Notícia do site da Folha de São Paulo sobre a crise econômica.
da Folha Online
A GM (General Motors) faz neste domingo (31) os últimos ajustes para anunciar o pedido de concordata, provavelmente amanhã. Hoje, foi anunciado que 54% dos dos credores aceitaram trocar US$ 27 bilhões de seus débitos por 10% da "nova GM", que surgirá após a reestruturação empresa --eles têm autorização para comprar mais 15% depois.
Segundo o jornal "The Wall Street Journal", o pedido de concordata será feito na manhã desta segunda-feira (1º), no tribunal de falências de Nova York. O executivo Al Koch, um especialista nesse tipo de assunto, será nomeado como chefe do processo de restruturação, diz o jornal. A empresa convocou a imprensa para uma entrevista coletiva nesse dia, mas não revelou os motivos.
O "WSJ" afirma que, inicialmente, o acordo com os credores era visto como uma forma de evitar o pedido de proteção ao "Capítulo 11" da Lei de Falências americana --o equivalente à concordata (ou recuperação judicial, no Brasil). Entretanto, agora a posição dos credores é importante para que a montadora saia rápido desse processo de recuperação.
Também nesta segunda-feira, é esperado que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, faça um anúncio sobre os planos do governo para a GM. A mensagem será a de que o governo pode salvar a GM e a Chrysler, que já aderiu ao "Capítulo 11", e recuperar os investimentos dos contribuintes.
A GM ainda corre para cumprir o prazo de apresentar o plano para reorganização nesta segunda-feira. A empresa já recebeu cerca de US$ 20 bilhões em empréstimos do governo e pode receber mais US$ 30 milhões caso declare a concordata, que deve durar entre 60 e 90 dias. Entretanto, segundo o "WSJ", deve demorar cerca de 18 meses até que a GM se torne uma companhia aberta novamente.
No processo de reestruturação, a empresa já anunciou o fechamento de fábricas, demissão de funcionários, venda de marcas e acordos para reorganizar seus mercados.
Por enquanto, o Tesouro dos EUA permanece como principal detentor da futura companhia, com 72,5% de participação acionária, seguido pelo sindicato UAW (United Auto Workers), com 17,5% dos títulos.
A montadora deu um grande passo nesta sexta-feira (29) quando a United Auto Workers aceitou a proposta de redução de custos. Além disso, o governo da Alemanha fechou acordo e a fabricante canadense de autopeças Magna vai assumir o controle da Opel, subsidiária alemã da GM.
O acordo visa proteger a Opel de cobranças caso a americana GM peça proteção ao "Capítulo 11" da Lei de Falências americana.
Com Associated Press
domingo, 31 de maio de 2009
Voto dissiente de Cançado Trindade em Haia
http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=5e&case=144&code=bs&p3=3
Voto dissidente de Cançado Trindade na Corte de Haia enviado pela Profa Deisy Ventura
Voto dissidente de Cançado Trindade na Corte de Haia enviado pela Profa Deisy Ventura
Centenário de Isaiah Berlin
http://tinyurl.com/cartasdeisaiah e o site berlin.wolf.ox.ac.uk Com esses endereços, podemos ter acesso ao pensamento político de I. Berlin no transcurso do centenário de seu nascimento (1909 -1997)
sábado, 30 de maio de 2009
O Brasil e a questão dos armamentos
Resistência do Brasil a tratado antibombas de dispersão é criticada
Organizações humanitárias lançam campanha para pressionar não signatários a mudar de posição
Folha de São Paulo de 30 de maio de 2009
A recusa do Brasil em aderir ao tratado que proíbe o uso e a produção de bombas de dispersão voltou a ser alvo de duras críticas. Ontem em Genebra, organizações humanitárias lançaram uma campanha para pressionar o Brasil e outros países a mudar de posição.
Segundo relatório apresentado pelos ativistas, mais da metade dos 34 países que fabricavam esse tipo de armamento abandonou a produção. O Brasil está entre os que continuam a produzir "em certa medida" o artefato, capaz de espalhar milhares de bombas menores, que acabam funcionando como minas terrestres. Noventa e seis países já assinaram o tratado desde que ele foi apresentado, em dezembro de 2008.
Na opinião de Steve Goose, diretor-executivo da divisão de armas da HRW, o interesse econômico é só um dos motivos para a relutância do Brasil em aderir. "O Brasil já alegou motivos econômicos, pois tem uma indústria vibrante, mas o mercado de exportação secou. A maior parte do mundo assinou o acordo", disse. "Por isso, acho que há razões políticas, como a de ficar em pé de igualdade com potências militares, como EUA, China e Índia."
O argumento do Itamaraty para ficar fora do tratado é que o âmbito mais adequado para a discussão sobre as bombas é o da Convenção sobre Certas Armas Convencionais, da ONU.
O Brasil afirma ainda que o acordo é discriminatório, pois deixa uma brecha para um tipo de munição de dispersão que só países desenvolvidos têm capacidade de produzir. Outro argumento é militar: as Forças Armadas brasileiras consideram que as bombas são um importante fator de dissuasão.
Para Cristian Wittmann, da Campanha Brasileira Contra as Minas Terrestres e Munições Cluster (termo em inglês do artefato), nenhum dos argumentos é convincente, já que a produção é mínima, o uso militar é limitado, e a condenação mundial é crescente.
O cambojano Tun Channareth, que perdeu as pernas em explosões de minas na fronteira de seu país com a Tailândia, é um dos "embaixadores" da campanha contra as armas de dispersão. "Há duas guerras: uma é barulhenta e coletiva. A outra é silenciosa e individual, e ocorre depois que os combates terminam, mas as minas e os "clusters" permanecem", disse
Organizações humanitárias lançam campanha para pressionar não signatários a mudar de posição
Folha de São Paulo de 30 de maio de 2009
A recusa do Brasil em aderir ao tratado que proíbe o uso e a produção de bombas de dispersão voltou a ser alvo de duras críticas. Ontem em Genebra, organizações humanitárias lançaram uma campanha para pressionar o Brasil e outros países a mudar de posição.
Segundo relatório apresentado pelos ativistas, mais da metade dos 34 países que fabricavam esse tipo de armamento abandonou a produção. O Brasil está entre os que continuam a produzir "em certa medida" o artefato, capaz de espalhar milhares de bombas menores, que acabam funcionando como minas terrestres. Noventa e seis países já assinaram o tratado desde que ele foi apresentado, em dezembro de 2008.
Na opinião de Steve Goose, diretor-executivo da divisão de armas da HRW, o interesse econômico é só um dos motivos para a relutância do Brasil em aderir. "O Brasil já alegou motivos econômicos, pois tem uma indústria vibrante, mas o mercado de exportação secou. A maior parte do mundo assinou o acordo", disse. "Por isso, acho que há razões políticas, como a de ficar em pé de igualdade com potências militares, como EUA, China e Índia."
O argumento do Itamaraty para ficar fora do tratado é que o âmbito mais adequado para a discussão sobre as bombas é o da Convenção sobre Certas Armas Convencionais, da ONU.
O Brasil afirma ainda que o acordo é discriminatório, pois deixa uma brecha para um tipo de munição de dispersão que só países desenvolvidos têm capacidade de produzir. Outro argumento é militar: as Forças Armadas brasileiras consideram que as bombas são um importante fator de dissuasão.
Para Cristian Wittmann, da Campanha Brasileira Contra as Minas Terrestres e Munições Cluster (termo em inglês do artefato), nenhum dos argumentos é convincente, já que a produção é mínima, o uso militar é limitado, e a condenação mundial é crescente.
O cambojano Tun Channareth, que perdeu as pernas em explosões de minas na fronteira de seu país com a Tailândia, é um dos "embaixadores" da campanha contra as armas de dispersão. "Há duas guerras: uma é barulhenta e coletiva. A outra é silenciosa e individual, e ocorre depois que os combates terminam, mas as minas e os "clusters" permanecem", disse
quinta-feira, 28 de maio de 2009
O Irã é muito independente e desobediente, ironiza Chomsky
Em entrevista a Kourosh Ziabari, do site Foreign Policy Journal, o acadêmico e ativista americano Noam Chomsky critica a política de dois pesos, duas medidas contra o Estado do Irã e sua política nuclear, demonstrando que, durante o regime do Xá Reza Pahlevi, os EUA defendiam o desenvolvimento de tecnologia nuclear pelo país, na época submetido aos interesses americanos.
Leia abaixo a íntegra da entrevista, traduzida por João Manuel Pinheiro para o site O Diário.info.
Noam Chomsky não precisa de apresentação. De acordo com o The Guardian, trata-se, indiscutivelmente, do catedrático e analista sócio-político mais importante da era contemporânea e está considerado junto a Marx, Shakespeare e a Bíblia, como uma das dez fontes mais citadas das humanidades, e é também o único escritor, entre eles, que ainda está vivo. Em referência ao livro Hegemonia e Sobrevivência de Chomsky, o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, dirigindo-se à Nações Unidas, disse: "Convido-os, com todo o respeito, a quem ainda não tenha lido o livro, a que o façam."
Em resposta à pergunta formulada numa entrevista em 2006 sobre que ações tomaria se fosse presidente, Chomsky respondeu: "Instauraria um Tribunal de Crimes de Guerra para os meus próprios crimes pois caso tivesse assumido essa posição teria que tratar com a estrutura institucional e com a cultura, a cultura intelectual. A cultura deve ser curada".
Nesta entrevista, conversei com o professor Chomsky sobre o Irã, os assuntos nucleares, as relações entre Washington e Teerã e o impacto global dos lobbies sionistas. Um resumo desta conversa foi primeiramente publicado no diário iraniano de língua inglesa "Teheran Times".
Kourosh Ziabari: Professor Chomsky, o senhor tem reiterado em numerosas ocasiões que a maior parte dos países do mundo, incluindo os membros do Movimento dos Países Não Alinhados, apoia o programa nuclear iraniano, no entanto, os neoconservadores dos Estados Unidos continuam a proclamar o seu lema agressivo.
Noam Chomsky: O Movimento dos Países Não Alinhados, mas também a grande maioria dos americanos pensa que o Irã tem o direito de desenvolver energia nuclear. Todavia, quase ninguém nos Estados Unidos tem consciência disso. Isto inclui todos aqueles que são inquiridos e que provavelmente acreditam que são os únicos que pensam assim. Nunca se publica nada sobre este tema. O que aparece constantemente nas mídias é que a comunidade internacional exige que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio. Em quase nenhum meio se explica que a designação "comunidade internacional" é utilizada convencionalmente para se referir a Washington e a quem estiver de acordo, não só sobre este assunto mas em geral.
Kourosh Ziabari: A maioria dos analistas de assuntos internacionais ainda não pôde assimilar o duplo critério nuclear do governo dos Estados Unidos. Apesar de apoiar o arsenal atômico de Israel continua a pressionar o Irã para que suspenda os seus programas nucleares. Quais são as razões? Possui a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) autoridade suficiente para investigar os casos de armamento nuclear em Israel?
Noam Chomsky: O ponto fundamental foi explicado com franqueza por Henry Kissinger. O Washington Post perguntou-lhe por que razão ele agora afirma que o Irã não necessita da energia nuclear e que, por conseguinte, deve estar a trabalhar para construir uma bomba, enquanto em 1970 insistiu que o Irã necessitava de ter energia nuclear e que os Estados Unidos deviam prover o xá com os meios necessários para o conseguir. Foi uma resposta típica à Kissinger. Era um país aliado e, por isso, precisava de energia nuclear. Agora, que já não era um país aliado, não necessitava de energia nuclear. Israel, pelo seu lado, é um país aliado, mais precisamente um estado-cliente. Por isso, herda do amo o direito a fazer o que quer.
A AIEA possui a autoridade, contudo os Estados Unidos nunca permitiriam que a exerça. A nova administração dos Estados Unidos não tem dado provas de nenhuma alteração nesse sentido."
Kourosh Ziabari: Existem quatro estados soberanos que ainda não ratificaram o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e que desenvolvem livremente bombas atômicas. Será o Irã libertado das pressões constantes; deve obter a sua ratificação e abandonar o tratado?
Noam Chomsky: Não, isso só faria aumentar as pressões. Excluindo a Coreia do Norte, todos esses países recebem apoio extensivo dos Estados Unidos. O governo de Reagan, fingia ignorar que o seu aliado Paquistão desenvolvia armas nucleares, para que a ditadura recebesse ajuda massiva dos Estados Unidos. Também os Estados Unidos, aceitaram ajudar a Índia a desenvolver as suas instalações nucleares; Israel é um caso especial.
Kourosh Ziabari: Que prováveis fatores poderiam dificultar a realização de conversações diretas entre o Irã e os Estados Unidos? É maior a influência do lobby judaico do que a dos sistemas empresariais dos Estados Unidos?
Noam Chomsky: O lobby judaico tem alguma influência mas é limitada. Isto foi demonstrado, uma vez mais, no caso do Irã no verão passado, durante a campanha presidencial, quando a influência dos lobbies se encontrava no seu apogeu. O lobby israelita pretendia que o Congresso aprovasse uma legislação que se aproximasse de um ato de bloqueio ao Irã, um ato de guerra. A medida obteve um apoio considerável, mas desapareceu de imediato, provavelmente devido à Casa Branca deixar bem claro, discretamente, que se opunha.
Quanto aos verdadeiros fatores, ainda não temos registros suficientes, de modo que é necessário especular. Sabemos que a grande maioria dos americanos quer ter uma relação normal com o Irã, mas a opinião pública raramente influencia a política. As grandes companhias dos Estados Unidos, incluindo as poderosas empresas de energia, gostariam de explorar os recursos petrolíferos do Irã. Contudo, o Estado insiste no contrário. Suponho que a razão principal, é que o Irã é demasiado independente e desobediente. As grandes potências não toleram aquilo que eles consideram ser parte dos seus domínios e as regiões de maior produção de energia do mundo há muito que são consideradas domínio da aliança anglo-americana, agora com o Reino Unido reduzido a sócio subalterno.
Kourosh Ziabari: Haverá uma transformação táctica ou sistemática na aproximação dos principais meios de comunicação social ao Irã durante a presidência de Obama? Podemos esperar uma redução da propaganda anti-Irã?
Noam Chomsky: Em geral, as mídias aderem ao sistema geral da política de estado embora algumas vezes os programas políticos sejam criticados com fundamentos tácticos. Muito irá depender, portanto, da postura que assuma o governo de Obama.
Kourosh Ziabari : Finalmente, acredita que o presidente dos Estados Unidos deveria seguir a proposta do Irã e pedir desculpa, pelos seus crimes históricos contra o Irã?
Noam Chomsky: Creio que os poderosos sempre devem reconhecer os seus crimes e pedir desculpa às vítimas e ainda reparar os danos causados. Infelizmente, o mundo rege-se maioritariamente pela máxima de Tucidides: os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem como lhes é devido. Lentamente, a pouco e pouco, o mundo, em geral, torna-se mais civilizado. Mas ainda tem muito caminho a percorrer.
O original foi publicado em www.foreignpolicyjournal.com.
O Brasil e os Direitos Humanos no Sri Lanka
São Paulo, quinta-feira, 28 de maio de 2009 Folha de São Paulo
Brasil vota na ONU contra investigação no Sri Lanka
Em uma sessão de emergência que expôs profundas divisões entre seus membros, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou ontem uma resolução sobre o conflito no Sri Lanka que não faz menção explícita aos abusos cometidos e ignora apelos por uma investigação independente.
Sem consenso que pudesse unir as duas propostas em discussão, o texto teve que ir a votação, rachando o conselho. A resolução final foi aprovada com o apoio de 29 países, incluindo o Brasil, contra 12 rejeições e seis abstenções.
A principal crítica de organizações humanitárias é que a resolução não inclui um reconhecimento explícito das graves violações cometidas durante o conflito e da responsabilidade do governo cingalês em levar os culpados à Justiça. Além disso, alegam que a ausência de um mecanismo de acompanhamento enfraquece a eficácia do texto.
Entre 80 mil e 100 mil pessoas foram mortas durante as três décadas de guerra civil no Sri Lanka, que terminou há pouco mais de uma semana, com a morte do líder dos separatistas Tigres Tâmeis. Questionado pela Folha por que seu país não aceita uma investigação independente, o embaixador do Sri Lanka na ONU, Dayan Jayatilleka, citou a história e seus vencedores.
Reconciliação
"Acabamos de sair de três décadas de guerra. O momento é de reconciliação", disse. "Por que ninguém propôs uma investigação das forças aliadas após a Segunda Guerra?"
Na abertura da sessão, a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, defendeu o acesso de "monitores independentes de direitos humanos" para verificar os abusos no país. "Há fortes razões para crer que ambos os lados ignoraram de forma grosseira o princípio fundamental de respeito dos civis", disse Pillay.
Em sua intervenção, o Brasil também lembrou que ações do Exército do Sri Lanka "levantaram preocupações sobre sérias violações de direitos humanos". Ainda assim, decidiu apoiar a proposta do governo cingalês, marcando uma divisão no grupo latino-americano. México e Chile votaram contra, e Argentina se absteve.
Segundo a embaixadora do Brasil na ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo, o momento não é de criticar, mas de dar uma chance para que o governo do Sri Lanka promova a reconciliação e as investigações necessárias.
Brasil vota na ONU contra investigação no Sri Lanka
Em uma sessão de emergência que expôs profundas divisões entre seus membros, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou ontem uma resolução sobre o conflito no Sri Lanka que não faz menção explícita aos abusos cometidos e ignora apelos por uma investigação independente.
Sem consenso que pudesse unir as duas propostas em discussão, o texto teve que ir a votação, rachando o conselho. A resolução final foi aprovada com o apoio de 29 países, incluindo o Brasil, contra 12 rejeições e seis abstenções.
A principal crítica de organizações humanitárias é que a resolução não inclui um reconhecimento explícito das graves violações cometidas durante o conflito e da responsabilidade do governo cingalês em levar os culpados à Justiça. Além disso, alegam que a ausência de um mecanismo de acompanhamento enfraquece a eficácia do texto.
Entre 80 mil e 100 mil pessoas foram mortas durante as três décadas de guerra civil no Sri Lanka, que terminou há pouco mais de uma semana, com a morte do líder dos separatistas Tigres Tâmeis. Questionado pela Folha por que seu país não aceita uma investigação independente, o embaixador do Sri Lanka na ONU, Dayan Jayatilleka, citou a história e seus vencedores.
Reconciliação
"Acabamos de sair de três décadas de guerra. O momento é de reconciliação", disse. "Por que ninguém propôs uma investigação das forças aliadas após a Segunda Guerra?"
Na abertura da sessão, a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, defendeu o acesso de "monitores independentes de direitos humanos" para verificar os abusos no país. "Há fortes razões para crer que ambos os lados ignoraram de forma grosseira o princípio fundamental de respeito dos civis", disse Pillay.
Em sua intervenção, o Brasil também lembrou que ações do Exército do Sri Lanka "levantaram preocupações sobre sérias violações de direitos humanos". Ainda assim, decidiu apoiar a proposta do governo cingalês, marcando uma divisão no grupo latino-americano. México e Chile votaram contra, e Argentina se absteve.
Segundo a embaixadora do Brasil na ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo, o momento não é de criticar, mas de dar uma chance para que o governo do Sri Lanka promova a reconciliação e as investigações necessárias.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
Chico de Oliveira e o estado brasileiro e os rumos do constitucionalismo latino-americano
O jornal Valor Economico de 27 de maio de 2009 publica entrevista do cientista político Chico de Oliveira importante para compreender o Estado brasileiro e os rumos do constitucionalismo latino-americano.
Entrevista: Cientista político eleitor de Lula diz que a disputa de 2010 será esvaziada de política e regionalista"Consenso despolitiza sociedade e coloca Lula à direita de FHC"
Chico de Oliveira: "Lula tenta se legitimar por consensos que passam pela cooptação dos pobres. Bolsa Família não é direito, é dádiva"
Intelectual historicamente identificado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido filiado ao PT até 2003, o professor aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Francisco de Oliveira tornou-se ao longo do atual governo um dos mais cáusticos críticos à esquerda do lulismo. Para este ano, o acadêmico pernambucano de 75 anos, conhecido como Chico de Oliveira, prepara um livro que irá retratar a construção de uma hegemonia às avessas. Ou seja: como um líder popular carismático trabalharia no sentido contrário aos interesses da base que o elegeu.
No ano em que rompeu com o PT, Oliveira desferiu no front literário um dos mais contundentes ataques sofridos por Lula, ao escrever "o Ornitorrinco", um posfácio ao seu livro "Crítica da Razão Dualista", editado pela primeira vez em 1972.
Neste posfácio, Oliveira procurou fazer uma aproximação entre a elite dirigente do PT e a da oposição tucana, que teriam como grande traço de união o controle do acesso a fundos públicos.
Em setembro de 2004, Oliveira participou da criação do P-SOL, formado por dissidentes do PT que discordavam da moderação econômica do governo Lula, particularmente da reforma da previdência. Meses depois, o partido receberia outra maré de adesões de desiludidos com o petismo depois da eclosão do escândalo do mensalão.
Com a eleição de 2006, ocorre um novo afastamento. Oliveira discordou da condução da candidatura presidencial da então senadora Heloísa Helena (AL), sobretudo da decisão da sigla de permanecer neutra no segundo turno da eleição presidencial, e declarou voto pela reeleição de Lula. Chegou a definir a campanha da candidata do P-SOL, calcada nas denúncias contra o governo federal no plano ético, como um "udenismo de esquerda".
No início da crise econômica global, em janeiro deste ano, Oliveira propôs que o governo federal radicalizasse suas políticas de desenvolvimento, sugerindo que se criassem "cinco Embraer por ano", uma maneira de defender a maior participação do Estado na economia. Mas a ausência de mudanças na estratégia governamental ao longo deste ano fez com que o sociólogo voltasse à posição crítica dos últimos tempos.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Valor, Chico de Oliveira demonstra ceticismo em relação a mudanças no quadro político com as eleições presidenciais do próximo ano. Eis a entrevista:
Valor: Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula, já em seu penúltimo ano? O senhor rompeu publicamente com o PT em 2003, mas depois declarou voto pela reeleição de Lula em 2006...
