em exercício desde a sua criação, em 2002. A detenção de Bashir havia sido pedida pelo procurador do TPI, Luis Moreno-Ocampo, em julho do ano passado.
O ditador sudanês é acusado de sete crimes de guerra (ataque a civis e pilhagem) e contra a humanidade (homicídio, extermínio, deslocamento forçado, tortura e estupro) no conflito na região de Darfur. Desde 2003, até 300 mil pessoas morreram e outras 2,7 milhões foram deslocadas devido à disputa, segundo estimativa da ONU.
O painel de três juízes que expediu o mandado de prisão não acolheu, porém, a acusação de prática de genocídio por Bashir apresentada por Ocampo no pedido de prisão. Por dois votos a um, o painel argumentou não haver indícios suficientes da intenção de extermínio de uma parte ou de todo um grupo populacional específico.
O TPI, sediado em Haia (Holanda), foi criado em 2002 para investigar indivíduos acusados de crimes de guerra e contra a humanidade. O Estatuto de Roma, documento no qual se funda, já foi ratificado por 108 países, entre eles o Brasil. EUA, Rússia, China e o próprio Sudão, porém, não o assinaram.
A investigação contra Bashir no TPI foi aberta em 2005 a pedido do Conselho de Segurança da ONU, ao qual é permitido também suspender um processo em andamento. Além do CS, só Estados-membros podem pedir a abertura de investigações. Se julgado, Bashir poderá pegar prisão perpétua.
Segundo o Estatuto de Roma, o Sudão fica obrigado a entregar o seu presidente -o que Cartum já disse que não fará por não reconhecer o TPI. Os países signatários do documento também são obrigados a deter Bashir caso ele ingresse em seu território ou espaço aéreo.
A corte anunciou que pedirá também a cooperação de todos os membros da ONU não-signatários do estatuto. Mas países árabes e africanos, inclusive signatários, já anunciaram que não cumprirão a ordem, e países temerosos com a abertura de um precedente jurídico expressaram reservas.
Atualmente, o procurador Ocampo examina se vai considerar um pedido da ANP (Autoridade Nacional Palestina) para abrir investigação contra dirigentes israelenses por supostos crimes de guerra na recente ofensiva contra Gaza.

Reação e expulsão
A decisão do TPI foi de pronto rechaçada pelo governo do Sudão, que anunciou a participação de Bashir em um encontro da Liga Árabe no Qatar, no final de março. Para Cartum, o mandado de prisão é uma conspiração de países ocidentais.
"É uma decisão falha. Não a reconhecemos", disse o porta-voz do governo. Após o anúncio, centenas de pessoas dirigiram-se ao centro da capital em defesa do presidente.
O governo anunciou ainda a expulsão de seis agências de ajuda humanitária, incluindo a ONG Médicos Sem Fronteiras. Mas garantiu segurança para as tropas de manutenção de paz da ONU em Darfur (menos da metade dos 31 mil soldados inicialmente previstos).
O general Omar Hassan al Bashir, 65, chegou ao poder num golpe em 1989. Nos anos 90, flertou com o radicalismo islâmico e chegou a abrigar Osama bin Laden, expulso após pressões internacionais.
Embora o mandado de prisão seja o primeiro contra um presidente no cargo pelo TPI, decisões similares foram tomadas por outras cortes. Foram os casos do sérvio Slobodan Milosevic, no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, e do liberiano Charles Taylor, no Tribunal Especial para Serra Leoa, em parceria com a ONU.
No TPI, o único julgamento já iniciado é o de Thomas Lubanga, um líder rebelde da República Democrática do Congo. Há ainda mandados de prisão expedidos contra dois outros membros do governo sudanês.

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