Francisco de Oliveira : A minha declaração de voto em 2006 foi uma atitude política. Lula estava sob ataque de forças opositoras naquele momento e havia a esperança, uma palavra que nem gosto de usar, de que um segundo mandato fosse promotor de mudanças, mas hoje podemos ver que não houve nenhuma mudança e essa chance passou. O governo de Lula, concretamente, não demonstrou nenhum avanço social no plano dos direitos. Do ponto de vista da condução econômica é uma administração medíocre, que pensou que se salvaria da crise global e percebe-se que não tem nenhum domínio da situação. Economicamente o governo Lula é um barco à deriva, que se as ondas forem boas chega a um bom porto, e caso contrário, não.
Valor: Que comparação pode-se fazer com o governo FHC?
Oliveira: Lula está à direita de Fernando Henrique [Cardoso] ao não recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos. O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, mas uma dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política, porque no governo Lula houve uma diminuição do grau de participação popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de 2010 percebe-se como Lula resulta regressivo. Com a força perdida pelo PT e a ausência de alternativas de Lula, uma vez que a doença de sua candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato.
Valor: O senhor acha que o governo está criando um caldo de cultura para o terceiro mandato?
Oliveira: Sim, porque Lula aparece, para os olhos de determinados segmentos do meio político e popular, como o homem providencial. E neste sentido a possibilidade de um terceiro mandato é perigosa. Getúlio [Vargas] ensaiou isso com o queremismo, em 1945. Agora, pode muito bem surgir um queremismo lulista: o povo ir às ruas para pedir a continuidade do governo.
Valor: E o senhor acha que o povo irá às ruas?
Oliveira: Não digo o povo, uma categoria imprecisa, mas o PT e a CUT ainda têm capacidade para promover barulho, e barulho é o que é decisivo em uma questão como essa.
Valor: Porque no campo da esquerda nem o P-SOL, nem outras siglas conseguiram se firmar como alternativas a Lula?
Oliveira: Nada surgiu porque, ao tornar-se um mito popular, Lula tornou-se infuso à política. Ele produz um consenso de forças sociais, que estão todas muito contentes com o governo, e assim torna impossível ao eleitorado fazer escolhas reais. Isto explica porque Heloísa Helena, apesar do apelo popular que teve e tem, não se tornar uma alternativa. Vivemos um consenso conservador, no sentido de não se transformar nada, mesmo com a presença das massas populares neste consenso.
Valor: Ao romper com o PT, o senhor disse que o partido poderia ter o mesmo destino do peronismo, tornando-se uma força política que não consegue ter referências ideológicas e prende-se ao espólio de uma liderança...
Oliveira: Se fiz esta aproximação, foi um equívoco meu. A mídia brasileira por vezes passa uma ideia equivocada do que foi [Juan Domingo] Perón na Argentina. O Perón não despolitizou o país. Sob o vezo do autoritarismo, em seu período se produziu uma ampliação de direitos tal que a tradicional oligarquia argentina jamais se recuperou. No caso de Lula, está ocorrendo exatamente o contrário, a diminuição do espaço da política na sociedade.
Valor: O governo Lula não investiu na inclusão de minorias nos espaços de poder, por meio de políticas de ação afirmativas para negros e mulheres?
Oliveira: Ele tomou os vestígios de um discurso sociológico fajuto para negar o conflito de classes. Veja, com a análise da questão das classes se mata as charadas no Brasil. Quando a gente pensa a sociedade por meio destas clivagens de gênero e raça, não se mata charada nenhuma. O problema do Brasil é de uma grande maioria, virtual totalidade mulata, e não pode ser resolvido por políticas afirmativas étnicas, diferentemente do que ocorre na Bolívia e na Venezuela, onde a chave étnica é decisiva. Para resolver os problemas de exclusão social no Brasil, é preciso enfrentar problemas de classe. A política de cotas só faz reafirmar a exclusão. Qual as chances concretas que um negro com grau universitário obtido graças às cotas ampliação de direitos combatem a discriminação.
Valor: O senhor analisa o governo Lula como o autor de uma guinada conservadora, mas, com instrumentos como a Carta ao Povo Brasileiro, Lula já não se elegeu sob este signo?
Oliveira: Pelo contrário, Lula foi eleito em um processo de força popular crescente de um movimento político, que acumulou energia de eleição em eleição desde os anos 80. Não foi um episódio que se resume à crônica de 2002, foi um processo longo. Lula foi eleito com uma base progressista. Não houve nenhuma chancela do eleitorado para o que ele faria a seguir.
Valor: Além de sua gestão econômica até certo ponto surpreendente, o primeiro mandato de Lula foi marcado pelos escândalos na área ética, dos quais o do mensalão foi o mais emblemático. Por que a ressonância popular destes problemas foi zero?
Oliveira: Há uma tendência popular de nivelar a todos. Historicamente, a questão ética só estigmatiza políticos de estatura menor, como os exemplos recentes de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia. Gostaria que tivesse sido diferente, mas este fator jamais foi decisivo em eleições brasileiras e não será na próxima.
Valor: Qual o balanço que o senhor faz da oposição brasileira nestes últimos sete anos?
Oliveira: Que crítica a oposição pode fazer ao governo Lula? Objetivamente nenhuma. Os governadores José Serra e Aécio Neves estão do mesmo lado. Em termos concretos, já há tempos a oposição deixou de existir. Isto porque a política no Brasil perdeu a capacidade decisória.
Valor: Que diferenças o senhor identifica entre Serra e Aécio?
Oliveira: Rejeito ambos por motivos diferentes. Aécio parece mais um político superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi uma opinião dele que impressionasse. Serra é uma surpresa. Faz um governo gerencial e até reacionário, ao lidar com o funcionalismo e com a universidade pública. É um político que gradualmente se converteu, quando vemos o passado dele e o local onde atua agora. É o grande líder conservador.
Valor: Sob que signo será disputada a eleição presidencial do próximo ano?
Oliveira: A eleição de 2010 será despolitizada e regionalista. Vejo agora a articulação entre São Paulo e Minas. Antes era o café com leite, hoje talvez seja o café com leite de um lado, a cana e a indústria do outro... a eleição caminha para ser uma disputa entre a confluência de São Paulo com Minas em contraposição à confluência do Nordeste e do Norte. É uma disputa que se dá em termos regionais, sem nenhum ponto político, nenhuma discussão de concepção propriamente política. Ao criar um consenso, Lula foi fortemente despolitizador. É uma dinâmica diferente do tempo de Fernando Henrique. Fernando Henrique buscou subjugar as forças contrárias, Lula as desmobiliza.
Valor: E que papel jogam atualmente os movimentos sociais?
Oliveira: Os movimentos sociais estão apagados, porque tratam-se em sua maioria de articulações em torno de objetivos pontuais, o que tornam limitadas as possibilidades de crescimento. O mais importante deles, que é o MST, busca saídas para a sobrevivência.
Valor: Esta desmobilização política não é um fenômeno global?
Oliveira: Ela é um fenômeno mundial. A França elegeu [Nicolas] Sarkozy, um direitista que se disfarça. Nos Estados Unidos, temos [Barack] Obama, que está recuando de suas posições iniciais. Na Alemanha, Ângela Merkel faz uma conciliação que junta sociais democratas e conservadores. E na Rússia, há um florescer do autocratismo. Todo mundo está convergindo para um ponto médio, que é uma espécie de anulação das posições. Mas no Brasil é mais grave, porque aqui a desigualdade é muito maior.
Entrevista: Cientista político eleitor de Lula diz que a disputa de 2010 será esvaziada de política e regionalista"Consenso despolitiza sociedade e coloca Lula à direita de FHC"
Chico de Oliveira: "Lula tenta se legitimar por consensos que passam pela cooptação dos pobres. Bolsa Família não é direito, é dádiva"
Intelectual historicamente identificado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido filiado ao PT até 2003, o professor aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Francisco de Oliveira tornou-se ao longo do atual governo um dos mais cáusticos críticos à esquerda do lulismo. Para este ano, o acadêmico pernambucano de 75 anos, conhecido como Chico de Oliveira, prepara um livro que irá retratar a construção de uma hegemonia às avessas. Ou seja: como um líder popular carismático trabalharia no sentido contrário aos interesses da base que o elegeu.
No ano em que rompeu com o PT, Oliveira desferiu no front literário um dos mais contundentes ataques sofridos por Lula, ao escrever "o Ornitorrinco", um posfácio ao seu livro "Crítica da Razão Dualista", editado pela primeira vez em 1972.
Neste posfácio, Oliveira procurou fazer uma aproximação entre a elite dirigente do PT e a da oposição tucana, que teriam como grande traço de união o controle do acesso a fundos públicos.
Em setembro de 2004, Oliveira participou da criação do P-SOL, formado por dissidentes do PT que discordavam da moderação econômica do governo Lula, particularmente da reforma da previdência. Meses depois, o partido receberia outra maré de adesões de desiludidos com o petismo depois da eclosão do escândalo do mensalão.
Com a eleição de 2006, ocorre um novo afastamento. Oliveira discordou da condução da candidatura presidencial da então senadora Heloísa Helena (AL), sobretudo da decisão da sigla de permanecer neutra no segundo turno da eleição presidencial, e declarou voto pela reeleição de Lula. Chegou a definir a campanha da candidata do P-SOL, calcada nas denúncias contra o governo federal no plano ético, como um "udenismo de esquerda".
No início da crise econômica global, em janeiro deste ano, Oliveira propôs que o governo federal radicalizasse suas políticas de desenvolvimento, sugerindo que se criassem "cinco Embraer por ano", uma maneira de defender a maior participação do Estado na economia. Mas a ausência de mudanças na estratégia governamental ao longo deste ano fez com que o sociólogo voltasse à posição crítica dos últimos tempos.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Valor, Chico de Oliveira demonstra ceticismo em relação a mudanças no quadro político com as eleições presidenciais do próximo ano. Eis a entrevista:
Valor: Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula, já em seu penúltimo ano? O senhor rompeu publicamente com o PT em 2003, mas depois declarou voto pela reeleição de Lula em 2006...
Francisco de Oliveira : A minha declaração de voto em 2006 foi uma atitude política. Lula estava sob ataque de forças opositoras naquele momento e havia a esperança, uma palavra que nem gosto de usar, de que um segundo mandato fosse promotor de mudanças, mas hoje podemos ver que não houve nenhuma mudança e essa chance passou. O governo de Lula, concretamente, não demonstrou nenhum avanço social no plano dos direitos. Do ponto de vista da condução econômica é uma administração medíocre, que pensou que se salvaria da crise global e percebe-se que não tem nenhum domínio da situação. Economicamente o governo Lula é um barco à deriva, que se as ondas forem boas chega a um bom porto, e caso contrário, não.
Valor: Que comparação pode-se fazer com o governo FHC?
Oliveira: Lula está à direita de Fernando Henrique [Cardoso] ao não recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos. O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, mas uma dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política, porque no governo Lula houve uma diminuição do grau de participação popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de 2010 percebe-se como Lula resulta regressivo. Com a força perdida pelo PT e a ausência de alternativas de Lula, uma vez que a doença de sua candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato.
Valor: O senhor acha que o governo está criando um caldo de cultura para o terceiro mandato?
Oliveira: Sim, porque Lula aparece, para os olhos de determinados segmentos do meio político e popular, como o homem providencial. E neste sentido a possibilidade de um terceiro mandato é perigosa. Getúlio [Vargas] ensaiou isso com o queremismo, em 1945. Agora, pode muito bem surgir um queremismo lulista: o povo ir às ruas para pedir a continuidade do governo.
Valor: E o senhor acha que o povo irá às ruas?
Oliveira: Não digo o povo, uma categoria imprecisa, mas o PT e a CUT ainda têm capacidade para promover barulho, e barulho é o que é decisivo em uma questão como essa.
Valor: Porque no campo da esquerda nem o P-SOL, nem outras siglas conseguiram se firmar como alternativas a Lula?
Oliveira: Nada surgiu porque, ao tornar-se um mito popular, Lula tornou-se infuso à política. Ele produz um consenso de forças sociais, que estão todas muito contentes com o governo, e assim torna impossível ao eleitorado fazer escolhas reais. Isto explica porque Heloísa Helena, apesar do apelo popular que teve e tem, não se tornar uma alternativa. Vivemos um consenso conservador, no sentido de não se transformar nada, mesmo com a presença das massas populares neste consenso.
Valor: Ao romper com o PT, o senhor disse que o partido poderia ter o mesmo destino do peronismo, tornando-se uma força política que não consegue ter referências ideológicas e prende-se ao espólio de uma liderança...
Oliveira: Se fiz esta aproximação, foi um equívoco meu. A mídia brasileira por vezes passa uma ideia equivocada do que foi [Juan Domingo] Perón na Argentina. O Perón não despolitizou o país. Sob o vezo do autoritarismo, em seu período se produziu uma ampliação de direitos tal que a tradicional oligarquia argentina jamais se recuperou. No caso de Lula, está ocorrendo exatamente o contrário, a diminuição do espaço da política na sociedade.
Valor: O governo Lula não investiu na inclusão de minorias nos espaços de poder, por meio de políticas de ação afirmativas para negros e mulheres?
Oliveira: Ele tomou os vestígios de um discurso sociológico fajuto para negar o conflito de classes. Veja, com a análise da questão das classes se mata as charadas no Brasil. Quando a gente pensa a sociedade por meio destas clivagens de gênero e raça, não se mata charada nenhuma. O problema do Brasil é de uma grande maioria, virtual totalidade mulata, e não pode ser resolvido por políticas afirmativas étnicas, diferentemente do que ocorre na Bolívia e na Venezuela, onde a chave étnica é decisiva. Para resolver os problemas de exclusão social no Brasil, é preciso enfrentar problemas de classe. A política de cotas só faz reafirmar a exclusão. Qual as chances concretas que um negro com grau universitário obtido graças às cotas ampliação de direitos combatem a discriminação.
Valor: O senhor analisa o governo Lula como o autor de uma guinada conservadora, mas, com instrumentos como a Carta ao Povo Brasileiro, Lula já não se elegeu sob este signo?
Oliveira: Pelo contrário, Lula foi eleito em um processo de força popular crescente de um movimento político, que acumulou energia de eleição em eleição desde os anos 80. Não foi um episódio que se resume à crônica de 2002, foi um processo longo. Lula foi eleito com uma base progressista. Não houve nenhuma chancela do eleitorado para o que ele faria a seguir.
Valor: Além de sua gestão econômica até certo ponto surpreendente, o primeiro mandato de Lula foi marcado pelos escândalos na área ética, dos quais o do mensalão foi o mais emblemático. Por que a ressonância popular destes problemas foi zero?
Oliveira: Há uma tendência popular de nivelar a todos. Historicamente, a questão ética só estigmatiza políticos de estatura menor, como os exemplos recentes de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia. Gostaria que tivesse sido diferente, mas este fator jamais foi decisivo em eleições brasileiras e não será na próxima.
Valor: Qual o balanço que o senhor faz da oposição brasileira nestes últimos sete anos?
Oliveira: Que crítica a oposição pode fazer ao governo Lula? Objetivamente nenhuma. Os governadores José Serra e Aécio Neves estão do mesmo lado. Em termos concretos, já há tempos a oposição deixou de existir. Isto porque a política no Brasil perdeu a capacidade decisória.
Valor: Que diferenças o senhor identifica entre Serra e Aécio?
Oliveira: Rejeito ambos por motivos diferentes. Aécio parece mais um político superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi uma opinião dele que impressionasse. Serra é uma surpresa. Faz um governo gerencial e até reacionário, ao lidar com o funcionalismo e com a universidade pública. É um político que gradualmente se converteu, quando vemos o passado dele e o local onde atua agora. É o grande líder conservador.
Valor: Sob que signo será disputada a eleição presidencial do próximo ano?
Oliveira: A eleição de 2010 será despolitizada e regionalista. Vejo agora a articulação entre São Paulo e Minas. Antes era o café com leite, hoje talvez seja o café com leite de um lado, a cana e a indústria do outro... a eleição caminha para ser uma disputa entre a confluência de São Paulo com Minas em contraposição à confluência do Nordeste e do Norte. É uma disputa que se dá em termos regionais, sem nenhum ponto político, nenhuma discussão de concepção propriamente política. Ao criar um consenso, Lula foi fortemente despolitizador. É uma dinâmica diferente do tempo de Fernando Henrique. Fernando Henrique buscou subjugar as forças contrárias, Lula as desmobiliza.
Valor: E que papel jogam atualmente os movimentos sociais?
Oliveira: Os movimentos sociais estão apagados, porque tratam-se em sua maioria de articulações em torno de objetivos pontuais, o que tornam limitadas as possibilidades de crescimento. O mais importante deles, que é o MST, busca saídas para a sobrevivência.
Valor: Esta desmobilização política não é um fenômeno global?
Oliveira: Ela é um fenômeno mundial. A França elegeu [Nicolas] Sarkozy, um direitista que se disfarça. Nos Estados Unidos, temos [Barack] Obama, que está recuando de suas posições iniciais. Na Alemanha, Ângela Merkel faz uma conciliação que junta sociais democratas e conservadores. E na Rússia, há um florescer do autocratismo. Todo mundo está convergindo para um ponto médio, que é uma espécie de anulação das posições. Mas no Brasil é mais grave, porque aqui a desigualdade é muito maior.
terça-feira, 26 de maio de 2009
O estado de exceção nosso de cada dia, ou : Socorro, o Dona Marta está sitiado!
Notícia proveniente do site de notícias BBC Brasil
Barreiras de concreto 'fecham pobres em guetos' no Rio, diz 'Times'
Muro em construção no morro Dona Marta
Muros aumentam divisão social na cidade, segundo o jornal
Os muros em construção pelo governo ao redor das favelas nos morros do Rio de Janeiro estão dividindo ainda mais uma cidade já separada entre ricos e pobres, afirma reportagem publicada nesta terça-feira pelo diário britânico The Times.
O jornal observa que os críticos do projeto dizem que as barreiras de concreto, de até três metros de altura, transformarão as favelas em guetos, segregando os seus habitantes ao separá-los das áreas mais ricas.
A reportagem comenta que o governador do Rio, Sérgio Cabral, argumenta que seu projeto de cercar 13 favelas tem como objetivo evitar que sua expansão destrua a vegetação dos morros.
Mas o jornal diz que "em uma cidade rachada pela violência, pela desconfiança e pela desigualdade social, poucos acreditam nele".
Muro de Berlim
O Times cita o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, que comparou os muros no Rio ao Muro de Berlim e às barreiras nos territórios palestinos, e contrasta suas declarações às do presidente da empresa de obras públicas do Rio, Ícaro Moreno Júnior.
Segundo Moreno Júnior, as áreas verdes dos morros cariocas podem desaparecer em dez anos se nada for feito. "Estamos protegendo a floresta. Não estamos dividindo as pessoas. É maluquice comparar isso ao Muro de Berlim ou à Faixa de Gaza", disse ele ao Times.
O jornal observa que, apesar das críticas, muitos moradores apoiam o projeto. Esse é o caso do morador do morro Dona Marta José Raimundo Brito, de 26 anos, para quem "as coisas melhoraram com o muro".
Segundo ele, outras obras públicas recentes na favela, como a instalação de uma base da polícia e de uma linha de bonde gratuito para a subida do morro, elevaram o valor da casa de sua irmã no último ano, de cerca de R$ 8 mil para cerca de R$ 15 mil.
Mas para Rubem César Fernandes, diretor da ONG Viva Rio, que se dedica à redução da violência nas favelas, os muros são "um símbolo agressivo das divisões mais profundas dentro da cidade".
"Um muro satisfaz a opinião pública. Simbolicamente é um controle. Mas é uma má solução para um problema real", disse ele ao jornal.
Barreiras de concreto 'fecham pobres em guetos' no Rio, diz 'Times'
Muro em construção no morro Dona Marta
Muros aumentam divisão social na cidade, segundo o jornal
Os muros em construção pelo governo ao redor das favelas nos morros do Rio de Janeiro estão dividindo ainda mais uma cidade já separada entre ricos e pobres, afirma reportagem publicada nesta terça-feira pelo diário britânico The Times.
O jornal observa que os críticos do projeto dizem que as barreiras de concreto, de até três metros de altura, transformarão as favelas em guetos, segregando os seus habitantes ao separá-los das áreas mais ricas.
A reportagem comenta que o governador do Rio, Sérgio Cabral, argumenta que seu projeto de cercar 13 favelas tem como objetivo evitar que sua expansão destrua a vegetação dos morros.
Mas o jornal diz que "em uma cidade rachada pela violência, pela desconfiança e pela desigualdade social, poucos acreditam nele".
Muro de Berlim
O Times cita o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, que comparou os muros no Rio ao Muro de Berlim e às barreiras nos territórios palestinos, e contrasta suas declarações às do presidente da empresa de obras públicas do Rio, Ícaro Moreno Júnior.
Segundo Moreno Júnior, as áreas verdes dos morros cariocas podem desaparecer em dez anos se nada for feito. "Estamos protegendo a floresta. Não estamos dividindo as pessoas. É maluquice comparar isso ao Muro de Berlim ou à Faixa de Gaza", disse ele ao Times.
O jornal observa que, apesar das críticas, muitos moradores apoiam o projeto. Esse é o caso do morador do morro Dona Marta José Raimundo Brito, de 26 anos, para quem "as coisas melhoraram com o muro".
Segundo ele, outras obras públicas recentes na favela, como a instalação de uma base da polícia e de uma linha de bonde gratuito para a subida do morro, elevaram o valor da casa de sua irmã no último ano, de cerca de R$ 8 mil para cerca de R$ 15 mil.
Mas para Rubem César Fernandes, diretor da ONG Viva Rio, que se dedica à redução da violência nas favelas, os muros são "um símbolo agressivo das divisões mais profundas dentro da cidade".
"Um muro satisfaz a opinião pública. Simbolicamente é um controle. Mas é uma má solução para um problema real", disse ele ao jornal.
domingo, 24 de maio de 2009
A decadência da Argentina
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Folha de São Paulo de 24 de maio de 2009
São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009
"Argentina está no caminho do inferno", diz ensaísta
Para Marcos Aguinis, 74, país antes "rico e culto" está hoje "em franca decadência"
Crítico do casal Kirchner diz que atual Casa Rosada deve "enfrentar consequência" do mau governo; livro vendeu 60 mil cópias em dois meses
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Marcos Aguinis, 74, é hoje a voz da classe média na Argentina, que vive divórcio litigioso com o casal presidencial Cristina e Néstor Kirchner desde o início do conflito com o campo, há 14 meses, e às vésperas de eleições legislativas nas quais o segundo é candidato.
O último livro do ensaísta, "Pobre Patria Mia!" (editora Sudamericana), um autointitulado panfleto contra o legado da era Kirchner, vendeu 60 mil exemplares em dois meses.
Identifica uma Argentina "a caminho do inferno", que nas últimas décadas passou de "rica, culta e decente" a "pobre, mal educada e corrupta".
Golpista para setores que defendem o governo, Aguinis diz que os Kirchner devem enfrentar, no poder, as consequências de seus erros. Psicanalista e neurocirurgião, recebeu a Folha na última quinta-feira e expôs seu diagnóstico da "franca decadência" argentina.
FOLHA - Por que "Pobre Patria Mia"?
MARCOS AGUINIS - O livro retrata uma frustração de ver a Argentina desorientada e em franca decadência. Recuperamos a democracia em 1983, vivemos uma primavera por três anos, mas a decadência se manteve.
FOLHA - Pelo livro, o sr. foi tido como "escritor da Argentina destituinte". Quer que o governo se vá?
AGUINIS - Pelo contrário. Que fique e enfrente as consequências de seu mau governo. Falam em crescimento econômico "chinês", mas aumentou a pobreza, há decadência educacional, problemas em saúde, as favelas e o narcotráfico cresceram. Há aumento da anomia, com piquetes e bloqueios por todos os lados.
FOLHA - Como avalia a estratégia do governo, que adiantou a eleição e promove candidatos que não assumirão os cargos?
AGUINIS - É um desprezo à República, porque não dá valor ao Congresso como Poder independente, e uma degradação do ato eleitoral, como uma fraude anunciada. Aumenta a anomia, esse estado de confusão.
FOLHA - Qual é o legado dos anos Kirchner?
AGUINIS - Uma decadência, maior insegurança e rancor. Sociedade dividida, República derrubada, instituições débeis.
FOLHA - E onde os Kirchner foram bem?
AGUINIS - Melhorou a Corte Suprema de Justiça, a de [Carlos] Menem era muito ruim. Há quem diga que foi bom se livrar do FMI [Fundo Monetário Internacional], mas a dívida era a menor do fundo. Kirchner não queria inspeções porque nesse governo não há controles.
FOLHA - E a política de direitos humanos, com reabertura das causas da ditadura?
AGUINIS - É parcial e interessada, somente para processar crimes da ditadura de 30 anos atrás. Os direitos humanos no presente não são defendidos.
FOLHA - Néstor Kirchner diz que a estatização da previdência privada, em 2008, foi o feito mais importante desde 2003, e o sr. afirma que é um "ato de vampirismo".
AGUINIS - Ele usa hoje esse dinheiro para manter uma tradição horrível argentina, que começou com [Juan Domingo] Perón: usar o dinheiro dos aposentados para outros fins. Há gente que decidiu pôr seu dinheiro ali porque não confia que o Estado lhe pague uma aposentadoria justa.
FOLHA - Por que o governo perdeu apoio da classe média?
AGUINIS - Demonstra que o governo não é popular. Está ensimesmado em obter poder e promover capitalismo de amigos. A classe média percebeu.
FOLHA - O governo é respaldado pelos setores mais pobres da sociedade. Não é um sinal de que fez algo por essas pessoas?
AGUINIS - O respaldo vem sobretudo da Grande Buenos Aires, onde estão os mais pobres, que vivem de subsídios. Esse dinheiro deixou de ser ajuda de emergência e se converteu em suborno crônico.
FOLHA - A morte do presidente Raúl Alfonsín levou milhares às ruas em março. Como analisou esses atos e o chamado "efeito Alfonsín", que beneficiaria a oposição?
AGUINIS - Nas homenagens a Alfonsín não se falava de sua gestão, mas de sua conduta: que não era ladrão, não era orgulhoso, não chamava de inimigo a quem pensa diferente, um homem do diálogo e da lei. O povo argentino quer isso, e é o que os Kirchner violaram. É uma clara mensagem antikirchnerista.
FOLHA - A oposição está preparada para ser uma opção de poder?
AGUINIS - O governo Cristina vai caminhar melhor se perder a maioria no Congresso. Vai haver controle da corrupção, das licitações. Os Kirchner, que são práticos, vão se dar conta de que vale a pena dialogar e se manter no poder.
Folha de São Paulo de 24 de maio de 2009
São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009
"Argentina está no caminho do inferno", diz ensaísta
Para Marcos Aguinis, 74, país antes "rico e culto" está hoje "em franca decadência"
Crítico do casal Kirchner diz que atual Casa Rosada deve "enfrentar consequência" do mau governo; livro vendeu 60 mil cópias em dois meses
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Marcos Aguinis, 74, é hoje a voz da classe média na Argentina, que vive divórcio litigioso com o casal presidencial Cristina e Néstor Kirchner desde o início do conflito com o campo, há 14 meses, e às vésperas de eleições legislativas nas quais o segundo é candidato.
O último livro do ensaísta, "Pobre Patria Mia!" (editora Sudamericana), um autointitulado panfleto contra o legado da era Kirchner, vendeu 60 mil exemplares em dois meses.
Identifica uma Argentina "a caminho do inferno", que nas últimas décadas passou de "rica, culta e decente" a "pobre, mal educada e corrupta".
Golpista para setores que defendem o governo, Aguinis diz que os Kirchner devem enfrentar, no poder, as consequências de seus erros. Psicanalista e neurocirurgião, recebeu a Folha na última quinta-feira e expôs seu diagnóstico da "franca decadência" argentina.
FOLHA - Por que "Pobre Patria Mia"?
MARCOS AGUINIS - O livro retrata uma frustração de ver a Argentina desorientada e em franca decadência. Recuperamos a democracia em 1983, vivemos uma primavera por três anos, mas a decadência se manteve.
FOLHA - Pelo livro, o sr. foi tido como "escritor da Argentina destituinte". Quer que o governo se vá?
AGUINIS - Pelo contrário. Que fique e enfrente as consequências de seu mau governo. Falam em crescimento econômico "chinês", mas aumentou a pobreza, há decadência educacional, problemas em saúde, as favelas e o narcotráfico cresceram. Há aumento da anomia, com piquetes e bloqueios por todos os lados.
FOLHA - Como avalia a estratégia do governo, que adiantou a eleição e promove candidatos que não assumirão os cargos?
AGUINIS - É um desprezo à República, porque não dá valor ao Congresso como Poder independente, e uma degradação do ato eleitoral, como uma fraude anunciada. Aumenta a anomia, esse estado de confusão.
FOLHA - Qual é o legado dos anos Kirchner?
AGUINIS - Uma decadência, maior insegurança e rancor. Sociedade dividida, República derrubada, instituições débeis.
FOLHA - E onde os Kirchner foram bem?
AGUINIS - Melhorou a Corte Suprema de Justiça, a de [Carlos] Menem era muito ruim. Há quem diga que foi bom se livrar do FMI [Fundo Monetário Internacional], mas a dívida era a menor do fundo. Kirchner não queria inspeções porque nesse governo não há controles.
FOLHA - E a política de direitos humanos, com reabertura das causas da ditadura?
AGUINIS - É parcial e interessada, somente para processar crimes da ditadura de 30 anos atrás. Os direitos humanos no presente não são defendidos.
FOLHA - Néstor Kirchner diz que a estatização da previdência privada, em 2008, foi o feito mais importante desde 2003, e o sr. afirma que é um "ato de vampirismo".
AGUINIS - Ele usa hoje esse dinheiro para manter uma tradição horrível argentina, que começou com [Juan Domingo] Perón: usar o dinheiro dos aposentados para outros fins. Há gente que decidiu pôr seu dinheiro ali porque não confia que o Estado lhe pague uma aposentadoria justa.
FOLHA - Por que o governo perdeu apoio da classe média?
AGUINIS - Demonstra que o governo não é popular. Está ensimesmado em obter poder e promover capitalismo de amigos. A classe média percebeu.
FOLHA - O governo é respaldado pelos setores mais pobres da sociedade. Não é um sinal de que fez algo por essas pessoas?
AGUINIS - O respaldo vem sobretudo da Grande Buenos Aires, onde estão os mais pobres, que vivem de subsídios. Esse dinheiro deixou de ser ajuda de emergência e se converteu em suborno crônico.
FOLHA - A morte do presidente Raúl Alfonsín levou milhares às ruas em março. Como analisou esses atos e o chamado "efeito Alfonsín", que beneficiaria a oposição?
AGUINIS - Nas homenagens a Alfonsín não se falava de sua gestão, mas de sua conduta: que não era ladrão, não era orgulhoso, não chamava de inimigo a quem pensa diferente, um homem do diálogo e da lei. O povo argentino quer isso, e é o que os Kirchner violaram. É uma clara mensagem antikirchnerista.
FOLHA - A oposição está preparada para ser uma opção de poder?
AGUINIS - O governo Cristina vai caminhar melhor se perder a maioria no Congresso. Vai haver controle da corrupção, das licitações. Os Kirchner, que são práticos, vão se dar conta de que vale a pena dialogar e se manter no poder.
A nova doutrina militar americana
Folha de São Paulo de 24 de maio de 2009
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Escolha consagra doutrina militar da contrainsurgência
Guerra irregular, com foco em operações especiais secretas, ganha força sob McChrystal
Novo comandante de tropas no Afeganistão acredita, como seu superior Petraeus, em "guerra sem fim" contra terroristas, diz especialista
O fato de um general que fez carreira em operações especiais secretas ter sido escolhido para comandar as forças dos EUA e seus aliados no Afeganistão consagra a chamada Doutrina Petraeus, que põe a contrainsurgência no cerne do pensamento militar dos EUA.
"Os altos oficiais especializados em conflitos não convencionais estão agora no leme", afirma o coronel reformado do Exército americano Andrew Bacevich, professor de relações internacionais da Universidade de Boston, sobre a nomeação de Stanley McChrystal.
Seria uma repetição do que aconteceu nos anos 60, durante a Guerra do Vietnã, depois que o presidente John Kennedy (1961-1963) pediu aos militares "uma estratégia completamente nova". A derrota acabou afastando os EUA de envolvimento direto em guerras de guerrilha. Nos anos 90, prevaleceu a Doutrina Powell (de Colin Powell, ex-chefe do Estado Maior americano), que preconizava ações breves e pouco frequentes, com "força total" dos armamentos convencionais, usados nos combates entre Exércitos.
A guerra irregular -aperfeiçoada pelo general David Petraeus, hoje chefe do Comando Central, quando servia no Iraque- já era o foco de documento político assinado pelo secretário da Defesa, Robert Gates, em agosto de 2008. Agora, foi incorporada ao Orçamento de 2010 proposto por ele.
O projeto ainda dedica o grosso dos gastos à preparação para conflitos entre Estados, mas Gates pediu mais verbas para aviões não tripulados, como os usados em bombardeios na fronteira afegã-paquistanesa e para lanchas rápidas de combate. Também quer aumentar as Forças Especiais.
Bacevich vê a perspectiva de "um, dois, muitos Iraques". "Petraeus e McChrystal aceitam a premissa de que uma guerra sem fim [contra grupos terroristas e outros inimigos dos EUA] é inevitável", diz.
O ex-marine Robert Haddick, colaborador do site de militares Small War Journal, se diz menos preocupado. Ele acha que o eleitorado americano cansou e "não vai apoiar mais aventuras militares desnecessárias". Para Haddick, as capacidades de contrainsurgência serão usadas no incremento das missões chamadas no jargão militar de "defesa estrangeira interna", em que os americanos treinam e assessoram soldados de países aliados.
David Rothkopf, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional, diz que o futuro da doutrina dependerá dos resultados no Afeganistão. "Se funcionar lá, pode ser usada em outros lugares." (CA)
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Escolha consagra doutrina militar da contrainsurgência
Guerra irregular, com foco em operações especiais secretas, ganha força sob McChrystal
Novo comandante de tropas no Afeganistão acredita, como seu superior Petraeus, em "guerra sem fim" contra terroristas, diz especialista
O fato de um general que fez carreira em operações especiais secretas ter sido escolhido para comandar as forças dos EUA e seus aliados no Afeganistão consagra a chamada Doutrina Petraeus, que põe a contrainsurgência no cerne do pensamento militar dos EUA.
"Os altos oficiais especializados em conflitos não convencionais estão agora no leme", afirma o coronel reformado do Exército americano Andrew Bacevich, professor de relações internacionais da Universidade de Boston, sobre a nomeação de Stanley McChrystal.
Seria uma repetição do que aconteceu nos anos 60, durante a Guerra do Vietnã, depois que o presidente John Kennedy (1961-1963) pediu aos militares "uma estratégia completamente nova". A derrota acabou afastando os EUA de envolvimento direto em guerras de guerrilha. Nos anos 90, prevaleceu a Doutrina Powell (de Colin Powell, ex-chefe do Estado Maior americano), que preconizava ações breves e pouco frequentes, com "força total" dos armamentos convencionais, usados nos combates entre Exércitos.
A guerra irregular -aperfeiçoada pelo general David Petraeus, hoje chefe do Comando Central, quando servia no Iraque- já era o foco de documento político assinado pelo secretário da Defesa, Robert Gates, em agosto de 2008. Agora, foi incorporada ao Orçamento de 2010 proposto por ele.
O projeto ainda dedica o grosso dos gastos à preparação para conflitos entre Estados, mas Gates pediu mais verbas para aviões não tripulados, como os usados em bombardeios na fronteira afegã-paquistanesa e para lanchas rápidas de combate. Também quer aumentar as Forças Especiais.
Bacevich vê a perspectiva de "um, dois, muitos Iraques". "Petraeus e McChrystal aceitam a premissa de que uma guerra sem fim [contra grupos terroristas e outros inimigos dos EUA] é inevitável", diz.
O ex-marine Robert Haddick, colaborador do site de militares Small War Journal, se diz menos preocupado. Ele acha que o eleitorado americano cansou e "não vai apoiar mais aventuras militares desnecessárias". Para Haddick, as capacidades de contrainsurgência serão usadas no incremento das missões chamadas no jargão militar de "defesa estrangeira interna", em que os americanos treinam e assessoram soldados de países aliados.
David Rothkopf, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional, diz que o futuro da doutrina dependerá dos resultados no Afeganistão. "Se funcionar lá, pode ser usada em outros lugares." (CA)
Os Talebans na perspectiva do conflito regional
Folha de São Paulo
São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009
Solução à guerra é regional, diz Tariq Ali
Escritor e ativista de esquerda, paquistanês afirma que EUA não podem vencer Taleban e propõe reunião com países vizinhos
Para Ali, Obama ainda não deixou claros seus objetivos na região; crítico de grupos religiosos radicais, ele se opõe a vetá-los em eleições
Um dos editores da revista britânica "New Left Review", conhecido pela visceral militância contra a política externa americana, o escritor e ativista paquistanês Tariq Ali se apoia em diagnóstico de um ex-diretor da CIA, a agência de inteligência dos EUA, para afirmar: a Otan (aliança militar ocidental) não pode vencer a guerra no Afeganistão, que se espraia para dentro de seu país. Ali preconiza solução regional, com participação dos países que apoiam grupos envolvidos no conflito afegão.
Diz que os fundamentalistas do Taleban, longe de representarem ameaça aos EUA, são hoje um movimento nacional dos pashtuns -quase metade dos afegãos e pelo menos 15% dos paquistaneses.
Autor de mais de uma dezena de livros, Ali acaba de lançar "The Duel" (o duelo), sobre o Paquistão, que sairá no Brasil, em 2010, pela Record. Leia trechos da entrevista à Folha, feita por telefone de Londres. (CLAUDIA ANTUNES)
FOLHA - Há um ano, o senhor escreveu que o aumento de tropas no Afeganistão não funcionaria. Mas isso é o que decidiu a Casa Branca de Barack Obama. O que virá agora?
TARIQ ALI - O que eu disse acabou de ser repetido em um artigo de Graham Fuller, ex-chefe da estação da CIA em Cabul: não é possível vencer a guerra; a fronteira entre Afeganistão e Paquistão é muito grande e montanhosa, não pode ser policiada; a resistência aos EUA agora se tornou parte do movimento nacional patshun. A única solução que poderia criar alguma estabilidade na região é a retirada da Otan. Os EUA são parte do problema.
Isso pensa a maioria dos observadores qualificados, e é difícil entender o que Obama está fazendo. Os EUA precisam esclarecer seus objetivos, quanto tempo vão ficar. Até agora, o que fizeram foi desestabilizar um país [o Paquistão] para manter a ocupação de outro.
FOLHA - O governo Obama diz que visa combater a Al Qaeda e atrair para negociações o setor "moderado" do Taleban.
ALI - É uma brincadeira. Em primeiro lugar, não é possível confundir a Al Qaeda com o Taleban. A Al Qaeda é um pequeno grupo terrorista que toda grande agência de inteligência diz que está em declínio e não representa ameaça. O Taleban é hoje essencialmente um movimento nacional que quer expulsar os estrangeiros.
Antes do 11 de Setembro, os EUA lidavam com o governo do Taleban, que tinha escritório em Nova York. O relatório da comissão [do Congresso dos EUA] sobre o 11 de Setembro diz que o Taleban estava disposto a entregar a Al Qaeda, mas queria ver as provas [de participação nos atentados]. A política social do Taleban é horrível, mas negociar com os EUA não é problema para eles.
FOLHA - Argumenta-se que, se os EUA saírem do Afeganistão, o cenário será semelhante ao que se seguiu à retirada soviética em 1989, com os grupos islâmicos combatendo entre si.
ALI - Por isso proponho uma conferência regional, com os três principais países ligados a grupos em disputa no Afeganistão -Paquistão, Irã e Rússia. Vamos discutir a estabilização, de modo que a Otan possa se retirar, ou discutir como os respectivos aliados no Afeganistão podem se sentar e negociar um governo de união nacional, que garanta ao povo afegão que não haverá guerra civil.
Depois é preciso consultar Índia e China, para ajuda na reconstrução. Se os EUA entregarem aos militares afegãos, não será suficiente.
FOLHA - Outro argumento é que mulheres e crianças afegãs estarão desprotegidas. Como lidar com os direitos humanos numa sociedade como a afegã?
ALI - A condição das mulheres afegãs não melhorou após oito anos de ocupação. Há poucas semanas, no vale do Swat, no Paquistão, uma mulher foi açoitada por homens do Taleban. Isso foi filmado secretamente, por pessoas que conheço, e eles entregaram a fita a uma TV. A reação foi de raiva no país.
Mulheres e homens se manifestaram, o presidente da Suprema Corte chamou o procurador-geral e cobrou ação. A pressão levou a liderança oficial do Taleban no Paquistão a se distanciar do açoitamento. Nessa questão, como em outras, a mudança só pode vir de dentro.
FOLHA - Os EUA se aproximaram da Índia, com um acordo nuclear que relegou a parceria com o Paquistão a um nível menor. Como vê este quebra-cabeças?
ALI - Nós últimos 50 anos, os EUA sempre viram a Índia como um país crucial, que eles vêm tentando transformar no seu aliado principal no sul da Ásia, especialmente para se desenvolver economicamente como rival da China. Os governantes paquistaneses, incluindo os militares, se sentem isolados, e agem como tal. Soube-se que parte dos bilhões fornecidos pelos Estados Unidos ao Paquistão depois do 11 de Setembro foi desviada para o programa nuclear. Não fico surpreso.
FOLHA - Diz-se que, por causa da disputa com a Índia pela Caxemira, os militares paquistaneses não se esforçam contra o Taleban. O serviço secreto usaria contatos com os extremistas para combater os indianos. Esse raciocínio ainda é válido?
ALI - Parcialmente. Mas agora os EUA estão avisando os militares paquistaneses de que, a menos que comecem a lutar contra os pashtuns na fronteira, não receberão dinheiro. Isso cria divisões dentro das Forças Armadas, o que é perigoso.
Muitos oficiais estão antecipando sua passagem à reserva ou se negando a cumprir um segundo turno. Sabem que a única razão pela qual lutam é porque estão sendo pagos pelos Estados Unidos. Quanto à questão da Caxemira, a menos que ela seja resolvida, se necessário com ajuda externa nas negociações, será difícil solucionar a situação no sul da Ásia.
FOLHA - O Paquistão fez acordo com o Taleban no vale do Swat, no começo do ano, e foi criticado. Era a estratégia correta?
ALI - O verdadeiro problema no Paquistão é que, nos últimos 60 anos, nós tivemos uma das elites dirigentes mais venais e corruptas do mundo. Não há educação para os pobres, sistema de saúde. Os grupos religiosos educam e alimentam os filhos das famílias pobres em suas escolas.
O papel do governo paquistanês não é deixar o Taleban fazer o que quiser, mas ter um plano social para transformar a região. Para reduzir a influência dos grupos religiosos -e eles nunca conseguem mais do que 10% nas eleições-, é preciso gastar o que vai para os militares em infraestrutura social para a maioria.
FOLHA - Há um debate sobre se os sistemas democráticos devem incluir os partidos religiosos como o Hamas palestino, a Irmandade Muçulmana egípcia. Argumenta-se que, no poder, esses grupos acabariam com a democracia. Qual a sua opinião?
ALI - Discordo desses grupos nos temas mais básicos. Mas acho que não é possível negar-lhes a participação em eleições democráticas.
O exemplo do que aconteceu na Argélia [com o golpe militar de 1991, que impediu a vitória da Frente Islâmica de Salvação] é desastroso. Se tivessem ganhado, longe de estabelecer uma ditadura, havia duas ou três correntes dentro da FIS que rapidamente rachariam. Mas o cancelamento das eleições levou a uma guerra com milhares de mortos, que destruiu a cultura política do país.
O Egito é governado por um ditador corrupto. Mas, se houvesse eleições livres, acredito que os islâmicos teriam cerca de 35% a 40% dos votos, não muito mais.
A maioria dos programas desses grupos não é muito muito diferente dos de partidos democratas cristãos em outras partes. Por que não é possível ter o equivalente no mundo muçulmano? Por outro lado, os islamistas da Turquia são os favoritos da Otan. O padrão duplo não deveria existir.
São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009
Solução à guerra é regional, diz Tariq Ali
Escritor e ativista de esquerda, paquistanês afirma que EUA não podem vencer Taleban e propõe reunião com países vizinhos
Para Ali, Obama ainda não deixou claros seus objetivos na região; crítico de grupos religiosos radicais, ele se opõe a vetá-los em eleições
Um dos editores da revista britânica "New Left Review", conhecido pela visceral militância contra a política externa americana, o escritor e ativista paquistanês Tariq Ali se apoia em diagnóstico de um ex-diretor da CIA, a agência de inteligência dos EUA, para afirmar: a Otan (aliança militar ocidental) não pode vencer a guerra no Afeganistão, que se espraia para dentro de seu país. Ali preconiza solução regional, com participação dos países que apoiam grupos envolvidos no conflito afegão.
Diz que os fundamentalistas do Taleban, longe de representarem ameaça aos EUA, são hoje um movimento nacional dos pashtuns -quase metade dos afegãos e pelo menos 15% dos paquistaneses.
Autor de mais de uma dezena de livros, Ali acaba de lançar "The Duel" (o duelo), sobre o Paquistão, que sairá no Brasil, em 2010, pela Record. Leia trechos da entrevista à Folha, feita por telefone de Londres. (CLAUDIA ANTUNES)
FOLHA - Há um ano, o senhor escreveu que o aumento de tropas no Afeganistão não funcionaria. Mas isso é o que decidiu a Casa Branca de Barack Obama. O que virá agora?
TARIQ ALI - O que eu disse acabou de ser repetido em um artigo de Graham Fuller, ex-chefe da estação da CIA em Cabul: não é possível vencer a guerra; a fronteira entre Afeganistão e Paquistão é muito grande e montanhosa, não pode ser policiada; a resistência aos EUA agora se tornou parte do movimento nacional patshun. A única solução que poderia criar alguma estabilidade na região é a retirada da Otan. Os EUA são parte do problema.
Isso pensa a maioria dos observadores qualificados, e é difícil entender o que Obama está fazendo. Os EUA precisam esclarecer seus objetivos, quanto tempo vão ficar. Até agora, o que fizeram foi desestabilizar um país [o Paquistão] para manter a ocupação de outro.
FOLHA - O governo Obama diz que visa combater a Al Qaeda e atrair para negociações o setor "moderado" do Taleban.
ALI - É uma brincadeira. Em primeiro lugar, não é possível confundir a Al Qaeda com o Taleban. A Al Qaeda é um pequeno grupo terrorista que toda grande agência de inteligência diz que está em declínio e não representa ameaça. O Taleban é hoje essencialmente um movimento nacional que quer expulsar os estrangeiros.
Antes do 11 de Setembro, os EUA lidavam com o governo do Taleban, que tinha escritório em Nova York. O relatório da comissão [do Congresso dos EUA] sobre o 11 de Setembro diz que o Taleban estava disposto a entregar a Al Qaeda, mas queria ver as provas [de participação nos atentados]. A política social do Taleban é horrível, mas negociar com os EUA não é problema para eles.
FOLHA - Argumenta-se que, se os EUA saírem do Afeganistão, o cenário será semelhante ao que se seguiu à retirada soviética em 1989, com os grupos islâmicos combatendo entre si.
ALI - Por isso proponho uma conferência regional, com os três principais países ligados a grupos em disputa no Afeganistão -Paquistão, Irã e Rússia. Vamos discutir a estabilização, de modo que a Otan possa se retirar, ou discutir como os respectivos aliados no Afeganistão podem se sentar e negociar um governo de união nacional, que garanta ao povo afegão que não haverá guerra civil.
Depois é preciso consultar Índia e China, para ajuda na reconstrução. Se os EUA entregarem aos militares afegãos, não será suficiente.
FOLHA - Outro argumento é que mulheres e crianças afegãs estarão desprotegidas. Como lidar com os direitos humanos numa sociedade como a afegã?
ALI - A condição das mulheres afegãs não melhorou após oito anos de ocupação. Há poucas semanas, no vale do Swat, no Paquistão, uma mulher foi açoitada por homens do Taleban. Isso foi filmado secretamente, por pessoas que conheço, e eles entregaram a fita a uma TV. A reação foi de raiva no país.
Mulheres e homens se manifestaram, o presidente da Suprema Corte chamou o procurador-geral e cobrou ação. A pressão levou a liderança oficial do Taleban no Paquistão a se distanciar do açoitamento. Nessa questão, como em outras, a mudança só pode vir de dentro.
FOLHA - Os EUA se aproximaram da Índia, com um acordo nuclear que relegou a parceria com o Paquistão a um nível menor. Como vê este quebra-cabeças?
ALI - Nós últimos 50 anos, os EUA sempre viram a Índia como um país crucial, que eles vêm tentando transformar no seu aliado principal no sul da Ásia, especialmente para se desenvolver economicamente como rival da China. Os governantes paquistaneses, incluindo os militares, se sentem isolados, e agem como tal. Soube-se que parte dos bilhões fornecidos pelos Estados Unidos ao Paquistão depois do 11 de Setembro foi desviada para o programa nuclear. Não fico surpreso.
FOLHA - Diz-se que, por causa da disputa com a Índia pela Caxemira, os militares paquistaneses não se esforçam contra o Taleban. O serviço secreto usaria contatos com os extremistas para combater os indianos. Esse raciocínio ainda é válido?
ALI - Parcialmente. Mas agora os EUA estão avisando os militares paquistaneses de que, a menos que comecem a lutar contra os pashtuns na fronteira, não receberão dinheiro. Isso cria divisões dentro das Forças Armadas, o que é perigoso.
Muitos oficiais estão antecipando sua passagem à reserva ou se negando a cumprir um segundo turno. Sabem que a única razão pela qual lutam é porque estão sendo pagos pelos Estados Unidos. Quanto à questão da Caxemira, a menos que ela seja resolvida, se necessário com ajuda externa nas negociações, será difícil solucionar a situação no sul da Ásia.
FOLHA - O Paquistão fez acordo com o Taleban no vale do Swat, no começo do ano, e foi criticado. Era a estratégia correta?
ALI - O verdadeiro problema no Paquistão é que, nos últimos 60 anos, nós tivemos uma das elites dirigentes mais venais e corruptas do mundo. Não há educação para os pobres, sistema de saúde. Os grupos religiosos educam e alimentam os filhos das famílias pobres em suas escolas.
O papel do governo paquistanês não é deixar o Taleban fazer o que quiser, mas ter um plano social para transformar a região. Para reduzir a influência dos grupos religiosos -e eles nunca conseguem mais do que 10% nas eleições-, é preciso gastar o que vai para os militares em infraestrutura social para a maioria.
FOLHA - Há um debate sobre se os sistemas democráticos devem incluir os partidos religiosos como o Hamas palestino, a Irmandade Muçulmana egípcia. Argumenta-se que, no poder, esses grupos acabariam com a democracia. Qual a sua opinião?
ALI - Discordo desses grupos nos temas mais básicos. Mas acho que não é possível negar-lhes a participação em eleições democráticas.
O exemplo do que aconteceu na Argélia [com o golpe militar de 1991, que impediu a vitória da Frente Islâmica de Salvação] é desastroso. Se tivessem ganhado, longe de estabelecer uma ditadura, havia duas ou três correntes dentro da FIS que rapidamente rachariam. Mas o cancelamento das eleições levou a uma guerra com milhares de mortos, que destruiu a cultura política do país.
O Egito é governado por um ditador corrupto. Mas, se houvesse eleições livres, acredito que os islâmicos teriam cerca de 35% a 40% dos votos, não muito mais.
A maioria dos programas desses grupos não é muito muito diferente dos de partidos democratas cristãos em outras partes. Por que não é possível ter o equivalente no mundo muçulmano? Por outro lado, os islamistas da Turquia são os favoritos da Otan. O padrão duplo não deveria existir.
Como avança o pensamento cientifico....
24 de maio de 2009
Reciclando ideias
Imagem da inovação como repentina e individual contrasta com a evolução dos saberes, que é gradual e coletiva
PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA
Muitas pessoas no mundo hoje, especialmente nos domínios dos negócios e da ciência, se dedicam à inovação. Pensam, lecionam e escrevem sobre as maneiras pelas quais se pode estimular, medir e gerir a inovação.
Como e por que a inovação acontece, perguntam.
Por que existem lugares e momentos históricos que parecem mais favoráveis do que outros à inovação?
Florença durante o Renascimento serve como exemplo ou a Inglaterra nos estágios iniciais da Revolução Industrial -quando as máquinas têxteis e locomotivas a vapor e tantas outras máquinas foram inventadas- ou o Vale do Silício [EUA] na década de 1970.
Algumas pessoas acreditam que a inovação possa ser encorajada por meio da criação de centros de pesquisa, outras preferem meditação, sessões de discussão ou até mesmo softwares que facilitam a geração de ideias.
Mas o que exatamente é inovação? Suspeito que a visão da era do romantismo sobre a inovação continue a prevalecer ainda hoje.
De acordo com ela, a inovação é trabalho de um gênio solitário, muitas vezes um professor distraído que carrega uma ideia brilhante na cabeça -aquilo que meu tio, um físico que trabalhava no setor industrial, costumava chamar de "onda cerebral".
Einstein, por exemplo, ou Isaac Newton, que supostamente descobriu a gravidade quando uma maçã caiu em sua cabeça, ou, no mais famoso dos exemplos, Arquimedes, que saiu correndo nu pelas ruas de Atenas gritando "eureca!".
No entanto existe uma visão alternativa sobre a inovação, da qual eu por acaso compartilho.
De acordo com essa segunda visão, a inovação é gradual em lugar de súbita e coletiva em vez de individual.
Não existe uma oposição acentuada entre tradição e inovação. É possível até mesmo identificar tradições de inovação, sustentadas ao longo de décadas, como no caso do Vale do Silício, ou de séculos, como nos campos da pintura e da escultura durante a Renascença florentina.
Novos usos
Por isso, em lugar da metáfora da "onda cerebral", talvez fosse mais esclarecedor usar como metáfora a reciclagem, o reaproveitamento ou o uso improvisado de materiais.
O caso da tecnologia serve como exemplo.
Na metade do século 15, Johannes Gutenberg inventou as máquinas de impressão. No entanto, prensas estavam em uso na produção de vinho havia muito tempo na Renânia natal de Gutenberg e em muitos outros lugares. Sua brilhante ideia não surgiu do nada; na verdade, representou uma adaptação da prensa de vinho a uma nova função.
A invenção do telescópio por Galileu [1564-1642], da mesma forma, pode ser mais precisamente definida como reinvenção. Ele havia ouvido falar de que alguém na Holanda teria inventado um instrumento para fazer com que as estrelas parecessem maiores. E, assim que obteve essa informação, imediatamente descobriu uma maneira de produzir instrumento semelhante para seu uso.
A inovação nas ideias, por exemplo em disciplinas acadêmicas, parece acontecer de maneira semelhante, pela proposição de analogias e adaptação daquilo que já existe a novos propósitos. Alguns historiadores falam em "deslocamento de conceitos" de um campo intelectual a outro.
Por exemplo, a arqueologia se tornou disciplina científica no começo do século 19, quando as pessoas compreenderam que os objetos encontrados em escavações podiam ser datados de acordo com sua profundidade na terra com os "estratos" em que foram encontrados. A linguística, outra nova disciplina que estava em desenvolvimento no começo do século 19, também precisou de adaptação criativa.
Quando classificavam idiomas, alguns linguistas se deixaram inspirar pela metodologia que Carl Linnaeus desenvolveu para classificar plantas, enquanto outros seguiram o modelo de "anatomia comparativa" proposto pelo zoólogo Georges Cuvier.
Uma vez mais, na metade do século 19, Charles Darwin desenvolveu sua ideia de uma luta pela existência entre as coisas vivas e da sobrevivência dos mais aptos depois de ler o trabalho de Thomas Malthus sobre população. Ele adaptou o que Malthus tinha a dizer sobre os seres humanos ao mundo dos animais e das plantas.
No começo do século 20, quando a antropologia se tornou uma disciplina científica, ela era definida pelo método de "trabalho de campo" no seio de povos "primitivos". Mas a ideia de trabalho de campo foi inspirada pela história natural, já que os naturalistas se orgulhavam de observar diretamente os animais e plantas em seus habitats naturais.
Tradução
Em todos esses casos, seria possível utilizar a expressão "tomado de empréstimo", mas metáfora melhor seria "tradução", que enfatiza o trabalho que é preciso realizar quando ideias se movimentam de um lugar ou domínio a outro.
As novas disciplinas oferecem oportunidades especiais para observação ou inovação, já que os fundadores dessas disciplinas foram treinados em outros campos. Por exemplo, os primeiros professores de línguas e literaturas vernáculas foram treinados como estudiosos do grego e do latim clássicos.
Um dos fundadores da sociologia, Émile Durkheim, estudou filosofia, e outro, Max Weber, era historiador. Os primeiros antropólogos foram recrutados de uma variedade de disciplinas, entre as quais os estudos clássicos (James Frazer), geografia (Franz Boas), medicina (W.H. Rivers), biologia, psicologia e até mesmo geologia. Alguns dos primeiros estudiosos do campo hoje conhecido como biologia molecular haviam estudado física, como Francis Crick, ou química, como Max Perutz.
A inovação nas disciplinas mais estabelecidas muitas vezes segue o mesmo caminho. Um antigo colega meu, o biólogo John Maynard Smith [1920-2004], estudou engenharia. Quando mudou de ramo, passou a observar o corpo humano do ponto de vista de um engenheiro, e isso permitia que visse coisas que haviam escapado à atenção de biólogos anteriores.
Analogias e metáforas parecem desempenhar papel essencial no pensamento, da física (vide a ideia de "ondas", por exemplo) à antropologia, na qual culturas estrangeiras são muitas vezes comparadas a livros que precisam ser lidos.
Essas analogias são fundamentais na construção daquilo que o filósofo da ciência Thomas Kuhn [1922-96] costumava designar como "paradigmas" intelectuais. Eu duvido um pouco que seja possível fazer uma lista de regras para a inovação, porque os inovadores muitas vezes quebram as regras em lugar de segui-las. Tampouco estou certo de que seja possível desenvolver uma teoria da inovação.
Mas seria seguro afirmar que analogias e adaptações têm posição central no processo de inovação.
A reciclagem intelectual é tão importante para a inovação quanto a reciclagem de objetos materiais o é para nossa sobrevivência no planeta.
--------------------------------------------------------------------------------
PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Tradução de Paulo Migliacci.
Reciclando ideias
Imagem da inovação como repentina e individual contrasta com a evolução dos saberes, que é gradual e coletiva
PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA
Muitas pessoas no mundo hoje, especialmente nos domínios dos negócios e da ciência, se dedicam à inovação. Pensam, lecionam e escrevem sobre as maneiras pelas quais se pode estimular, medir e gerir a inovação.
Como e por que a inovação acontece, perguntam.
Por que existem lugares e momentos históricos que parecem mais favoráveis do que outros à inovação?
Florença durante o Renascimento serve como exemplo ou a Inglaterra nos estágios iniciais da Revolução Industrial -quando as máquinas têxteis e locomotivas a vapor e tantas outras máquinas foram inventadas- ou o Vale do Silício [EUA] na década de 1970.
Algumas pessoas acreditam que a inovação possa ser encorajada por meio da criação de centros de pesquisa, outras preferem meditação, sessões de discussão ou até mesmo softwares que facilitam a geração de ideias.
Mas o que exatamente é inovação? Suspeito que a visão da era do romantismo sobre a inovação continue a prevalecer ainda hoje.
De acordo com ela, a inovação é trabalho de um gênio solitário, muitas vezes um professor distraído que carrega uma ideia brilhante na cabeça -aquilo que meu tio, um físico que trabalhava no setor industrial, costumava chamar de "onda cerebral".
Einstein, por exemplo, ou Isaac Newton, que supostamente descobriu a gravidade quando uma maçã caiu em sua cabeça, ou, no mais famoso dos exemplos, Arquimedes, que saiu correndo nu pelas ruas de Atenas gritando "eureca!".
No entanto existe uma visão alternativa sobre a inovação, da qual eu por acaso compartilho.
De acordo com essa segunda visão, a inovação é gradual em lugar de súbita e coletiva em vez de individual.
Não existe uma oposição acentuada entre tradição e inovação. É possível até mesmo identificar tradições de inovação, sustentadas ao longo de décadas, como no caso do Vale do Silício, ou de séculos, como nos campos da pintura e da escultura durante a Renascença florentina.
Novos usos
Por isso, em lugar da metáfora da "onda cerebral", talvez fosse mais esclarecedor usar como metáfora a reciclagem, o reaproveitamento ou o uso improvisado de materiais.
O caso da tecnologia serve como exemplo.
Na metade do século 15, Johannes Gutenberg inventou as máquinas de impressão. No entanto, prensas estavam em uso na produção de vinho havia muito tempo na Renânia natal de Gutenberg e em muitos outros lugares. Sua brilhante ideia não surgiu do nada; na verdade, representou uma adaptação da prensa de vinho a uma nova função.
A invenção do telescópio por Galileu [1564-1642], da mesma forma, pode ser mais precisamente definida como reinvenção. Ele havia ouvido falar de que alguém na Holanda teria inventado um instrumento para fazer com que as estrelas parecessem maiores. E, assim que obteve essa informação, imediatamente descobriu uma maneira de produzir instrumento semelhante para seu uso.
A inovação nas ideias, por exemplo em disciplinas acadêmicas, parece acontecer de maneira semelhante, pela proposição de analogias e adaptação daquilo que já existe a novos propósitos. Alguns historiadores falam em "deslocamento de conceitos" de um campo intelectual a outro.
Por exemplo, a arqueologia se tornou disciplina científica no começo do século 19, quando as pessoas compreenderam que os objetos encontrados em escavações podiam ser datados de acordo com sua profundidade na terra com os "estratos" em que foram encontrados. A linguística, outra nova disciplina que estava em desenvolvimento no começo do século 19, também precisou de adaptação criativa.
Quando classificavam idiomas, alguns linguistas se deixaram inspirar pela metodologia que Carl Linnaeus desenvolveu para classificar plantas, enquanto outros seguiram o modelo de "anatomia comparativa" proposto pelo zoólogo Georges Cuvier.
Uma vez mais, na metade do século 19, Charles Darwin desenvolveu sua ideia de uma luta pela existência entre as coisas vivas e da sobrevivência dos mais aptos depois de ler o trabalho de Thomas Malthus sobre população. Ele adaptou o que Malthus tinha a dizer sobre os seres humanos ao mundo dos animais e das plantas.
No começo do século 20, quando a antropologia se tornou uma disciplina científica, ela era definida pelo método de "trabalho de campo" no seio de povos "primitivos". Mas a ideia de trabalho de campo foi inspirada pela história natural, já que os naturalistas se orgulhavam de observar diretamente os animais e plantas em seus habitats naturais.
Tradução
Em todos esses casos, seria possível utilizar a expressão "tomado de empréstimo", mas metáfora melhor seria "tradução", que enfatiza o trabalho que é preciso realizar quando ideias se movimentam de um lugar ou domínio a outro.
As novas disciplinas oferecem oportunidades especiais para observação ou inovação, já que os fundadores dessas disciplinas foram treinados em outros campos. Por exemplo, os primeiros professores de línguas e literaturas vernáculas foram treinados como estudiosos do grego e do latim clássicos.
Um dos fundadores da sociologia, Émile Durkheim, estudou filosofia, e outro, Max Weber, era historiador. Os primeiros antropólogos foram recrutados de uma variedade de disciplinas, entre as quais os estudos clássicos (James Frazer), geografia (Franz Boas), medicina (W.H. Rivers), biologia, psicologia e até mesmo geologia. Alguns dos primeiros estudiosos do campo hoje conhecido como biologia molecular haviam estudado física, como Francis Crick, ou química, como Max Perutz.
A inovação nas disciplinas mais estabelecidas muitas vezes segue o mesmo caminho. Um antigo colega meu, o biólogo John Maynard Smith [1920-2004], estudou engenharia. Quando mudou de ramo, passou a observar o corpo humano do ponto de vista de um engenheiro, e isso permitia que visse coisas que haviam escapado à atenção de biólogos anteriores.
Analogias e metáforas parecem desempenhar papel essencial no pensamento, da física (vide a ideia de "ondas", por exemplo) à antropologia, na qual culturas estrangeiras são muitas vezes comparadas a livros que precisam ser lidos.
Essas analogias são fundamentais na construção daquilo que o filósofo da ciência Thomas Kuhn [1922-96] costumava designar como "paradigmas" intelectuais. Eu duvido um pouco que seja possível fazer uma lista de regras para a inovação, porque os inovadores muitas vezes quebram as regras em lugar de segui-las. Tampouco estou certo de que seja possível desenvolver uma teoria da inovação.
Mas seria seguro afirmar que analogias e adaptações têm posição central no processo de inovação.
A reciclagem intelectual é tão importante para a inovação quanto a reciclagem de objetos materiais o é para nossa sobrevivência no planeta.
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PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Tradução de Paulo Migliacci.
sexta-feira, 22 de maio de 2009
Obama e Guantanamo
Folha de São Paulo
São Paulo, sexta-feira, 22 de maio de 2009
Obama quer "limpar bagunça" de Guantánamo
Presidente reitera que fechará prisão em base militar, apesar de admitir não ter encontrado solução para parte dos presos
Em discurso sobre segurança, democrata diz que governo Bush criou sistema que "não foi eficiente e deixou de usar nossos valores como bússola"
Obama apresenta no Arquivo Nacional novos planos para Guantánamo
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
Acusando o governo anterior de ter criado uma "bagunça" com as controversas detenções em Guantánamo, o presidente dos EUA, Barack Obama, defendeu em discurso ontem seu plano de fechar a prisão até janeiro de 2010 e disse que o país só estará seguro se basear suas políticas em valores fundamentais de justiça e liberdade. Ao mesmo tempo, confirmou sua intenção de levar alguns dos presos de Guantánamo a penitenciárias e tribunais dentro dos EUA e indicou que vários outros serão detidos indefinidamente e sem julgamento. Obama escolheu como cenário da fala o Museu dos Arquivos Nacionais, em Washington, onde discursou rodeado pela Constituição, pela Carta dos Direitos e pela Declaração de Independência dos EUA. "Acredito firmemente que no longo prazo não podemos manter esse país seguro se não colocarmos em prática nossos valores mais fundamentais. Não digo isso apenas por idealismo, (...) mas porque eles nos fortalecem", afirmou. A fala vem em momento delicado para o governo. O fechamento de Guantánamo em um ano, determinado pelo presidente logo após a posse, enfrenta críticas dos que temem a soltura de terroristas e a manutenção destes em solo americano. Mesmo o Congresso de maioria democrata negou fundos para fechar a prisão sem um plano mais detalhado sobre o destino dos detidos. Obama responsabilizou o antecessor George W. Bush ao dizer que a questão do destino dos presos "não foi criada por minha decisão de fechar o complexo". "O problema existe por causa da decisão de abrir [a prisão em] Guantánamo." Ele disse que as decisões tomadas nos últimos oito anos estabeleceram uma abordagem legal ""ad hoc" [extraordinária e para um fim específico] que não foi nem eficiente nem sustentável e deixou de usar nossos valores como bússola". "Mais de 525 detidos foram libertados de Guantánamo sob o governo Bush (...) antes da minha chegada ao poder e da ordem de fechar a prisão. Guantánamo provavelmente criou mais terroristas no mundo do que jamais deteve." Obama celebrou o que seu governo já fez, como a ordem para o fim do uso de técnicas de tortura em interrogatórios. "Posso dizer hoje que, sem exceções, os EUA não torturam."
Destino dos presos
Mas as transformações que o presidente quer implementar na abordagem a detenções de suspeitos de terrorismo não são livres de controvérsia. Uma das mais polêmicas é a manutenção de detidos sem julgamento por tempo indeterminado. São presos que o governo diz que não podem ser julgados nem em tribunais federais nem em comissões militares, mas que tampouco podem ser libertados por serem considerados ameaças ao país. "Não soltaremos ninguém que ponha em risco nossa segurança nacional", afirmou Obama. O governo, disse, terá que criar um marco legal específico para lidar com esses presos. "Tenho que ser honesto; essa é a questão mais difícil que enfrentaremos. Temos que ter padrões claros, defensáveis e legais para aqueles que caem nessa categoria, para que não cometamos erros. Temos que ter um processo detalhado de revisão para que cada detenção prolongada seja cuidadosamente avaliada e justificada." Ativistas aliados expressaram decepção. "Obama se envolveu na Constituição [no discurso] e então começou a violá-la ao anunciar que criará um esquema de detenções preventivas que serve apenas para mudar Guantánamo de lugar e dar um outro nome", disse Michael Ratner, do Centro de Direitos Constitucionais de Nova York. Noutro anúncio controverso, Obama reiterou que alguns detidos serão levados a prisões de segurança máxima em solo americano. Os que violaram leis americanas serão julgados em tribunais federais; os suspeitos de crimes de guerra serão enviados a comissões militares -tribunais de exceção criados por Bush mas que Obama quer emendar para expandir garantias legais aos réus. Esse ponto foi rejeitado por republicanos. "Não podemos ter esses terroristas chegando a nosso sistema de prisões", disse a senadora Kay Hutchinson. "Essas pessoas não podem ser postas com presos americanos em comunidades onde poderão causar problemas."
São Paulo, sexta-feira, 22 de maio de 2009
Obama quer "limpar bagunça" de Guantánamo
Presidente reitera que fechará prisão em base militar, apesar de admitir não ter encontrado solução para parte dos presos
Em discurso sobre segurança, democrata diz que governo Bush criou sistema que "não foi eficiente e deixou de usar nossos valores como bússola"
Obama apresenta no Arquivo Nacional novos planos para Guantánamo
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
Acusando o governo anterior de ter criado uma "bagunça" com as controversas detenções em Guantánamo, o presidente dos EUA, Barack Obama, defendeu em discurso ontem seu plano de fechar a prisão até janeiro de 2010 e disse que o país só estará seguro se basear suas políticas em valores fundamentais de justiça e liberdade. Ao mesmo tempo, confirmou sua intenção de levar alguns dos presos de Guantánamo a penitenciárias e tribunais dentro dos EUA e indicou que vários outros serão detidos indefinidamente e sem julgamento. Obama escolheu como cenário da fala o Museu dos Arquivos Nacionais, em Washington, onde discursou rodeado pela Constituição, pela Carta dos Direitos e pela Declaração de Independência dos EUA. "Acredito firmemente que no longo prazo não podemos manter esse país seguro se não colocarmos em prática nossos valores mais fundamentais. Não digo isso apenas por idealismo, (...) mas porque eles nos fortalecem", afirmou. A fala vem em momento delicado para o governo. O fechamento de Guantánamo em um ano, determinado pelo presidente logo após a posse, enfrenta críticas dos que temem a soltura de terroristas e a manutenção destes em solo americano. Mesmo o Congresso de maioria democrata negou fundos para fechar a prisão sem um plano mais detalhado sobre o destino dos detidos. Obama responsabilizou o antecessor George W. Bush ao dizer que a questão do destino dos presos "não foi criada por minha decisão de fechar o complexo". "O problema existe por causa da decisão de abrir [a prisão em] Guantánamo." Ele disse que as decisões tomadas nos últimos oito anos estabeleceram uma abordagem legal ""ad hoc" [extraordinária e para um fim específico] que não foi nem eficiente nem sustentável e deixou de usar nossos valores como bússola". "Mais de 525 detidos foram libertados de Guantánamo sob o governo Bush (...) antes da minha chegada ao poder e da ordem de fechar a prisão. Guantánamo provavelmente criou mais terroristas no mundo do que jamais deteve." Obama celebrou o que seu governo já fez, como a ordem para o fim do uso de técnicas de tortura em interrogatórios. "Posso dizer hoje que, sem exceções, os EUA não torturam."
Destino dos presos
Mas as transformações que o presidente quer implementar na abordagem a detenções de suspeitos de terrorismo não são livres de controvérsia. Uma das mais polêmicas é a manutenção de detidos sem julgamento por tempo indeterminado. São presos que o governo diz que não podem ser julgados nem em tribunais federais nem em comissões militares, mas que tampouco podem ser libertados por serem considerados ameaças ao país. "Não soltaremos ninguém que ponha em risco nossa segurança nacional", afirmou Obama. O governo, disse, terá que criar um marco legal específico para lidar com esses presos. "Tenho que ser honesto; essa é a questão mais difícil que enfrentaremos. Temos que ter padrões claros, defensáveis e legais para aqueles que caem nessa categoria, para que não cometamos erros. Temos que ter um processo detalhado de revisão para que cada detenção prolongada seja cuidadosamente avaliada e justificada." Ativistas aliados expressaram decepção. "Obama se envolveu na Constituição [no discurso] e então começou a violá-la ao anunciar que criará um esquema de detenções preventivas que serve apenas para mudar Guantánamo de lugar e dar um outro nome", disse Michael Ratner, do Centro de Direitos Constitucionais de Nova York. Noutro anúncio controverso, Obama reiterou que alguns detidos serão levados a prisões de segurança máxima em solo americano. Os que violaram leis americanas serão julgados em tribunais federais; os suspeitos de crimes de guerra serão enviados a comissões militares -tribunais de exceção criados por Bush mas que Obama quer emendar para expandir garantias legais aos réus. Esse ponto foi rejeitado por republicanos. "Não podemos ter esses terroristas chegando a nosso sistema de prisões", disse a senadora Kay Hutchinson. "Essas pessoas não podem ser postas com presos americanos em comunidades onde poderão causar problemas."
Roubini e a crise internacional
São Paulo, sexta-feira, 22 de maio de 2009
Folha de São Paulo 22 de maio de 2009
ENTREVISTA - NOURIEL ROUBINI
Crise global vai continuar mesmo depois da recessão
Para economista, movimento atual de recuperação das Bolsas não é sustentável
O economista Nouriel Roubini concede entrevista em São Paulo; para ele, o crescimento do Brasil neste ano ficará entre 0 e -1%
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Nouriel Roubini à Folha ontem, após participar de seminário promovido pela Serasa Experian em São Paulo.
FOLHA - O senhor está sorrindo hoje! É difícil vê-lo assim nas fotos, nas imagens da televisão... Isso contribui para a sua fama de "Doutor Apocalispe"?
NOURIEL ROUBINI - [Fica sério] A crise econômica é um assunto tão grave que, quando estou falando a respeito, simplesmente acho que sorrir não é apropriado. As pessoas me chamam de "Doutor Apocalipse" porque fui o primeiro a prever o atual desastre, mas prefiro ser chamado de "Doutor Realista".
Não vejo, à nossa frente, uma depressão ou uma longa recessão, como muitos apontam. Creio que vamos sair desta crise no ano que vem. Ainda estou preocupado, no entanto, com determinados aspectos econômicos de curto prazo.
FOLHA - Alguns analistas afirmam já detectar aqui e ali sinais de recuperação da economia americana. Quais indicadores realmente apontam o começo de um restabelecimento e quais não devem ser interpretados assim?
ROUBINI - Os índices mais importantes a acompanhar são os relativos a consumo, investimento das empresas, produção industrial e mercado imobiliário. Eles continuam caindo. Só que estão recuando menos do que o observado no ano passado -se apresentassem o mesmo ritmo de queda dos últimos meses de 2008, não estaríamos em uma recessão, mas em uma depressão profunda. Isso não significa uma luz verde, mas uma luz amarela, na minha opinião. Não se pode tomá-los como indicativos de retomada.
FOLHA - Então, em que ponto da crise nos encontramos agora?
ROUBINI - Eu havia afirmado que a recessão dos EUA duraria 24 meses. Como começou em dezembro de 2007, deve terminar em dezembro de 2009. Transcorridos 17 meses, já passamos de dois terços do caminho, portanto, em termos de recessão. Entretanto, não chegamos nem perto do fim da crise bancária ou de crédito -esta deve levar mais dois ou três anos para passar.
FOLHA - O senhor quer dizer que não se deve comemorar o fato de já ser possível avistar o final do período de contração?
ROUBINI - Sim. No caso de economias avançadas como os EUA, a Europa e o Japão, o cenário para os próximos dois anos é de crescimento abaixo do potencial. O potencial americano é de um avanço de 2,75% a 3% ao ano, mas ficará abaixo de 1% em 2010, o que é medíocre. Apesar de não estar mais em uma recessão, tecnicamente falando, o sentimento no país será o de estar porque o desemprego seguirá subindo por ao menos um ano e meio. Assim aconteceu nas últimas duas retrações, em 1991 e 2001, e tende a se repetir.
FOLHA - Quais são as perspectivas para o Brasil?
ROUBINI - O Brasil deve no máximo apresentar crescimento zero neste ano; o mais provável é que tenha uma pequena retração do PIB [Produto Interno Bruto], entre 0 e 1% negativo. Após fortes quedas no último trimestre de 2008 e no primeiro deste, o desempenho fica positivo no segundo, pelas nossas previsões. A sorte do Brasil é possuir um mercado doméstico robusto a ser explorado. Já as exportações dependem mais da recuperação do preço das commodities, que dependem da retomada da China. Com uma agressiva política de governo, a China realmente tem reagido nos últimos meses.
FOLHA - Os seus críticos argumentam que o senhor previu essa crise diversas vezes nos últimos anos, por isso acertou.
ROUBINI - Ouvi essa história de que até mesmo um relógio parado está certo duas vezes por dia. Mas essas críticas são tolas e injustas, pois não fiz previsões genéricas sobre a crise, basta ler com atenção tudo o que escrevi. Fui bastante específico, dei detalhes sobre os problemas financeiros, quando e como seriam os seus desenvolvimentos. Por exemplo, falei, um ano e meio atrás, que dois grandes bancos de investimento dos EUA iriam à lona em dois anos. Adivinhe. Levou sete meses apenas para o colapso do Lehman Brothers e do Bear Stearns. Pode-se dizer na verdade que eu fui até muito otimista quando falei de prazos.
FOLHA - Onde o senhor tem investido o seu próprio dinheiro?
ROUBINI - Nos últimos três anos, deixei na poupança ou em títulos de depósito interbancário, bem longe do mercado financeiro. Aí me falam: "Você ganhou quase zero". Bem, é melhor ganhar zero do que perder 50%, não é? Continuo fora do mercado financeiro porque ainda vejo riscos de recuos macroeconômicos e no lucro das empresas, além de turbulências no setor financeiro. É claro que vai chegar o tempo de recuperação do preço dos ativos financeiros em nível global. Porém, só vejo isso ocorrendo daqui a um ano ou até um ano e meio. Não acredito que a escalada recente das Bolsas seja sustentável, porque o movimento está indo além do que os dados sobre a economia permitem. Por esse motivo, pode haver uma correção.
FOLHA - Como tem sido a vida de economista-celebridade? O que mudou na sua rotina?
ROUBINI - Não acho que eu seja uma celebridade porque não tenho vida de celebridade. Trabalho 12 horas por dia, sete dias por semana, e gasto 80% do meu tempo viajando pelo mundo. Se eu fosse celebridade, não estaria passando a vida a conversar com jornalistas e outros pesquisadores -eu estaria pegando uma praia no Rio de Janeiro [risos]. É muito trabalhoso fazer análise porque requer que visitemos o mundo inteiro para falar com pessoas, empresários, investidores, autoridades. Não tenho uma bola de cristal.
FOLHA - Circula uma piada segundo a qual os únicos que estão lucrando com a atual crise são os advogados, por causa das falências de empresas, e os economistas, que nunca deram tantas palestras. Entendo que o seu trabalho seja desgastante; no entanto, é uma oportunidade de ganhar dinheiro e fazer o seu nome no planeta todo.
ROUBINI - O momento é bastante complexo e interessante para os economistas. Aconteceram mais coisas no último ano e meio do que nos 70 anteriores. Só acho que não se pode dizer que alguém está tirando vantagem da pior crise financeira desde a Grande Depressão. Há enormes custos humanos, sociais, fiscais. É muito sério. Eu e os outros economistas estamos engajados em ajudar o mundo a entender o que aconteceu e a buscar uma solução.
Folha de São Paulo 22 de maio de 2009
ENTREVISTA - NOURIEL ROUBINI
Crise global vai continuar mesmo depois da recessão
Para economista, movimento atual de recuperação das Bolsas não é sustentável
O economista Nouriel Roubini concede entrevista em São Paulo; para ele, o crescimento do Brasil neste ano ficará entre 0 e -1%
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Nouriel Roubini à Folha ontem, após participar de seminário promovido pela Serasa Experian em São Paulo.
FOLHA - O senhor está sorrindo hoje! É difícil vê-lo assim nas fotos, nas imagens da televisão... Isso contribui para a sua fama de "Doutor Apocalispe"?
NOURIEL ROUBINI - [Fica sério] A crise econômica é um assunto tão grave que, quando estou falando a respeito, simplesmente acho que sorrir não é apropriado. As pessoas me chamam de "Doutor Apocalipse" porque fui o primeiro a prever o atual desastre, mas prefiro ser chamado de "Doutor Realista".
Não vejo, à nossa frente, uma depressão ou uma longa recessão, como muitos apontam. Creio que vamos sair desta crise no ano que vem. Ainda estou preocupado, no entanto, com determinados aspectos econômicos de curto prazo.
FOLHA - Alguns analistas afirmam já detectar aqui e ali sinais de recuperação da economia americana. Quais indicadores realmente apontam o começo de um restabelecimento e quais não devem ser interpretados assim?
ROUBINI - Os índices mais importantes a acompanhar são os relativos a consumo, investimento das empresas, produção industrial e mercado imobiliário. Eles continuam caindo. Só que estão recuando menos do que o observado no ano passado -se apresentassem o mesmo ritmo de queda dos últimos meses de 2008, não estaríamos em uma recessão, mas em uma depressão profunda. Isso não significa uma luz verde, mas uma luz amarela, na minha opinião. Não se pode tomá-los como indicativos de retomada.
FOLHA - Então, em que ponto da crise nos encontramos agora?
ROUBINI - Eu havia afirmado que a recessão dos EUA duraria 24 meses. Como começou em dezembro de 2007, deve terminar em dezembro de 2009. Transcorridos 17 meses, já passamos de dois terços do caminho, portanto, em termos de recessão. Entretanto, não chegamos nem perto do fim da crise bancária ou de crédito -esta deve levar mais dois ou três anos para passar.
FOLHA - O senhor quer dizer que não se deve comemorar o fato de já ser possível avistar o final do período de contração?
ROUBINI - Sim. No caso de economias avançadas como os EUA, a Europa e o Japão, o cenário para os próximos dois anos é de crescimento abaixo do potencial. O potencial americano é de um avanço de 2,75% a 3% ao ano, mas ficará abaixo de 1% em 2010, o que é medíocre. Apesar de não estar mais em uma recessão, tecnicamente falando, o sentimento no país será o de estar porque o desemprego seguirá subindo por ao menos um ano e meio. Assim aconteceu nas últimas duas retrações, em 1991 e 2001, e tende a se repetir.
FOLHA - Quais são as perspectivas para o Brasil?
ROUBINI - O Brasil deve no máximo apresentar crescimento zero neste ano; o mais provável é que tenha uma pequena retração do PIB [Produto Interno Bruto], entre 0 e 1% negativo. Após fortes quedas no último trimestre de 2008 e no primeiro deste, o desempenho fica positivo no segundo, pelas nossas previsões. A sorte do Brasil é possuir um mercado doméstico robusto a ser explorado. Já as exportações dependem mais da recuperação do preço das commodities, que dependem da retomada da China. Com uma agressiva política de governo, a China realmente tem reagido nos últimos meses.
FOLHA - Os seus críticos argumentam que o senhor previu essa crise diversas vezes nos últimos anos, por isso acertou.
ROUBINI - Ouvi essa história de que até mesmo um relógio parado está certo duas vezes por dia. Mas essas críticas são tolas e injustas, pois não fiz previsões genéricas sobre a crise, basta ler com atenção tudo o que escrevi. Fui bastante específico, dei detalhes sobre os problemas financeiros, quando e como seriam os seus desenvolvimentos. Por exemplo, falei, um ano e meio atrás, que dois grandes bancos de investimento dos EUA iriam à lona em dois anos. Adivinhe. Levou sete meses apenas para o colapso do Lehman Brothers e do Bear Stearns. Pode-se dizer na verdade que eu fui até muito otimista quando falei de prazos.
FOLHA - Onde o senhor tem investido o seu próprio dinheiro?
ROUBINI - Nos últimos três anos, deixei na poupança ou em títulos de depósito interbancário, bem longe do mercado financeiro. Aí me falam: "Você ganhou quase zero". Bem, é melhor ganhar zero do que perder 50%, não é? Continuo fora do mercado financeiro porque ainda vejo riscos de recuos macroeconômicos e no lucro das empresas, além de turbulências no setor financeiro. É claro que vai chegar o tempo de recuperação do preço dos ativos financeiros em nível global. Porém, só vejo isso ocorrendo daqui a um ano ou até um ano e meio. Não acredito que a escalada recente das Bolsas seja sustentável, porque o movimento está indo além do que os dados sobre a economia permitem. Por esse motivo, pode haver uma correção.
FOLHA - Como tem sido a vida de economista-celebridade? O que mudou na sua rotina?
ROUBINI - Não acho que eu seja uma celebridade porque não tenho vida de celebridade. Trabalho 12 horas por dia, sete dias por semana, e gasto 80% do meu tempo viajando pelo mundo. Se eu fosse celebridade, não estaria passando a vida a conversar com jornalistas e outros pesquisadores -eu estaria pegando uma praia no Rio de Janeiro [risos]. É muito trabalhoso fazer análise porque requer que visitemos o mundo inteiro para falar com pessoas, empresários, investidores, autoridades. Não tenho uma bola de cristal.
FOLHA - Circula uma piada segundo a qual os únicos que estão lucrando com a atual crise são os advogados, por causa das falências de empresas, e os economistas, que nunca deram tantas palestras. Entendo que o seu trabalho seja desgastante; no entanto, é uma oportunidade de ganhar dinheiro e fazer o seu nome no planeta todo.
ROUBINI - O momento é bastante complexo e interessante para os economistas. Aconteceram mais coisas no último ano e meio do que nos 70 anteriores. Só acho que não se pode dizer que alguém está tirando vantagem da pior crise financeira desde a Grande Depressão. Há enormes custos humanos, sociais, fiscais. É muito sério. Eu e os outros economistas estamos engajados em ajudar o mundo a entender o que aconteceu e a buscar uma solução.
quarta-feira, 20 de maio de 2009
GIORGIO AGAMBEN : NOTAS SOBRE A POLÍTICA
Moyens sans fins, notes sur la politique. Paris: Editions Payot et Rivages, 1995. [pp. 121-130]
Originalmente publicado na revista Futur Antérieur, número 9, 1992.
Tradução: Mauricio Rocha
A queda do partido comunista soviético e a dominação sem véus em escala planetária do Estado democrático-capitalista eliminaram os dois obstáculos ideológicos maiores que se opunham à reconsideração de uma filosofia política digna de nosso tempo: o stalinismo de um lado, o progressismo e o Estado de direito de outro. O pensamento se encontra assim pela primeira vez confrontado a sua tarefa sem nenhuma ilusão e sem nenhum álibi possível. Por todo lado, sob nossos olhos, conclui-se a "grande transformação" que arrasta um após o outro os reinos de nosso planeta (repúblicas e monarquias, tiranias e democracias, federações e Estados nacionais) em direção ao Estado espetacular integrado (Debord) ou "capital-parlamentarismo" (Badiou), grau último da forma Estado. E, assim como a grande transformação da primeira revolução industrial destruiu as estruturas sociais e políticas e as categorias do direito público do Antigo Regime, também os termos soberania, nação, povo e democracia e vontade geral recobrem a partir de agora uma realidade que nada tem a ver com aquela que esses conceitos designavam, e aquele que continua a deles se servir de modo acrítico não sabe literalmente do que fala. A opinião pública e o consenso nada tem a ver com a vontade geral, como a "polícia internacional" que conduz hoje as guerras nada tem a ver com a soberania do Jus publicum europaeum. A política contemporânea é esta experiência devastadora que desarticula e esvazia de seu sentido instituições e crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, por todo o planeta, para os repropor sob uma forma definitivamente marcada pela nulidade.
O pensamento que vem deverá, entretanto, tentar levar a sério o tema hegeliano-kojéviano (e marxista) do fim da história, assim como o tema heideggeriano da entrada na Ereignis como fim da história do ser. Esta questão opõe hoje aqueles que pensam o fim da história sem o fim do Estado (os teóricos pós-kojévianos ou pós-modernos da realização do processo histórico da humanidade em um Estado universal homogêneo) e aqueles que pensam o fim do Estado sem o fim da história (os progressismos da diversos ramos). Ambas as posições ficam aquém de sua tarefa, pois pensar a extinção do Estado sem a realização do telos histórico é tão impossível quanto pensar uma realização da história na qual perduraria a forma vazia da soberania estatal. Assim como a primeira tese revela toda sua impotência diante da sobrevivência tenaz, numa transição infinita, da forma estatal, também a segunda se choca com a resistência cada vez mais viva das instâncias históricas (de tipo nacional, religioso ou étnico). As duas posições podem por outro lado co-habitar perfeitamente através da multiplicação das instâncias estatais tradicionais (isto é, de tipo histórico), sob a égide de um organismo técnico-jurídico de vocação pós-histórico.
Só um pensamento capaz de imaginar ao mesmo tempo o fim do Estado e o fim da história, e de mobiliza-los um contra o outro, pode se revelar a altura da tarefa. É o que procurou fazer, ainda de modo insuficiente, o Heidegger dos últimos anos com a idéia de um Ereignis, de um evento último, no qual o que é apropriado e assim subtraído ao destino histórico é a retirada mesma do princípio historicizante, a própria historicidade. Se a história significa a expropriação da natureza humana em uma série de épocas e destinos históricos, a realização e a apropriação do telos histórico não significa que o processo histórico da humanidade conheça hoje um agenciamento definitivo (cuja gestão possa ser confiada a um Estado homogêneo universal), mas que a mesma historicidade anárquica que, sempre restando pressuposta, destinou o homem em épocas e culturas históricas diferentes, deve hoje se elevar como tal ao pensamento, isto é, o homem deve se apropriar hoje de seu ser histórico próprio, de sua própria impropriedade. O devir próprio (natureza) do impróprio (linguagem) não pode ser formalizado nem reconhecido segundo a dialética hegeliana da Anerkennung [reconhecimento], pois ele é, na mesma medida, um devir impróprio (linguagem) do próprio (natureza).
Por esta razão, a apropriação da historicidade não pode revestir ainda uma vez a forma estatal - o Estado não sendo outro coisa senão a pressuposição e a representação da arché histórica enquanto esta permanece oculta, mas deve deixar campo livre a uma vida humana e a uma política não-estatal e não jurídica, que permanecem ainda inteiramente por pensar.
Os conceitos de soberania e poder constituinte que estão no coração da nossa tradição política devem ser abandonados ou, ao menos, totalmente repensados. Eles marcam o ponto de indiferença entre violência e direito, natureza e logos, próprio e impróprio e, como tais, designam não um atributo ou um órgão de ordem jurídica ou do Estado, mas sua própria estrutura original. A soberania é a idéia de um laço indecidido entre violência e direito, e esse laço tem necessariamente a forma paradoxal de uma decisão sobre o estado de exceção (Carl Schmitt) ou de um ban [interdito] (Nancy), no qual a lei (a linguagem) mantém sua relação com o vivente retirando-se, abandonando-o à sua própria violência e à sua própria ir-relação. A vida sagrada, isto é, pressuposta e abandonada pela lei em um estado de exceção, é a portadora muda da soberania, o verdadeiro sujeito soberano.
A soberania é a guardiã que vigia para que o limiar indecidido entre violência e direito, natureza e linguagem, não seja posto à luz. Nós devemos ao contrário manter os olhos fixados sobre o que estátua da justiça (que, como lembra Montesquieu, devia ser coberta no momento em que fosse proclamado o estado de exceção) não deveria ver, sobre o que é hoje entretanto claro para todos, isto é, que o estado de exceção tornou-se a regra, que a vida nua é imediatamente portadora do laço de soberania e que, como tal, ela se encontra hoje abandonada a uma violência tanto mais eficaz quanto ele reveste um caráter anônimo e cotidiano.
Se ela (a soberania) é hoje uma potência social, ela deve ir até o fim de sua própria impotência e, declinando toda vontade tanto de por o direito quanto de o manter, fazer por todo o lado explodir o laço entre violência e direito, entre vivente e linguagem que constitui a soberania.
Enquanto o declínio do Estado deixa por todo lado subsistir seu envoltório vazio, pura estrutura de soberania e de dominação, a sociedade em seu conjunto irrevogavelmente se volta para o modelo da sociedade de consumo e de produção visando o bem estar. Os teóricos da soberania política como Schmitt viam aí o signo mais certo do fim da política. E, em verdade, as massas planetárias de consumidores (quando elas não recaem simplesmente nos velhos ideais étnicos ou religiosos) não deixam entrever nenhuma nova figura de polis.
Todavia, o problema que deve afrontar a nova política é precisamente este: como uma política que seria unicamente voltada à completa fruição da vida é possível nesse mundo? Mas não é esse precisamente, olhando bem, o objetivo mesmo da filosofia? E quando um pensamento político moderno nasce com Marsílio de Pádua, este não se define pela retomada com fins políticos do conceito averroísta de "vida suficiente" e de bene vivere? Benjamin, ele também, no Fragmento teológico-político, não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que "a ordem do profano deve ser orientada em direção à idéia de felicidade". A definição do conceito de "vida feliz" (que, em verdade, não deve ser separado da ontologia, porque do "ser nós não temos outra experiência senão viver") permanece uma das tarefas essenciais do pensamento que vem.
A "vida feliz" sobre a qual deve se fundar a filosofia não pode mais ser nem a vida nua que pressupõe a soberania para dela fazer seu próprio sujeito, nem a estraneidade impenetrável da ciência moderna que se busca hoje em vão sacralizar, mas bem ao contrário, uma "vida suficiente" e absolutamente profana, que atingiu a perfeição de sua própria potência e de sua própria comunicabilidade, e sobre a qual a soberania e o direito não têm mais nenhum domínio.
O plano de imanência na qual se constitui a nova experiência política é a expropriação da linguagem produzida pelo Estado-espetáculo. Com efeito, enquanto no Antigo Regime a estraneidade* da essência comunicativa do homem se substancializava em um pressuposto que fazia função de fundamento comum (a nação, a língua, a religião...), no Estado contemporâneo é esta comunicabilidade mesma, esta essência genérica mesma (isto é, a linguagem) que se constitui como esfera autônoma, na medida em que ela torna-se fator essencial do ciclo produtivo. O que incomoda a comunicação é a própria comunicabilidade, os homens são separados por isso que os une.
Entretanto, isso que dizer também que, no espetáculo, é nossa natureza lingüística que retorna, revertida. É por esta razão (justamente porque a possibilidade mesma do Comum é expropriada) que a violência do espetáculo é tão destrutiva; mas, pela mesma razão, ela contém também alguma coisa como uma possibilidade positiva que pode ser utilizada contra si própria. A época que nós estamos por viver é, com efeito, também aquela na qual torna-se pela primeira vez possível para os homens fazer a experiência de sua essência lingüística - não de tal ou tal conteúdo da linguagem, mas do próprio fato de que fala-se.
A experiência que está aqui em questão não tem nenhum conteúdo objetivo, e não é formulável em proposições sobre um estado de coisas ou uma situação histórica. Ela nada tem a ver com um 'estado', mas com um evento de linguagem, ela não concerne a tal ou tal gramática, mas, por assim dizer, ao factum loquendi como tal. Ela deve concebida como uma experiência concernente à matéria mesma ou à potência do pensamento (em termos spinozanos, uma experiência de potentia intellectus, sive de libertate).
Pois o que está em jogo nesta experiência não é, de nenhuma maneira, a comunicação enquanto destino e fim específico do homem ou como condição lógico-transcendental da política (o que é o caso nas pseudo-filosofias da comunicação), mas a única experiência material possível do ser genérico (isto é, a experiência da comparution ou, em termos marxistas, do general intellect). A primeira conseqüência que deriva da experiência do ser genérico é a abolição da falsa alternativa entre fins e meios que paralisa toda ética e toda política. Uma finalidade sem meios (o bem e o belo como fins em si) produz tanta estraneidade como uma medialidade** [médialité] pura, do ser-em-um-meio como condição genérica irredutível dos homens. A política é a exibição de uma medialidade, ela torna visível um meio enquanto tal. Não é a esfera de um fim em si, nem de meios subordinados a um fim, mas a de uma medialidade pura e sem fim como campo da ação e do pensamento humano.
A segunda conseqüência do experimentum linguae é que para além dos conceitos de apropriação e expropriação, o que importa sobretudo é pensar a possibilidade e as modalidade de um livre uso. A práxis e reflexão política se movem hoje exclusivamente no seio da dialética entre o próprio e o impróprio, na qual seja o impróprio (e é o que se passa nas democracias industriais) impõe por todo lado sua dominação em uma vontade desenfreada de falsificação e de consumo; seja, como se passa nos Estados integristas ou totalitários, o próprio pretende excluir de si próprio toda impropriedade. Se, por outro lado, chamamos Comum o ponto de indiferença entre o próprio e o impróprio, isto é, qualquer coisa que não pode jamais ser apreendida em termos de apropriação ou expropriação, mas somente como uso, então o problema político essencial torna-se: "como fazer uso do comum" (Heidegger pensava talvez em qualquer coisa desse gênero quando ele formulava seu conceito supremo não como apropriação ou expropriação, mas como apropriação de uma expropriação.).
Somente se conseguirem articular o lugar, os modos e os sentidos desta experiência do evento da linguagem com uso livre do Comum e como esfera dos puros meios, é que as novas categorias do pensamento político - "comunidade dos sem obra", "igualdade", "fidelidade", "intelectualidade de massa", "povo por vir", "singularidade qualquer" - poderão dar uma forma à matéria política que nos encara.
Originalmente publicado na revista Futur Antérieur, número 9, 1992.
Tradução: Mauricio Rocha
A queda do partido comunista soviético e a dominação sem véus em escala planetária do Estado democrático-capitalista eliminaram os dois obstáculos ideológicos maiores que se opunham à reconsideração de uma filosofia política digna de nosso tempo: o stalinismo de um lado, o progressismo e o Estado de direito de outro. O pensamento se encontra assim pela primeira vez confrontado a sua tarefa sem nenhuma ilusão e sem nenhum álibi possível. Por todo lado, sob nossos olhos, conclui-se a "grande transformação" que arrasta um após o outro os reinos de nosso planeta (repúblicas e monarquias, tiranias e democracias, federações e Estados nacionais) em direção ao Estado espetacular integrado (Debord) ou "capital-parlamentarismo" (Badiou), grau último da forma Estado. E, assim como a grande transformação da primeira revolução industrial destruiu as estruturas sociais e políticas e as categorias do direito público do Antigo Regime, também os termos soberania, nação, povo e democracia e vontade geral recobrem a partir de agora uma realidade que nada tem a ver com aquela que esses conceitos designavam, e aquele que continua a deles se servir de modo acrítico não sabe literalmente do que fala. A opinião pública e o consenso nada tem a ver com a vontade geral, como a "polícia internacional" que conduz hoje as guerras nada tem a ver com a soberania do Jus publicum europaeum. A política contemporânea é esta experiência devastadora que desarticula e esvazia de seu sentido instituições e crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, por todo o planeta, para os repropor sob uma forma definitivamente marcada pela nulidade.
O pensamento que vem deverá, entretanto, tentar levar a sério o tema hegeliano-kojéviano (e marxista) do fim da história, assim como o tema heideggeriano da entrada na Ereignis como fim da história do ser. Esta questão opõe hoje aqueles que pensam o fim da história sem o fim do Estado (os teóricos pós-kojévianos ou pós-modernos da realização do processo histórico da humanidade em um Estado universal homogêneo) e aqueles que pensam o fim do Estado sem o fim da história (os progressismos da diversos ramos). Ambas as posições ficam aquém de sua tarefa, pois pensar a extinção do Estado sem a realização do telos histórico é tão impossível quanto pensar uma realização da história na qual perduraria a forma vazia da soberania estatal. Assim como a primeira tese revela toda sua impotência diante da sobrevivência tenaz, numa transição infinita, da forma estatal, também a segunda se choca com a resistência cada vez mais viva das instâncias históricas (de tipo nacional, religioso ou étnico). As duas posições podem por outro lado co-habitar perfeitamente através da multiplicação das instâncias estatais tradicionais (isto é, de tipo histórico), sob a égide de um organismo técnico-jurídico de vocação pós-histórico.
Só um pensamento capaz de imaginar ao mesmo tempo o fim do Estado e o fim da história, e de mobiliza-los um contra o outro, pode se revelar a altura da tarefa. É o que procurou fazer, ainda de modo insuficiente, o Heidegger dos últimos anos com a idéia de um Ereignis, de um evento último, no qual o que é apropriado e assim subtraído ao destino histórico é a retirada mesma do princípio historicizante, a própria historicidade. Se a história significa a expropriação da natureza humana em uma série de épocas e destinos históricos, a realização e a apropriação do telos histórico não significa que o processo histórico da humanidade conheça hoje um agenciamento definitivo (cuja gestão possa ser confiada a um Estado homogêneo universal), mas que a mesma historicidade anárquica que, sempre restando pressuposta, destinou o homem em épocas e culturas históricas diferentes, deve hoje se elevar como tal ao pensamento, isto é, o homem deve se apropriar hoje de seu ser histórico próprio, de sua própria impropriedade. O devir próprio (natureza) do impróprio (linguagem) não pode ser formalizado nem reconhecido segundo a dialética hegeliana da Anerkennung [reconhecimento], pois ele é, na mesma medida, um devir impróprio (linguagem) do próprio (natureza).
Por esta razão, a apropriação da historicidade não pode revestir ainda uma vez a forma estatal - o Estado não sendo outro coisa senão a pressuposição e a representação da arché histórica enquanto esta permanece oculta, mas deve deixar campo livre a uma vida humana e a uma política não-estatal e não jurídica, que permanecem ainda inteiramente por pensar.
Os conceitos de soberania e poder constituinte que estão no coração da nossa tradição política devem ser abandonados ou, ao menos, totalmente repensados. Eles marcam o ponto de indiferença entre violência e direito, natureza e logos, próprio e impróprio e, como tais, designam não um atributo ou um órgão de ordem jurídica ou do Estado, mas sua própria estrutura original. A soberania é a idéia de um laço indecidido entre violência e direito, e esse laço tem necessariamente a forma paradoxal de uma decisão sobre o estado de exceção (Carl Schmitt) ou de um ban [interdito] (Nancy), no qual a lei (a linguagem) mantém sua relação com o vivente retirando-se, abandonando-o à sua própria violência e à sua própria ir-relação. A vida sagrada, isto é, pressuposta e abandonada pela lei em um estado de exceção, é a portadora muda da soberania, o verdadeiro sujeito soberano.
A soberania é a guardiã que vigia para que o limiar indecidido entre violência e direito, natureza e linguagem, não seja posto à luz. Nós devemos ao contrário manter os olhos fixados sobre o que estátua da justiça (que, como lembra Montesquieu, devia ser coberta no momento em que fosse proclamado o estado de exceção) não deveria ver, sobre o que é hoje entretanto claro para todos, isto é, que o estado de exceção tornou-se a regra, que a vida nua é imediatamente portadora do laço de soberania e que, como tal, ela se encontra hoje abandonada a uma violência tanto mais eficaz quanto ele reveste um caráter anônimo e cotidiano.
Se ela (a soberania) é hoje uma potência social, ela deve ir até o fim de sua própria impotência e, declinando toda vontade tanto de por o direito quanto de o manter, fazer por todo o lado explodir o laço entre violência e direito, entre vivente e linguagem que constitui a soberania.
Enquanto o declínio do Estado deixa por todo lado subsistir seu envoltório vazio, pura estrutura de soberania e de dominação, a sociedade em seu conjunto irrevogavelmente se volta para o modelo da sociedade de consumo e de produção visando o bem estar. Os teóricos da soberania política como Schmitt viam aí o signo mais certo do fim da política. E, em verdade, as massas planetárias de consumidores (quando elas não recaem simplesmente nos velhos ideais étnicos ou religiosos) não deixam entrever nenhuma nova figura de polis.
Todavia, o problema que deve afrontar a nova política é precisamente este: como uma política que seria unicamente voltada à completa fruição da vida é possível nesse mundo? Mas não é esse precisamente, olhando bem, o objetivo mesmo da filosofia? E quando um pensamento político moderno nasce com Marsílio de Pádua, este não se define pela retomada com fins políticos do conceito averroísta de "vida suficiente" e de bene vivere? Benjamin, ele também, no Fragmento teológico-político, não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que "a ordem do profano deve ser orientada em direção à idéia de felicidade". A definição do conceito de "vida feliz" (que, em verdade, não deve ser separado da ontologia, porque do "ser nós não temos outra experiência senão viver") permanece uma das tarefas essenciais do pensamento que vem.
A "vida feliz" sobre a qual deve se fundar a filosofia não pode mais ser nem a vida nua que pressupõe a soberania para dela fazer seu próprio sujeito, nem a estraneidade impenetrável da ciência moderna que se busca hoje em vão sacralizar, mas bem ao contrário, uma "vida suficiente" e absolutamente profana, que atingiu a perfeição de sua própria potência e de sua própria comunicabilidade, e sobre a qual a soberania e o direito não têm mais nenhum domínio.
O plano de imanência na qual se constitui a nova experiência política é a expropriação da linguagem produzida pelo Estado-espetáculo. Com efeito, enquanto no Antigo Regime a estraneidade* da essência comunicativa do homem se substancializava em um pressuposto que fazia função de fundamento comum (a nação, a língua, a religião...), no Estado contemporâneo é esta comunicabilidade mesma, esta essência genérica mesma (isto é, a linguagem) que se constitui como esfera autônoma, na medida em que ela torna-se fator essencial do ciclo produtivo. O que incomoda a comunicação é a própria comunicabilidade, os homens são separados por isso que os une.
Entretanto, isso que dizer também que, no espetáculo, é nossa natureza lingüística que retorna, revertida. É por esta razão (justamente porque a possibilidade mesma do Comum é expropriada) que a violência do espetáculo é tão destrutiva; mas, pela mesma razão, ela contém também alguma coisa como uma possibilidade positiva que pode ser utilizada contra si própria. A época que nós estamos por viver é, com efeito, também aquela na qual torna-se pela primeira vez possível para os homens fazer a experiência de sua essência lingüística - não de tal ou tal conteúdo da linguagem, mas do próprio fato de que fala-se.
A experiência que está aqui em questão não tem nenhum conteúdo objetivo, e não é formulável em proposições sobre um estado de coisas ou uma situação histórica. Ela nada tem a ver com um 'estado', mas com um evento de linguagem, ela não concerne a tal ou tal gramática, mas, por assim dizer, ao factum loquendi como tal. Ela deve concebida como uma experiência concernente à matéria mesma ou à potência do pensamento (em termos spinozanos, uma experiência de potentia intellectus, sive de libertate).
Pois o que está em jogo nesta experiência não é, de nenhuma maneira, a comunicação enquanto destino e fim específico do homem ou como condição lógico-transcendental da política (o que é o caso nas pseudo-filosofias da comunicação), mas a única experiência material possível do ser genérico (isto é, a experiência da comparution ou, em termos marxistas, do general intellect). A primeira conseqüência que deriva da experiência do ser genérico é a abolição da falsa alternativa entre fins e meios que paralisa toda ética e toda política. Uma finalidade sem meios (o bem e o belo como fins em si) produz tanta estraneidade como uma medialidade** [médialité] pura, do ser-em-um-meio como condição genérica irredutível dos homens. A política é a exibição de uma medialidade, ela torna visível um meio enquanto tal. Não é a esfera de um fim em si, nem de meios subordinados a um fim, mas a de uma medialidade pura e sem fim como campo da ação e do pensamento humano.
A segunda conseqüência do experimentum linguae é que para além dos conceitos de apropriação e expropriação, o que importa sobretudo é pensar a possibilidade e as modalidade de um livre uso. A práxis e reflexão política se movem hoje exclusivamente no seio da dialética entre o próprio e o impróprio, na qual seja o impróprio (e é o que se passa nas democracias industriais) impõe por todo lado sua dominação em uma vontade desenfreada de falsificação e de consumo; seja, como se passa nos Estados integristas ou totalitários, o próprio pretende excluir de si próprio toda impropriedade. Se, por outro lado, chamamos Comum o ponto de indiferença entre o próprio e o impróprio, isto é, qualquer coisa que não pode jamais ser apreendida em termos de apropriação ou expropriação, mas somente como uso, então o problema político essencial torna-se: "como fazer uso do comum" (Heidegger pensava talvez em qualquer coisa desse gênero quando ele formulava seu conceito supremo não como apropriação ou expropriação, mas como apropriação de uma expropriação.).
Somente se conseguirem articular o lugar, os modos e os sentidos desta experiência do evento da linguagem com uso livre do Comum e como esfera dos puros meios, é que as novas categorias do pensamento político - "comunidade dos sem obra", "igualdade", "fidelidade", "intelectualidade de massa", "povo por vir", "singularidade qualquer" - poderão dar uma forma à matéria política que nos encara.
Exceção - Senadores democratas vetam fundo para fechar Guantánamo
Notícia da Folha de São Paulo de hoje proveniente da agência de notícias Reuters.
Importante ressaltar que Obama retomou as comissões militares de exceção utilizadas por Bush. Importante ressaltar também que esses presos não tem uma acusação formal nem direito de defesa. Sua prisão é preventiva e é absurda sob qualquer pseudo-regime internacional. Só é real pois a exceção hoje se torna regra.
Senadores democratas vetam fundo para fechar Guantánamo
DA REUTERS
Num revés para o presidente Barack Obama, senadores democratas dos EUA anunciaram ontem que vetarão US$ 80 milhões que seriam usados pelo governo americano para realocar os 241 prisioneiros da base norte-americana em Guantánamo (Cuba).
O objetivo de Obama era que o dinheiro fosse incluído em uma lei -ainda pendente no Congresso- de financiamento das guerras no Iraque e no Afeganistão. Segundo os senadores, o dinheiro será liberado quando houver um plano "aceitável" sobre o que será feito com os detentos, que são suspeitos de terrorismo mas nunca foram formalmente acusados.
"A sensação era a de que estávamos defendendo o desconhecido, um plano ainda não anunciado", disse o democrata Richard Durbin.
Republicanos e alguns democratas também reiteraram ontem sua resistência a que presos sejam levados a solo americano. "Nunca permitiremos que terroristas sejam soltos nos EUA", disse o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid.
Obama prometera fechar Guantánamo até janeiro de 2010, mas enfrenta o obstáculo sobre o destino dos detentos. Muitos não podem retornar a seus países de origem, onde correm risco de perseguição e morte. Na última sexta, Obama decidiu retomar as comissões militares criadas no governo de George W. Bush para o julgamento dos prisioneiros.
Importante ressaltar que Obama retomou as comissões militares de exceção utilizadas por Bush. Importante ressaltar também que esses presos não tem uma acusação formal nem direito de defesa. Sua prisão é preventiva e é absurda sob qualquer pseudo-regime internacional. Só é real pois a exceção hoje se torna regra.
Senadores democratas vetam fundo para fechar Guantánamo
DA REUTERS
Num revés para o presidente Barack Obama, senadores democratas dos EUA anunciaram ontem que vetarão US$ 80 milhões que seriam usados pelo governo americano para realocar os 241 prisioneiros da base norte-americana em Guantánamo (Cuba).
O objetivo de Obama era que o dinheiro fosse incluído em uma lei -ainda pendente no Congresso- de financiamento das guerras no Iraque e no Afeganistão. Segundo os senadores, o dinheiro será liberado quando houver um plano "aceitável" sobre o que será feito com os detentos, que são suspeitos de terrorismo mas nunca foram formalmente acusados.
"A sensação era a de que estávamos defendendo o desconhecido, um plano ainda não anunciado", disse o democrata Richard Durbin.
Republicanos e alguns democratas também reiteraram ontem sua resistência a que presos sejam levados a solo americano. "Nunca permitiremos que terroristas sejam soltos nos EUA", disse o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid.
Obama prometera fechar Guantánamo até janeiro de 2010, mas enfrenta o obstáculo sobre o destino dos detentos. Muitos não podem retornar a seus países de origem, onde correm risco de perseguição e morte. Na última sexta, Obama decidiu retomar as comissões militares criadas no governo de George W. Bush para o julgamento dos prisioneiros.
domingo, 17 de maio de 2009
O´Donnell e o constitucionalismo latino-americano
O Prof. Farlei Martins, da Ucam, doutorando em direito da Puc-rio, prosseguindo no esforço de consolidarmos uma rede sobre o constitucionalismo latino-americano, envia para a postagem a entrevisa do cientista político argentino Guillermo O´Donnell. Na entrevista, cabe destacar o uso determiadas categorias sobre democracia na América Latina e as consequências para o sistema presidencialista. Essa postagem reforça o nosso esforço de termos uma rede sobre o constitucionalismo latino-americano conforme foi preconizada pelo Prof. Ruben Martinez Dalmau na sua palestra de 11 de maio de 2009 bloggada em www.supremoemdebate.blogspot.com quando discorreu sobre o tema citado.
Estado de São Paulo, 17.05.2009
Poderosas tentações
ENTREVISTA - GUILLERMO O´DONNELL, Advogado, cientista político, professor da
Universidad Nacional de San Martín, em Buenos Aires; Ideia de perpetuação no
poder seduz quem acredita ser imprescindível. Mas, em política, ninguém o é
Laura Greenhalgh e e Flávia Tavares - O Estado de S.Paulo
O tema, de tão sério, é tratado de forma distraída, minimizada, camuflada.
Estariam os ouvidos de Lula emprenhados de "conselhos" que o incentivam a se
manter no poder? Entre o estapafúrdio e o perigoso, circula uma ideia que
vez ou outra se torna audível. Como na passagem do presidente pelo Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC, dias atrás, na festa dos 50 anos da entidade.
Companheiros de lutas operárias pregaram a tese. Lula desconversou, claro. E
manteve seu compromisso com a candidatura presidencial da ministra Dilma
Rousseff, hoje em luta contra o câncer. Enquanto isso, na Colômbia... sim,
Lula e seus interlocutores devem estar acompanhando atentamente as manobras
políticas com o intuito de levar o presidente Álvaro Uribe a se reeleger
pela segunda vez, em 2010. Até tu, Uribe.
É o poder e as tentações. Para o cientista político argentino Guillermo
O?Donnell, que fez da democracia o foco de seus estudos mais recentes, esses
dois elementos se atraem. "Qualquer mandatário está sujeito à tentação de
acreditar quando lhe dizem que é imprescindível, indispensável e, se deixar
o poder, vai ser um desastre para o país", afirma, desejando que Lula
resista a essa conversa tão cara aos bajuladores e interesseiros de plantão.
Nesta entrevista ao Aliás, concedida de sua casa em Buenos Aires, O?Donnell
faz uma análise do quadro político latino-americano valendo-se de duas
categorias distintas de democracia, desenvolvidas em seus estudos: a
democracia representativa, que ele consegue ver em evolução positiva no
Brasil, e a democracia delegativa, que ele situa em países vizinhos como
Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela. Trata-se de uma democracia meio
estranha que embute o entendimento de que, por ter sido eleito, o presidente
pode escolher o que é melhor para o país, sem dar muita trela às
instituições e poderes constituídos. Caminho para o autoritarismo? "Com
Chávez, certamente."
Guillermo O?Donnell, advogado de formação, fez doutorado em Ciência Política
na Universidade Yale, foi professor da Cátedra Hellen Kellog da Universidade
de Notre Dame - além dessas duas instituições americanas, passou também por
Stanford -, lecionou na USP e atuou no Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap). Hoje leciona e pesquisa na Universidad Nacional de
San Martín, em Buenos Aires. Tem uma filha brasileira e, até por conta dos
laços afetivos, torce para que o País continue construindo uma democracia de
causar inveja no continente latino-americano: "O Brasil está vacinado contra
as tentações".
Como avaliar a qualidade das democracias latino-americanas?
São muito irregulares. Alguns países alcançaram um patamar democrático, mas
outros ainda têm dívidas a saldar para completar e aperfeiçoar o processo.
Há os que têm se movido na direção de uma democracia representativa, ainda
que imperfeita, como o Brasil. E outros que seguem o que chamo de
"democracia delegativa". Esse conceito diz respeito a regimes em que o
presidente eleito se sente no direito e na obrigação de fazer o que achar
melhor para o país, sem obstáculos do Congresso, do Judiciário ou de
organizações civis.
Caminho para o autoritarismo?
Não necessariamente. Pensando, por exemplo, na Argentina: em comparação com
os horrores e abusos de poder já vividos no país, a democracia delegativa de
hoje não é pior do que o que se viu no passado. Não houve regressão
democrática. Mas o país ainda está distante de consolidar a representação na
política. E isso acontece não só na Argentina. Outros países da América
Latina andam testando os limites da democracia delegativa: o Equador,
certamente a Venezuela, que flerta com o autoritarismo, e, com suas
particularidades, a Bolívia.
Trata-se de uma democracia esvaziada de princípios?
É um sistema em que o presidente eleito acha que o eleitorado delegou a ele
autoridade para tomar as decisões que achar melhor para o país, sem
impedimentos institucionais. Ele só fica sujeito ao crivo de uma futura
eleição, num contexto, por sinal, hiperpresidencialista e hipermajoritário.
Instituições da democracia representativa são percebidas como um obstáculo
que esse presidente tem que domesticar, cooptar, subordinar, para fazer com
que sua ambição de "salvador da pátria" seja atingida. Ainda assim, persiste
nesse jogo o componente democrático, porque esses mandatários estão
dispostos, em princípio, a se sujeitar a eleições futuras e não suprimem
inteiramente liberdades clássicas da democracia, como a liberdade de opinião
e o direito à livre associação. É um tipo estranho de democracia, que pode
ir ao encontro do autoritarismo. Alberto Fujimori, no Peru, começou como
presidente delegativo, Vladimir Putin, na Rússia, também, e ambos se
tornaram claramente autoritários. Hugo Chávez segue esse percurso.
Como ?nascem? os presidentes na democracia delegativa?
Uma constatação empírica é a de que esses presidentes nascem de profundas
crises de seu país, quando cresce a demanda por algum tipo de ordem e poder.
Alguns presidentes chegam ao topo e fracassam rapidamente. Um exemplo claro
disso é Fernando Collor de Mello, no Brasil. Outros têm sucesso ao dar
respostas, pelo menos aparentes, a muitas das urgências da população. Isso
lhes dá uma popularidade temporária e a chancela para governar como bem
entendem. Eu acho que o Brasil ficou vacinado contra tudo isso, depois de
Collor. A Argentina, não: insiste nessa linha com Carlos Menem, Néstor
Kirchner e, agora, com Cristina.
No quadro das democracias delegativas em regimes presidencialistas, vemos
que os Parlamentos podem funcionar como balcão de negócios e defesa de
interesses de grupos. O que leva ao esvaziamento político do próprio
Legislativo. No Brasil, diz-se que o Judiciário hoje está mais ativo que o
Legislativo. Como o senhor vê isso?
Presidentes "delegativos" consideram que o Congresso tem a obrigação de
aprovar qualquer lei enviada pelo Executivo. Aqueles que têm a sorte de
conseguir maioria no Congresso fazem a fórmula funcionar bem, e até por
longo tempo. Sei que o Judiciário no Brasil é muito ativo, o que é
obviamente consequência da Constituição do País, que deu proeminência a esse
poder. Pior que isso são os países onde o Judiciário é subordinado ao
Executivo. Daí as consequências são gravíssimas. O ponto de equilíbrio entre
um Judiciário subordinado e um independente demais é o dilema.
No jogo da delegação de poder, o povo se desinteressa da política?
As democracias contemporâneas não pressupõem grande participação do chamado
"povo". Há participação de grupos sociais, entidades, organizações da
sociedade civil e o grau desse envolvimento varia de país para país. Tivemos
exemplos de forte mobilização, como as "Diretas Já!", no Brasil, mas isso
depende da conjuntura política, é algo muito flutuante.
Hoje o eleitor segue votação de leis contra o fumo, que regulamentam o uso
de bebidas, que falam das regras de trânsito, enfim, leis que normatizam sua
vida. E existe uma agenda de reformas de Estado parada. É tempo da política
miúda?
Sim, mas essa pequenez é responsabilidade das lideranças políticas. Elas é
que têm de recolocar as preocupações maiores na agenda nacional. É
importante perguntar que ambições nos levam a essa visão política
privatizada e desinteressada da população. Culpar este ou aquele pode ser
perigoso e injusto.
Relativizam-se os limites do mandato presidencial pela América Latina, com
tantos mandatários tentando se perpetuar no poder. No Brasil, embora a ideia
de propor um terceiro mandato ao presidente seja uma espécie de tabu, o tema
tem aparecido de forma camuflada. O que o senhor acha disso?
O poder carrega enormes tentações. Qualquer pessoa que esteja na cúpula está
sujeita à tentação de acreditar quando alguém lhe diz que ela é
imprescindível, indispensável e que, se deixar o poder, haverá um desastre
no país. Isso é uma constante. Aqui mesmo, na Argentina, temos um exemplo: o
Menem fabricou sua reeleição com uma reforma constitucional e depois tentou
um terceiro mandato que, felizmente, foi impedido pela mobilização da
sociedade civil e de parte da classe política. Já Patricio Aylwin, o
primeiro presidente da transição chilena, ia governando muito bem quando
seus aliados tentaram convencê-lo a promover uma reforma constitucional para
poder ser reeleito. Ele teve um comportamento exemplar ao dizer: "Jurei
cumprir uma Constituição que estabelece o tempo de mandato, portanto, não
posso agir contra isso". Ricardo Alfonsín, da Argentina, também foi tentado
e se recusou. Acho que seria gravíssimo para a democracia de alta qualidade
que vem sendo construída no Brasil, democracia que nós, argentinos,
invejamos como padrão de funcionamento institucional, se o presidente Lula e
seus aliados caírem nessa tentação demoníaca. Como amigo do Brasil,
sinceramente espero que isso não aconteça.
Mas sabemos que a política também é feita de circunstâncias. Agora há uma
situação adversa, que é a candidata do presidente ter de lutar contra uma
doença grave. Dependendo da evolução de seu estado de saúde, poderá vir daí
uma ação coordenada de apoio à ideia do terceiro mandato.
A doença da candidata é uma coisa triste e motiva a solidariedade de todos.
Mas as circunstâncias não podem ser tão fortes para abalar os pilares
constitucionais. É impossível crer que um partido invejado pela esquerda de
todo o continente, como é o PT, não tenha outra pessoa que possa
representá-lo competentemente em uma eleição, caso a ministra Dilma Rousseff
não siga adiante na disputa.
O presidente Lula nega pretender ficar no poder. Mas temos o precedente do
presidente Fernando Henrique Cardoso, que construiu a aprovação do projeto
da reeleição, que o beneficiou.
Morei no Brasil e tive o privilégio de conhecer o presidente Fernando
Henrique, por quem tenho a maior admiração. Mas quando se aventou a
possibilidade de sua reeleição, discordei. Também tive o privilégio de
conhecer o presidente Lula, ainda que brevemente, e o respeito muito tanto
como pessoa quanto como presidente. Mas justamente pelo seu peso na
consolidação da democracia no Brasil e por ser personagem de destaque na
política latino-americana será essencial que se mantenha dentro das normas.
O presidente Lula tem o privilégio, e a obrigação, de se converter no
estandarte da realidade democrática que ajudou a construir. Como
latino-americano, espero que ele não ceda às tentações. Se ceder, será uma
terrível sedução sobre os Kirchners, e mesmo sobre Chávez, que poderão
pensar: "Se o Lula faz, por que eu não posso fazer?"
Hoje parece que o desempenho dos países é mais avaliado por padrões
econômico-financeiros do que por padrões políticos.
Acho que não. Países capazes de lidar com importantes crises econômicas são
aqueles governados com padrões normais de sucessão, de eleição, de
alternância de poder. Sempre haverá algo para justificar a violação das
normas quando o governante se sente tentado a ficar. Pode ser a
justificativa econômica, pode ser outra. O Brasil não é assim. E muitos
países têm sobrevivido a crises graves em plena normalidade. Não aceitam a
condição da exceção, pois isso não cabe numa democracia.
O que dizer da China, um país fora da normalidade democrática, com o qual o
mundo quer negociar?
Para mim é mais um exemplo de que um regime autoritário pode ser
bem-sucedido, mas por algum tempo. A imensa população e a economia pujante
dos chineses convidam o mundo a negociar com eles. Porém, o mundo aceita
conviver com isso por saber que a China não vai mudar de fora para dentro.
Daí a importância de frisarmos, sempre, os terríveis abusos dos direitos
humanos cometidos pelo regime chinês.
O avanço e o aperfeiçoamento das democracias têm futuro incerto?
Há democracias fracas, completamente delegativas. Há regimes autoritários
que fazem eleições para se disfarçar de democracias. Como há
intervencionistas achando que produzem democracia, mas agem de maneira
ignorante, até reproduzindo padrões imperialistas. A democracia é uma tarefa
que carrega desafios enormes. É produto autóctone, resultado de experiências
históricas e, uma vez que sua semente exista de fato, então sua evolução
poderá ser ajudada por fatores externos, que não se resumem a governos, mas
abrangem relações entre atores sociais.
Nos anos 60 e 70, a esquerda latino-americana tinha um discurso muito ácido
em relação aos Estados Unidos e sua hegemonia no continente. Como isso está
hoje?
O termo hegemonia é muito forte, indica um poder quase absoluto e uma
situação em que os outros atores ficam completamente subordinados. É um
conceito que ajuda pouco a entender as relações internacionais.
Poderíamos falar em liderança?
Prefiro influência. Claramente a influência dos EUA tem decrescido no mundo.
Mas, em termos políticos, ideológicos e militares, os EUA continuam tendo
enorme influência na América Latina. Porém o Brasil, pela confiança
crescente em sua democracia representativa, cujas bases foram construídas
nos governos FHC e Lula, surge também como o poder mais influente na América
do Sul. A visita de Hillary Clinton ao Brasil, nos próximos dias, é sinal
disso. Ela não vem para visitar o Chile ou a Argentina. É o Brasil.
O Chile deve continuar a transição democrática desenhada pela Concertación,
ou poderá haver uma volta da direita ao poder?
Acredito que a Concertación será vitoriosa nas eleições, mas o candidato da
direita, Sebastián Piñera, expressa um campo que tem se democratizado, com
um partido mais respeitável (Renovação Nacional). Algo semelhante ao Partido
Popular (PP) espanhol que, ao ganhar as eleições com José María Aznar, não
retomou o franquismo e fez um governo que conservou a democracia. No Chile,
não há tragédias a vista.
O presidente Barack Obama nomeou Arturo Valenzuela, um chileno, para
assessorá-lo em assuntos da América Latina. Significa alguma coisa?
Valenzuela não é chileno... Nasceu no Chile, mas foi naturalizado americano
aos 16 anos. Eu o conheço bem, é ótima pessoa, tem tido uma posição
consistente pró-América Latina e conhece os países da região, com excelentes
contatos no mundo político e acadêmico. Escolha acertada. O que não está
claro é o peso da América Latina entre as prioridades de Obama. Por
enquanto, ele tem dado sinais de que deseja pôr fim à administração Bush por
aqui também.
México e Cuba serão prioridades americanas?
México é tema importante e o governo americano sabe que Cuba tem grande
valor simbólico para a América Latina, pelas políticas sociais que
implantou, pelo enfrentamento a um bloqueio duríssimo. Mas a situação de
Cuba, do ponto de vista da repressão e do autoritarismo, é insustentável.
Não tenho a mais vaga ideia do que vai acontecer. Nem se a transição
democrática já começou por lá. Em termos de prioridades americanas, o que
posso afirmar é que o Brasil se firmou como uma delas. Por sua importância
na região e no mundo.
EXEMPLO
"Lula tem obrigação de se converter no estandarte da democracia que ajudou a
construir"
FIRMEZA
"As circunstâncias não podem ser tão fortes para abalar os pilares
constitucionais"
Estado de São Paulo, 17.05.2009
Poderosas tentações
ENTREVISTA - GUILLERMO O´DONNELL, Advogado, cientista político, professor da
Universidad Nacional de San Martín, em Buenos Aires; Ideia de perpetuação no
poder seduz quem acredita ser imprescindível. Mas, em política, ninguém o é
Laura Greenhalgh e e Flávia Tavares - O Estado de S.Paulo
O tema, de tão sério, é tratado de forma distraída, minimizada, camuflada.
Estariam os ouvidos de Lula emprenhados de "conselhos" que o incentivam a se
manter no poder? Entre o estapafúrdio e o perigoso, circula uma ideia que
vez ou outra se torna audível. Como na passagem do presidente pelo Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC, dias atrás, na festa dos 50 anos da entidade.
Companheiros de lutas operárias pregaram a tese. Lula desconversou, claro. E
manteve seu compromisso com a candidatura presidencial da ministra Dilma
Rousseff, hoje em luta contra o câncer. Enquanto isso, na Colômbia... sim,
Lula e seus interlocutores devem estar acompanhando atentamente as manobras
políticas com o intuito de levar o presidente Álvaro Uribe a se reeleger
pela segunda vez, em 2010. Até tu, Uribe.
É o poder e as tentações. Para o cientista político argentino Guillermo
O?Donnell, que fez da democracia o foco de seus estudos mais recentes, esses
dois elementos se atraem. "Qualquer mandatário está sujeito à tentação de
acreditar quando lhe dizem que é imprescindível, indispensável e, se deixar
o poder, vai ser um desastre para o país", afirma, desejando que Lula
resista a essa conversa tão cara aos bajuladores e interesseiros de plantão.
Nesta entrevista ao Aliás, concedida de sua casa em Buenos Aires, O?Donnell
faz uma análise do quadro político latino-americano valendo-se de duas
categorias distintas de democracia, desenvolvidas em seus estudos: a
democracia representativa, que ele consegue ver em evolução positiva no
Brasil, e a democracia delegativa, que ele situa em países vizinhos como
Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela. Trata-se de uma democracia meio
estranha que embute o entendimento de que, por ter sido eleito, o presidente
pode escolher o que é melhor para o país, sem dar muita trela às
instituições e poderes constituídos. Caminho para o autoritarismo? "Com
Chávez, certamente."
Guillermo O?Donnell, advogado de formação, fez doutorado em Ciência Política
na Universidade Yale, foi professor da Cátedra Hellen Kellog da Universidade
de Notre Dame - além dessas duas instituições americanas, passou também por
Stanford -, lecionou na USP e atuou no Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap). Hoje leciona e pesquisa na Universidad Nacional de
San Martín, em Buenos Aires. Tem uma filha brasileira e, até por conta dos
laços afetivos, torce para que o País continue construindo uma democracia de
causar inveja no continente latino-americano: "O Brasil está vacinado contra
as tentações".
Como avaliar a qualidade das democracias latino-americanas?
São muito irregulares. Alguns países alcançaram um patamar democrático, mas
outros ainda têm dívidas a saldar para completar e aperfeiçoar o processo.
Há os que têm se movido na direção de uma democracia representativa, ainda
que imperfeita, como o Brasil. E outros que seguem o que chamo de
"democracia delegativa". Esse conceito diz respeito a regimes em que o
presidente eleito se sente no direito e na obrigação de fazer o que achar
melhor para o país, sem obstáculos do Congresso, do Judiciário ou de
organizações civis.
Caminho para o autoritarismo?
Não necessariamente. Pensando, por exemplo, na Argentina: em comparação com
os horrores e abusos de poder já vividos no país, a democracia delegativa de
hoje não é pior do que o que se viu no passado. Não houve regressão
democrática. Mas o país ainda está distante de consolidar a representação na
política. E isso acontece não só na Argentina. Outros países da América
Latina andam testando os limites da democracia delegativa: o Equador,
certamente a Venezuela, que flerta com o autoritarismo, e, com suas
particularidades, a Bolívia.
Trata-se de uma democracia esvaziada de princípios?
É um sistema em que o presidente eleito acha que o eleitorado delegou a ele
autoridade para tomar as decisões que achar melhor para o país, sem
impedimentos institucionais. Ele só fica sujeito ao crivo de uma futura
eleição, num contexto, por sinal, hiperpresidencialista e hipermajoritário.
Instituições da democracia representativa são percebidas como um obstáculo
que esse presidente tem que domesticar, cooptar, subordinar, para fazer com
que sua ambição de "salvador da pátria" seja atingida. Ainda assim, persiste
nesse jogo o componente democrático, porque esses mandatários estão
dispostos, em princípio, a se sujeitar a eleições futuras e não suprimem
inteiramente liberdades clássicas da democracia, como a liberdade de opinião
e o direito à livre associação. É um tipo estranho de democracia, que pode
ir ao encontro do autoritarismo. Alberto Fujimori, no Peru, começou como
presidente delegativo, Vladimir Putin, na Rússia, também, e ambos se
tornaram claramente autoritários. Hugo Chávez segue esse percurso.
Como ?nascem? os presidentes na democracia delegativa?
Uma constatação empírica é a de que esses presidentes nascem de profundas
crises de seu país, quando cresce a demanda por algum tipo de ordem e poder.
Alguns presidentes chegam ao topo e fracassam rapidamente. Um exemplo claro
disso é Fernando Collor de Mello, no Brasil. Outros têm sucesso ao dar
respostas, pelo menos aparentes, a muitas das urgências da população. Isso
lhes dá uma popularidade temporária e a chancela para governar como bem
entendem. Eu acho que o Brasil ficou vacinado contra tudo isso, depois de
Collor. A Argentina, não: insiste nessa linha com Carlos Menem, Néstor
Kirchner e, agora, com Cristina.
No quadro das democracias delegativas em regimes presidencialistas, vemos
que os Parlamentos podem funcionar como balcão de negócios e defesa de
interesses de grupos. O que leva ao esvaziamento político do próprio
Legislativo. No Brasil, diz-se que o Judiciário hoje está mais ativo que o
Legislativo. Como o senhor vê isso?
Presidentes "delegativos" consideram que o Congresso tem a obrigação de
aprovar qualquer lei enviada pelo Executivo. Aqueles que têm a sorte de
conseguir maioria no Congresso fazem a fórmula funcionar bem, e até por
longo tempo. Sei que o Judiciário no Brasil é muito ativo, o que é
obviamente consequência da Constituição do País, que deu proeminência a esse
poder. Pior que isso são os países onde o Judiciário é subordinado ao
Executivo. Daí as consequências são gravíssimas. O ponto de equilíbrio entre
um Judiciário subordinado e um independente demais é o dilema.
No jogo da delegação de poder, o povo se desinteressa da política?
As democracias contemporâneas não pressupõem grande participação do chamado
"povo". Há participação de grupos sociais, entidades, organizações da
sociedade civil e o grau desse envolvimento varia de país para país. Tivemos
exemplos de forte mobilização, como as "Diretas Já!", no Brasil, mas isso
depende da conjuntura política, é algo muito flutuante.
Hoje o eleitor segue votação de leis contra o fumo, que regulamentam o uso
de bebidas, que falam das regras de trânsito, enfim, leis que normatizam sua
vida. E existe uma agenda de reformas de Estado parada. É tempo da política
miúda?
Sim, mas essa pequenez é responsabilidade das lideranças políticas. Elas é
que têm de recolocar as preocupações maiores na agenda nacional. É
importante perguntar que ambições nos levam a essa visão política
privatizada e desinteressada da população. Culpar este ou aquele pode ser
perigoso e injusto.
Relativizam-se os limites do mandato presidencial pela América Latina, com
tantos mandatários tentando se perpetuar no poder. No Brasil, embora a ideia
de propor um terceiro mandato ao presidente seja uma espécie de tabu, o tema
tem aparecido de forma camuflada. O que o senhor acha disso?
O poder carrega enormes tentações. Qualquer pessoa que esteja na cúpula está
sujeita à tentação de acreditar quando alguém lhe diz que ela é
imprescindível, indispensável e que, se deixar o poder, haverá um desastre
no país. Isso é uma constante. Aqui mesmo, na Argentina, temos um exemplo: o
Menem fabricou sua reeleição com uma reforma constitucional e depois tentou
um terceiro mandato que, felizmente, foi impedido pela mobilização da
sociedade civil e de parte da classe política. Já Patricio Aylwin, o
primeiro presidente da transição chilena, ia governando muito bem quando
seus aliados tentaram convencê-lo a promover uma reforma constitucional para
poder ser reeleito. Ele teve um comportamento exemplar ao dizer: "Jurei
cumprir uma Constituição que estabelece o tempo de mandato, portanto, não
posso agir contra isso". Ricardo Alfonsín, da Argentina, também foi tentado
e se recusou. Acho que seria gravíssimo para a democracia de alta qualidade
que vem sendo construída no Brasil, democracia que nós, argentinos,
invejamos como padrão de funcionamento institucional, se o presidente Lula e
seus aliados caírem nessa tentação demoníaca. Como amigo do Brasil,
sinceramente espero que isso não aconteça.
Mas sabemos que a política também é feita de circunstâncias. Agora há uma
situação adversa, que é a candidata do presidente ter de lutar contra uma
doença grave. Dependendo da evolução de seu estado de saúde, poderá vir daí
uma ação coordenada de apoio à ideia do terceiro mandato.
A doença da candidata é uma coisa triste e motiva a solidariedade de todos.
Mas as circunstâncias não podem ser tão fortes para abalar os pilares
constitucionais. É impossível crer que um partido invejado pela esquerda de
todo o continente, como é o PT, não tenha outra pessoa que possa
representá-lo competentemente em uma eleição, caso a ministra Dilma Rousseff
não siga adiante na disputa.
O presidente Lula nega pretender ficar no poder. Mas temos o precedente do
presidente Fernando Henrique Cardoso, que construiu a aprovação do projeto
da reeleição, que o beneficiou.
Morei no Brasil e tive o privilégio de conhecer o presidente Fernando
Henrique, por quem tenho a maior admiração. Mas quando se aventou a
possibilidade de sua reeleição, discordei. Também tive o privilégio de
conhecer o presidente Lula, ainda que brevemente, e o respeito muito tanto
como pessoa quanto como presidente. Mas justamente pelo seu peso na
consolidação da democracia no Brasil e por ser personagem de destaque na
política latino-americana será essencial que se mantenha dentro das normas.
O presidente Lula tem o privilégio, e a obrigação, de se converter no
estandarte da realidade democrática que ajudou a construir. Como
latino-americano, espero que ele não ceda às tentações. Se ceder, será uma
terrível sedução sobre os Kirchners, e mesmo sobre Chávez, que poderão
pensar: "Se o Lula faz, por que eu não posso fazer?"
Hoje parece que o desempenho dos países é mais avaliado por padrões
econômico-financeiros do que por padrões políticos.
Acho que não. Países capazes de lidar com importantes crises econômicas são
aqueles governados com padrões normais de sucessão, de eleição, de
alternância de poder. Sempre haverá algo para justificar a violação das
normas quando o governante se sente tentado a ficar. Pode ser a
justificativa econômica, pode ser outra. O Brasil não é assim. E muitos
países têm sobrevivido a crises graves em plena normalidade. Não aceitam a
condição da exceção, pois isso não cabe numa democracia.
O que dizer da China, um país fora da normalidade democrática, com o qual o
mundo quer negociar?
Para mim é mais um exemplo de que um regime autoritário pode ser
bem-sucedido, mas por algum tempo. A imensa população e a economia pujante
dos chineses convidam o mundo a negociar com eles. Porém, o mundo aceita
conviver com isso por saber que a China não vai mudar de fora para dentro.
Daí a importância de frisarmos, sempre, os terríveis abusos dos direitos
humanos cometidos pelo regime chinês.
O avanço e o aperfeiçoamento das democracias têm futuro incerto?
Há democracias fracas, completamente delegativas. Há regimes autoritários
que fazem eleições para se disfarçar de democracias. Como há
intervencionistas achando que produzem democracia, mas agem de maneira
ignorante, até reproduzindo padrões imperialistas. A democracia é uma tarefa
que carrega desafios enormes. É produto autóctone, resultado de experiências
históricas e, uma vez que sua semente exista de fato, então sua evolução
poderá ser ajudada por fatores externos, que não se resumem a governos, mas
abrangem relações entre atores sociais.
Nos anos 60 e 70, a esquerda latino-americana tinha um discurso muito ácido
em relação aos Estados Unidos e sua hegemonia no continente. Como isso está
hoje?
O termo hegemonia é muito forte, indica um poder quase absoluto e uma
situação em que os outros atores ficam completamente subordinados. É um
conceito que ajuda pouco a entender as relações internacionais.
Poderíamos falar em liderança?
Prefiro influência. Claramente a influência dos EUA tem decrescido no mundo.
Mas, em termos políticos, ideológicos e militares, os EUA continuam tendo
enorme influência na América Latina. Porém o Brasil, pela confiança
crescente em sua democracia representativa, cujas bases foram construídas
nos governos FHC e Lula, surge também como o poder mais influente na América
do Sul. A visita de Hillary Clinton ao Brasil, nos próximos dias, é sinal
disso. Ela não vem para visitar o Chile ou a Argentina. É o Brasil.
O Chile deve continuar a transição democrática desenhada pela Concertación,
ou poderá haver uma volta da direita ao poder?
Acredito que a Concertación será vitoriosa nas eleições, mas o candidato da
direita, Sebastián Piñera, expressa um campo que tem se democratizado, com
um partido mais respeitável (Renovação Nacional). Algo semelhante ao Partido
Popular (PP) espanhol que, ao ganhar as eleições com José María Aznar, não
retomou o franquismo e fez um governo que conservou a democracia. No Chile,
não há tragédias a vista.
O presidente Barack Obama nomeou Arturo Valenzuela, um chileno, para
assessorá-lo em assuntos da América Latina. Significa alguma coisa?
Valenzuela não é chileno... Nasceu no Chile, mas foi naturalizado americano
aos 16 anos. Eu o conheço bem, é ótima pessoa, tem tido uma posição
consistente pró-América Latina e conhece os países da região, com excelentes
contatos no mundo político e acadêmico. Escolha acertada. O que não está
claro é o peso da América Latina entre as prioridades de Obama. Por
enquanto, ele tem dado sinais de que deseja pôr fim à administração Bush por
aqui também.
México e Cuba serão prioridades americanas?
México é tema importante e o governo americano sabe que Cuba tem grande
valor simbólico para a América Latina, pelas políticas sociais que
implantou, pelo enfrentamento a um bloqueio duríssimo. Mas a situação de
Cuba, do ponto de vista da repressão e do autoritarismo, é insustentável.
Não tenho a mais vaga ideia do que vai acontecer. Nem se a transição
democrática já começou por lá. Em termos de prioridades americanas, o que
posso afirmar é que o Brasil se firmou como uma delas. Por sua importância
na região e no mundo.
EXEMPLO
"Lula tem obrigação de se converter no estandarte da democracia que ajudou a
construir"
FIRMEZA
"As circunstâncias não podem ser tão fortes para abalar os pilares
constitucionais"
sábado, 16 de maio de 2009
Para a nossa formação com bases filosóficas
http://filosofiacomcafe.blogspot.com/ Importante endereço eletrônico para a formação nossa com fundamentos filosóficos Vejam! Foi enviado pelo aluno Humberto Lamport, de direito da UFRJ estudioso de totalitarismo
O recuo de Obama no caso dos prisioneiros de Guantanamo
Folha de São Paulo
São Paulo, sábado, 16 de maio de 2009
Obama retoma juízo militar em Guantánamo
Presidente decide reinstaurar comissões para julgar suspeitos de terrorismo, mas ressalta que melhorou regras de funcionamento
Democrata classificara de "grande fracasso" sistema excepcional instaurado por Bush e suspendera aplicação no seu 1º dia na Casa Branca
O presidente dos EUA, Barack Obama, que classificara na corrida eleitoral as comissões militares de exceção da era Bush como "grande fracasso", anunciou ontem que manterá o sistema, mudando algumas regras para ampliar os direitos de suspeitos de terrorismo.
Grupos de direitos humanos aliados a ele criticaram a decisão, vista como "retrocesso".
Obama suspendera as comissões militares por quatro meses no primeiro dia de governo, para determinar como os julgamentos em curso deveriam prosseguir (o Pentágono vai pedir novo prazo). Na mesma ocasião, ele determinara o fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, em 12 meses.
Ontem, porém, ele afirmou em comunicado que as "comissões militares têm uma longa tradição nos EUA" e "são apropriadas para julgar inimigos que violam leis de guerra, desde que sejam bem estruturadas e administradas".
As alterações que Obama quer implementar incluem a inadmissão de informações obtidas em interrogatórios "cruéis, desumanos ou degradantes" e transferem à acusação o ônus de provar que rumores ou discussões de terceiros são críveis o suficiente para serem trazidas ao julgamento.
Além disso, permitem maior flexibilidade para os réus escolherem seus defensores; expandem garantias para os que se negam a testemunhar; e definem que as comissões estabelecerão suas próprias jurisdições.
O texto precisa ainda ser aprovado pelo Congresso.
Segundo a Casa Branca, as comissões continuarão a abrigar julgamentos de alguns dos 241 detidos em Guantánamo.
Mas o governo insiste em que o processo será diferente do usado no governo George W. Bush (2001-2009), quando as comissões se tornaram um dos traços mais criticados da chamada "guerra ao terror".
Elas foram criadas em 2006 para julgar casos excepcionais de suspeitos de terrorismo. Obama admite que votou a favor da existência das comissões em sua forma original, mas diz que objetou firmemente a Lei das Comissões Militares quando Bush a enviou ao Congresso porque "ela falhou em estabelecer um quadro legal legítimo".
Restaurando Bush
Para grupos civis, já irritados com decisões recentes do presidente, as garantias oferecidas ontem não foram suficientes.
"Ao ressuscitar essa ideia fracassada do governo Bush, Obama está retrocedendo perigosamente em sua agenda de reformas", disse Kenneth Roth, diretor da ONG Human Rights Watch. Stacy Sullivan, analista de contraterrorismo do mesmo grupo, disse que "reviver as comissões tiraria muito do significado de fechar Guantánamo".
Advogados constitucionalistas também rejeitaram o argumento de que as comissões podem ser reformadas.
Para Shayana Kadidal, defensor de presos de Guantánamo e membro do Centro para Direitos Constitucionais, de Nova York, as comissões podem servir a interesses de terroristas, que se apresentam como "figuras militares" e suas vítimas como "danos colaterais".
Esses grupos tiveram uma pequena vitória ontem com a libertação do algeriano Lakhdar Boumediene, ex-preso de Guantánamo que foi enviado à França. Ele ficou conhecido quando obteve na Suprema Corte garantia aos detidos em prisões militares de questionar seu confinamento.
Pela retaguarda
Por outro lado, o anúncio de ontem foi um alento para os que temiam que o fim das comissões e o fechamento de Guantánamo facilitasse a soltura de terroristas.
A medida alivia também preocupações sobre a adequação de cortes marciais ou federais para julgar acusados de terrorismo, já que não se sabia ao certo como elas poderiam gerenciar testemunhas, provas e confissões nesses casos.
Mas a dor de cabeça deve continuar. O secretário da Justiça dos EUA, Eric Holder, indicou ontem que as mudanças não resolvem todas as questões e que alguns presos em Guantánamo provavelmente não poderão ser julgados nem nas comissões, nem em cortes marciais nem pela Justiça comum.
Especula-se que o governo pedirá ao Congresso a organização de um tribunal preventivo de detenção para manter presos esses indivíduos -o que deve provocar nova batalha na sociedade americana.
São Paulo, sábado, 16 de maio de 2009
Obama retoma juízo militar em Guantánamo
Presidente decide reinstaurar comissões para julgar suspeitos de terrorismo, mas ressalta que melhorou regras de funcionamento
Democrata classificara de "grande fracasso" sistema excepcional instaurado por Bush e suspendera aplicação no seu 1º dia na Casa Branca
O presidente dos EUA, Barack Obama, que classificara na corrida eleitoral as comissões militares de exceção da era Bush como "grande fracasso", anunciou ontem que manterá o sistema, mudando algumas regras para ampliar os direitos de suspeitos de terrorismo.
Grupos de direitos humanos aliados a ele criticaram a decisão, vista como "retrocesso".
Obama suspendera as comissões militares por quatro meses no primeiro dia de governo, para determinar como os julgamentos em curso deveriam prosseguir (o Pentágono vai pedir novo prazo). Na mesma ocasião, ele determinara o fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, em 12 meses.
Ontem, porém, ele afirmou em comunicado que as "comissões militares têm uma longa tradição nos EUA" e "são apropriadas para julgar inimigos que violam leis de guerra, desde que sejam bem estruturadas e administradas".
As alterações que Obama quer implementar incluem a inadmissão de informações obtidas em interrogatórios "cruéis, desumanos ou degradantes" e transferem à acusação o ônus de provar que rumores ou discussões de terceiros são críveis o suficiente para serem trazidas ao julgamento.
Além disso, permitem maior flexibilidade para os réus escolherem seus defensores; expandem garantias para os que se negam a testemunhar; e definem que as comissões estabelecerão suas próprias jurisdições.
O texto precisa ainda ser aprovado pelo Congresso.
Segundo a Casa Branca, as comissões continuarão a abrigar julgamentos de alguns dos 241 detidos em Guantánamo.
Mas o governo insiste em que o processo será diferente do usado no governo George W. Bush (2001-2009), quando as comissões se tornaram um dos traços mais criticados da chamada "guerra ao terror".
Elas foram criadas em 2006 para julgar casos excepcionais de suspeitos de terrorismo. Obama admite que votou a favor da existência das comissões em sua forma original, mas diz que objetou firmemente a Lei das Comissões Militares quando Bush a enviou ao Congresso porque "ela falhou em estabelecer um quadro legal legítimo".
Restaurando Bush
Para grupos civis, já irritados com decisões recentes do presidente, as garantias oferecidas ontem não foram suficientes.
"Ao ressuscitar essa ideia fracassada do governo Bush, Obama está retrocedendo perigosamente em sua agenda de reformas", disse Kenneth Roth, diretor da ONG Human Rights Watch. Stacy Sullivan, analista de contraterrorismo do mesmo grupo, disse que "reviver as comissões tiraria muito do significado de fechar Guantánamo".
Advogados constitucionalistas também rejeitaram o argumento de que as comissões podem ser reformadas.
Para Shayana Kadidal, defensor de presos de Guantánamo e membro do Centro para Direitos Constitucionais, de Nova York, as comissões podem servir a interesses de terroristas, que se apresentam como "figuras militares" e suas vítimas como "danos colaterais".
Esses grupos tiveram uma pequena vitória ontem com a libertação do algeriano Lakhdar Boumediene, ex-preso de Guantánamo que foi enviado à França. Ele ficou conhecido quando obteve na Suprema Corte garantia aos detidos em prisões militares de questionar seu confinamento.
Pela retaguarda
Por outro lado, o anúncio de ontem foi um alento para os que temiam que o fim das comissões e o fechamento de Guantánamo facilitasse a soltura de terroristas.
A medida alivia também preocupações sobre a adequação de cortes marciais ou federais para julgar acusados de terrorismo, já que não se sabia ao certo como elas poderiam gerenciar testemunhas, provas e confissões nesses casos.
Mas a dor de cabeça deve continuar. O secretário da Justiça dos EUA, Eric Holder, indicou ontem que as mudanças não resolvem todas as questões e que alguns presos em Guantánamo provavelmente não poderão ser julgados nem nas comissões, nem em cortes marciais nem pela Justiça comum.
Especula-se que o governo pedirá ao Congresso a organização de um tribunal preventivo de detenção para manter presos esses indivíduos -o que deve provocar nova batalha na sociedade americana.
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